terça-feira, 15 de junho de 2010

Ramesh S. Balsekar - Entrando em Casa


Ramesh: Meu único ponto a respeito da maioria dos sadhanas (práticas espirituais) é que há um ego ciente o tempo todo - “eu” estou fazendo este sadhana, “eu” estou fazendo este esforço, “eu” tenho de receber uma recompensa. Então, depois de vinte anos o buscador honesto diz: “Eu tenho meditado por vinte anos e não consegui nada. Esse sadhana é inútil. Tenho de procurar outro sadhana. Tenho de ir para outro ashram. Tenho de encontrar outro Guru.”


Meu ponto é que a maioria dos sadhanas baseia-se num fazedor individual, o buscador, o ego fazendo algo com a expectativa de obter algo. Portanto, é pedido que você medite. Certamente. Mas enquanto houver um meditador esperando conseguir algo da meditação, essa meditação, segundo meu conceito, é inútil. A verdadeira meditação é quando, através graça de Deus e do destino do indivíduo, gradualmente o “meditador” desaparece na meditação de modo que no fim da meditação não sobra nenhum traço de algum ego fazendo meditação com expectativas. Então a meditação acontece de maneira totalmente diferente. De acordo com o meu conceito, só é meditação verdadeira aquela na qual não há meditador individual esperando conseguir algo dela.


Todo propósito desse sadhana que eu recomendo é se livrar do ego. Infelizmente, na maioria dos casos de sadhana de meditação, o meditador está convencido em pensar que “ele” conseguirá algo. E o ego é feito para esperar por algo. Essa é a parte lamentável.


Tim: Você disse que poderíamos fazer essa prática de analisar as ações, para descobrirmos que não podemos fazer. Você disse que ao fazermos isso o ego poderia ser enfraquecido.


Ramesh: É o ego que começa fazendo essa análise e durante esse processo o ego fica mais fraco.


Tim: Depois você disse que após algum tempo a questão é perguntada diretamente pela fonte.


Ramesh: A questão surge! Isso significa que o ego está tão fraco que ele não pode nem mesmo colocar essa questão. Pode ocorrer em certas práticas que o ego fique cada vez mas forte. Neste processo que eu sugiro, o ego, de acordo com meu conceito, ficará cada vez mais fraco conforme houver uma percepção cada vez maior, vinda da experiência pessoal, de que o ego não está fazendo nada – que o ego não pode fazer nada – o fazer acontece. Então, o ego fica cada vez mais fraco e por fim morre.


Gary: Tenho dificuldade quando você nos pede para analisar essas ações. O problema é que eu não confio mais nem no meu sentido intelectual nem no emocional, penso que eles não estão aptos a determinar isso. Eu observo minha mente ou meu sentimento e num determinado momento eu pareço sentir fortemente essa direção, e depois eu percebo que não, que meu sentimento na verdade era bem diferente. Tudo parece tão confuso dentro de mim! Não penso que é possível determinar se somos o fazedor das ações ou se não somos.


Ramesh: Gary, não estou dizendo para observar seu sentimento. Não estou dizendo para observar seus pensamentos. Tudo o que estou dizendo é que algumas ações acontecem durante o dia, não é?


Gary: Mas como posso determinar ...


Ramesh: É fácil. Tome uma ação simples. Você sai daqui e acaba indo a um restaurante desconhecido. No fim do dia, se você analisar como toda essa ação aconteceu, você vai descobrir que muitos pensamentos apareceram que você não teve controle. O que eram eles? “Estou com fome. Quero comer algo. Não tenho muito dinheiro comigo então preciso achar um restaurante limpo onde eu possa encontrar uma comida razoavelmente boa por um preço bom”. Então você pergunta para alguém: “Você conhece um lugar...” “Claro, logo ali na esquina”.


Então o que aconteceu? Houve uma série de pensamentos. O cérebro respondeu àqueles pensamentos de acordo com as circunstâncias sobre as quais você não teve controle – a fome apareceu, você gosta de comida limpa e boa devido ao seu condicionamento, você descobriu que tinha deixado quase todo seu dinheiro no seu quarto... Dessa maneira, o cérebro reagiu à situação existente e pediu as sugestões de alguém: “Há um lugar aqui onde eu possa ir?” Então, o quanto isso foi ação “sua” e o quanto foi uma cadeia de circunstâncias e o condicionamento que o levaram a ir ao restaurante? E você chega à conclusão: “Não foram 'minhas' ações. 'Eu' fiquei com fome e fui levado a um restaurante por algumas circunstâncias sobre as quais 'eu' não tive controle.”


Gary: Minha percepção é que isso muda com o tempo. É por isso que eu digo que não confio nos meus sentidos. Quando algo está ocorrendo ou vai ocorrer, parece a mim que tenho controle. Quando algo já ocorreu, parece que não tinha o controle. Não importa o que seja. Então é uma questão de tempo – como eu vejo isso através do tempo.


Ramesh: É por isso que eu digo, 'no final do dia...'


Gary: Então sempre parece que eu não tive controle.


Ramesh: Esse é precisamente meu ponto.


Gary: Mas se estou olhando para frente sempre parece que tenho controle.


Ramesh: Sim, 'sempre parece”. Você está cem por cento correto. “Sempre parece” que “você” tem controle.


Gary: Em ambos os casos “parece”.


Ramesh: Não. No final do dia quando você analisa, você chega à conclusão que você não teve nenhum controle. Um pensamento ocorreu ou você ouviu algo, uma sugestão, ou você viu algo. O cérebro reagiu ao que foi visto, escutado ou pensado. Você pode usar essa análise para qualquer ação e no final do dia você vai descobrir através de experiência pessoal que não foram “suas” ações.


Esse processo de analisar a ação, qualquer ação, para mim é o único sadhana ou prática que você precisa fazer. Esse é o meu conceito. Faça esse sadhana na medida que for possível para você fazer – e isso depende da vontade de Deus e do destino do organismo corpo-mente. Assim, na medida que for possível para você fazer esse sadhana, você chega à conclusão que nenhuma ação é “sua” ação. E se isso acontece dia após dia, em algum ponto – novamente, se for a vontade de Deus e o destino do organismo corpo-mente – a questão vai surgir das profundezas do seu ser: “Se o Gary não faz coisa alguma, quem é o Gary?” Como disse o Senhor Buda: “Não há fazedor disso.” Essa é a conclusão a que você chega por experiência pessoal – se Gary não faz coisa alguma, Quem é o Gary? Quem sou eu?


Essa é a questão do Ramana Maharshi, “quem sou eu?” É muito importante entender que não é o intelecto que questiona. Se o intelecto pergunta, então o intelecto traz a resposta. E a resposta que o intelecto fornece, o intelecto novamente questiona. Você fica indo em círculos.


Mas quando a questão surge da Fonte, se essa for a vontade da Fonte e o destino do organismo corpo-mente, então a resposta não vem do intelecto – a resposta vem da Fonte. Nunca existiu um Gary além de um nome dado a um organismo corpo-mente. Portanto nunca houve um fazedor. Gary, o ego, não existe. Se o Gary não existe, então o que existe? Apenas a Fonte. A Fonte é tudo o que há.


Gary, meu conceito básico é que cada ser humano é um instrumento programado ou um computador que a Fonte usa, e cada computador humano é único. Não há dois iguais devido ao DNA e ao condicionamento que cada um recebe e sobre os quais não há controle. Juntos, o DNA e o condicionamento são o que eu chamo de programação. E o que faz a Fonte para trazer uma ação que a Fonte deseja? Ela coloca um estímulo. O que é um estímulo? A fonte manda um pensamento para você, o cérebro reage àquele pensamento e traz uma resposta de acordo com a programação. O Gary diz que essa resposta é “sua” ação. Mas quando você analisa cada ação você chega à conclusão que nenhuma ação é “sua” ação.


Gary: Mas não estou convencido de que seja impossível para uma pessoa ganhar mais controle sobre si mesma.


Ramesh: Para “quem” ganhar mais controle?


Gary: Eu não sei.


Ramesh: Para quem? Esse é ponto fundamental. A questão é: Quem é Gary? A resposta é: Não há Gary!


Gary: Você diz que o ego não existe.


Ramesh: Sim.


Gary: O ego afeta o corpo, o corpo existe de um certo ponto de vista. Se o ego está preocupado e chateado a respeito do que ele vai fazer, o corpo pode ficar doente. Então, se o que existe é afetado por algo que não existe, isso é ilógico.


Ramesh: E é por isso que enquanto o ego estiver ali, ele pode afetar o copo e se preocupar a respeito do corpo estar doente, por exemplo.


Gary: Desse modo o ego existe.


Ramesh: O ego existe. Agora, você sai no sol, Gary. Há uma sombra. Existe uma sombra ou não existe sombra?


Gary: Os dois. Sim e não.


Ramesh: É isso! Portanto, o ego existe? Sim e não. É isso que você descobre. Se o ego não faz coisa alguma, o ego não existe. “Gary” existe porque o ego existe. Se o “Gary” não faz coisa alguma, o “Gary” não existe. Desse modo, a aniquilação do ego significa que não existe “Gary” para dizer: “Estou feliz agora. Estou infeliz agora.”


Felicidade e tristeza existem por causa do ego. Portanto, a total e final compreensão intuitiva no coração é que – não há ego – nunca houve um ego. A felicidade e a tristeza são meramente algo criado pelo ego. O ego na verdade nunca existe de fato, assim como uma sombra na realidade nunca existe – quando você entra em casa cadê a sombra? Dessa forma, com esse entendimento de que “Gary” nunca faz coisa alguma, você entra em casa!


Gary: Eu sinto esse ego, esse sentido de “mim” - quase como algo físico.


Ramesh: Ele é. Portanto o ego causa danos consideráveis. Por que Gary está infeliz? Porque o Gary pensa que o “Gary” existe. Por que ele pensa que o “Gary” existe? Porque ele pensa que realiza ações. Se o “Gary” não faz nada – quem é o Gary?


Gary: Mesmo que eu não possa fazer nada, me parece que eu existo.


Ramesh: Oh sim. Mas o que é Aquilo que existe sem fazer coisa alguma? A fonte, o “eu sou”, eu sou Aquele eu sou. Aquilo é o que existe quando Gary não é o fazedor. E quando você está no “eu sou” não há felicidade ou tristeza – o que significa paz.



Ramesh: Uma vez que realizarmos que o Ser, o “eu sou”, a Consciência – que é o que realmente somos – é o fazedor e a testemunha, veremos que não só não é necessário renunciar as nossas atividades diárias, mas que é desejável continuar nossa vida normal. Continuamos com a profunda compreensão de que nós (como objetos fenomenais) estamos “sendo vividos” na totalidade do funcionamento da manifestação. A suposta autoria das ações do “eu” não é nada além de uma ilusão. As atividades diárias normais, continuadas sem o senso de autoria das ações, são a melhor preparação possível para que a iluminação repentina aconteça .


Meister Eckhart colocou lindamente: “Tudo o que o ser humano pode fazer é admirar e maravilhar-se perante a magnificência da criação de Deus” - milhares e milhares de variedades de objetos, cada um com uma programação diferente. Em outras palavras o que ele diz é, a criação do Senhor é um mistério e tudo o que o objeto humano pode fazer é render-se ao mistério e não tentar resolvê-lo.