segunda-feira, 26 de julho de 2010

São Teófanes o Recluso - A Arte da Oração

A dualidade do Homem e os dois tipos de oração


O homem é dual: exterior e interior, carne e espírito. O homem exterior é visível, da carne, mas o homem interior é invisível, espiritual – ou como nomeou o Apóstolo Pedro: “... o homem oculto do coração, que não é corruptível, … um espírito dócil e silencioso” (1pedro iii.4). E São Paulo refere-se a essa dualidade quando diz: “Mas embora nosso homem externo pereça, ainda assim o homem interno é renovado” (2cor.iv.16). Aqui o Apóstolo fala claramente sobre o homem interno e o homem externo. O homem externo é composto de muitos membros, mas o homem interno chega à perfeição através de sua mente – através da atenção a si mesmo, temor a Deus e através da Graça de Deus. Os trabalhos do homem exterior são visíveis, mas os do homem interior são invisíveis, de acordo com o Salmista: “o homem interior e o coração estão muito fundo” (Salmo lxiii.7). E São Paulo o Apóstolo diz: “Quem, pois, entre os homens conhece o que é do homem, senão o espírito do homem que está nele?” (1cor.ii 11). Apenas aquele que experimenta o mais íntimo dos corações e as partes internas conhece todos os segredos do homem interior.

O treinamento, portanto, deve ser duplo, externo e interno: externo ao ler livros, interno em pensamentos de Deus; externo no amor pela sabedoria, interno no amor por Deus; externo em palavras, interno em oração; externo em agudeza do intelecto, interno no aquecimento do espírito; externo em técnica, interno em visão. A mente exterior “se enche de orgulho” (i cor. Viii 1), a interna humilha-se; a exterior é cheia de curiosidade, desejando saber tudo, a interna presta atenção a si mesma e não deseja nada além do que conhecer a Deus, falando com Ele como Davi falou quando disse: “Meu coração diz a teu respeito: 'procura sua face!' É Tua face, Senhor, que eu procuro, não me escondas a Tua face.” (salmo xxvii 8-9). E também: “como o cervo bramindo por águas correntes assim minha alma brame por Ti, ó meu Deus!” (salmo xlii 2).

A oração, do mesmo modo, é dupla, exterior e interior. Há a oração feita abertamente e a oração secreta; a oração com os outros e a oração solitária; oração empreendida como um dever e a oração oferecida voluntariamente, que acontece em segredo, não tem hora fixa, sendo feita quando quer que você queira, sem obrigações, simplesmente quando o espírito move você. O primeiro tipo é oferecido de pé, parado; o segundo, não apenas de pé ou caminhando, mas também deitado, ou, resumindo, sempre – quando quer que aconteça de você elevar sua mente a Deus. O primeiro é feito na companhia dos outros, performado na igreja ou em alguma ocasião especial numa casa quando várias pessoal estão reunidas; mas o segundo é realizado quando você está sozinho fechado no seu aposento particular (ou quarto), de acordo com a palavra do Senhor: “quando orares, entra no teu quarto e, fechando tua porta, ora a teu pai que está lá, em segredo” (Mat.vi 6).

O aposento particular também é duplo, externo e interno, material e espiritual: o lugar material é de madeira ou pedra, o quarto espiritual é o coração ou a mente. Portanto, o quarto material permanece sempre fixo no mesmo lugar, mas o espiritual você carrega dentro de você onde quer que você vá. Onde quer que o homem esteja, seu coração estará sempre com ele, e, então, tendo coletado seus pensamentos dentro de seu coração, ele pode se fechar lá dentro e orar para Deus em segredo, esteja ele falando ou escutando, esteja entre poucas pessoas ou entre muitas. A oração interior, se vem ao espírito de um homem quando ele está com outras pessoas, não demanda o uso dos lábios ou de livros, nenhum movimento da língua ou som da voz: e o mesmo é verdadeiro quando você está sozinho. Tudo o que é necessário é elevar sua mente a Deus e descender fundo dentro de si mesmo e isso pode ser feito em qualquer lugar.

O quarto material de um homem que é silencioso abrange apenas o próprio homem, mas o quarto interior espiritual também contém Deus e todo Reino dos Céus, de acordo com as palavras do Próprio Cristo no Evangelho: 'O reino de Deus está dentro de vós' (Luc.xvii 21). Explicando esse texto, São Makarios do Egito escreveu: 'O coração é um recipiente muito pequeno, porém todas as coisas estão contidas nele: Deus está lá, os anjos estão lá e também estão lá a vida e o Reino, as cidades celestiais e os tesouros da graça'.

O homem precisa fechar-se no quarto interno de seu coração com mais frequência do que ele precisa ir à igreja e deve coletar todos os seus pensamentos lá, deve colocar sua cabeça perante Deus, orando a Ele em segredo com todo o calor de seu espírito e com fé vívida. Ao mesmo tempo ele também deve aprender a voltar seus pensamentos para Deus de tal maneira que torne-se apto a desenvolver-se em um homem perfeito.


União amorosa com Deus

Primeiro de tudo é necessário entender que é o dever de todo Cristão – especialmente aqueles que se dizem dedicados à vida espiritual – lutar sempre e de toda maneira para ser unido com Deus, seu criador, amante, benfeitor e seu bem supremo, através de Quem e por Quem eles foram criados. Isso porque o centro e o propósito final da alma, que Deus criou, tem que ser Deus Ele mesmo apenas e nada mais – Deus do Qual a alma recebeu sua vida e sua natureza e por Quem ela deve viver eternamente. Pois todas as coisas visíveis na terra que são amáveis e desejáveis – riquezas, glória, esposa, filhos, em suma, tudo deste mundo que é lindo, doce e atrativo – não pertencem à alma mas apenas ao corpo, e sendo temporárias, vão passar tão rápido quanto uma sombra. Mas a alma, sendo eterna por sua natureza, pode atingir descanso eterno apenas no Deus Eterno: Ele é seu bem mais elevado, mais perfeito do que toda a beleza, doçura e amabilidade, e Ele é seu lar natural, de onde ela veio e para onde ela deve retornar. Pois assim como a carne vinda da terra retorna para a terra, também a alma vinda de Deus retorna a Deus e reside com Ele. Pois a alma foi criada por Deus de modo a residir com Ele para sempre, portanto nesta vida temporária devemos diligentemente buscar a união com Deus, de modo a sermos considerados dignos de estarmos com Ele e Nele eternamente na vida futura.

Nenhuma unidade com Deus é possível exceto através de um amor extremo. Isso podemos ver da história no Evangelho da mulher que era uma pecadora: Deus em Sua grande piedade garantiu a ela o perdão dos seus pecados e uma firme união com Ele, 'pois ela amava muito' (Luc.vii 47). Ele ama aqueles que amam a Ele, abre caminho para aqueles que O buscam e abundantemente garante totalidade de alegria para aqueles que desejam desfrutar o Seu amor.

Para acender em seu coração tal amor divino, para se unir com Deus em uma união inseparável de amor, é necessário para um homem orar frequentemente, elevando sua mente à Ele. Pois, assim como a chama aumenta quando é constantemente alimentada, também a oração, feita com frequência, com a mente residindo cada vez mais profundo em Deus, desperta o amor divino no coração. E o coração, posto em chamas, irá aquecer todo o homem interior, irá iluminá-lo e ensiná-lo, revelando para ele toda sua sabedoria desconhecida e oculta, tornando-o como um serafim flamejante, permanecendo sempre perante Deus dentro de seu espírito, sempre olhando para Ele dentro de sua mente e tirando dessa visão a doçura da alegria espiritual.


A oração deveria ser curta, mas frequentemente repetida.



Daqueles que têm experiência em elevar sua mente a Deus, aprendi que no caso da oração feita pela mente a partir do coração, uma oração curta, repetida frequentemente, é mais quente e mais útil do que uma longa. A oração longa também é muito útil, mas apenas para aqueles que estão quase atingindo a perfeição, não para os iniciantes. Durante a oração comprida, a mente do inexperiente não pode manter-se por muito tempo diante de Deus e geralmente é derrotada por sua própria fraqueza e mutabilidade, e é atraída para coisas externas, de modo que o aquecimento do espírito rapidamente esfria. Tal oração já não é mais uma oração, mas apenas distúrbio da mente, por causa dos pensamentos vagando aqui e ali. Por outro lado, a oração curta porém frequente tem mais estabilidade, porque a mente imersa em Deus por um curto período, pode realizar isso com maior calor. Portanto o Senhor também diz: 'Quando orares, não uses vãs repetições' (Mat. Vi 7), pois não é pela sua prolixidade que você será ouvido. E São João da Escada também ensina: 'Não tente usar muitas palavras para que sua mente não fique distraída pela busca das palavras. Porque de uma sentença curta, o Publicano recebeu a piedade de Deus e uma breve afirmação de crença salvou o Ladrão. Uma multidão excessiva de palavras na oração dispersa a mente em sonhos, enquanto que uma palavra ou uma sentença curta ajuda a coletar a mente'.

Mas alguém pode perguntar: 'Por que o Apóstolo diz na Epístola aos tessalonicenses: “Orai sem cessar”?' (1Tess. V 17).

Usualmente nas Escrituras Sagradas, a palavra 'sempre' é usada no sentido de 'frequentemente', por exemplo: 'os sacerdotes entravam sempre na primeira tenda, para realizar o serviço para Deus' (Heb.ix.6): isso significa que os sacerdotes entravam na primeira tenda em certas horas fixas e não que eles entravam lá incessantemente de dia e de noite; eles entravam frequentemente, mas não ininterruptamente. Mesmo se os sacerdotes estivessem o tempo todo na igreja, mantendo vivo o fogo que veio dos céus e adicionando combustível a ele para que ele não se extinguisse, eles não ficavam fazendo isso todos ao mesmo tempo, mas sim em turnos, como vemos de São Zacarias: 'Ele desempenhava as funções sacerdotais diante de Deus, no turno de sua classe' (Luc.i.8). Devemos pensar do mesmo modo a respeito da oração, a qual o Apóstolo ordena que seja feita incessantemente, pois é impossível para o homem permanecer em oração dia e noite sem interrupção. Afinal, tempo também é necessário para as outras coisas, para os cuidados necessários para a administração de nossa casa, precisamos de tempo para trabalhar, para falar, tempo para comer e beber, tempo para descansar e dormir. Como é possível orar incessantemente senão ao orar frequentemente? A oração frequentemente repetida pode ser considerada oração incessante.

Consequentemente não deixe que sua oração frequentemente repetida porém curta seja expandida em muitas palavras. Isso é também o que os Padres Sagrados aconselham. Em seu comentário sobre o Evangelho de São Mateus (vi.7), São Theophylatos afirma: 'Você não deveria fazer orações longas, pois é melhor orar pouco porém frequentemente.' E São João Crisóstomo em seu comentário sobre as Epístolas de Paulo, observa: 'aquele que diz muito na oração, não ora, mas favorece a fala inútil'. São Theophylatos também diz em sua interpretação de Mateus vi.6: 'Palavras supérfluas são conversa fiada'. O Apóstolo disse bem: 'prefiro dizer cinco palavras com minha compreensão... do que dez mil palavras numa língua desconhecida' (1Cor.xiv.19): ou seja, é melhor orar a Deus de maneira breve mas com atenção, do que pronunciar inúmeras palavras sem atenção, em vão, enchendo o ar de barulho.

Este é um outro sentido no qual as palavras do Apóstolo devem ser interpretadas. 'Ore sem cessar' (1Tess.v.17) devem ser tomadas no sentido da oração realizada pela mente: o que quer que um homem esteja fazendo, a mente pode estar sempre direcionada para Deus e dessa forma ela pode orar para Ele incessantemente.

Portanto comece agora, Ó minha alma, pouco a pouco, o treinamento estabelecido para você, comece em nome do Senhor, de acordo com a instrução do Apóstolo: 'E o que quer que fizerdes em palavra ou feito, fazeis tudo em nome do Senhor Jesus' (Col.iii.17). Faça tudo, ele quer dizer, não primeiramente para seu próprio benefício, mesmo que espiritual, mas pela glória de Deus; e assim em todas as suas palavras, feitos e pensamentos, o nome do Senhor Jesus Cristo, nosso Salvador, será glorificado.

Mas antes de começar, explique para si mesmo brevemente o que é oração. Oração é voltar a mente e os pensamentos na direção de Deus. Orar significa permanecer diante de Deus com a mente, mentalmente contemplá-Lo sem se desviar, e conversar com Ele com medo e esperança reverentes.

E então colete todos os seus pensamentos, deixando de lado todos os cuidados mundanos externos, dirija sua mente para Deus, concentrando-a completamente Nele.