quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Hafiz - Seis Poemas


Quanto mais perto chego de você, Amado,
mais consigo ver que somos apenas Você e eu neste Mundo.

Escuto baterem na minha porta,
quem mais poderia ser?

Então corro para abrir sem pentear meus cabelos.

Por noites de mais tenho implorado pelo Seu retorno;

de que serve a vaidade a esta hora da noite,

nesta estação divina

que chegou a mim aqui de joelhos?

Se Suas cartas de amor são verdadeiras, querido Deus,

Irei me render àquele que Você continua dizendo que

Eu Sou.

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Admita algo:

Você diz a todos que vê:

“me ame”

É claro que você não diz isso em voz alta,
Senão alguém chamaria a polícia.

Ainda assim, pense sobre isso:

Esse grande impulso em nós de estabelecer conexões.

Por que não se transformar naquele
que vive com uma lua cheia em cada olho,
que está sempre dizendo com aquela doce
linguagem lunar,
aquilo que todos os outros olhos deste Mundo
estão ansiosos por ouvir.
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Quem pode acreditar na gentileza divina de Deus?

Quem pode compreender o que acontece
quando a separação chega ao fim?

Agora, por causa de minha união com a Realidade,
quando quer que ouço uma história de um de Seus Profetas
que vieram para este Mundo,
sei que eu era uma árvore que ficava ali perto,
que se reclinava e fazia anotações.

Sei que eu era a terra que media o infinito arco de Seus pés.

Sei que eu era a comida e a água que Lhe nutriam.
A comida e a água que entravam na boca do Amado.

Peregrino, se for o seu desejo,
um dia você verá que você estava sentado dentro de Hafiz
E que foi com o alaúde que você me deu que nós cantávamos
sobre a verdade e a intimidade sublime:

Sei que eu era a água que saciou a sede de Cristo.
Sei que Eu Sou a comida e a água que entram em cada boca."

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Há uma ascensão do abraço da luz

que você pode ver num campo do verão

ou na dança de uma criança.

Cada cidade é uma lira

que toca seus acordes contra nossos ouvidos.

A tampa de uma panela começa a pular

quando a água fica em êxtase por causa do fogo.


Se eu jamais completo uma frase quando estamos juntos,
aceite minhas desculpas e tente compreender
esse doce pensamento inebriado.

No início, os pássaros não tinham o desejo de voar.

O que realmente aconteceu foi isto:

Certa vez Deus sentou-se perto deles tocando música.
Quando Ele partiu, eles sentiram tanto a Sua falta
que seu anseio fez asas brotarem neles,
necessitando vasculhar os céus.

Ouça, Hafiz sabe que nada nos evolui mais do que o Amor.

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Alguns poetas tem tanta habilidade para falar sobre Deus
sem jamais usar nenhum de Seus pseudônimos.

Alguns tem tal habilidade
que você nem precisa ir até o rio com o seu balde.

Com o magnetismo das palavras,
eles podem adular Vênus
para fazê-lo sair de sua órbita primal
e roubar de sua boca aquela milagrosa gota de orvalho
que ele coletou em suas veias desde que o tempo disse:
“Eu Sou.”

Usarei todos os trajes comuns da língua
se isso servir para conquistar a sua amizade.

Vou me transformar numa planta da floresta
se você aplicar-me sobre suas feridas.

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Aborrecido?
Então fique comigo, pois eu não estou.

Solitário?
Milhares de seres apaixonados e nus

habitam as cavernas antigas debaixo de minhas pálpebras.

Riquezas?
Tome aqui um punhado,
todo meu corpo é uma esmeralda que implora:

“Leve-me!”

Escreva tudo o que lhe preocupa num pedaço de pergaminho,

Ofereça-o para Deus.

Mesmo de uma distância de um milênio

posso inclinar a chama de meu coração na sua vida

e transformar tudo o que lhe amedronta

na cinza sagrada de um incenso.

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

P. D. Ouspensky - Trechos do Livro "A Further Record" (parte 3)

Pergunta: Uma criança vem ao mundo com uma capacidade de autoconsciência?
Sr. Ouspensky: Sim, com a possibilidade. Nossa falta de consciência de nós mesmos é simplesmente um acidente de nascimento. Nós nascemos entre pessoas adormecidas. Uma criança é apenas um embrião, não é desenvolvida ainda. Mas quando já está crescida, ela perde sua oportunidade de desenvolvimento. Quando a criança cresce entre pessoas adormecidas é possível despertar somente através de esforço.
P: Se uma criança fosse colocada em uma ilha sem ver as pessoas, ela ficaria desparta?
Sr. O.: Esse é um exemplo teórico. É como um outro exemplo teórico: se uma criança for privada de todas as impressões, ela não será capaz de fazer nem um único movimento. Isso está teoricamente correto, mas na prática não pode ser verificado. Se uma criança nasce entre pessoas que estão despertas, ela ficará desperta. Mas não há nenhuma possibilidade de verificar isso.
P: As crianças muitas vezes mostram um certo estado de alerta em uma determinada idade.
Sr. O.: Se uma criança fosse colocada entre pessoas que estivessem acordadas, ela não iria cair no sono. Mas em qual idade ela estaria mais desperta, uma vez nessas condições, é impossível de dizer. Geralmente aos sete ou oito anos aparece nela uma personalidade imaginária ou um ‘eu’ imaginário.
P: É dito que devemos utilizar esforço. O que se entende por esforço? Na maneira habitual de pensar, esforço é produzido pela vontade e é seguido por um resultado (vontade-esforço-realização). Como podemos conciliar que 'não temos vontade alguma' e 'que não podemos fazer' com o fato 'que devemos usar esforço', que 'devemos trabalhar sobre nós mesmos’ — na verdade, aplicar uma ação enérgica proposital? O que vem antes do esforço e o que se segue? Esforço apenas é apenas uma palavra.

Sr. O.: É difícil responder tudo ao mesmo tempo. Nossa vontade é apenas uma resultante dos desejos. A vontade mostra direção. Em um homem comum a vontade de segue uma linha em ziguezague, ou prossegue em um círculo. A vontade mostra a direção dos esforços. Esforço é o nosso capital. Devemos pagar com esforço. De acordo com a intensidade do esforço e o tempo de esforço (considerando se é o momento certo para o esforço ou não), podemos obter resultados. Esforço precisa de conhecimento, o conhecimento dos momentos quando o esforço é útil. Quando a oitava prossegue por si mesma*, o esforço não pode ajudar. É necessário aprender através de longa prática a produzir e aplicar um esforço.

P: Você fala sobre fazer esforços. Acontece que o desejo de fazer esforços deve surgir ocasionalmente, de tempo em tempo.

Sr. O.: Não é o desejo, mas a realização da necessidade.

P: Qual é o momento certo para fazer esforços?
Sr. O.: Os esforços que podemos fazer são os esforços da auto-observação e da lembrança de si (de tentarmos estar mais conscientes). Quando as pessoas ouvem sobre esforços, elas pensam sobre os esforços para fazer. Isso seria esforço perdido ou esforço errado. Mas o esforço de praticar a auto-observação e a lembrança de si é o esforço certo porque ele pode dar resultados certos.
P: Como pode um homem mudar, então?
Sr. O.: Ele não pode mudar enquanto permanecer sob as leis da vida mecânica. O início das possibilidades começa com a primeira etapa (no diagrama da "Vida, da escada e do caminho).
P: O que é o homem n. º 4? *
Sr. O.: O homem n. º 4 tem direção.
P: Ele é um homem que começou a trabalhar fora das leis?
Sr. O.: Tudo isso acarreta em graus. Um homem que vive no círculo externo está sob a Lei do Acidente. Ou, se um homem tem uma essência ou um tipo** fortemente expressados, sua vida continua sob as leis de seu tipo ou as leis do destino. Mas isso não é uma vantagem. Quando um homem começa a trabalhar na direção da consciência, isso cria nele uma quantidade de novas tríades (de novas ações). Isso significa mudança, talvez não seja perceptível, mas ainda cosmicamente é uma mudança. Apenas os esforços individuais podem ajudar o homem a passar do círculo externo para o círculo exotérico. O que se refere a um homem no círculo externo não se refere a um homem que começou a trabalhar. Ele está sob leis diferentes, ou melhor, leis diferentes começam a tocar um homem que começa a trabalhar. Cada círculo está sob leis diferentes.
P: Eu sempre pensei que existia alguma virtude em fazer uma coisa só porque ela era desagradável e por não querer fazê-la.
Sr. O.: Há muitas coisas desagradáveis. Você pode fazer muitos esforços que são completamente inúteis. Este é um ponto errado. Geralmente, nós temos má vontade. Muito raramente temos boa vontade. Você não sabe como pensar sobre essa questão. De um lado você percebe que você é uma máquina (tudo acontece mecanicamente), mas no momento seguinte você deseja agir de acordo com a sua própria opinião. Então, neste momento você deve ser capaz de parar; você deve
ser capaz de não fazer o que você quer. Mas isso não se aplica aos momentos quando você não tem intenção de fazer coisa nenhuma. É quando você encontra-se indo contra as regras ou os princípios, ou contra o que lhe foi dito que você deveria ser capaz de parar. Muitas vezes acontece que as pessoas seguem estudando e perdem esses momentos. Eles acham que estão trabalhando se nada acontece, e quando esses momentos vêm, eles os perdem. O Trabalho não pode ser sempre o mesmo. Em um momento o estudo passivo e as teorias são suficientes, em outro momento é necessário se opor ao seu movimento, é necessário parar.

P: O que você chamaria de fraqueza?

Sr. O.: As coisas nas quais você é mais mecânico; certamente se você não consegue ver aonde você é absolutamente impotente, onde você está mais adormecido, mais cego, porque você sabe que existem graus em tudo e todas as qualidades ou manifestações em nós, todas elas têm graus diferentes. Se não houvessem graus em nós mesmos seria muito difícil estudar. Podemos estudar a nós mesmos apenas porque tudo em nós existe em diferentes graus. Mesmo o traço* (a fraqueza) não é sempre o mesmo; é quase o mesmo porque é mecânico, mas às vezes é mais definidamente expressado, às vezes em casos muito raros é mostrado muito pouco, apenas assim ele pode ser encontrado. Mas isso é difícil quando se trata das fraquezas; tome a mecanicidade por exemplo, sim, você é mecânico, mas em alguns casos você é mais mecânico, às vezes menos mecânico. Se estamos doentes, por exemplo, de imediato nos tornamos mais mecânicos, não podemos resistir ao mundo e às coisas do mundo externo nem mesmo como podemos resistir ordinariamente.

P: O desejo de ser livre certamente não é uma fraqueza.

Sr. O.: O desejo pode variar. Suponha que a pessoa percebe que ela quer livrar-se de uma fraqueza, ao mesmo tempo ela não deseja aprender os métodos de como se livrar da fraqueza, ela pensa que pode fazer isso sozinha, isso será uma segunda fraqueza para ajudar a primeira fraqueza, então não haverá nenhum resultado.
P: Mas e se a pessoa faz um esforço constante?
Sr. O.: Mais uma vez isso pertenceria a um outro lado de você, do que você chama de 'você'. Não significa que isso tem poder ou força, é meramente uma combinação de certos desejos, desejos de se livrar de algo. Se você percebe que algo está errado e formula o desejo de se livrar disso, então se você mantiver isso em mente por um tempo suficientemente longo, então se tornará um certo plano de ação; se essa linha de ação for suficientemente prolongada ela poderá atingir resultados. Apenas é necessário novamente sublinhar que várias linhas de ação diferentes são necessárias para alcançar o resultado, não só uma — temos de trabalhar ao mesmo tempo sobre isso e sobre aquilo e sobre aquilo outro, se trabalharmos apenas em uma linha será impossível chegar a algum lugar.
P: Tenho observado em mim um desejo constante de estar confortável. Esse é um sentimento
geral para todas as pessoas?
Sr. O.: Essa é uma das características muito importantes de nossa vida. Por esse desejo sacrificamos tudo. Estamos prontos para desistir de tudo para ir pela linha de menor resistência. Às vezes esse desejo torna-se tão forte que a pessoa pode ficar confortável e não querer nada mais. Mesmo se algo não é confortável tentamos rearranjá-lo para que fique confortável.

P: De onde vem esse desejo?

Sr. O.: Isso precisa de observação.

P: Existe alguma maneira de se livrar disso em relação ao sistema*?

Sr. O.: O que fazer é uma questão diferente. Devem nos aproximar disso de um lado diferente. É uma coisa muito grande. Cada esforço é importante, portanto, cada esforço deve ser discutido especialmente — não todos os esforços juntos. O sono é a coisa mais confortável. Tentar despertar é muito desconfortável. Mais tarde, quando estivermos parcialmente despertos, sentiremos o quão desconfortável é dormir, quando qualquer coisa pode acontecer a qualquer momento. Mas é necessário chegar a esse estado.

* Para a melhor compreensão de alguns termos utilizados por Ouspensky é recomendada a leitura do livro "A psicologia da evolução possível ao homem" que se encontra no início do blog.

* Para estudar a respeito dos tipos humanos é recomendada a leitura do livro: "A teoria da influência celestial" de Rodney Collin no blog: www.teoriadainfluenciacelestial.blogspot.com

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Philokalia - São Marco o Asceta - Sobre a Lei Espiritual

Por termos sido questionados frequentemente sobre o que o Apóstolo queria dizer quando coloca que “a lei é espiritual” (Rom. 7:14), e que tipo de conhecimento espiritual e ação caracteriza aqueles que desejam observá-la, falaremos sobre isso tanto quanto possível.

Primeiro de tudo, sabemos que Deus é o início, o meio e o fim de tudo o que é bom e que é impossível para nós termos fé em qualquer coisa boa e exercê-la exceto em Jesus Cristo e no Espírito Santo.

Tudo o que é bom é dado pelo Senhor providencialmente e aquele que tem fé que isso é assim não perde o que lhe foi dado.

A fé constante é uma torre forte; para aquele que tem fé Cristo vem a ser tudo.

Possa aquele que inaugura tudo aquilo que é bom inaugurar tudo o que você empreender, de modo que isso possa ser feito com Suas bênçãos.

Quando ler as escrituras sagradas, aquele que é humilde e engajado no trabalho espiritual irá aplicar tudo a si mesmo e não aos outros.

Clame a Deus para que ele abra os olhos do seu coração, de modo que você possa ver o valor da oração e da leitura espiritual quando entendida e aplicada.

Se um homem possui algum dom espiritual e sente compaixão por aqueles que não o possuem, ele preserva o dom por causa de sua compaixão. Mas um homem vanglorioso irá perdê-lo por sucumbir às tentações da vanglória.

As escrituras falam da fé como sendo “a substância das coisas pelas quais esperamos” (Heb. 11:1), e descreve como sem valor aqueles que não conhecem a morada interna de Jesus. (ref. 2 Cor. 13:5)

Aquele que não conhece a Verdade não pode verdadeiramente ter fé, pois por natureza o conhecimento precede a fé.
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Assim como um pensamento é tornado manifesto através de ações e palavras, também é nossa recompensa futura através dos impulsos do coração.
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Assim, um coração piedoso receberá piedade, enquanto que um coração impiedoso receberá o oposto.

A lei da liberdade ensina toda a verdade. Muitos leem sobre ela de uma maneira teórica, mas poucos realmente compreendem-na e isso apenas de acordo com o grau com que praticam os mandamentos.

Deus é a fonte de toda a virtude assim como o sol é a fonte da luz do dia.

Quando você tiver feito algo bom lembre-se das palavras “sem Eu você não pode fazer nada”. (João 15:5)

Quanto maior a fé do homem de que Cristo irá recompensá-lo, maior será a prontidão para suportar toda injustiça.

Revele-se para o Senhor em sua mente. “Pois o homem olha para a aparência externa, mas o Senhor olha para o coração.” (1 Sam. 16:7)

Não faça nada e não diga nada sem um propósito dirigido a Deus. Pois viajar sem uma direção é desperdício de esforço.

A dor faz o sábio lembrar-se de Deus, mas oprime aqueles que se esquecem Dele.

Deixe que todo sofrimento involuntário lhe ensine a lembrar de Deus e não lhe faltará oportunidade para o arrependimento.

Faça o bem quando lembrar e o que você esquecer será revelado a você; e não entregue a sua mente ao esquecimento cego.

O inferno é a ignorância, pois ambos são escuros e a perdição é o esquecimento, pois ambos envolvem a extinção.

Preocupe-se com os seus próprios pecados e não com os de seus semelhantes, assim a oficina de sua mente não será roubada.

Aceitar uma aflição pelo amor a Deus é um ato genuíno de santidade, pois o verdadeiro amor é testado pelas adversidades.

Não alegue ter adquirido uma virtude a menos que você tiver sofrido uma aflição, pois sem aflição a virtude não foi testada.

Considere o resultado de cada aflição involuntária e você verá que foi a destruição do pecado.

Se você quer saúde espiritual escute a sua consciência, faça tudo o que ela lhe falar e você irá beneficiar-se.

Deus e nossa consciência conhecem nossos segredos. Deixe que eles nos corrijam.

Aquele que é ignorante a respeito da emboscada do inimigo é morto facilmente e aquele que não conhece as causas das paixões é logo trazido para baixo.

Após cumprir um mandamento espere ser tentado, pois a amor por Cristo é testado pela adversidade.

Jamais menospreze a importância de seus pensamentos, pois nenhum deles escapa da atenção de Deus.

Muitos lutaram de muitas maneiras contra as circunstâncias, contudo sem oração e arrependimento ninguém jamais escapou do mal.

Os males reforçam uns aos outros e também é assim com as virtudes, encorajando-nos dessa forma a esforços ainda maiores.

O intelecto é tornado cego por estas três paixões: a avareza, a autoestima e os prazeres carnais.

A escritura chama essas três de filhas da sanguessuga, muito amadas por sua mãe, a insensatez. (ref. Prov. 30:15)

Essas três paixões por si mesmas obstruem o conhecimento espiritual e a fé, os irmãos de criação de nossa natureza.

É por causa delas que a cólera, a raiva, a guerra, o assassinato e todos os outros males têm tamanho poder sobre a humanidade.

Quando você escuta o Senhor dizendo que se a pessoa não renunciar tudo o que ela tem ela “não será digna de Mim” (Mat. 10:37), não aplique isso apenas ao dinheiro, mas a todas as formas de vício.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Bhagavan Ramana Maharshi - A Luz e a Testemunha de Tudo

Pergunta: Os métodos Karma marga (o caminho da ação) e Jnana marga (o caminho do conhecimento) são separados e independentes um do outro? Ou o Karma marga é apenas preliminar e após ter sido praticado com êxito deve ser seguido pelo Jnana marga para a consumação do objetivo? O Karma defende o não apego à ação e ainda assim continuando a manter uma vida ativa, enquanto é dito que o Jnana significa renúncia. Qual é o verdadeiro significado de renúncia? A subjugação das paixões, da luxúria, da ganância, etc., é comum a todos e constitui a etapa preliminar essencial a qualquer caminho. A liberdade das paixões não indica renúncia? Ou a renúncia é diferente, significando a cessação da vida ativa? Essas questões estão me incomodando e rogo que luz seja lançada sobre essas dúvidas.

Bhagavan (sorrindo disse): Você já disse tudo. Sua pergunta também contém a resposta. A liberdade das paixões é o requisito essencial. Quando isso é alcançado tudo mais é alcançado.
P: Sri Shankaracharya enfatiza o Jnana marga e diz que a renúncia é preliminar a ele. Mas claramente há dois métodos mencionados no Gita. Eles são Karma e Jnana (Lokesmin dwividha nishtha...).
B: Sri Acharya comentou sobre o Gita e sobre essa passagem também.

P: O Gita parece salientar o Karma, pois Arjuna é convencido a lutar; o próprio Sri Krishna define o exemplo através de uma vida ativa de grandes explorações.

B: O Gita começa dizendo que você não é o corpo.

P: Qual é o significado disso?
B: Que devemos agir sem pensarmos que somos o ator. As ações prosseguirão a despeito de seu estado de ausência do sentido de ego. As pessoas adentram na manifestação por um propósito determinado. Esse propósito será cumprido esteja ela se considerando o ator ou não.
P: O que é Karma yoga? É o não apego ao Karma ou ao seu fruto?

B: Karma yoga é aquele yoga em que a pessoa não arroga a si mesma a função de ser o ator. As ações dão-se automaticamente.

P: É o não apego aos frutos das ações?
B: A questão surgirá apenas se houver o ator (o ego). O tempo todo tem sido dito que você não deve considerar-se o ator.

P: Então Karma yoga é kartrtva buddhi rahita karma - ação sem sentido de ser o agente.

B: Sim. Isso mesmo.
P: O Gita ensina vida ativa do começo ao fim.
B: Sim, a ação sem o ator.
P: É necessário, então, abandonar nossa casa e levar uma vida de renúncia?

B: A casa está em você? Ou você está em casa?

P: Está na minha mente.
B: Sendo assim, o que se passará com você quando você deixar o ambiente físico?
P: Agora eu vejo. Renúncia é apenas a ação sem a sensação de ser o agente. Não há ação para um jivanmukta (para uma alma liberada)?
B: Quem levanta a questão? É um jivanmukta ou outra pessoa?

P: Não é um jivanmukta.

B: Deixe a questão ser levantada após a libertação espiritual (jivanmukti) seja adquirida se isso for necessário. Mukti (a liberação) é admitido ser também a liberdade das atividades mentais. Pode um mukta pensar em ação?

P: Mesmo se ele abandona a ação, a ação não vai abandonar-lhe. Não é assim?

B: Com o que ele está identificado a fim de que esta questão possa se aplicar?
P: Sim, vejo tudo corretamente agora. Minhas dúvidas foram esclarecidas.

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P: Como conseguirei vencer minhas paixões?

B: Localize a raiz delas e então será fácil. Quais são as paixões? Kama (luxúria), krodha (raiva), etc. Por que elas surgem? Por causa da atração e da repulsão pelos objetos vistos. Como os objetos projetam-se na sua visão? Por causa de sua ignorância. Ignorância do que? Do Ser. Assim, se você encontrar o Ser e habitar nele não haverá nenhuma dificuldade proveniente das paixões.
Novamente, qual é a causa das paixões? O desejo de ser feliz ou de desfrutar do prazer. Por que o desejo por felicidade surge? Porque a sua natureza é ela mesma a felicidade e é natural que você vá para o que é seu. Essa felicidade não é encontrada em lugar algum além do Ser. Não procure-a em outros lugares, mas busque o Ser e resida nele. Ainda mais uma vez, essa felicidade que é natural é simplesmente redescoberta, portanto, ela não pode ser perdida. Enquanto que a felicidade decorrente dos outros objetos é externa e, portanto, suscetível de ser perdida. Por conseguinte, ela não pode ser permanente e por isso não vale a pena ser perseguida.
Além disso, a ânsia pelos prazeres não deveria ser incentivada. Não podemos extinguir o fogo vertendo gasolina sobre ele. Uma tentativa de satisfazer os seus desejos por aquele momento para que a paixão possa ser suprimida mais tarde é simplesmente tolice. Sem dúvida, existem outros métodos para a supressão das paixões. Eles são: (1) a regulação alimentar, (2) o jejum, (3) a prática de yoga, (4) alguns medicamentos. Mas seus efeitos são transitórios. As paixões reaparecem com maior vigor assim que o controle é removido. A única maneira de superá-las é erradicá-las. Isso é feito ao encontrarmos sua fonte, como indicado acima.

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P: Com cada pensamento o sujeito e o objeto aparecem e desaparecem. O 'eu' não desaparece quando o sujeito desaparece assim? Se é assim, como pode a busca pelo 'eu' proceder?

B: O sujeito (o conhecedor) é apenas uma modulação da mente. Embora a modulação (vritti) passe, a realidade por trás dela não cessa. O plano de fundo da modulação é o 'Eu' no qual as modulações da mente emergem e submergem.

P: Depois que as escrituras descrevem o Ser como srota (o ouvinte), manta (o pensador), vijnata ( o conhecedor), etc., ele é novamente descrito como asrota, amanta, avijnata, ou seja, não-ouvinte, não-pensador, não-conhecedor, É assim?

B: Justamente assim. O homem comum fica consciente de si mesmo apenas quando as modificações surgem no intelecto (vijnanamaya kosa); essas modificações são transitórias, elas surgem e desaparecem. Portanto, o ijnanamaya (intelecto) é chamado de kosa ou invólucro. Quando sobra apenas a pura consciência, ela é o próprio Chit (Ser) ou o Supremo. Estar em nosso estado natural com o apaziguamento dos pensamentos é em si felicidade e graça. Se essa felicidade é transitória – se ela vem e vai - então esse é só o invólucro da felicidade (Anandamaya kosa), não o puro Ser. O que é necessário é fixar a atenção sobre o puro 'Eu' após o apaziguamento de todos os pensamentos e não perder a conexão com ele. Isso tem de ser descrito como um pensamento extremamente sutil; de outra forma não se pode falar disso de maneira nenhuma, uma vez que ele não é nada além do que o verdadeiro Ser. Quem há para falar dele? Para quem? E como?

Isso está bem explicado no Kaivalyam e no Viveka Chudamani*. Assim, embora no sono a consciência do Ser não é perdida, a ignorância do jiva (ego) não é afetada por isso. Para essa ignorância ser destruída, esse estado sutil da mente (vrittijnanam) é necessário; na luz do sol o algodão não queima, mas se o algodão for colocado sob uma lente, ele pega fogo e é consumido pelos raios do sol que passam através da lente. Da mesma forma, embora a consciência do Ser esteja presente em todos os momentos, ela não é hostil à ignorância. Se através da meditação o estado sutil do pensamento é obtido, a ignorância é destruída. Também no Viveka Chudamani está escrito: sukshmam paramatma tattvam na sthoola drishtya (o extremamente sutil Ser Supremo não pode ser visto pelo olho grosseiro) e esha jyotirasesha sakshi (este é o Ser - a luz e a testemunha de tudo). Esse estado mental sutil não é uma modificação da mente chamada de vritti. Porque os estados mentais são de dois tipos. Um é o estado natural e o outro é uma transformação nas formas dos objetos. O primeiro é a Verdade e o outro é de acordo com o agente (kartrutantra). Quando esse último morre, Djallé kataka renuvat (como pasta de amendoim dissolvida em água) o primeiro permanecerá. O meio para alcançar esse fim é a meditação. Embora ela seja iniciada com a tríade da distinção (o meditador, o objeto meditado e o processo de meditação), finalmente terminará na consciência pura (jnanam). A meditação precisa de esforço, já o jnanam é sem esforço. A meditação pode ser praticada ou não praticada ou pode ser mal feita, jnanam não é assim. A meditação é descrita como kartru-tantra (como sendo própria do meditador), jnanam é descrito como vastutantra (do próprio Supremo).

P: O que significa o Atma?

B: O Ser.
P: Não é o amor por alguma coisa?
B: O desejo por felicidade (sukha prema) é uma prova da felicidade sempre presente do Ser. Caso contrário como poderia esse desejo surgir em você? Se a dor de cabeça fosse natural para os seres humanos ninguém tentaria se livrar dela. Mas toda a pessoa que tem uma dor de cabeça tenta se livrar dela, porque ela conheceu o tempo quando ela tinha nenhuma dor de cabeça. Ela deseja apenas o que é natural a ela. Assim também as pessoas desejam a felicidade porque a felicidade é natural para elas. Sendo natural, ela não é adquirida. As tentativas do homem só podem ser para se livrar da miséria. Se isso for feito o a felicidade e bem-aventurança sempre presentes serão sentidas. A felicidade primordial é obscurecida pelo não-ser que é sinônimo de não-felicidade ou miséria. Duhkha nasam = Suree prapti (a perda da infelicidade resulta no ganho da felicidade). Felicidade misturada com miséria é apenas miséria. Quando a miséria é eliminada, a felicidade sempre presente é dito ser adquirida. O prazer que termina em dor é miséria. As pessoas devem evitar tal prazer.
Os prazeres são de três tipos: priya, moda e pra-moda. Quando um objeto desejado está próximo à mão surge priya, quando se toma posse desse objeto surge moda, quando ele está sendo apreciado prevalece o pra-moda. A razão para o caráter prazeiroso desses estados é que um pensamento exclui todos os outros e então este único pensamento também se funde com o Ser. Esses estados são apreciados somente no Anandamaya Kosa (no invólucro da felicidade). Como regra, o Vijnanamaya kosa (o invólucro do intelecto) prevalece no estado desperto. No sono profundo todos os pensamentos desaparecem e o estado de obscurecimento é um estado de bem-aventurança, ali o corpo que prevalece é o Anandamaya. Esses são os invólucros e não o cerne que é interior a todos esses. Ele está além da vigília, do sono com sonhos e do sono profundo. Ele é a Realidade e consiste na verdadeira felicidade (nijananda).
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Seis versos sobreo Ser

1. Para sempre verdadeiro, forte e novo permanace o Ser. A partir Dele, na verdade, brotam o corpo fantasma e o mundo fantasma. Quando esta ilusão é destruída e não remanece nenhuma partícula, o Sol do Ser brilha claro e real na vasta extensão do Coração. Morre a escuridão, terminam as aflições e a bem-aventurança jorra abundantemente.

2. O pensamento "eu sou o corpo" é o cordão onde são amarrados os vários pensamentos. Ao questionarmos internamente: "Quem sou eu?” e “De onde vem este pensamento?" Todos os outros pensamentos se esvaem. E o Ser brilha por si mesmo como o Eu na caverna do Coração. Essa autoconsciência é o único Céu, essa quietude, essa morada da bem-aventurança.

3. De que adianta conhecer coisas diferentes do Ser? E sendo o Ser conhecido, que outra coisa há para conhecermos? É aquela luz una que brilha como os muitos seres, vendo internamente esse relâmpago da consciência, o jogo da Graça, a morte do ego e o florescimento da bem-aventurança.


4. Para afrouxar as amarras do karma e acabar com os nascimentos, este caminho é mais fácil do que todos os outros caminhos. Permaneça em quietude, sem nenhuma agitação da língua, do corpo ou da mente. E eis o esplendor do Ser interior; a experiência da eternidade, a ausência de todo o medo, o vasto oceano da Graça.

5. Annamalai - o Ser, o Olho atrás do olho da mente, que vê o olho e todos os outros sentidos, que conhece o céu e os outros elementos. O Ser que contém, revela e percebe o céu interior que brilha dentro do Coração. Quando a mente livre de pensamentos se volta para dentro, Annamalai aparece como meu próprio Ser. Verdade, a Graça é necessária, o Amor é adicionado. O êxtase divino eclode.
6. No núcleo mais íntimo, o coração brilha como Brahman sozinho, como "Eu-Eu”, o Ser consciente. Entre profundamente no coração em busca do Ser ou mergulhe fundo com a respiração sob controle. Assim, habite sempre no Atman.
* Pesquizar no Blog trechos do Viveka Chudamani de Sri Shankara