domingo, 31 de janeiro de 2010

Hakim Sanai - O Jardim Amuralhado da Verdade

O Um é um

nem mais, nem menos:


o erro começa na dualidade;


a unidade não conhece erro.



O Lugar em si não tem lugar:


como poderia haver lugar


para o criador do lugar,


céu para o criador do céu?


Ele disse:


“Eu era um tesouro escondido;


a criação foi criada


para que você pudesse Me conhecer.”




Diga-me, se o que você busca


não existe em lugar nenhum, por que


você se propõe a viajar até lá a pé?


A estrada sobre a qual seu ser deve viajar


consiste em polir o espelho do seu coração.



Não é através de rebelião e discórdia


que o espelho do coração é polido e livrado do


ferrugem da hipocrisia e da descrença:


seu espelho é polido pela sua certeza,


pela completa pureza de sua fé.



Se você quer que o espelho reflita a face,


segure-o sem demora e mantenha-o brilhantemente polido;


embora o sol não dê sua luz de má vontade,


quando visto num nevoeiro ele parece apenas vidro;


e até as criaturas mais atraentes que os anjos


numa adaga parecem ter faces diabólicas.



Sua adaga jamais falará a verdade a partir do falso:


Ela jamais lhe servirá como espelho.


Melhor procurar sua imagem no seu coração


do que em seu barro mortal, liberte-se


das correntes que você forjou sobre si mesmo.


Você estará livre quando livrar-se do barro.


O corpo é escuro – o coração é resplandescente, brilhante;


o corpo é mero adubo – o coração é um jardim florido.



______________________________________________

O caminho até o amigo não é longe de você:


você mesmo é o caminho:


então enverede por ele.




Você que não sabe nada sobre a vida


que vem do suco da uva,


quanto tempo vai ficar intoxicado


pela forma externa da uva?


Por que você mente que está embriagado?




Se você toma vinho, mantenha-se em silêncio a esse respeito:


um bebedor de leite não diz nada, então por que deveria você dizer?


Quando beber uma taça de vinho


nesta casa arruinada, siga meu conselho:


não coloque os pés para fora da porta da sua embriaguez,


mas recoste sua cabeça onde você bebeu;


beba em segredo e quando tiver bebido,


esfregue o solo em seus lábios, e até que você tenha bebido

vinho e tido dor de cabeça ao menos duas vezes,


não direi de você, “Ali vai um homem!”




Como você pode ir adiante?


Não há lugar para ir;


como você irá saltar?


Você não tem pés.




Não é apenas hoje


que o não-existente veio para servir


na porta do verdadeiro Ser;


desde o começo dos tempos, desprovidos de riqueza e poder,


servidores têm, como formigas, se aglomerado


para esperar na porta do amante.




Arrume as coisas de modo que quando a morte chamar,


ela encontre sua alma esperando na rua.


Saia desta casa de vagabundos:


se você está na porta de Deus, fique aí;


se não está, torne-a seu caminho agora.




Ninguém sabe o quão longe é


da nulidade até Deus.


Enquanto você se agarrar a si mesmo


vai vagar para a esquerda e para a direita,


dia e noite, por milhares de anos;


e quando, depois de todo esse esforço


você finalmente abrir seus olhos,


verá o seu ser através de defeitos inerentes,


vagando em círculos como o gado no moinho;


mas, se, uma vez libertado do seu ser,


você finalmente começar a trabalhar,


essa porta se abrirá para você em dois minutos.

sábado, 30 de janeiro de 2010

Nisargadatta Maharaj - Mumbai, 10 de janeiro de 1981


Visitante: A consciência opera através da mente?


Maharaj: Tudo acontece na consciência. Eu abandonei minha identidade independente um longo tempo atrás, não há a questão de uma entidade independente, todas as coisas são apenas uma aparência na consciência.

Assim como em qualquer pedaço de tecido o elemento principal é a linha, também em qualquer aparência a essência é a consciência. Isso deve ser percebido profundamente e não pode ocorrer enquanto há a identificação com o corpo. Enquanto a identificação estiver lá você pensará em beneficiar apenas esta pseudo-personalidade.

O universo todo está vivo enquanto você tem essa consciência, uma vez que ela estiver acabada para você, não haverá nada. Entenda, há uma diferença entre alguém que fala a partir do aprendizado de livros e de alguém que fala por experiência.

Um Jnani identifica-se com a consciência universal e assim há uma adaptação perfeita a todas as coisas em todo lugar. Apenas o processo de testemunhar está acontecendo. Este aparato psicossomático está lá tanto para o Jnani quanto para o ignorante, mas o ignorante que identifica-se com o corpo está feliz ou infeliz conforme a situação muda. O Jnani apenas testemunha, ele não está individualmente preocupado com o que acontece.

Eu repito de novo e de novo, por favor, escute: entenda o que é isso por causa do qual nós nos sentimos vivos, entenda a natureza disso, entenda o gosto disso e então a identificação com o corpo irá embora.

Esse Atman Prem (Amor do Ser/Auto-Amor), esse sentido de ser, surgiu sem nenhum esforço da sua parte. Qual é a natureza dele, o gosto dele, o que é ele? Isso você deve descobrir.

Fixe a sua identidade firmemente nesse sentido de ser, não dê a ele membros, formato ou forma, pois uma vez que você dê forma a ele você o limita.

Entenda esta energia que está por trás de toda a manifestação do universo.

Você faz muitas perguntas, você procura pelas respostas em livros e palavras, e não na experiência intuitiva. Isso não é conhecimento. O Conhecimento brota da consciência sem esforço, por si próprio.

Muitos nomes têm sido dados a essa energia que é a fonte de toda a manifestação. As pessoas oram para esses nomes e formas, elas não oram para esse sentido de ser, essa substância, que esses nomes representam. Ore para esse sentido de ser apenas.

Do mesmo modo que não há separação entre dois amigos genuínos, assim como um amigo genuíno sabe as necessidades do outro sem falar, se importa com ele e faz isso espontaneamente, também você deveria desenvolver tal amizade profunda com essa substância, não com a atitude de pedir favores, mas como um amigo procurando um amigo. Seja um com o conhecimento “eu sou”, a fonte da senciência, o próprio sentido de ser (sentido de existência).

As pessoas pensam e falam sobre tudo mais exceto a respeito dessa coisa básica que eu falo para elas. Elas estão interessadas em milagres científicos, fazem da ciência um Deus, elas se preocupam com essas formas que já estão manifestas. Elas não estão interessadas no milagre original - este corpo e sua força de vida.

Nós ignoramos este milagre. Se não há consciência não há Deus. A existência e a essência de Deus estão ambas nesta consciência, e, portanto, neste corpo.

Como estes templos e igrejas apareceram? Por causa da inspiração da consciência dentro do corpo. A consciência é a semente de Brahman, Deus, de tudo, os eventos apenas acontecem e manifestam-se quando a consciência está lá, e a consciência está no corpo.

Nada que eu diga irá beneficiar você neste mundo, eu apenas falo o que você é. Se você está buscando esse tipo de paz que é sem preço, só pode ser ao estabilizar a si mesmo na consciência com firme convicção. Por convicção eu quero dizer aquela que nunca duvida, firme, inabalável, que jamais hesita – tenha esse tipo de convicção em seu sentido de ser. Não pense em nada mais, não reze por nada mais. Atman Prem, por causa disso tudo é.

No momento daquilo que chamamos morte, o que acontece? Tudo o que significa é que esse grão de consciência foi abandonado. Esse grão é entregue para um conceito que você tem aceito como o tempo. Você relutantemente o entrega para o tempo. O Jnani entrega-o para a própria natureza real dele.

Esse Atman Prem, esta existência que nós temos protegido por tantos anos, para quem nós a entregaremos? Se ignorantes, para nosso conceito de tempo. Se Bhakti (devoto) ignorante, para um conceito de Deus. Se Jnani, para sua própria natureza verdadeira.

O que quer que você pense ter adquirido como uma identidade, você adquiriu através de esforço ou intenção? Há algo que você realmente adquiriu? Não. Este corpo, esta consciência, surgiram espontaneamente, deste modo o sono vem quando quer, mesmo despertar e dormir não estão no seu controle. O que é seu? Quem tem esse conhecimento do Ser através de seu próprio esforço?

Essa pseudo-identidade pensa que é ela que está ativa e fazendo. Estou falando com vocês agora como a consciência. Algum de vocês pode agora me dar uma indicação desse conhecimento, desse sentido de ser que é você?


Visitante: A consciência agradece a consciência repetidamente.


Maharaj: Aquilo sobre o qual nada pode ser falado, eu falei. Aceite essa gota, saboreie e engula.

Escute isto: Deus pode existir apenas no coração do homem, não em outro lugar. Você se identifica com o corpo e limita a si mesmo, e ainda, lembre-se, não negligencie este corpo, essa é a casa de Deus, tome conta dela. Apenas neste corpo Deus pode ser realizado.

É apenas para uma compreensão analítica que Deus, seu corpo, seu Ser, foram divididos, mas é um só Ser, cada um está intimamente relacionado.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Hafiz - Poemas Místicos

Espero que você não processe este velho homem

Não tenho

Nada a dizer,

Pois Deus empunhou sua afiada faca

E me esburacou

Completamente.


Mesmo assim vem um vento misterioso

E move o invisível.


Eu adentro sua alma.

Sua beleza, peregrino querido, me alarma,

Faz escorregar os pés do meu espírito

De encontro a uma das cordas do alaúde em

Seu coração.
.
Então Hafiz apenas traduz

Os clamores de seu amor

Como se eles fossem minhas próprias palavras.

Espero que você não processe este

Velho homem embriagado por isso.

______________________________________

Um amante fiel


A lua visitou-me a noite passada

Com uma doce pergunta.

Ela disse:


“O sol tem sido meu fiel amante

Por milhões de anos.


Quando quer que eu ofereça meu corpo a ele

Luz brilhante se despeja do seu coração.

Milhares de pessoas notam então minha alegria

E deleitam-se apontando para

Minha beleza.


Hafiz,

É verdade que o nosso destino

É tornarmo-nos a própria

luz?”

E eu respondi,


Querida lua,

Agora que seu amor está amadurecendo,

Precisamos nos sentar juntos

Assim pertinho com mais frequência


Para que eu possa lhe instruir

Como tornar-se

Quem você

É!

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Eu vi dois pássaros


Nossas bocas podem ambas

Se encaixar nessa flauta que carrego.


Minha música vai soar

Tão mais doce desse jeito

Com seu sopro e meu sopro

Empurrando um ao outro nas fissuras

E se beijando.


Eu vi dois pássaros num galho essa manhã

Rindo com o sol.


Eles me lembraram como

um dia iremos existir.


Meu querido,

Continue pensando em Deus,

Continue pensando no Amado

E em breve nosso ninho será

Todo o firmamento.

Esqueça todos os seus desejos pela verdade,

Já fomos bem além disso,

Pois agora é apenas

Pura necessidade.


Nossos corações estão destinados a cantar.

Nossas almas a tocar e beijar

Essa flauta sagrada que Deus carrega.

Meher Baba - O Indivíduo-Verdade (o Verdadeiro Indivíduo)

A Verdade Eterna tem três aspectos -Dnyana ou conhecimento, Shakti ou poder e Ananda ou graça. Sakshatkara ou a realização dessa Divindade ou Verdade tripla é o alvo do buscador. As pessoas que estão no caminho da ação tornam-se Mahatmas e obtêm seu poder eterno. Aqueles que buscam sabedoria obtêm seu conhecimento eterno. Aqueles que tomam o caminho do Prema ou do amor obtêm sua alegria eterna. Mas no final do caminho, todos têm de chegar à completude indivisível da Verdade, em todos os seus aspectos, embora seus caminhos possam ter sido diferentes. Aquele que atinge a meta é o Verdadeiro-Indivíduo (ou Indivíduo-Verdade).
O caminho do amor é o mais rápido. O amor despertado no aspirante pode ser comparado ao apetite físico. O apetite é seguido por pensamentos sobre comida e depois, sucessivamente, por ir conseguir esse alimento, receber a ajuda de um cozinheiro e, finalmente, pela ação de comer a comida. Assim, o amor espiritual é seguido por pensamentos sobre Deus, que, em seguida, sucessivamente vai resultar em anseio por Deus, receber a ajuda do Verdadeiro-Indivíduo e, finalmente, a realização de Deus. Essa é a herança da bem-aventurança eterna. É a concretização de todos os outros êxtases maiores ou menores do caminho.
O Prema-yoga ou o caminho do amor não deixa espaço para paradas ou descanso no meio da jornada. Ele leva o aspirante inevitavelmente para o Indivíduo-Verdade e por meio dele para a própria Verdade. Esse amor faz a pessoa esquecer de si e do mundo, trazendo em sua esteira os êxtases ascendentes que acompanham os vislumbres inebriantes do Ser Divino. Na poesia de Hafiz e de outros poetas da tradição Sufi, ele é comparado ao vinho. Amor Divino e o vinho são ambos de natureza diferente dos credos estabelecidos da religião. O primeiro está além dos credos e esse último é proibido por eles. Ambos são inebriantes e tornam o homem esquecido. Mas enquanto o vinho conduz ao auto-esquecimento, o Amor Divino leva ao auto-conhecimento.
O Indivíduo-Verdade vê a si mesmo em todos. Ele habita na não-dualidade. A mesma água, quando colocada em frascos de cores diferentes, parece ter diferentes cores, verde em um, no outro amarelo, vermelho num terceiro. A diferença está apenas nas cores aparentes, mas a água é a mesma. Do mesmo modo, nas diversas e variadas formas, o mesmo Ser é visto por aquele que conhece a Verdade. Uma criança pequena em sua ignorância, pode ser impelida a disputar com sua própria imagem no espelho. Mas a pessoa adulta sabe que é a sua própria imagem. Ela não tem nenhum impulso do tipo. Da mesma forma, o mestre está livre dos impulsos aprisionadores da dualidade.
Lenta e gradualmente, o mestre leva seus discípulos para a Verdade ilimitável. Se há pressa demais, há o risco do discípulo abandonar seu corpo físico ou de virar um majzoob*, pois, nesse caso, sua mente-ego é aniquilada prematuramente. Todo indivíduo necessita de um tratamento distinto e individual, assim como as diferentes partes do corpo, quando fora de ordem, requerem um tratamento específico de acordo com a natureza de sua doença. O tratamento específico permite que as diferentes partes sejam reabilitadas a seu funcionamento normal e saudável. E então, todas elas podem trabalhar em harmonia perfeita para um objetivo comum. Do mesmo modo, todos os indivíduos são, por assim dizer, partes da vida universal da Verdade e cada um requer um tratamento especial.
Nos estágios mundanos das religiões estabelecidas, bem como nas primeiras fases do caminho interior, existem diversas regras úteis de acordo com a abordagem adotada (Margo, Talim ou Rah). Mas o aspirante deve saber desde o início que na iluminação final, não existem regras de modo algum. Nem pode a iluminação final ser provocada pela observância de qualquer regra. Isso tem de ser deixado inteiramente a cargo da graça do Mestre realizado na Verdade. A mente do discípulo aceito é como uma roda, girando na maioria das vezes em apenas uma direção. Ela está desenrolando as impressões adquiridas (despendendo-as). Mas a mente dos outros, que estão buscando sem um Mestre, é como um pêndulo de um relógio. Como regra, ela se move em ambas as direções. Às vezes despende as impressões, mas muitas vezes também as acumula.
É, no entanto, muito raro a mente do homem ser finalmente afastada das seduções do mundo. Para despertar você de um sonho bom e agradável, algo assustador como um tigre tem de aparecer no sonho. Da mesma forma, alguma coisa medonha e indesejável tem de ocorrer na vida daqueles que estão imersos no mundo, se quiserem ser livrados da ilusão e reverter a direção de sua mente. Essa inversão da direção se expressa primeiro através de um crescente desapego do corpo.
O corpo físico não é nada além da comida que o homem come. O corpo assimila a porção do alimento que é útil para sua sustentação e joga fora a parte que é inútil. O que é jogado fora é alimento tanto quanto o que é assimilado. Se o homem é tão supremamente indiferente com os restos eliminados, por que ele não tem o mesmo desprendimento com o alimento assimilado que se torna seu corpo? Por que ele derrama lágrimas quando, após a morte, o próprio corpo tem de ser jogado fora?
Afinal, o próprio corpo é um tipo de alimento para a alma quando ele serve para algum propósito da alma. Mas quando torna-se inútil, ele é abandonado pela alma como algo que já não serve a qualquer um de seus propósitos. Não há absolutamente nenhum ponto em lamentar a perda do corpo físico, não importa se nós perdemos nosso corpo ou se outros perderam os deles. Quando um corpo é abandonado, a alma pode tomar outro corpo quando ela precisar de um. Enquanto a alimentação dá saúde ao corpo, ela é bem-vinda. Mas se está estragada e se torna um perigo para o corpo, ela é justamente evitada. Enquanto o corpo for útil para o espírito, há algum sentido em atribuir importância a ele. Mas se ele não pode servir a esse fim, é pura ignorância e fraqueza lamentar sua perda.
O corpo é perecível pela lei imutável da natureza. Por que chorar e se preocupar no momento da sua dissolução? A alma permanece intocada pela morte. Você é a alma, não o corpo. No entanto, é um erro subestimar o corpo físico, e é o maior erro espiritual tentar colocar um fim nele. É somente no corpo físico que a alma tem alguma chance de alcançar a realização de Deus. Mesmo os Devas anseiam por obter uma forma física na terra. É um ato de pura insensatez não tomar os cuidados apropriados com o corpo, ou pôr um fim nele por problemas banais e supostos sofrimentos. Mas, embora seja correto cuidar do corpo, é errado ser apegado a ele, mimá-lo ou ser dominado por ele.
Quando a pessoa vira as costas para o mundo, voltando seu rosto para Deus, ela pode ouvir doces melodias, sentir perfumes ou ver esferas de luz. Na esfera de luz ele geralmente vê a figura de seu Mestre, revelando-se em sua glória divina resplandecente e perfeição. O brilho requintado e o esplendor de tais esferas de luz, é tão encantador e desconcertante que o aspirante não busca mais nada e fica completamente absorvido em olhar fixamente para elas. Essa Noor ou esfera de luz é um objeto real. Não é sonho ou alucinação. Mas é apenas a primeira etapa de um longo caminho. Não deve ser confundida com o objetivo, que é tornar-se o oceano sem margens e sem forma da Verdade.
Olhe para a sua própria sombra. Ela parece tão perto de você. Está a seu lado. Mas você não pode agarrá-la ou ultrapassá-la em uma corrida. Você pode seguir sua sombra até o fim dos dias, mas ainda assim ela vai fugir e estará um pouco adiante de você. Buscar a Deus através da mente-ego é como tentar ir na frente da sua própria sombra. Isso não pode ser feito, não porque Deus esteja longe, de maneira nenhuma, mas porque você nunca pode chegar ao Real através do falso. Deus está mais perto de você do que sua própria sombra. Na verdade, Ele não está apenas dentro de você, mas é seu próprio Ser. Mas você nunca pode chegar a Ele, porque você O busca através da mente-ego, que o converte em um fogo-fátuo. Não é uma coisa fácil realizar Deus, como alguns podem pensar. A mente-ego deve de fato morrer, para Deus poder ser visto e realizado.
Uma pessoa que esteja aprisionada na ilusão do mundo é como ouro misturado com minério. Conforme ela se afasta do mundo, as impurezas nela gradualmente são eliminadas até que finalmente, ela torna-se como ouro puro, sem o minério. Agora, quando ela volta para o mundo, é como se aceitasse conscientemente as impurezas. É por isso que ela sofre. Mas ela sabe que ela é realmente ouro e não as impurezas. Esse conhecimento sustenta a pessoa. Quando seu trabalho no mundo acaba, ela novamente vai para o estado de pureza ilimitada. E mesmo durante seu trabalho, ela nunca permite que a impureza seja qualquer coisa mais do que sua cobertura superficial, que ela coloca e retira quando deseja, sem se misturar a ela. O processo realmente difícil é a primeira ascensão, durante a qual o ouro do Ser é separado da liga de metais da ilusão.
Mesmo uma pessoa que esteja posicionada no sexto plano** ainda está na ilusão. Alguém que está no sexto plano tem a experiência de que tudo procede de Deus (Hameh Az Oost), e também de que Deus é tudo (Hameh Oost). Essa é a visão e a experiência direta dos Walis, que vêem o universo como emanado de Deus. Mas essa experiência de que Deus é tudo não deve ser confundida com a experiência suprema - "Eu-sou-Deus". Essa experiência suprema só pode vir quando a mente é descartada. Assim como o conhecimento dado pelos sentidos físicos é múltiplo e variado, o conhecimento dado pelas percepções e revelações supra-sensoriais também pode ser variado. Mas, para alcançar a verdade, todos esses suportes e estacas das percepções supra-sensoriais devem, como as percepções ordinárias dos sentidos físicos, ser abandonadas no limiar da fusão final da alma no Infinito. A verdadeira experiência de Deus só vem quando o homem e Deus se unem de forma tão completa que não há nenhuma possibilidade de qualquer demarcação, muito menos de uma divisão real.
Na estágios finais da ascensão, quando a mente está metamorfoseada na Verdade, a regra geral é que todos os três mundos (o grosseiro, o sutil e o mental) desaparecem do âmbito da consciência. Em muito poucos casos, a Realização da Verdade pode vir simultaneamente com a alma tendo a experiência dos três mundos. A experiência do mundo triplo em tais casos extremamente raros, torna-se, por assim dizer, o receptáculo da consciência "eu-sou-tudo" da Realização da Verdade. Se o Indivíduo-Verdade teve uma ampla gama de consciência do mundo antes de sua realização, ele exerce maior influência sobre a relatividade na existência ilusória do que se ele tivesse um leque menor de consciência do mundo. Ele também goza de maior autoridade e tem para o uso de seu poder toda a extensão dos três mundos, que se tornam o campo de seu trabalho divino. Entretanto, esses são somente casos raros e excepcionais. Aqui, é a partir do material das experiências do mundo do indivíduo, que surgem precipitadamente as experiências transcendentes da Verdade ilimitada, a não-dualidade sendo o ponto culminante da dualidade entendida.
Mas, como regra geral, antes da realização da Verdade há um completo desaparecimento da consciência de todos os três mundos. Com a dissolução da mente-ego, a consciência é mantida no nada, e como resultado, o ego limitado fica sem sucessor. Mas quando a Verdade que é realizada nessa consciência-nada começa a afirmar-se, ela vem como um estado de "Eu-Sou-Deus". Na fusão, a alma é destituída de toda a individualidade, mas na afirmação, ela é agraciada com a divina e ilimitada Individualidade-Verdade. A Verdade Encarnada assume controle total sobre o corpo universal (algumas vezes chamado de Virat Swarupa), por meio da qual o Mestre pode aparecer em seu corpo físico em lugares diferentes ao mesmo tempo em resposta instantânea a qualquer chamado agonizante dos devotos de Deus. Esse corpo não entra em funcionamento, exceto em circunstâncias muito especiais.
Não é um progresso agradável para o Indivíduo-Verdade, descender depois de atingir Divindade. Ele está sempre relutante em descer para a ilusão da dualidade novamente. Isso significa muito sacrifício de sua parte e muito sofrimento. Mas às vezes ele vem; o seu único objetivo é cumprir a missão espiritual de salvar outros indivíduos. Sua missão toma forma concreta de acordo com a época e as circunstâncias em que ele realiza a sua descida. Ele mesmo não tem nada a ganhar com a descida do oceano ilimitado da Verdade para as relatividades da existência ilusória. Mas em tal descida, ele também não perde de forma alguma a sua realização espiritual. Agora, ele combina em si mesmo os dois tipos de conhecimento, isto é, o conhecimento da unidade e o conhecimento das relatividades.
O Indivíduo-Verdade que desce para o mundo da dualidade ilusória é referido como Qutub, que literalmente significa "o centro". O mestre perfeito se torna o centro do universo. Ele encontra-se como o único ponto absoluto e imutável em torno do qual todo o universo está girando constantemente. O universo é como um moinho e o Mestre Realizado na Verdade é como seu pino central. Como Kabir declarou, ninguém pode escapar do eterno esmagamento que se passa neste moinho do universo. Apenas o Mestre fica ileso pelos acontecimentos do universo, embora ele seja seu próprio centro. Cada Indivíduo-Verdade está no centro, mas o centro é apenas um. Cada um tem uma identidade própria distinta (Husti). Esse âmago de identidade torna-se o núcleo da individualidade divina afirmativa da Verdade-Encarnada, sem desfocar ou limitar a sua unidade com a Verdade todo-inclusiva.
*Majzoob - Um dos tipos de Mast (o intoxicado ou louco de Deus)
** Sexto Plano - A Jornada da Alma, segundo a tradução Sufi e que segundo Meher Baba tem sete estágios ou planos, sendo o sétimo o fim da jornada.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Ramakrishna - Calcutá, 11 de março de 1886

Ramakrishna: Brahman é imaculado. Os três Gunas estão em Brahman, mas Ele mesmo não está contaminado por eles. No ar podemos encontrar tanto bons odores quanto maus odores mas o ar em si não é afetado.

Shankaracharia caminhava por uma rua em Benares e um intocável que levava uma carga de carne tocou-o repentinamente. 'O que!' disse Shankara, 'você me tocou!' 'Senhor', disse o intocável, 'eu não toquei o senhor e nem o senhor tocou a mim. O Atman está acima de toda contaminação e você é esse puro Atman'. O Jnani rejeita Maya, entre Brahman e Maya. Maya é como um véu. Observe, eu seguro esta toalha entre vocês e esta lâmpada e vocês não vêem mais a luz da lâmpada. (Ele coloca a toalha entre ele e os discípulos) Agora vocês não podem ver meu rosto. Como disse Raprasad, 'levanta a cortina e vê!' O Bhakta, contudo, não ignora Maya, ele adora Mahamaya. Tomando refúgio nela ele diz, 'Ó Mãe, rogo-Te, aparta-Te de meu caminho, somente se Te apartares de meu caminho terei o Conhecimento de Brahman'.

O Jnani descarta com seu raciocínio os três estados – vigília, sonho e sono profundo. Mas o Bhakta vê que é Deus que tornou-se Maya, o universo, os seres viventes e os vinte e quatro princípios cósmicos.

Mas a teoria Maya é seca. Repete o que eu disse. (ele fala para Narendra)


Narendra: Maya é seca.


(Ramakrishna afaga carinhosamente o rosto e as mãos de Narendra)


Ramakrishna: Seu rosto e suas mãos demostram que você é um Bhakta. Os Jnanis tem traços diferentes – traços secos. Mesmo depois de alcançar jnana, o jnani pode viver no mundo, retendo vydiamaya, ou seja, bhakti, compaixão, renúncia e outras virtudes semelhantes. Isso lhe serve a um propósito duplo: primeiro, a ensinar aos homens e o segundo, a desfrutar da bem-aventurança divina. Se um Jnani permanece em silêncio, submergido em Samadhi, o coração dos homens não receberá a iluminação. Por isso, Shankaracharia manteve o 'ego do Conhecimento'. Ademais, um Jnani vive como um devoto, na companhia de Bhaktas, para desfrutar e beber profundamente a Benção de Deus.

O 'ego do Conhecimento' e o 'ego da Devoção' não podem trazer danos; é o 'eu perverso' que é danoso. Depois de alcançar a Deus um homem se torna como uma criança. O 'ego de uma criança' não faz mal. Ele é como o reflexo de um rosto num espelho: o reflexo não pode trazer injúrias. Ou também, é como uma corda queimada que conserva a aparência de uma corda mas desaparece com o menor sopro. O ego que foi queimado no fogo do Conhecimento não pode causar dano nenhum. É um ego somente no nome.

Voltar ao plano relativo depois de alcançar o Absoluto é como voltar para a margem de um rio depois de ter ido até a margem oposta. O retorno ao plano relativo serve para ensinar os homens e para desfrutar – participar no jogo divino no mundo.

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Siddharameshwar Maharaj – Bombei, 7 de outubro de 1935


Se você não está certo de si mesmo, qualquer trabalho realizado não é digno de ser chamado de trabalho. O mundo todo é varrido pela corrente da dúvida. Certeza ou convicção, nesse caso, são para serem entendidas em relação a sermos o Ser. Devemos ter certeza de quem somos nós. Senão, todas as coisas são inúteis. Nós somos o Ser, mas sem sermos definidos a esse respeito, qual é a utilidade de falar sobre isso? Devemos estar certos em nossas mentes e então podemos fazer o que quisermos. Só será útil prosseguir os estudos, se o coração do discípulo estiver muito puro em relação a seu Mestre. É aquela confiança no Guru que irá dar para a pessoa o fruto do esforço espiritual. Todas as outras conversas são sem sentido. Claramente sentimos que sem termos certeza, tudo é uma caricatura. Mas qual é o ponto em falar sobre isso? Não haverá benefício em tal discurso. Onde há Conhecimento sem nenhuma dúvida, há Contentamento. Esse “Contentamento” não é dependente de nada. Esse Contentamento não é produto de nenhum ritual ou de ações que a pessoa faça. O contentamento que é dependente de tais coisas não é o Contentamento Real. O Contentamento Independente é possível apenas através da Auto-Realização (a realização do Ser). Quando você estiver convencido a respeito de ser Brahman, isso em si é Contentamento. O Contentamento é uma indicação da conquista da Realidade. A ausência da dúvida deveria ser conhecida como uma indicação de Contentamento.

O ouvinte pede para que lhe seja dito qual é o sinal da convicção e o Guru diz para ele descobrir quem é o Todo-Poderoso Uno Absoluto e para que fique certo a respeito disso. Deus é aquele Poder através do qual este mundo veio a existir. Você tem agora em você “Aquilo” através do qual o mundo todo se move e você está usando isso agora. Através “Disso” apenas, você está experimentando a si mesmo, e o mundo. Veja o que você tem! O mundo é por causa Disso. Através “Disso” esse mundo é alimentado e nutrido. É “Disso” que o sol, a lua, as estrelas e os cinco elementos (terra, água, fogo, vento e céu) são feitos. Tudo isso está acontecendo sem nenhum problema, sem um monte de trabalho duro para construir ou destruir. Tal “Poder” (Chaitanya) está dentro de você. É através desse Poder que você está tendo a experiência do mundo. Entretanto, enquanto você não estiver convencido disso, sua mente não sossegará. Os Deuses feitos de bronze e cobre não são Deuses. O que significam as várias encarnações dos Deuses (Avatares) nos livros mitológicos, como, Brahma, Vishnu e Mahadev (Shiva)? Qual é a extensão da divindade deles? Apenas enquanto o “Poder” os aviva, eles são Deuses.

Qual é o sinal do devoto (Bhakta)? Ele tem de reconhecer Deus, ele tem de Realizar quem ele é. O que somos nós? Nós somos nada. Ao abandonar o apego com o corpo, você deveria permanecer apenas “Aquilo”, Brahman. Onde o “eu” está, há aprisionamento. Quando o ‘eu’ desaparece, o aprisionamento vai embora. A quem deveríamos chamar de devoto? Aquele que está procurando a si mesmo e está descobrindo a si mesmo, é o Devoto. Nós procuramos internamente o nosso Ser, e através da fala dele, meditamos em Deus. Estamos absortos em nossa Auto-busca e através de palavras faladas, estamos ocupados meditando em Deus. Quando encontramos o Ser, nós eliminamos tudo mais e selecionamos aquilo que nós somos. Tornamo-nos convencidos a respeito do nosso Ser e ficamos convictos. Convictos a respeito do que? A respeito da Realidade. Aqui a certeza completa tornou-se possível por causa da palavra falada. Assim, o grande momento da Realização de Deus chegou! O oceano é como é. Apenas as ondas surgem e desaparecem. O que é liberdade? Conhecer o nosso Ser é Liberdade. Os elementos nascem por meio dos elementos, mas também nascem da Energia-Vida, Chaitanya.

As abordagens persuasiva e discriminatória, ambas estão contidas dentro dessa Energia-Vida. A primeira abordagem contém o método da discriminação e eliminação (peneirando o não-essencial do Essencial). Isso é afirmado para provar que tudo o que tem aparência, é falso. No Siddhanta ou na afirmação final, é dito: “Tudo é Brahman”. Os quatro estados básicos da consciência (manas, bhudi, chitta, e aham), os três estados (vigília, sono com sonhos e sono profundo). As três qualidades (Rajas, Tamas e Sattva), e os dez órgãos dos sentidos (e as várias coisas, e as maneiras como essas coisas são apreciadas ou experimentadas) todos tomados juntos, não são nada além de Chaitanya, que é Dnyana, ou Conhecimento. Esse mesmo “Conhecimento Uno” é experimentado como o mundo inteiro, no momento do “conhecer”. O Conhecimento é experimentado, e aparte dele você não pode experimentar ou renunciar isso, nem pode tentar artificialmente anulá-lo. No mesmo momento do conhecer, a experiência é possível apenas por causa do Chaitanya Auto-Existente. Quando através de observação precisa e apurada, há certeza e convicção definida, isso se chama Siddhanta, ou “Verdade Final”. Então, muito serenamente, há certeza a respeito de Deus. Há a Realização de que existe apenas Um, e nada mais. Entretanto, pelo insistente apego ao corpo, essa paz e contentamento são destruídos. Por isso você deveria dizer, “Diga-me quem sou eu!” O demônio da dúvida deveria ser questionado, “Diga-me quem eu sou!” Entretanto, isso o mantém quieto, pois como ele pode mostrar algo além de Brahman?

Nós não deveríamos nos desviar da confiança a respeito da nossa Natureza Real. A consciência-corpo traz algo mais. Ela apenas aumenta a dúvida e as desconfianças e tenta colocá-lo para baixo. Não caia. Os Deuses e todas as várias deidades são todos ilusão. Eles são nossa própria imaginação. Não nutra falsas idéias ou falsas dúvidas.

A história do rei Nala da cidade de Nishadha nos conta que ele não lavou os pés depois de ter ido urinar. Ele entrou em sua casa e por causa dessa falta, o mal ou Kali, entrou no seu corpo e mente. Nessa história, “os pés”, significam a base ou a raiz que deveria ser purificada. Devemos examinar o que está na raiz de todas as coisas. Observe isso. Se você ver claramente na raiz e exterminar a dúvida, só sobrará então a pureza básica, a claridade fundamental. Aquilo que é basicamente limpo, é forte. Então há certeza e convicção e nenhum lugar para a dúvida. Enquanto a pureza fundamental não estiver aí, o mal ou a dúvida certamente entrarão. Tudo é cheio de dúvidas e isso é a tendência da mente de voltar-se na direção da consciência-corpo. Portanto, é dito que os aspirantes não devem se desviar do Ser.

O corpo está assumindo uma forma particular de acordo com seu estado (infância, juventude, velhice, etc.). Ele não pode se segurar a uma forma que desejar. Ele tem essa forma devido ao milagroso poder da Energia da Vida, Chaitanya. A Consciência, embora esteja no corpo, não tem nenhuma forma ou configuração particular. A Consciência tem a qualidade natural de fazer-nos sentir ou perceber algo. Essa qualidade é chamada “Chaitanya na qualidade de Conhecimento”. Essa Energia-Vida na qualidade de Conhecimento assume que ela é este ou aquele corpo e funciona conforme se identifique com alguma forma. Sem pensar que Ela é o Ser, a Consciência considera como verdadeiro tudo o que é visto ou o que quer que pareça estar existindo e funciona com essa confusão. Na verdade, esteja ela governando um corpo ou não, ela é a “Vida” sem limitações ou alguma forma particular.

Ela é sem falhas, mas assume que ela tem uma forma, ou mesmo que ela mesma é a forma do corpo, o que é um engano tolo. Com esse conceito de ser um corpo sendo mantido de maneira muito forte, ela busca propriedades e posses externas que são pertinentes a ela. Desse modo, por tornar-se ignorante de sua realidade, ela se enamora com o corpo que é perecível. Ela dá uma importância extraordinária para o corpo e sofre desnecessariamente muito pesares.

A forma do corpo não é a nossa Existência Original. Ela é apenas um estado momentâneo indesejado. Se você olhar para ela cuidadosamente você pode queimar a rede de desejos e anseios sem fogo. Os Santos nos falam: “Não seja seduzido pela consciência-corpo. Você não precisa de nada”. Portanto, o aspirante não deveria desviar-se de ser o SER. Você não deveria nunca permitir que o seu contentamento fosse perturbado. A sua Auto-Confiança (Confiança no Ser) deveria ser forte assim. Que dia ou hora é propício ou não propício para “ Aquilo” que é Brahman? O Ser é o poder que está acima do tempo. Que momento pode ser ruim para Ele? Ele próprio é o “mérito” no momento meritório. Tal coisa chamada de momento ruim não tem nada a ver com Ele. O Ser é o Deus dos Deuses, é quem dá o “Melhor” para todos. A consciência- corpo faz você esquecer o discernimento da Razão Pura. Portanto, você deve ficar muito alerta. Mesmo quando você dorme na sua cama você deve pensar que você é Brahman, O Deus dos Deuses e ter paz. Nunca esqueça a Verdade Brilhante – que você é sem forma, limpo, puro e sem mácula, você deve ficar estabilizado naquele Contentamento que permanece não movido por coisa alguma. O Deus Vitthala deixa de ser Brahman porque Rukmini está perto dele? (isso refere-se à unificação dos princípios masculino e feminino, da não-forma e a manifestação) Ambos são puros, sem forma, sagrados, são inteiramente apenas a Energia-Vida. Permaneça como Vitthala. Mantenha o conceito de que você é o Ser, Atman. Aqui a palavra Atman significa “Consciência sem forma”, Chaitanya. A convicção constante de que você é o Supremo Ser, é Liberação ou Liberdade. A liberdade está sempre existindo e não precisa ser cultivada. Ser o Ser é ser Livre.

Você não deveria esquecer nunca que você é o Ser. Eu lhe digo isso, mas isso não será impresso na sua mente a menos que você fique na companhia dos Santos. Renda-se aos Santos. Se você está internamente concordando e ficando alerta, mas secretamente está tendo dúvidas, que bem isso poderá trazer? Escute agora um “Grande Princípio” - aquele que não tem absolutamente nenhuma dúvida, é o Siddha, o Mestre. A história de Visoba Khechara conta que ele dormiu com seus pés na pedra de Shiva-Lingham. Quando perguntaram sobre isso para ele, ele disse “Existe algum lugar onde Shiva não esteja? Toda esta terra é um Shiva-Lingham, meus pés também são Shiva, eles não são algo diferente. Este Mundo inteiro é Shiva”. Isso não deve ser esquecido jamais. Essa determinação não deve esmorecer.

No estágio de Siddha, aquele que anteriormente era chamado de “Namya”, não está ali, (o qual tornou-se Santo Namdev, que visitou o sábio Visoba e foi iluminado a respeito do Deus Todo-Permeador). Não há nenhum “outro” ali. Não há nada como um “segundo”, ou alguém mais. O segundo não está lá. O “outro” não é relevante ali. Aquele que entendeu isso é o Siddha. Aquele que tem dúvida ainda é um buscador, um aspirante.

Não faltam pecados e méritos no mundo. Uma vez que você se identifica com o corpo, o oceano de pecados e méritos é preenchido. Todas essas coisas são faladas nos Vedas. Os Vedas nos ensinam como realizar ações enquanto pensamos que somos um corpo físico. Quando a inteligência do homem ultrapassa o limite do corpo, os Vedas não podem dar nenhuma instrução para aquele que é um Bhakta, um Devoto. Quando a pessoa está além do corpo físico, além do perceptível, o que pode ser dito sobre ela? Quais são os seus sinais? Sinais são apenas facetas, qualidades. O Ser é desprovido de qualquer formato. Quando percebemos que somos o Ser, como podemos descrever “Suas” qualidades ou falta de qualidades? Aquele que entende a si mesmo como o Ser, está além do mérito e do pecado e transcendeu as barreiras das formas visíveis. Ele é Vitorioso. Aquele é seu dia da Vitória (Vijaya-Dashmee). Esse dia é o Dia Dourado. Essa é a taça de Néctar Imortal. O nascimento e a morte se vão. O estado de ser um indivíduo, um “Jiva”, acaba. Os próprios Vedas colocaram suas próprias barreiras. Quando você atravessou, então está sem dúvida a respeito do Ser. O 'eu' que estava no corpo, tornou-se Shiva. Ele é Vitorioso. Ele é agora Mestre, com o poder absoluto de Brahman, o Poder do Ser, a Realidade do Si mesmo. Paramatma, o Ser Supremo, Rama, retomou Seu Reino. Essa conquista é o estado de “Vitória”.

domingo, 24 de janeiro de 2010

Jalaluddin Rumi - A confiança em Deus contraposta aos esforços humanos

Os animais disseram: “Ó sábio iluminado,
Põe de lado a cautela; ela não pode lhe ajudar contra o destino;
Afligir-se com a precaução é trabalho e dor;
Vai, confia na Providência, confiar é a melhor parte.
Não combate o decreto divino, ó cabeça quente,
Para que esse decreto não entre em conflito consigo.
O homem deveria ser como um morto perante os comandos de Deus,
Para evitar que um golpe lhe viesse do Senhor de todas as criaturas”.


Ele disse:
“Verdade, mas, embora a confiança seja nosso principal apoio,
Ainda assim o Profeta nos ensina a considerar os meios.
O Profeta bradou em alta voz:
'Confia em Deus, mas amarra a pata do camelo.'
Ouça o ditado:'O trabalhador é o amigo de Deus'.
Por confiança na Providência não negligencie os recursos.
Ide, ó quietistas*, praticai a confiança com auto-empenho,
Esforçai-vos por atingir vossos objetivos pouco a pouco.
A fim de obter sucesso, lutai e esforçai-vos;
Se não vos esforçais por vossos objetivos, sois tolos”.


Eles disseram: “O que for obtido do pobre através de esforço
É porção espúria que trará má sorte.
De novo, saiba que o auto-empenho vem da fraqueza;
Confiar em outros meios macularia a confiança perfeita.
O auto-empenho não é mais nobre que a confiança em Deus.
O que é mais belo que se entregar a Ele?
Muitos são os que fogem de um perigo para outro pior;
Muitos fogem de uma cobra e encontram um dragão.
O homem planeja um estratagema e nele é apanhado;
O que ele toma por vida se revela destruição.
Ele fecha a porta depois que o inimigo já está dentro de casa.
Desse tipo eram as tramas do Faraó.
Esse rei invejoso matou dez mil recém-nascidos,
Enquanto Moisés, a quem buscava, estava em sua casa.


“Nossos olhos estão sujeitos a muitas enfermidades;
Vai! Cega sua visão na visão de Deus.
Pela nossa previdência, a previdência Dele é uma boa troca;
Na visão Dele está tudo o que podemos desejar.
Enquanto o bebê não consegue apoiar-se nem correr,
Ele usa as costas de seu pai como veículo.
Mas quando se torna independente ele usa suas próprias mãos,
Cai em sérios dissabores e desgraças.
As almas de nossos primeiros pais, antes mesmo de suas mãos,
Fugiram da fidelidade em busca de prazeres vãos.
Feitos cativos pela ordem “Descei daqui”**,
Tornaram-se escravos da inimizade, da luxúria e da vaidade.
Somos a família do Senhor e Seus bebês de peito.
O Profeta disse: 'Os homens são a família de Deus',
Aquele que manda chuva do céu
Não poderá também nos dar o pão de cada dia?”
O leão disse: “Verdade, ainda assim, o Senhor das criaturas
coloca uma escada diante de nossos pés.
Degrau por degrau, devemos subir até o telhado!
A noção de fatalismo não tem sentido neste lugar.
Vós tendes pés – por que então fingir que sois aleijados?
Vós tendes mãos – por que então esconder vossas garras?
Quando um senhor coloca uma pá na mão de um escravo,
O escravo sabe o que isso quer dizer sem que lhe digam.
Como essa pá, nossas mãos são sinais de nosso Mestre para nós;
Sim, se pensardes bem, elas são as instruções que Ele nos dá.
Quando houverdes levado a sério Seus sinais,
Modelareis vossas vidas confiando em Sua indicação;
Portanto, estes sinais revelam Sua intenção,
Tiram de vós o fardo e estipulam vosso trabalho.
Aquele que o suporta, torna-o suportável para vós,
Aquele que é capaz, coloca-o dentro de vossa capacidade.
Aceitai seu comando e sereis capazes de executá-lo.
Buscai a união com Ele e vos vereis unidos.
Esforço é dar graças pelas bênçãos de Deus;
Pensais que vosso fatalismo vos dá essas graças?
Dar graças pelas bênçãos aumenta as bênçãos,
Mas o fatalismo arranca essas bênçãos de vossas mãos.
Vosso fatalismo é dormir no caminho;
Não durmais até divisardes as portas do palácio do Rei.
Ah! Não durmais, ó fatalistas irrefletidos,
Até que tenhais alcançado aquela Árvore da Vida carregada de frutos,
Cujos galhos são sempre sacudidos pelo vento,
E cujos frutos chovem na cabeça dos adormecidos.
Fatalismo significa dormir entre salteadores.
Pode um galo que canta cedo demais ter esperança de paz?


“Se elaborais desculpas e não aceitais os sinais de Deus,
Embora vos considereis homens, vede, sois mulheres.
A razão que possuíeis se perdeu,
E a cabeça cuja razão se foi é um rabo.
Já que os ingratos são desprezíveis,
Eles são ao final lançados ao poço do fogo.
Se realmente tendes confiança em Deus, esforçai-vos
E lutai, em constante confiança no Todo-Poderoso.


* quietistas – Seguidores da doutrina mística segundo a qual a perfeição moral consiste na anulação da vontade, na indiferença absoluta e na união contemplativa com Deus.

** Alcorão II – 36. Expulsão do paraíso.

Ramesh S. Balsekar - Jnana e Bhakti

O ponto principal do ensinamento de Nisargadatta Maharaj, é que neste sonho vivo da vida nós não somos os personagens sonhados que pensamos que somos, mas que somos o sonhador (quem está sonhando), e é a nossa identificação equivocada com o personagem sonhado, como uma entidade separada sendo o 'fazedor', o que causa a ilusão do 'aprisionamento'. Nesse mesmo sentido, então, não pode ser o personagem sonhado, uma mera aparência, que pode ser 'despertado' ou 'liberado'. De fato, o despertar consiste em aniquilar totalmente a falsa entidade com a qual nós temos erroneamente nos identificado. Nessa mesma linha, ademais, o 'despertar' ou a 'liberação' não pode ser 'atingido' através de nenhum esforço. Quem irá fazer os esforços – um fenômeno, uma mera aparência? O despertar pode apenas acontecer quando há uma absoluta convicção, através de uma apercepção intuitiva, que nós somos o sujeito que sonha e não os objetos sonhados que desaparecem com o fim do sonho. Para levar esse tema para sua conclusão lógica, a questão final seria: Como essa apercepção intuitiva surge ou acontece? Mas então, esse é exatamente o ponto. Se o processo estivesse dentro dos parâmetros da compreensão intelectual, como poderia ser 'intuitivo'? O intelecto é muito necessário para entender certos fundamentos, mas existe um limite restrito de até onde o intelecto pode ir, e depois, é apenas quando o intelecto abandona todos os esforços e se rende completamente que a intuição assume.


Deveria ficar claro, portanto, que a identificação com uma entidade separada, imaginária, independente, deve desaparecer antes que possa haver o despertar, a iluminação ou a liberação. A identidade equivocada deve ser abandonada antes que a verdadeira identidade possa ser assumida. O que é falso deve ir, antes que o que é verdadeiro possa vir. Isso pode acontecer, diz o Maharaj, de muitas formas. A profunda concentração intelectual do Jnani na fonte da consciência que nós somos chega a um ponto onde a dualidade, a base do intelecto, desaparece repentinamente e a unicidade intuitiva toma a frente. Também, a profunda devoção do Bhakta por seu Deus pode alcançar uma intensidade onde, novamente, a dualidade entre o Bhakta e Deus desaparece de repente e há a realização de que ele, o Bhakta e Ele, o Deus são um, não dois. O mesmo resultado poderia seguir através de um longo e árduo processo de prática Yogi, ou mesmo através de um genuíno serviço social altruísta. Entretanto, o ponto de decolagem final, em todos os casos, é a aniquilação total da identidade individual equivocada. E nesse estágio final o milagre acontece. No momento em que a falsa identidade é liquidada, não sobra nada com o que se identificar, exceto a totalidade! E essa é a experiência do Jnani, do Bhakta bem como a do Yogi.


Um visitante europeu perguntou uma vez para Maharaj: “O mais importante dos mandamentos é: 'Deveis amar o Senhor teu Deus'. Mas eu acho muito frustrante, na verdade, porque esse mandamento fica difícil de ser obedecido pela adição das palavras 'com todo seu coração e toda sua alma e toda sua mente'. Significa claramente que uma mera atitude religiosa bem intencionada não é o suficiente, uma vez que as palavras adicionadas enfatizam que o amor que é mostrado não deve meramente parecer ser amor, mas deve de fato ser amor. A pessoa pode agir como se realmente amasse, mas como assegurar que realmente se ama de verdade? Como assegurar espontaneidade?” A resposta do Maharaj foi simples e linda: 'Sem a auto-realização, nenhuma virtude é genuína; é apenas quando você chega na mais profunda convicção de que a mesma vida flui através de tudo, e que você é essa vida, que você começa a amar tudo natural e espontaneamente.' Tal convicção, é claro, só pode vir através de uma apercepção intuitiva, e a Natureza (Nisarga) terá o seu próprio curso para esse processo intuitivo.


No que diz respeito à identidade do Ser e Deus, é interessante notar a similaridade muito próxima entre o ensinamento dos grandes místicos de várias fés em diferentes épocas.

Nos é dito por São João da Cruz, em seus cânticos que “A corda do amor ata tão próximos Deus e a alma, e os une de tal maneira, que ela os transforma e os torna um através do amor; de modo que, embora em essência eles sejam diferentes, ainda assim, na glória e aparência a alma parece Deus e Deus parece a alma”. (cântico, xxxi) E, em seguida: “Deixe-me ser transformado de tal maneira em Tua beleza, que, sendo iguais em beleza, nós possamos nos ver ambos em Vossa beleza; de maneira que um se segurando ao outro, possamos cada um ver sua beleza refletida no outro, a beleza de ambos sendo a Tua apenas, e a minha absorvida Nela". (cântico xxxvi)


Também o grande Plotino nos fala: “Se um homem vê a ele mesmo tornar-se um com o Um, ele tem em si mesmo a semelhança do Um, e se ele passar por si mesmo como uma imagem por seu arquétipo, ele chegou no fim da sua jornada. Isso pode ser chamado de o vôo do solitário para o Solitário.” (Eneadas, VI 9.911) Os místicos vêem a relação do ser e Deus como algo parecido com a relação entre uma imagem e seu protótipo, mas nunca mais do que uma semelhança, nunca representada no total, mas próxima o bastante para provocar expressão.


Bakti e Jnana na verdade não são diferentes. Nos estágios finais, no caso de ambos, a identidade com a entidade individual desaparece de fato, e o Maharaj, em sua usual abordagem direta e imediata, nos pede para aceitarmos essa base verdadeira de imediato e rejeitar totalmente a falsa. Ele não diz que é fácil, mas ao mesmo tempo nos estimula a não continuar perseguindo uma mera sombra como o ideal. Ele quer que aceitemos nossa verdadeira posição agora, firmemente, com convicção e deixemos a sombra se fundir na coisa essencial! Se você continuar perseguindo a sombra como o ideal, o ideal estará sempre se recuando de você, ele diz.


O Senhor Krishna aponta no Bhagavad Gita, sholoka 10, capítulo 10: "Eu dou Bhudi Yoga, a Yoga da discriminação, para aqueles sempre devotados que Me adoram com amor, por meio do qual eles chegam à Mim.” Conforme a glória de Deus começa a alvorecer na mente do adorador e ele fica cada vez mais envolvido em seu amor por Deus, a Natureza o conduz para o que quer que seja necessário para o progresso seguinte. Maharaj diz que o Guru está sempre lá pronto com sua graça. Tudo o que é requerido é a capacidade, um tipo de receptividade requerida para aceitá-la. Tudo o que é necessário é sinceridade e determinação. A Natureza faz o resto de acordo com a necessidade e as circunstâncias de cada caso.


Seria interessante examinar nesse contexto o que dois dos grandes místicos indianos – Jnaneshvara, fundamentalmente um Jnani, e Tukaram, reconhecido como um dos maiores Bhaktas – tem a dizer sobre esse assunto.

Em seu Jnaneshvari, e especialmente em seu Amritanubhava, vemos a grandeza de Jnaneshvara como um filósofo. Mas é realmente em sua literatura Abhanga que o encontramos despejando seu coração em Bhakti. Geralmente, acredita-se que Jnaneshvara, também conhecido como Jnanadeva, sendo um Jnani, não sofreu as aflições da separação de Deus que o Bhakta sofre. Mas existe um certo número de seus primeiros Abhangas que mostram que, como Tukaram e outros Bhaktas, Jnaneshvara também penou por seu amado Deus. Ele lamenta que a despeito de ser um com Deus, ele não está apto a vê-Lo. “Eu me consumo atrás de Ti”, ele diz, “como um homem com sede anseia por água”. Então, em frustração ele diz: “Que Vossa vontade seja feita, pois todas minhas súplicas foram em vão”.”


Jnaneshvara segue para uma luta poética quando ele descreve a obtenção da bênção consequente da comunhão com Deus: “Conforme aproximei-me de Deus, meu intelecto ficou imóvel e quando O vi me tornei Ele próprio...” (Abhanga 79). E, novamente: “Em todas as minhas experiências fui aplacado pelo silêncio. O que devo fazer se não posso dizer nenhuma palavra? Nivriti mostrou-me Deus em meu coração e eu tenho apreciado a cada dia um novo aspecto Dele.” (Abhanga 76) E mais, “Preenchido com Deus, por dentro e por fora, quando vamos abraçá-Lo, nos tornamos identificados com Ele. Deus não pode ser repelido mesmo se o desejarmos. A individualidade chega a um fim. Quando o desejo persegue Deus, Ele se esconde, num lampejo, entretanto, Deus se mostra quando todos os desejos se aquietam”.


Jnaneshvara simboliza dentro de si mesmo uma unidade não apenas do Jnana e do Bhakti mas também do Yoga em seus vários aspectos. Estando totalmente ciente de que é impossível no nível intelectual entender a natureza de Deus, ou a nossa própria natureza verdadeira, ele diz: “A brisa fresca do sul não pode ser feita cair como água de um pedaço de pano; a fragrância das flores não pode ser amarrada por uma corda … não se pode encher um jarro com o brilho das pérolas, o céu não pode ser fechado”. (Abhanga 93) Para ele o divino aparece como a unidade do homem e da mulher; Shiva e Shakti estão ambos fundidos Nele. A verdadeira bênção, diz Jnaneshvara, é para ser encontrada apenas na Auto-visão, e ele a descreve da seguinte maneira: “Ele vê sua própria forma presente em toda parte. Ele vê o reflexo da forma sem forma. A pessoa que vê se esvai, em toda parte Deus está presente. Não há nem o emergir nem o submergir de Deus. Deus apenas é, e Ele aprecia sua própria felicidade em Sua experiência unitiva. O marido invisível mantém-se desperto em sua cama sozinho”. (Abhanga 91)


Em contraste com Jnaneshvara, a carreira mística de Tukaram fornece um exemplo típico de Bhakti puro. Ele passa por inacreditáveis sofrimentos e angústias até que, finalmente e de repente, ele tem uma visão de Deus, ou uma Auto-visão, que transforma sua vida penosa numa vida de luz, liberdade e harmonia total. Ele descreve sua experiência mais íntima num verso lírico: “O mundo todo tornou-se agora iluminado e a escuridão chegou ao fim… É impossível descrever a bênção da iluminação incessante… Deus e o Ser estão agora deitados na mesma cama… o mundo todo está preenchido com música divina… Tanto meu interior quanto meu exterior estão repletos de bênção divina...” E finalmente, a mais elevada experiência do místico: “Dei a luz a mim mesmo, e saí do meu próprio útero; todos os meus desejos chegaram ao fim e meu objetivo foi alcançado… todas as coisas desapareceram e se fundiram na unicidade… Eu não vejo nada, e ainda vejo tudo. O 'eu' e 'meu' foram removidos de mim, eu falo sem falar. Eu como sem comer… Não preciso nascer e morrer. Eu sou como sou. Não há nem nome nem forma para mim e estou além da ação e da inação… Adorar a Ti torna-se impossível uma vez que És idêntico à todos os meios de adoração. Se eu quero cantar uma música (em Teu louvor) Tu és aquela música. Se eu toco o címbalo Tu és o címbalo.”


Os Abhangas de Tukaram são repletos de misticismo. Ele diz que gostaria que Deus não fosse sem forma: “Seja sem forma para aqueles que querem que sejas assim, mas para mim assuma uma forma e um nome que eu possa amar...” Mais tarde, entretanto, Tukaram estabelece uma identidade entre Deus e o devoto: “Viemos a conhecer agora Tua natureza real. Não há nem santo nem Deus. Não há semente, como pode haver fruto? Tudo é uma ilusão.”


Vimos tanto Bhakti quanto Jnana em ação, e fica claro que eles não são caminhos separados para 'atingir' o Definitivo. Realmente, não há a questão de 'selecionar' um ou o outro. Na experiência mística o 'indivíduo' é totalmente aniquilado, quaisquer que sejam as circunstâncias – ou seja, se o ponto de decolagem foi alcançado através da devoção ou através do conhecimento ou através da combinação dos dois. A conclusão clara é que enquanto a idéia de uma entidade separada com um sentido de ser o fazedor permanece, a experiência mística do universo ser uma ilusão não pode ocorrer. Portanto, devemos aceitar o fato de que nunca houve, nunca pôde haver uma entidade separada nem para estar aprisionada ou para ser liberada.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Kabir - Poemas Extáticos


Dou risada quando escuto que o peixe na água está com sede.

Você não percebe o fato de que a coisa que está mais viva de todas

está dentro de sua própria casa;

e assim você caminha de um lugar sagrado para outro com um

olhar confuso!


Kabir vai lhe contar a verdade: vai onde quer que você queira,

para Calcutá ou para o Tibete;

se você não puder encontrar aonde sua alma está escondida,

para você o mundo nunca será real!
__________________________________________


Ó amigo, eu lhe amo, pense sobre isso cuidadosamente!

Se você está apaixonado, então por que está adormecido?


Se você O encontrou,

Dê a si mesmo para Ele, tome-O para si.


Por que é que repetidamente você O perde de vista ?


Se de qualquer forma você está quase para cair num sono pesado,

por que perder tempo amaciando a cama e arrumando os travesseiros?


Kabir vai lhe contar a verdade: é assim que o amor se parece:

suponha que você tivesse que cortar a sua cabeça

e dá-la para alguém,

que diferença isso faria?

____________________________________________

Estudante, faça a simples purificação.


Você sabe que a semente está dentro da castanheira

e dentro da semente estão as flores, as castanhas, e a sombra da árvore.


Desse modo, dentro do corpo humano existe a semente

e dentro da semente existe um corpo humano novamente.


Fogo, ar, terra, água e espaço – se você não quer o secreto,

você não pode ter esses também.


Pensadores, escutem, digam-me o que vocês sabem daquilo que não está dentro da alma!


Pegue um jarro cheio de água e coloque-o dentro da água -

agora ela tem água dentro e água fora.

Não devemos dar nome a isso,

para que as pessoas tolas não comecem a falar novamente sobre o corpo e a alma.

_________________________________________


Se você quer a verdade, direi-lhe a verdade:


Escute o som secreto, o som real, que está dentro de você.

Aquele a respeito do qual ninguém fala, diz o som secreto para Si mesmo

e foi Ele quem fez tudo isso.

____________________________________________


Converso com meu amante interior e digo: por que tanta pressa?

Sentimos que há algum tipo de espírito que ama os

pássaros, os animais e as formigas -

talvez o mesmo que deu uma radiância a você

no útero de sua mãe.



É lógico você estar andando completamente

órfão agora?


A verdade é que você afastou-se de si mesmo,

e decidiu ir para o escuro sozinho.

Agora está enroscado e esqueceu

o que um dia você soube,

e é por isso que tudo o que você faz tem em si uma estranha falha.

___________________________________________
Amigo, espere pelo Convidado enquanto você está vivo.

Mergulhe na experiência enquanto você está vivo!

Pense … e pense … enquanto você está vivo.


O que você chama de “salvação” pertence ao tempo antes da morte.
.
Se você não romper as cordas enquanto estiver vivo,

está pensando que fantasmas vão fazer isso depois?


A idéia de que a alma irá se unir aos extáticos

apenas pelo corpo estar apodrecido

é fantasia total.


O que se encontra agora é encontrado depois.

Se não encontra nada agora,

você simplesmente terminará num apartamento na cidade da morte.

Se fizer amor com o divino agora,
.
na próxima vida você terá a face do desejo saciado.

Tukaram - A Onipotência de Deus

Todas as coisas dependem de Deus. Com Seu grande poder, o que Ele não pode fazer? De fato, Deus é o movedor Universal. Ele move o corpo e também o universo. Quem faz esse corpo mover-se? Quem pode nos fazer falar exceto o próprio Deus? É apenas Deus que pode nos fazer ouvir ou ver. Apenas Ele pode manter a mente em seu egoismo. Ele é quem pode fazer até mesmo a folha de uma árvore mover-se. Deus preencheu o Todo por dentro e por fora. O que pode estar faltando a Ele em Sua presença universal?

A tarefa do homem é apenas repousar em Deus e levar a cabo seu trabalho sem pedir nada Dele. Deixe o corpo ser entregue a Deus e Ele fará como deseja. Ele é o suporte do mundo todo e trará a coisa apropriada no momento apropriado. Nessa fé devemos nos fortalecer. Não deveríamos ter nenhuma outra crença além dessa. Deus é todo poderoso e pode realmente alcançar qualquer coisa. Por que deveria um homem se importar com qualquer coisa que seja? Aquele que permeia o universo e dirige a vontade, o que Ele não pode realizar?

O pouco poder que Tukaram tem deve-se a Deus. Não me louvem por achar que possuo poder, não é meu poder mas o poder de Deus. Por que me fadar atribuindo poder a mim? O boneco não pode agir na ausência do bonequeiro. Poderiam os macacos terem feito as pedras nadarem no oceano, na ausência de Deus? É Deus que é o único movedor. Todo resto é inanimado em comparação, e Deus usa-o para Seus propósitos.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Farid ud-Din Attar - A linguagem dos pássaros

Palavras de Deus a David

Deus Altíssimo disse uma vez ao íntegro Davi: “Anuncia a Meus servidores as palavras que agora direi: 'Ó punhado de terra! Se eu não vos oferecesse recompensa ou castigo, Céu ou Inferno, Meu serviço seria agradável para vós? Se não houvesse nem luz nem fogo, vos ocuparíeis de Mim? A Mim é devido o respeito supremo; deveis agora adorar-Me sem esperança nem temor, e, no entanto, se não estivésseis entretidos pela esperança e pelo temor, pensaríeis em Mim? Sou vosso Senhor, e convém, de todas as formas, que Me adoreis do fundo de vosso coração!' Dize, pois, a Meus servidores que retirem a mão de qualquer outro que não Eu, e que Me adorem como mereço”.

Rejeita completamente tudo o que não é Ele, queima e depois reúne as cinzas. Espalha, então, essas cinzas, a fim de que, dispersadas pelo vento da excelência, não fique nem o seu rastro. Quando fizeres isso, o que buscas manifestar-se-á então dessas cinzas. Se Deus permite que te ocupes da eternidade e da luxúria, sabe com toda segurança que Ele te afastou d'Ele mesmo.

Se é pelo Paraíso que rezas, esteja certo que perdeste teu caminho.

História sobre Mahmud e Ayaz

Mahmud chamou um dia seu favorito Ayaz; colocou-lhe sua coroa e fê-lo sentar-se no trono, dizendo: “Eu te dou meu reino e meu exército. Reina! Pois este país é teu: desejo que exerças a realeza; tira o anel de tua orelha e prende-o à lua e ao peixe em sinal de escravidão”. Quando os que integravam o exército de Mahmud, cavaleiros e infantes, ouviram essas palavras, tiveram seus olhos obscurecidos pelo ciúme. “Jamais no mundo”, disseram, “um rei conferiu tal honra a um escravo”. De sua parte, o inteligente Ayaz, ao inteirar-se da vontade do sultão, pôs-se a chorar. Porém, todos lhe disseram: “Estás louco! Não sabes o que fazes! Já que chegaste à realeza, tu que nunca foste mais que um escravo, por que chorar? Abraça a compensação!” Ayaz respondeu sem hesitar: “Estais longe do caminho da verdade, pois não compreendeis que o rei da grande assembléia quer enviar-me para longe de sua presença. Deu-me uma ocupação para manter-me separado dele. Ele quer que eu governe seu reino; quanto a mim, não quero afastar-me dele um só instante. Quero obedecê-lo, porém não quero deixá-lo. Que tenho eu que ver com seu reino e com seu governo? A minha felicidade é ver seu rosto”.

Se estudas as coisas espirituais e conheces a verdade, aprende de Ayaz a maneira de servir. Ó tu que permaneceste ocioso dia e noite, ocupado somente de teus desejos primários e vulgares, enquanto a cada noite, como para servir-te de exemplo, ó ambicioso, Ayaz desce do vértice do poder. Quanto a ti, não experimentas o desejo espiritual nem de dia e nem de noite, e, como um ignorante, não te moves de teu lugar. Ayaz desce do alto da excelência e tu vens pretender seu lugar. Tu não és homem o bastante! A quem poderás enfim contar a tua dor? Enquanto o Paraíso e o Inferno estiverem em teu caminho, como teu espírito conhecerá o segredo que te anuncio? Porém, quando abandonares essas duas coisas, a aurora desse mistério se elevará da noite. O jardim do Paraíso não é para os indiferentes, pois o divino está destinado aos homens de coração. Quanto a ti, renuncia, como as pessoas da via espiritual, a um e a outro; vai mais além sem prender teu coração. Quando renunciares e viveres separado disso, ainda que sejas mulher, tornar-te-ás homem do caminho espiritual.

Oração de Rabi'ah

Rabi'ah disse um dia a Deus: “Ó Tu, que conheces o segredo de todas as coisas realiza os desejos mundanos de meus inimigos e dá a meus amigos a eternidade da vida futura. Quanto a mim, estou livre das duas coisas e não anseio por este mundo ou pelo próximo. Se possuísse este mundo ou o futuro, eu teria pouca intimidade Contigo. Porém é de Ti somente, ó meu Deus, que tenho necessidade, Tu me bastas. Se voltasse meu olhar para os dois mundos ou se desejasse outro senão Tu, eu me consideraria infiel”.


Aquele que tem Deus tem tudo, para ele é lançada uma ponte sobre os sete oceanos. Tudo o que é e tudo o que será é alegórico se não for o Senhor excelente. Encontrarás um equivalente a tudo o que buscas, à exceção d'Ele somente, Ele é sem igual, absoluto e necessariamente existente.


Outras palavras de Deus a Davi

O criador do mundo falou a Davi com estas palavras por detrás do véu do mistério: “Tudo o que existe no mundo, bom ou mau, visível ou invisível, tudo isso não existe senão como substituição de Minha presença, para a qual não encontrarás sucedâneo ou equivalente. Uma vez que nada pode substituir-Me, não deixas de estar comigo. Eu sou tua alma, não te separes de Mim; Eu te sou necessário, estás sob minha dependência. Não sejas nem por um momento, negligente a respeito dessa necessidade. Não busques existir separado de Mim; não desejes o que te é oferecido se não for Eu”.

Ó tu, que vives cheio de desejos do mundo! Estás dia e noite mergulhado nas preocupações a que te arrastam esses desejos; porém não esqueças que Aquele que reconheces como digno de teu culto deve ser tua única meta nos dois mundos. O mundo visível te vende seu nada, porém de tua parte, cuida de não vender Deus por nada no mundo. Tudo o que prefiras em detrimento Dele é um ídolo que te torna infiel e tu és igualmente culpável se preferes a ti mesmo que a Ele.


O sultão Mahmud e o ídolo de Somnat


Quando o exército de Mahmud atacou Somnat, encontrou lá o ídolo que os homens chamavam Lat. Seus adoradores apressaram-se a oferecer, para resgatá-lo, dez vezes o seu peso em ouro; porém, Mahmud recusou-se firmemente vendê-lo e fez acender um grande fogo para queimá-lo. Um de seus oficiais permitiu-se então dizer: “Não convém destruir este ídolo. Seria melhor aceitar o que propõem e tomar o ouro que oferecem” - “Eu temo”, respondeu Mahmud, “que no dia do supremo julgamento o Criador diga, diante do universo reunido: 'Escutai o que fizeram Azur* e Mahmud: o primeiro esculpiu ídolos e o segundo os vendeu'”.


Conta-se que assim que Mahmud lançou às chamas o ídolo desses adoradores do fogo, caíram do interior da estátua cem cestos de pedras preciosas e Mahmud obteve assim gratuitamente o que era desejado. Mahmud disse então: “Lat teve seu prêmio e aqui está o meu, ambos providos por Deus”.


Ah! Destrói tu mesmo os ídolos aos quais rendes culto, para que não pereças miseravelmente como esse ídolo. Consome tua alma pelo amor de teu Divino Amigo, como Mahmud consumiu aquele ídolo, a fim de que faças sair as pedras preciosas de sob a face exterior. Quando o grito de alast** ressoar em teus ouvidos, não te demores em responder 'sim'. Antes mesmo de existires já estavas ligado a este compromisso; não deixes agora de cumpri-lo. Uma vez que assumiste perante Deus esse compromisso, como será possível agora renegá-lo? No princípio, aceitaste o compromisso de alast, já que o tomaste positivamente àquela época, como o desobedecerias hoje? Não podes desviar-te de cumprir tua promessa; comporta-te então de acordo, executa fielmente o que aceitaste e não ajas por subterfúgios.


*Azur – nome dado pelos muçulmanos a Taré, pai idólatra de Abraão.

** Alast – refere-se à célebre passagem do Corão: “Alastu birabbikum? Qalu: Bala, shahidné!” - “Não sou vosso Senhor? As criaturas responderam: Sim, somos testemunhas!” (Corão, VII, 172). Deus faz essa pergunta às almas quando elas ainda se encontravam unificadas em Adão.

Philokalia - Nicephorus o solitário - Atenção

Pergunta: Sabemos por meio de provas anteriores, dos esforços praticados pelos padres queridos de Deus, de que existe um certo fazer que aceleradamente liberta a alma das paixões e através do amor, une-a a Deus; tal obra é necessária para todos que guerreiam por Cristo. Todas nossas dúvidas estão sanadas a esse respeito e estamos firmemente convencidos disso. Mas pedimos que nos ensine o que é atenção da mente e como nos tornarmos dignos de adquiri-la, pois esse trabalho é totalmente desconhecido por nós.


Nicephorus: Em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo que disse: “Sem mim, nada podeis fazer.” (João xv. 5) Tendo chamado-O para me ajudar e auxiliar, tentarei até onde posso mostrar-lhe o que é atenção e como, com a vontade de Deus, conseguimos adquiri-la.

Alguns dos santos nomearam a atenção como guardar a mente, outros, guardar o coração, outros ainda, de sobriedade, outros, silêncio mental e outros novamente, com nomes diferentes. Mas todos esses nomes significam a mesma coisa. Assim como podemos dizer do pão: um pedaço, uma fatia, uma parte, também é assim nesse caso. Quanto ao que a atenção é, e quais são seus traços característicos, você aprenderá imediatamente.

Atenção é um sinal de sincero arrependimento. Atenção é o apelo da alma para si mesma, aversão pelo mundo e ascensão na direção de Deus. Atenção é renúncia do pecado e aquisição de virtude. Atenção é uma indubitável certeza da remissão dos pecados. Atenção é o começo da contemplação, ou melhor, sua condição necessária: pois, através da atenção, Deus aproxima-Se e revela-Se à mente. Atenção é serenidade da mente, ou melhor, é ela permanecer firmemente plantada e não vagar, através do presente da misericórdia de Deus. Atenção significa cortar os pensamentos, ela é a morada da lembrança de Deus e a tesouraria do poder para aguentar tudo o que possa vir. Portanto, a atenção é a origem da fé, da esperança e do amor, uma vez que aquele que não tem fé não pode suportar as aflições vindas de fora e aquele que não as sofre de bom grado, não pode dizer: 'Ele é meu refúgio e minha fortaleza' (Salmo xci 2) e aquele que não tem o Todo Poderoso como seu refúgio não pode ser realmente sincero em seu amor por Ele.

Essa mais grandiosa de todas as obras pode ser obtida por muitos, ou mesmo por todos, principalmente se forem ensinados, trabalhando em coação interna e no calor de sua fé. Mas o que é raro não é a lei. Portanto, é necessário buscar um professor que não esteja no erro, para seguir suas instruções e assim aprender a distinguir, na questão da atenção, defeitos e excessos da direita e da esquerda, encorajados através da sugestão diabólica. Dos próprios sofrimentos da tentação dele ele explicará para nós o que for necessário e irá nos mostrar corretamente aquele caminho mental que podemos então seguir com menos impedimentos. Se não há nenhum professor do tipo em vista, deve-se procurar por um, com todo esforço. Mas se, mesmo após tal procura, ele não for encontrado, então, com um espírito contrito, clamando a Deus com lágrimas e orando para Ele assiduamente e com humildade, faça o que eu lhe digo.

Você sabe que nossa respiração consiste na inspiração e expiração do ar. O orgão que serve para isso são os pulmões, que ficam em volta do coração, de modo que o ar passando através deles envolve o coração. Portanto, a respiração é um caminho natural para o coração. E então, tendo coletado sua mente dentro de você, conduza-a para o canal da respiração através do qual o ar atinge o coração e, junto com esse ar inalado, force sua mente a descer no coração e permanecer ali. Acostume-a, irmão, a não sair do coração tão logo, pois no início, ela se sente muito sozinha naquela reclusão e aprisionamento internos. Mas quando se acostuma com isso, ela começa, pelo contrário, a não gostar de suas voltas sem rumo para fora, pois não é mais desagradável e aborrecido para ela ficar dentro. Assim como um homem que esteve longe de casa, quando retorna fica repleto de alegria ao ver novamente seus filhos e sua esposa, abraça-os e não pode falar muito com eles, pois a mente, quando se une ao coração, é preenchida com deleite e alegria indizíveis. Do mesmo modo, um homem vê que o reino de Deus está realmente dentro de nós; e vendo-o agora em si mesmo, luta com prece pura para manter a mente e fortalecê-la ali, e considera todo o externo como indigno de atenção e totalmente não atraente.

Quando então você entrar no lugar do coração, como eu lhe mostrei, dê graças a Deus e, glorifique Sua piedade, mantenha-se sempre nesse esforço e ele irá lhe ensinar coisas que de nenhuma outra maneira você jamais aprenderia. Ademais, você deveria saber que quando sua mente torna-se firmemente estabelecida no coração, ela não deve ficar lá indolente e silenciosa, mas ela deve constantemente repetir a oração: 'Senhor Jesus Cristo, filho de Deus, tenha piedade de mim!' e nunca parar. Essa prática, guardando a mente de sonhos, torna-a elusiva e impenetrável às sugestões do inimigo e todos os dias conduz-lhe cada vez mais ao amor e ao anseio por Deus.

Se, entretanto, a despeito de seus esforços, você não tiver êxito em entrar no reino do coração como descrevi, faça o que agora eu lhe digo e, com a ajuda de Deus, você encontrará o que busca. Você sabe que em todo homem a conversa interna está no peito. Pois, quando nossos lábios estão silenciosos, é no peito que falamos e discursamos com nós mesmos, rezamos, cantamos salmos e fazemos outras coisas. Assim, tendo banido todos os pensamentos dessa conversa interior (pois você pode fazer isso se quiser), dê a ele a seguinte oração: 'Senhor Jesus Cristo, filho de Deus, tenha piedade de mim!' - e force, ao invés de todos os outros pensamentos, ter apenas esse constante clamor internamente. Se você continuar a fazer isso constantemente, com toda a sua atenção, então com o tempo isso irá abrir para você o caminho para o coração que eu descrevi. Não há dúvida a esse respeito, pois nós mesmos provamos isso por experiência.

Se você fizer isso com forte desejo e atenção, cheio de doçura, toda uma tropa de virtudes virá a você: o amor, a alegria, a paz e outras, através das quais, depois, cada petição sua será atendida em nome de Jesus Cristo, Nosso Senhor, com quem, com o Pai e o Espírito Santo, estão a glória e o poder, a honra e a adoração, agora e para sempre. Amém.