segunda-feira, 27 de julho de 2009

Nisargadatta Maharaj - 5 de julho de 1980

Maharaj: O conhecimento “eu sou” é o mesmo em todas as criaturas sencientes, seja num inseto, num verme ou num ser humano, ou mesmo num Avatar - o tipo mais elevado de ser. Eu não considero essa consciência básica em uma forma, como sendo diferente, de maneira alguma, da consciência em outra forma. Mas a fim de manisfestar a si mesma, a consciência precisa de uma base, uma construção particular na qual ela possa aparecer. Essa base pode ser qualquer coisa, pode ser qualquer forma, mas a manifestação pode durar apenas enquanto aquela forma particular durar. E até que aquela consciência apareça, não poderá haver conhecimento de nenhum tipo, Em suma, o conhecimento (a faculdade de conhecer) depende da consciência e a consciência precisa de uma matriz ou uma forma física.


Existem muitos Hatha Yogis que têm muitos poderes. De todos eles eu sou o maior. Mas eu distinguo entre Hatha-yoga e Hatha. Hatha significa “insistência” ou “persistência”. Você vê, eu persisto. E essa persistência é sobre o que? Eu não sabia que eu ia nascer. Como é que eu recebi esse nascimento? Esse é o ponto em que persisto numa resposta. Eu tenho que saber isso. Quando me falaram sobre “Sattva”, então quis saber o que é Satvva? Satvva é a essência dos cinco elementos. Naquela essência, naquele suco, reside o conhecimento “eu sou”. Mas tudo isso ainda é dos cinco elementos. Então como isso veio a surgir? Meu Guru me contou a história toda. E então eu vim a saber que isso é ignorância, e eu sei por experiência que todos estão começando a partir dali. Portanto o que quer que tenha surgido é completa ignorância. E nós não somos nada mais do que isso, isso foi o que meu Guru me falou.
Meu Guru posteriormente apontou para mim que a única coisa que você tem e que você pode utilizar para desvelar o mistério da vida, é o conhecimento “eu sou”. Sem isso, não há absolutamente nada. Portanto eu me apeguei a isso, assim como meu Guru me advertiu, e então eu quis descobrir como o aspecto espiritual de “mim” apareceu sem que eu tivesse conhecimento disso. Isso é novamente o resultado dos cinco elementos. Portanto, eu repito, eu sei por experiência pessoal que se alguém pensa que tem ou que é uma coisa especial, significa completa ignorância.

Mesmo se este corpo durasse mil anos, qualquer experiência com ele que acontecesse durante aquele período estaria necessariamente baseada nesse “sentido de que eu existo” (I-am-ness), o qual está baseado no tempo, o qual é produto dos cinco elementos, dos quais não tenho necessidade nenhuma. Em minha pura “absolutidão”(absolutness), sem lugar, configuração ou forma, esse conhecimento “eu sou” surgiu, o qual não tem configuração ou forma. Dessa maneira, esse conhecimento aparece e é apenas uma ilusão.
Pessoas inteligentes, extremamente inteligentes, vêm aqui e me colocam questões. E eu respondo. E o que acontece? Elas não aceitam minhas respostas. Por que? Porque elas me perguntam do ponto de vista da identificação “corpo-mente”. E eu respondo para elas do ponto de vista sem tais identificações. Então como essas pessoas me entendem? Como podem as respostas se adequarem às perguntas? Quem está fazendo as perguntas? São as pessoas que se vêem existindo no tempo, com o nascimento do corpo físico como seu ponto base, portanto, fazem perguntas daquele ponto de vista. Mas esse ponto de vista é falso, é produto da imaginação deles – puramente um feixe de memórias, hábitos e imaginação. Eles consideram isso como sendo a verdade, embora seja ignorância absoluta, sem base na realidade. O dia ao qual você atribui tanta importância, encontrou você quando o corpo nasceu e daquele dia em diante você tem se considerado como sendo esse corpo.
O que havia antes do corpo vir a existir, apenas aquilo deve permanecer após o desaparecimento do corpo e dos elementos. E antes que o corpo desapareça, naquele dia final, mesmo a memória da existência do período que passou desaparecerá. Portanto, o que quer que apareça entre o aparecimento e o desaparecimento do corpo é apenas um punhado de memórias, o que quer que você tenha acumulado é meramente entretenimento. Tudo isso está na memória e vai desaparecer. Agora, se você tivesse realmente aceitado isso com apropriada compreensão, você não se importaria se este corpo permanecesse ou não.
Quando o princípio mais elevado, esse “sentindo de existir”(beingness) desaparecer no corpo, como é que você poderá falar? Quando esse princípio primal se for, sobrará algum valor? Primeiro “o sentido de eu existo” (beingness) desaparecerá. Então o corpo desaparecerá. Mas “o sentido de eu existo” (beingness) nunca saberá que o corpo está desaparecendo, pois a própria consciência (beingness) terá desaparecido.

O Maharishi Mahesh Yogi tem mais de oito mil discípulos. Mas ele fala desse conhecimento? Eles dependem desse “sentido de existir” (beingness) para almejar a verdade, eles consideram isso como sendo a realidade. E toda consideração está sendo direcionada para esse “beingness”; todas as atividades espirituais estão baseadas no sentimento de que esse “sentido de existência” (beingness) é a verdade. Mas ele também não é produto da essência da comida?
Você não compreende a “capacidade de cognição” (knowingness) naturalmente, sem esforço? Uma vez que você compreender espontaneamente, você perceberá que isso também é uma fase temporária: esse “sentido de que eu existo” (beingness) irá desaparecer. E ao entender isso, você chegará à conclusão de que é irreal. E aquele que entende a irrealidade disso é o eterno.
Agora, continuando a explorar essa veia: você pode se apegar a alguma identidade que seja exclusivamente sua, que não desaparecerá? Sem a ajuda da essência-comida, como pode alguém falar? E pode alguém se encarnar sem a ajuda de um corpo?
Então o próximo ponto é, o que exatamente nasce? O que nasce são os três estados: o estado desperto, o estado de sono e o conhecimento “eu sou”, esta consciência. O corpo e a respiração vital não estariam aptos a funcionar se essa consciência não estivesse presente. Portanto, são esses três estados que nasceram. E esses três estados operam através dos três atributos (gunas). Assim, esse três estados e os três consequentes atributos, esse pacote, nasceu, e o que quer que aconteça, acontece a esse pacote apenas. Eu não estou interessado em nada disso.
Vejo claramente isso que nasceu. E sei também que eu não sou isso que nasceu. E é por isso que sou totalmente desprovido de medo. Estou totalmente sem nenhuma reação em relação a uma doença (câncer) que de outra maneira seria traumática.
Esta consciência que é o que realmente nasce, erroneamente identifica-se com este corpo e pensa que ela é o corpo e trabalha através dos três Gunas, essa é a associação. E é isso o que nasce. Mas eu não tenho nada a ver com isso.
No Gita, o senhor Krishna fala para Arjuna que ele não está matando ninguém e ninguém está sendo morto. A coisa toda é uma ilusão.
A doçura é a qualidade ou a natureza do açúcar, mas essa doçura está lá apenas enquanto o açúcar estiver presente. Uma vez que o açúcar for consumido ou jogado fora, não haverá mais doçura. Assim, esse conhecimento 'eu sou', essa consciência, esse sentimento ou sentido de Ser, é a quintessencia do corpo. E se esse corpo essência se vai, esse sentimento, o sentido de Ser, também irá. Esse sentido de Ser não pode permanecer sem o corpo, assim como a doçura não pode permanecer sem o material, que é o açúcar.
Visitante: O que permanece então?
Maharaj: O que permanece é o Original, que é incondicionado, sem atributos, e sem identidade: aquilo sobre o qual este estado temporário de consciência e os três estados e os três gunas têm ido e vindo. Ele é chamado de Parabrahman, o Absoluto.
Esse é meu ensinamento básico. Vocês têm alguma pergunta sobre isso?
Se alguém perguntar “como é Parabrahman?” a resposta é que Ele é como Mumbai. Não me dê a geografia de Mumbai, não me fale da atmosfera de Mumbai, mas me fale: o que é Mumbai? É possível isso? Você não pode falar. Portanto, não há nada que você possa dizer, isto é Mumbai, ou isto é Parabrahman. Se eu lhe pedir: Dê-me um punhado de Mumbai! Você não poderá fazê-lo. Similarmente não há dar ou receber em Parabrahman: você apenas pode Ser isso. De fato, o próprio conceito ou pensamento 'eu sou' não está lá. A pergunta foi: “É como o sono? Não. O sono como eu disse, é um atributo daquilo que nasceu. Então, descubra o que é isto que nasceu. Antes do nascimento, mesmo o pensamento que eu existo não está lá. Vá para casa, pondere sobre isso. Pois isso é algo que precisa revelar a si mesmo. Vocês não podem usar os seus cérebros ou pensamentos nisso. O absoluto não é fácil de conseguir. Toda a manifestação surge apenas dessa partícula de consciência. Você vai se lembrar do que eu falei?
Visitante: Vou me esforçar.

Maharaj: Lembrar-se de algo, seja o que for, é em si um aspecto dessa consciência que é você. Se você não tem essa consciência, a questão de lembrar ou mesmo pensar não surge. Portanto, o lugar para se começar é essa consciência. E essa consciência não pode estar aí sem o corpo. Esse é o mistério que é para ser revelado.
Esta consciência está enquanto os cinco elementos estão presentes. Agora quando acontece o que é chamado de a grande dissolução do universo, de todos os elementos, a consciência também é terminada. Mas o conhecedor dessa consciência, o estado Absoluto, não é afetado. Portanto, eu estou sempre nesse estado e é por isso que não há medo de nada. Mesmo quando tudo estava queimando totalmente e quando houve a destruição total, eu estava meramente assistindo. Estando apenas num estado de testemunha, não fui tocado por nada. Portando, sendo isso, o que poderia me afetar?
Em segundo lugar, o que quer que apareça, realmente não tem substância. Tem apenas uma existência temporária. E enquanto a aparência estiver lá, a dor também estará presente. E então quando as coisas desaparecerem, a dor novamente estará ausente. Assim, apenas quando a forma está presente e a consciência está lá, você sente a dor ou a miséria. E quando não há forma, não há consciência, nenhum sentimento de dor ou qualquer outra coisa.

Vistante: Existem momentos na sua ciência (awareness), onde você não sinta a dor que está ocorrendo na sua forma física?
Maharaj: Enquanto a consciência estiver aí, a dor é sentida. Mas a consciência é produto do corpo-comida, assim como na lâmpada a óleo, quando o óleo está presente existe a chama. Similarmente, este corpo é como o óleo, e essa chama é o conhecimento 'eu sou'. O que quer que você veja, antes de qualquer coisa que você veja, o conhecimento 'eu sou' tem que estar lá. E ele em si contém a coisa toda, todo o seu mundo de experiência. Então, o maior cenário é o próprio conhecimento 'eu sou'; essa própria consciência é o filme todo no qual tudo está contido.
Portanto, a consciência está lá, a dor é sentida, mas eu a nego como sendo minha identidade real. A maneira como consegui a identidade real foi através do Guru, das palavras do Guru, fé total nas palavras dele e meditando sobre a consciência, esse conhecimento; a seguir, eu vim a saber que esse dito comum, que a pessoa nasce no mundo, está errado. O fato é que minha existência é para sempre. Sempre aí. Eu não sou alguém do mundo, mas sim o mundo está na minha consciência. É suposto que o corpo tenha aparecido, tenha se formado neste mundo. Mas quando a verdade apareceu, foi descoberto que em um certo átomo, o Universo inteiro está contido. E o que é esse átomo? É o 'sentido de existência' (beingness), o conhecimento 'eu sou'. Ele contém o universo todo.
Por causa da sua existência, por que você sabe que você é, você sabe que o mundo é. Portanto, essa consciência, devido à qual você experimenta o mundo, não é sem importância; de fato, ela é muito importante. Assim, por que não se estabilizar ali? Medite nessa própria consciência e descubra como esse 'sentido de eu sou' (I-am-ness) apareceu. Qual é a causa dele? A partir do que essa consciência se desenvolveu? Tente descobrir, vá direto na fonte!