segunda-feira, 14 de junho de 2010

Bhagavan Ramana Maharshi - A Graça do Ser




Pergunta: O que é a graça do Guru? Como ela conduz à realização do Ser?



Bhagavan: O Guru é o Ser. Às vezes em sua vida um homem fica insatisfeito, e não estando contente com o que tem, busca a satisfação de seus desejos através de preces a Deus. Sua mente gradualmente é purificada até que ele anseie por conhecer a Deus, anseie mais por obter a Sua graça do que por satisfazer os seus desejos mundanos. Então, a graça de Deus começa a se manifestar. Deus assume a forma de um Guru e aparece ao devoto, ensina a ele a verdade e, acima de tudo, purifica a sua mente através de sua associação com ele. A mente do devoto ganha força e então fica apta a voltar-se para dentro. Através de meditação ela é ainda mais purificada e permanece quieta sem o menor movimento. Aquela calma vastidão é o Ser.



O Guru é tanto interno quanto externo. A partir do exterior ele dá um empurrão para a mente voltar-se para dentro. A partir de dentro ele puxa a mente na direção do Ser e ajuda no aquietamento da mente. Essa é a graça do Guru. Não há diferença entre o Guru, Deus e o Ser.



P: Na sociedade teosófica eles meditam na busca por mestres que possam guiá-los.



B: O mestre está dentro; a meditação tem o objetivo de remover a idéia ignorante de que ele está fora. Se ele é um estranho por quem você espera, ele está fadado a desaparecer também. Qual é a utilidade de um ser transitório como esse? Mas enquanto você pensa que está separado ou que você é o corpo, um mestre externo também é necessário e ele parecerá ter um corpo. Quando a identificação errada da pessoa com o corpo acaba, ela vai descobrir que o mestre não é nenhum outro além do Ser.



P: Como decidimos se o Guru é apropriado? Qual é a natureza real do Guru?



B: O guru apropriado é aquele com quem sua mente está sintonizada. Se você perguntar: “Como decidir quem é o Guru e qual é sua natureza (swarupa)?” A resposta é: Ele deveria ser dotado de tranquilidade, paciência, perdão e outras virtudes; ele deveria ser capaz de atrair os outros, mesmo que apenas com seus olhos, assim como o imã atrai o ferro; ele deveria ter um sentimento de igualdade para com todos. Aquele que tem essas virtudes é o verdadeiro Guru, mas se você quer saber a verdadeira natureza do Guru (swarupa), você deve conhecer a sua verdadeira natureza primeiro. Como pode alguém conhecer a natureza real do Guru se não conhecer em primeiro lugar sua própria natureza real? Se você quer perceber a natureza ou a forma real do Guru você deve primeiro aprender a olhar para todo o universo como sendo a forma do Guru (Guru rupam). Você deve ver o Guru em todos os seres vivos. É o mesmo com Deus. Você deve olhar para todos os objetos como sendo a forma de Deus. Como pode aquele que não conhece o seu próprio Ser perceber a forma real de Deus ou a forma real do Guru? Como ele pode determiná-los? Portanto, primeiro de tudo conheça a sua própria forma e natureza reais.



P: Algumas pessoas dizem que não houve necessidade de um Guru para você. O que você diz a esse respeito?



B: Depende do que você chama de um Guru. Ele não precisa estar numa forma humana. Dattatreya tinha vinte e quatro Gurus incluindo os cinco elementos – terra, água, fogo, ar e espaço. Cada objeto neste mundo era seu Guru.


O Guru é absolutamente necessário. Os Upanishads dizem que ninguém além do Guru pode tirar um homem da selva do intelecto e das percepções sensoriais. Portanto deve haver um Guru.



P: Eu me refiro a um Guru humano, você não teve um.



B: Posso ter tido um num momento ou em outro. Mas eu não tenho cantado hinos para Arunachala*? O que é um Guru? O Guru é Deus ou o Ser. Primeiramente o homem reza para Deus com vistas a satisfazer os seus desejos. Chegará um momento em que ele não rezará mais pela realização de desejos materiais mas sim por Deus mesmo. Deus então aparecerá para ele numa forma ou outra, humana ou não-humana, para guiá-lo para si mesmo em resposta à sua oração e de acordo com suas necessidades.



P: Alguns discípulos do Sai Baba de Shirdi (1838-1918) adoram um retrato dele e dizem que esse é o seu Guru. Como pode ser? Qual é o benefício de adorarem um retrato como seu Guru?



B: Eles obtêm concentração através disso.



P: Sim. Pode ser um exercício de concentração até certo ponto, mas um Guru não é necessário para essa concentração?



B: Certamente, mas afinal, Guru significa apenas Guri – concentração.



P: Como pode uma foto sem vida ajudar a desenvolver concentração profunda? É necessário um Guru vivo que mostre isso na prática. Talvez fosse possível para você atingir a perfeição sem um Guru vivo, mas é possível para pessoas como eu?



B: É verdade. Mesmo assim, ao adorar um retrato sem vida, a mente fica concentrada até um certo grau. Essa concentração não vai permanecer constante a menos que a pessoa conheça seu verdadeiro Ser através da auto-investigação (vichara). Para essa auto-investigação é preciso um Guru.



P: É absolutamente necessário ter um Guru se estamos buscando a realização do Ser (Auto-realização)?



B: Se você buscar a realização do Ser o Guru é necessário. Ele é o Ser. Tome o Guru como sendo o Ser real e o seu ser como sendo o ser individual. O desaparecimento do sentido de dualidade é a remoção da ignorância. Enquanto a dualidade persistir em você, o Guru é necessário. Porque você se identifica com o corpo você pensa que o Guru também é o corpo. Você não é o corpo e nem o Guru. Você é o Ser e também é o Guru. Esse conhecimento é obtido através disso que você chama de auto-realização.


Apenas aquele que confere o supremo conhecimento do Ser à alma ao fazê-la voltar-se para o Ser, é o supremo Guru, o qual é louvado pelos sábios como sendo a forma de Deus, que é o Ser. Mantenha-se fiel a ele. Ao aproximar-se do Guru e serví-lo devotamente a pessoa deveria aprender através da graça dele a causa de seu nascimento e de seu sofrimento. Sabendo então que são devidos ao seu afastamento do Ser, é melhor residir firme como Ser.



P: Existem discípulos do Bhagavan que obtiveram sua graça e realizaram sem qualquer dificuldade. Eu também gostaria de receber essa graça. Sendo uma mulher e vivendo longe eu não posso vir desfrutar de sua sagrada companhia o tanto quanto eu gostaria. Talvez eu não consiga retornar aqui novamente. Eu peço a graça de Bhagavan. Quando eu voltar para minha casa, quero lembrar de Bhagavan. Por favor conceda-me o que rogo.



B: Aonde você está indo? Você não vai a lugar nenhum. Mesmo supondo que você seja o corpo, foi seu corpo que veio de sua casa até Tiruvannamalia? Você simplesmente sentou num carro ou em alguma outra condução e ela se moveu. E finalmente você diz que veio aqui. O fato é que você não é o corpo. O Ser não se move, o mundo é que se move nele. Você é apenas o que você é. Não há mudança em você. Portanto, mesmo após o que parecerá como sua partida daqui, você estará aqui, lá e em toda parte. Essas cenas mudam.


Quanto à graça, ela está dentro de você. Se for externa ela é inútil. A graça é o Ser. Você nunca está fora de sua operação. A graça está sempre aí.



P: Quero dizer que quando eu me lembrar de sua forma, gostaria que minha mente se fortalecesse e uma resposta viesse de você também. Eu não queria ser deixada apenas com meus esforços individuais, que na verdade são muito fracos.



B: A graça é o Ser. Eu já disse, se você lembrar do Bhagavan, você foi levada a fazer isso pelo Ser. A graça já não está aí? Há algum momento que a graça não está operando em você? Sua lembrança é mensageira da graça. Isso é a resposta, isso é o estímulo, isso é o Ser e isso é a graça. Não há motivo para ansiedade.



P: Posso dispensar a ajuda externa e por mim mesmo chegar à verdade mais profunda sozinho?



B: O próprio fato de você estar empreendendo a busca pelo Ser é uma manifestação da graça divina. Ela está radiante no Coração, o ser interior, o Ser real. Ela puxa você de dentro. Você tem de tentar entrar de fora. Sua tentativa é a busca mais sincera, o profundo movimento interior é a graça. É por isso que digo que não há busca real sem a graça e nem há graça ativa para aquele que não busca o Ser.


A graça divina é essencial para a realização. Ela leva a pessoa à realização de Deus. Mas tal graça é outorgada apenas àquele que é um verdadeiro devoto ou yogi. É dada apenas para aqueles que lutaram duro e incessantemente no caminho para a liberdade.



P: Bhagavan poderia ter piedade de nós e nos mostrar a graça?



B: Você está com água até o pescoço e ainda clama por água. É como dizer que alguém com água até o pescoço sente sede ou que o peixe na água sente sede ou que a água sente sede.


Mas a prática também é necessária. Permanecer no Ser por seus próprios esforços é como treinar um touro bravo confinado-o em seu estábulo, dando-lhe capim suculento e impedindo-o de fugir.


*Arunachala - montanha sagrada localizada em Tiruvannamalaia na India