sexta-feira, 25 de novembro de 2011

P. D. Ouspensky - Trechos do Livro "A Further Record" (parte 3)

Pergunta: Uma criança vem ao mundo com uma capacidade de autoconsciência?
Sr. Ouspensky: Sim, com a possibilidade. Nossa falta de consciência de nós mesmos é simplesmente um acidente de nascimento. Nós nascemos entre pessoas adormecidas. Uma criança é apenas um embrião, não é desenvolvida ainda. Mas quando já está crescida, ela perde sua oportunidade de desenvolvimento. Quando a criança cresce entre pessoas adormecidas é possível despertar somente através de esforço.
P: Se uma criança fosse colocada em uma ilha sem ver as pessoas, ela ficaria desparta?
Sr. O.: Esse é um exemplo teórico. É como um outro exemplo teórico: se uma criança for privada de todas as impressões, ela não será capaz de fazer nem um único movimento. Isso está teoricamente correto, mas na prática não pode ser verificado. Se uma criança nasce entre pessoas que estão despertas, ela ficará desperta. Mas não há nenhuma possibilidade de verificar isso.
P: As crianças muitas vezes mostram um certo estado de alerta em uma determinada idade.
Sr. O.: Se uma criança fosse colocada entre pessoas que estivessem acordadas, ela não iria cair no sono. Mas em qual idade ela estaria mais desperta, uma vez nessas condições, é impossível de dizer. Geralmente aos sete ou oito anos aparece nela uma personalidade imaginária ou um ‘eu’ imaginário.
P: É dito que devemos utilizar esforço. O que se entende por esforço? Na maneira habitual de pensar, esforço é produzido pela vontade e é seguido por um resultado (vontade-esforço-realização). Como podemos conciliar que 'não temos vontade alguma' e 'que não podemos fazer' com o fato 'que devemos usar esforço', que 'devemos trabalhar sobre nós mesmos’ — na verdade, aplicar uma ação enérgica proposital? O que vem antes do esforço e o que se segue? Esforço apenas é apenas uma palavra.

Sr. O.: É difícil responder tudo ao mesmo tempo. Nossa vontade é apenas uma resultante dos desejos. A vontade mostra direção. Em um homem comum a vontade de segue uma linha em ziguezague, ou prossegue em um círculo. A vontade mostra a direção dos esforços. Esforço é o nosso capital. Devemos pagar com esforço. De acordo com a intensidade do esforço e o tempo de esforço (considerando se é o momento certo para o esforço ou não), podemos obter resultados. Esforço precisa de conhecimento, o conhecimento dos momentos quando o esforço é útil. Quando a oitava prossegue por si mesma*, o esforço não pode ajudar. É necessário aprender através de longa prática a produzir e aplicar um esforço.

P: Você fala sobre fazer esforços. Acontece que o desejo de fazer esforços deve surgir ocasionalmente, de tempo em tempo.

Sr. O.: Não é o desejo, mas a realização da necessidade.

P: Qual é o momento certo para fazer esforços?
Sr. O.: Os esforços que podemos fazer são os esforços da auto-observação e da lembrança de si (de tentarmos estar mais conscientes). Quando as pessoas ouvem sobre esforços, elas pensam sobre os esforços para fazer. Isso seria esforço perdido ou esforço errado. Mas o esforço de praticar a auto-observação e a lembrança de si é o esforço certo porque ele pode dar resultados certos.
P: Como pode um homem mudar, então?
Sr. O.: Ele não pode mudar enquanto permanecer sob as leis da vida mecânica. O início das possibilidades começa com a primeira etapa (no diagrama da "Vida, da escada e do caminho).
P: O que é o homem n. º 4? *
Sr. O.: O homem n. º 4 tem direção.
P: Ele é um homem que começou a trabalhar fora das leis?
Sr. O.: Tudo isso acarreta em graus. Um homem que vive no círculo externo está sob a Lei do Acidente. Ou, se um homem tem uma essência ou um tipo** fortemente expressados, sua vida continua sob as leis de seu tipo ou as leis do destino. Mas isso não é uma vantagem. Quando um homem começa a trabalhar na direção da consciência, isso cria nele uma quantidade de novas tríades (de novas ações). Isso significa mudança, talvez não seja perceptível, mas ainda cosmicamente é uma mudança. Apenas os esforços individuais podem ajudar o homem a passar do círculo externo para o círculo exotérico. O que se refere a um homem no círculo externo não se refere a um homem que começou a trabalhar. Ele está sob leis diferentes, ou melhor, leis diferentes começam a tocar um homem que começa a trabalhar. Cada círculo está sob leis diferentes.
P: Eu sempre pensei que existia alguma virtude em fazer uma coisa só porque ela era desagradável e por não querer fazê-la.
Sr. O.: Há muitas coisas desagradáveis. Você pode fazer muitos esforços que são completamente inúteis. Este é um ponto errado. Geralmente, nós temos má vontade. Muito raramente temos boa vontade. Você não sabe como pensar sobre essa questão. De um lado você percebe que você é uma máquina (tudo acontece mecanicamente), mas no momento seguinte você deseja agir de acordo com a sua própria opinião. Então, neste momento você deve ser capaz de parar; você deve
ser capaz de não fazer o que você quer. Mas isso não se aplica aos momentos quando você não tem intenção de fazer coisa nenhuma. É quando você encontra-se indo contra as regras ou os princípios, ou contra o que lhe foi dito que você deveria ser capaz de parar. Muitas vezes acontece que as pessoas seguem estudando e perdem esses momentos. Eles acham que estão trabalhando se nada acontece, e quando esses momentos vêm, eles os perdem. O Trabalho não pode ser sempre o mesmo. Em um momento o estudo passivo e as teorias são suficientes, em outro momento é necessário se opor ao seu movimento, é necessário parar.

P: O que você chamaria de fraqueza?

Sr. O.: As coisas nas quais você é mais mecânico; certamente se você não consegue ver aonde você é absolutamente impotente, onde você está mais adormecido, mais cego, porque você sabe que existem graus em tudo e todas as qualidades ou manifestações em nós, todas elas têm graus diferentes. Se não houvessem graus em nós mesmos seria muito difícil estudar. Podemos estudar a nós mesmos apenas porque tudo em nós existe em diferentes graus. Mesmo o traço* (a fraqueza) não é sempre o mesmo; é quase o mesmo porque é mecânico, mas às vezes é mais definidamente expressado, às vezes em casos muito raros é mostrado muito pouco, apenas assim ele pode ser encontrado. Mas isso é difícil quando se trata das fraquezas; tome a mecanicidade por exemplo, sim, você é mecânico, mas em alguns casos você é mais mecânico, às vezes menos mecânico. Se estamos doentes, por exemplo, de imediato nos tornamos mais mecânicos, não podemos resistir ao mundo e às coisas do mundo externo nem mesmo como podemos resistir ordinariamente.

P: O desejo de ser livre certamente não é uma fraqueza.

Sr. O.: O desejo pode variar. Suponha que a pessoa percebe que ela quer livrar-se de uma fraqueza, ao mesmo tempo ela não deseja aprender os métodos de como se livrar da fraqueza, ela pensa que pode fazer isso sozinha, isso será uma segunda fraqueza para ajudar a primeira fraqueza, então não haverá nenhum resultado.
P: Mas e se a pessoa faz um esforço constante?
Sr. O.: Mais uma vez isso pertenceria a um outro lado de você, do que você chama de 'você'. Não significa que isso tem poder ou força, é meramente uma combinação de certos desejos, desejos de se livrar de algo. Se você percebe que algo está errado e formula o desejo de se livrar disso, então se você mantiver isso em mente por um tempo suficientemente longo, então se tornará um certo plano de ação; se essa linha de ação for suficientemente prolongada ela poderá atingir resultados. Apenas é necessário novamente sublinhar que várias linhas de ação diferentes são necessárias para alcançar o resultado, não só uma — temos de trabalhar ao mesmo tempo sobre isso e sobre aquilo e sobre aquilo outro, se trabalharmos apenas em uma linha será impossível chegar a algum lugar.
P: Tenho observado em mim um desejo constante de estar confortável. Esse é um sentimento
geral para todas as pessoas?
Sr. O.: Essa é uma das características muito importantes de nossa vida. Por esse desejo sacrificamos tudo. Estamos prontos para desistir de tudo para ir pela linha de menor resistência. Às vezes esse desejo torna-se tão forte que a pessoa pode ficar confortável e não querer nada mais. Mesmo se algo não é confortável tentamos rearranjá-lo para que fique confortável.

P: De onde vem esse desejo?

Sr. O.: Isso precisa de observação.

P: Existe alguma maneira de se livrar disso em relação ao sistema*?

Sr. O.: O que fazer é uma questão diferente. Devem nos aproximar disso de um lado diferente. É uma coisa muito grande. Cada esforço é importante, portanto, cada esforço deve ser discutido especialmente — não todos os esforços juntos. O sono é a coisa mais confortável. Tentar despertar é muito desconfortável. Mais tarde, quando estivermos parcialmente despertos, sentiremos o quão desconfortável é dormir, quando qualquer coisa pode acontecer a qualquer momento. Mas é necessário chegar a esse estado.

* Para a melhor compreensão de alguns termos utilizados por Ouspensky é recomendada a leitura do livro "A psicologia da evolução possível ao homem" que se encontra no início do blog.

* Para estudar a respeito dos tipos humanos é recomendada a leitura do livro: "A teoria da influência celestial" de Rodney Collin no blog: www.teoriadainfluenciacelestial.blogspot.com