quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Meher Baba - O Egoísmo, O Problema do Sexo, A Santificação da Vida Conjugal


O Egoísmo


O egoísmo vem à existência devido à tendência dos desejos de encontrarem satisfação na ação e na experiência. É nascido da ignorância fundamental a respeito de nossa natureza verdadeira. A consciência humana está obscurecida pelo acúmulo dos vários tipos de impressões depositadas pelo longo curso da evolução da consciência. Essas impressões expressam-se como desejos e o alcance de operação da consciência está estritamente limitado por esses desejos. Os Sanskaras, ou impressões, formam um invólucro em torno do possível campo da consciência. O círculo de sanskaras constitui aquela área limitada na qual a consciência individual pode ser focalizada.
Com alguns dos desejos a ação é apenas latente, mas outros podem realmente traduzirem-se em ação. A capacidade de um desejo de encontrar expressão no comportamento depende da intensidade e da quantidade de sanskaras ligados a ele. Usando uma metáfora geométrica, podemos dizer que quando um desejo passa para ação, ele percorre uma distância que é igual ao raio de um círculo que descreve o limite de sanskaras ligados a ele. Quando um desejo reúne força suficiente, ele projeta-se em ação a fim de obter satisfação. A extensão do egoísmo é igual à extensão dos desejos. Devido ao impedimento dos desejos múltiplos, torna-se impossível para a alma encontrar a expressão livre e plena de seu verdadeiro ser, e a vida se torna auto-centrada e estreita. A vida inteira do ego pessoal está constantemente sob o domínio do querer, ou seja, uma tentativa de buscar a satisfação dos desejos através de coisas que mudam e desaparecem. Mas não pode haver verdadeira satisfação através de coisas transitórias. A satisfação derivada de coisas passageiras da vida não é duradoura e as necessidades do homem continuam não atendidas. Há, portanto, um sentimento geral de insatisfação acompanhado de todos os tipos de preocupações.

As formas principais em que o ego frustrado encontra expressão são a cobiça, luxúria e a raiva. A luxúria é muito parecida com a cobiça em muitos aspectos, mas difere na forma de sua realização, que está diretamente relacionada à esfera grosseira. A luxúria encontra a sua expressão por meio do corpo físico e está preocupada com a carne. É uma forma de se enredar com a esfera grosseira.* A cobiça é um estado de inquietação do coração e consiste principalmente no desejo por poder e posses. Posses e poder são procurados para poderem satisfazer os desejos. O homem fica só parcialmente satisfeito em sua tentativa de ter a satisfação de seus desejos, e essa satisfação parcial ventila e aumenta a chama do desejo, em vez de extingui-la. Assim, a cobiça sempre encontra um campo infinito de conquista e deixa o indivíduo eternamente insatisfeito. As principais expressões da cobiça estão relacionadas com a parte emocional do homem. É uma forma de se enredar com a esfera sutil.

A raiva é a emanação de uma mente irritada. É causada pela frustração dos desejos. Ela alimenta o ego limitado e é utilizada para a dominação e a agressão. Destina-se a remover os obstáculos existentes na realização dos desejos. O frenesi da raiva alimenta o egoísmo e a vaidade, e é o maior benfeitor do ego limitado. A mente é a sede da raiva e suas manifestações são principalmente através das atividades da mente. A raiva é uma forma de se enredar com a esfera mental. Luxúria, ganância e raiva, respectivamente, tem o corpo, o coração e a mente como seus veículos de expressão. O homem experimenta desapontamento através da luxúria, da cobiça e da raiva; e o ego frustrado, por sua vez, busca a gratificação adicional através da luxúria, da cobiça e da raiva. A consciência é, assim, apanhada num círculo vicioso de decepção sem fim. A decepção vem à existência quando, ou a luxúria, ou a ganância ou a raiva são frustradas em sua expressão. É, portanto, uma reação geral de aprisionamento grosseiro, sutil e mental. É uma depressão causada pelo não satisfação da luxúria, da cobiça e da raiva, que, juntos, são co-extensivos com o egoísmo. O egoísmo, que é a base comum desses três vícios ingredientes, é, portanto, a causa final das decepções e preocupações. Ele derrota a si mesmo. Busca satisfação através de desejos, mas só consegue chegar numa insatisfação interminável.

O egoísmo leva inevitavelmente à insatisfação e à decepção, pois os desejos são infinitos. O problema da felicidade é, portanto, o problema de abandonar nossos desejos. Os desejos, porém, não podem ser efetivamente superados através da repressão mecânica. Eles podem ser aniquilados somente através do Conhecimento. Se você mergulhar profundamente no reino dos pensamentos e pensar seriamente por poucos minutos, você vai perceber o vazio dos desejos. Pense no que você tem desfrutado todos esses anos e o que você sofreu. Tudo que você desfrutou durante a vida é hoje nulo. Tudo o que você sofreu ao longo da vida também não é nada no presente. Tudo era ilusório. É o seu direito ser feliz, e ainda, você cria sua própria infelicidade por querer as coisas. Querer é a fonte da inquietação permanente. Se você não consegue a coisa que quer, você fica decepcionado. E se consegue, você quer mais e mais daquilo e se torna infeliz. Diga "eu não quero nada" e seja feliz. A realização contínua da futilidade dos desejos eventualmente o levará ao Conhecimento. Este Auto-conhecimento dará a você a liberdade dos desejos que leva ao caminho da felicidade permanente. Os desejos devem ser cuidadosamente distinguidos das necessidades. O orgulho e a ira, a cobiça e a luxúria, são todos diferentes das necessidades. Você pode pensar: "eu preciso de tudo que eu quero", mas isso é um erro. Se estiver com sede em um deserto, o que você precisa é de água de boa qualidade e não de limonada.

Enquanto a pessoa tiver um corpo, haverá algumas necessidades e é necessário atender essas necessidades. Mas os desejos são um resultado da imaginação apaixonada. Eles devem ser escrupulosamente mortos para poder haver alguma felicidade. Como a própria essência do egoísmo consiste de desejos, a renúncia dos desejos torna-se um processo de morte. Morrer no sentido comum significa romper com o corpo físico, mas morrer no verdadeiro sentido significa a renúncia dos desejos baixos. Os sacerdotes preparam as pessoas para a falsa morte pintando retratos sombrios do inferno e do céu, mas sua morte é ilusória, pois a vida é uma continuidade ininterrupta. A morte real consiste na cessação dos desejos e ela vem por etapas graduais. O alvorecer do amor facilita a morte do egoísmo. Ser é morrer através do amor. Se você não pode amar ao próximo, como poderá amar até mesmo quem lhe tortura? Os limites do egoísmo são criados pela ignorância. Quando uma pessoa percebe que pode ter a satisfação mais gloriosa alargando a esfera de seus interesses e atividades, ele se encaminha para uma vida de serviço. Nesta fase ela entretém muitos bons desejos. Quer fazer os outros felizes ao aliviar seu sofrimento e ao ajudá-los. E embora mesmo em tais bons desejos muitas vezes haja uma referência indireta e latente à própria pessoa, o egoísmo estreito não tem controle sobre as boas ações. Mesmo bons desejos podem, em certo sentido, serem considerados uma forma de egoísmo esclarecido e estendido, pois, como os desejos ruins, eles também se movem dentro do domínio da dualidade. Mas conforme a pessoa entretém bons desejos, seu egoísmo abraça uma concepção maior que eventualmente traz sua própria extinção. Em vez de apenas tentar ser ilustre, aprisionador e possessivo, ele aprende a ser útil aos outros.

Os desejos que entram na constituição do ego pessoal não são nem bons nem ruins. Os maus desejos são normalmente referidos como formas de egoísmo e bons desejos são referidos como formas de altruísmo.
No entanto, não há uma linha precisa dividindo o egoísmo do altruísmo. Ambos se movem no domínio da dualidade, e do ponto de vista final que transcende os opostos do bem e do mal, a distinção entre egoísmo e altruísmo é principalmente uma diferença de alcance. O egoísmo e o altruísmo são duas fases da vida do ego pessoal e essas duas fases são contínuas uma com a outra. O egoísmo surge quando todos os desejos estão centrados em torno da individualidade estreita. O altruísmo surge quando esta organização bruta dos desejos sofre uma desintegração criando uma dispersão geral dos desejos, com o resultado que eles abrangem um domínio muito mais amplo.
O egoísmo é o estreitamento dos interesses a um campo limitado; o altruísmo é a extensão de interesses ao longo de um vasto campo. Colocando paradoxalmente, o egoísmo é uma forma limitada de altruísmo e o altruísmo é a expansão do egoísmo em uma ampla esfera de atividade.
O egoísmo deve ser transmutado em altruísmo antes do domínio da dualidade poder ser completamente ultrapassado. O desempenho persistente e contínuo do de boas ações desgasta o egoísmo. O egoísmo expandido e expressado na forma de boas obras passa a ser o instrumento de sua própria destruição. O bom é o principal elo entre o egoísmo prósperar e morrer. O egoísmo, que no início é o pai de más tendências, torna-se através das boas ações, o herói de sua própria derrota. Quando as más tendências são completamente substituídas por boas tendências, o egoísmo é transformado em altruísmo, isto é, o egoísmo individual perde-se num interesse universal. Embora essa vida abnegada e boa esteja também vinculada aos opostos, a bondade é um passo necessário em direção à liberdade dos opostos. A bondade é o meio pelo qual a alma aniquila a sua própria ignorância. Do bom a alma passa para Deus. O altruísmo funde-se na individualidade universal, que é além do bem e do mal, da virtude e do vício e todos os outros aspectos duais de Maya (a ilusão ou a ignorância).

O cúme do altruísmo é o início do sentimento de unidade com todos. No estado de Libertação não há nem o egoísmo nem o altruísmo no sentido comum, mas ambos são tomados e fundiram-se na sensação do 'Sentido de Ser' (Selfness) por todos. A Realização da unidade de tudo é acompanhada de paz e de alegria insondável. Ela não leva de maneira alguma nem à estagnação espiritual ou à obliteração de valores relativos. Esse (Selfness) 'sentido de Ser' para com todos traz uma harmonia imperturbável sem perda de discriminação, e uma paz inabalável sem indiferença para com o meio que nos cerca. Este (Selfness) 'Sentido de Ser' para com todos não é um resultado de mera síntese subjetiva. É resultado de uma real conquista da união com a Realidade última, que inclui tudo. Abra seu coração, desenraizando todos os desejos e abrigando um único anseio, o anseio pela união com a Realidade última.

A Realidade última não deve ser procurada nas coisas mutáveis do meio externo, mas no nosso próprio ser. Toda vez que sua alma tem a intenção de entrar no seu coração humano, ela encontra a porta fechada e o interior demasiadamente cheio de desejos. Não mantenham as portas dos seus corações fechadas. Em toda parte existe a fonte da felicidade duradoura e ainda assim, todos são infelizes por causa de desejos nascidos da ignorância. O objetivo da felicidade duradoura brilha plenamente apenas quando o ego limitado, com todos os seus desejos, encontra a sua extinção completa e definitiva.

A renúncia dos desejos não significa o ascetismo ou uma atitude meramente negativa para com a vida. Qualquer negação da vida desse tipo tornaria o homem desumano. A divindade não é desprovida de humanidade. A espiritualidade deve tornar o homem mais humano. É uma atitude positiva de liberar tudo que é bom, nobre e belo no homem. Também contribui para tudo o que é gracioso e amável no meio ambiente.
A espiritualidade não exige a renúncia externa das atividades mundanas ou o evitar de deveres e responsabilidades. É necessário apenas que, durante a realização das atividades mundanas ou o cumprimento das responsabilidades decorrentes do lugar específico e da posição do indivíduo, o espírito interior deve permanecer livre do fardo dos desejos.

A perfeição consiste em manter-se livre dos embaraços da dualidade. Essa liberdade dos embaraços é o requisito mais essencial da livre criatividade. Mas essa liberdade não pode ser alcançada ao fugirmos da vida por medo de nos embaraçarmos. Isso significaria a negação da vida. A perfeição não consiste na diminuição das expressões duais da natureza. A tentativa de escapar do emaranhamento implica medo da vida. A espiritualidade consiste em enfrentar a vida de forma adequada e plena, sem ser dominado por opostos. É preciso afirmar a sua soberania sobre todas as ilusões, não importa o quão atraentas ou potentes. Sem evitar o contato com as diferentes formas de vida, um Homem Perfeito funciona com desprendimento completo no meio de intensa atividade.




O Problema do Sexo


O sexo é decididamente um dos problemas mais importantes com o qual a mente humana é confrontada no domínio da dualidade. É um dos elementos na composição da natureza humana com o qual temos de lidar. Como tudo na vida humana, o sexo passa a ser julgado através de opostos, que são necessariamente criações da mente limitada.
Assim como a mente tenta ajustar a vida em um esquema de alternativas, tal como alegria ou dor, bom ou ruim, solidão ou companhia, atração ou repulsão, em relação ao sexo ela tende a pensar em indulgência e repressão como alternativas das quais não há escapatória para ela. Parece como se a mente tivesse de aceitar uma alternativa ou a outra. Contudo, ela não pode aceitar sem restrições nenhuma delas. Quando tenta a repressão, ela fica insatisfeita com sua situação e com saudade pensa na indulgência.Quando tenta a indulgência, torna-se consciente de sua escravidão aos sentidos e busca a liberdade, voltando à repressão mecânica. A mente continua insatisfeita com as duas alternativas, e assim, surge um dos problemas mais importantes e complicados da vida humana. Para resolver o problema do sexo, a mente precisa primeiro entender que ambas as alternativas são igualmente criação da imaginação que trabalha sob a influência ilusória do desejo. O desejo está implicitamente presente na repressão do sexo, bem como na sua gratificação. Ambos resultam em viciar a consciência através da concupiscência (luxúria) ou pelo desejo de sensações. A mente fica, portanto, inevitavelmente inquieta em qualquer das alternativas. Assim como quando há nuvens no céu, há escuridão e falta de sol esteja chovendo ou não, também quando a mente humana está envolta pelo desejo há uma diminuição de ser e uma falta de felicidade verdadeira, seja esse desejo satisfeito ou não.
A mente, quando agitada com o desejo, cria uma idéia ilusória de felicidade na satisfação do desejo e, em seguida, sabendo que a alma continua insatisfeita mesmo após a satisfação do desejo, busca a liberdade através da repressão. Assim, em busca da felicidade e da liberdade, a mente fica presa nos opostos da indulgência e da repressão, os quais ela acha igualmente decepcionantes. Uma vez que ela não tente ir além destes opostos, seu movimento é sempre de um oposto para o outro e, consequentemente, de uma decepção para outra.

Assim, o desejo falsifica o funcionamento da imaginação e apresenta a mente a opção entre as alternativas de indulgência e repressão, que se revelam igualmente decepcionantes em sua promessa de trazer felicidade. No entanto, apesar das decepções repetidas e alternadas na indulgência bem como na repressão, a mente normalmente não renuncia a causa da infelicidade, a qual é o desejo. Desse modo, enquanto experimenta a decepção na repressão, ela é facilmente suscetível à falsa promessa de gratificação e enquanto experimenta a decepção na gratificação, fica facilmente suscetível à falsa promessa de repressão puramente mecânica. Isso é como mover-se dentro de uma gaiola. A porta de entrada para o caminho espiritual da renúncia interna e espontânea do desejo permanece fechada para aqueles que não têm a sorte de serem despertados por um Mestre Perfeito. O verdadeiro despertar é a entrada no caminho da sabedoria, que, no decorrer do tempo, certamente leva à liberdade e à felicidade duradoura da vida eterna.
A renúncia interna e espontânea do desejo é tão diferente da repressão mecânica quanto é diferente da indulgência. A mente se volta para a repressão mecânica do desejo por causa da decepção, mas ela se volta para a renúncia interna e espontânea do desejo por causa do desiludimento ou do despertar. A necessidade de indulgência ou de repressão mecânica surge apenas quando a natureza do desejo não é claramente compreendida. Quando os aspirantes despertam totalmente para escravidão e o sofrimento inevitáveis decorrentes de desejo, eles começam voluntariamente a se livrar do fardo do desejo através da compreensão inteligente. A questão de indulgência ou repressão só surge quando há desejo. A necessidade de ambos desaparece com o completo desaparecimento do desejo. Quando a mente está livre do desejo, ela já não pode ser movida pelas falsas promessas de indulgência ou repressão mecânica. No entanto, deve-se ter em mente que a vida de liberdade está mais perto da vida de contenção do que da vida de indulgência (embora em termos de qualidade seja essencialmente diferente de ambas). Dessa forma, para os aspirantes uma vida de celibato rigoroso é preferível à vida de casado, se a retenção chega a eles facilmente sem um sentido indevido de auto-repressão. Tal restrição é difícil para a maioria das pessoas e às vezes impossível, e para eles a vida conjugal é, decididamente, mais útil do que uma vida de celibato. Para as pessoas comuns, a vida conjugal é sem dúvida aconselhável a menos que eles tenham uma aptidão especial para o celibato.

Assim como a vida de celibato exige e suscita o desenvolvimento de muitas virtudes, a vida conjugal por sua vez também alimenta o crescimento de muitas qualidades espirituais de extrema importância. O valor do celibato está no hábito de contenção e do sentido de desprendimento e independência que ela dá. Mas, enquanto a mente não está totalmente livre do desejo, não há verdadeira liberdade. Da mesma forma, o valor do casamento está nas lições de ajustamento mútuo e no sentido de unidade com o outro. A verdadeira união ou dissolução da dualidade é possível, entretanto, somente através do amor divino, que nunca pode alvorecer enquanto houver a menor sombra de luxúria ou de desejo na mente. Somente ao trilhar o caminho da renúncia interior e espontânea do desejo é que é possível alcançar a verdadeira liberdade e unidade.
Para aqueles que são celibatários, bem como para as pessoas casadas, o caminho da vida interior é o mesmo. Quando os aspirantes são atraídos pela Verdade, não anseiam por mais nada e conforme a Verdade chega cada vez mais dentro do seu alcance, eles gradualmente se livram do desejo. Seja no celibato ou no casamento, eles não são mais seduzidos pelas promessas enganosas de indulgência ou repressão mecânica e praticam a renúncia interna e espontânea do desejo até que sejam libertados dos opostos enganosos. O caminho da perfeição está aberto aos aspirantes tanto no celibato quanto no casamento, e se eles começam a partir do casamento ou do celibato vai depender de seus sanskaras e dos laços karmicos do passado. Eles alegremente aceitam as condições que suas vidas passadas determinaram para eles e utilizam essas condições para o avanço espiritual à luz do ideal que vieram a perceber.

Os aspirantes devem escolher um dos dois cursos que estão abertos para eles. Devem levar a uma vida de celibato ou a uma vida de casado e devem evitar a todo custo uma conciliação barata entre os dois. Promiscuidade na gratificação sexual está fadada a aportar os aspirantes no caos mais lastimável e perigoso da luxúria ingovernável. Dessa forma, a luxúria difusa e desgovernada vela os valores mais elevados, perpetua o enredamento e cria no caminho espiritual dificuldades inultrapassáveis à renúncia interna e espontânea do desejo. O sexo no casamento é totalmente diferente do sexo fora do casamento. No casamento, os sanskaras de luxúria são muito mais leves e capazes de serem removidos mais facilmente. Quando um relacionamento sexual é acompanhado por um senso de responsabilidade, amor e idealismo espiritual, as condições para a sublimação do sexo são muito mais favoráveis do que quando ele é mais barato e promíscuo. Na promiscuidade a tentação de explorar as possibilidades de mero contato sexual é formidável. É somente pela restrição máxima do âmbito do mero sexo que os aspirantes podem chegar a qualquer compreensão real dos valores atingíveis através da transformação gradual do sexo em amor. Se a mente tenta entender o sexo com a ampliação do escopo do sexo, não há fim para as ilusões para as quais ela torna-se presa, pois não há fim para a ampliação de seu escopo. Na promiscuidade as sugestões da luxúria são necessariamente as primeiras a se apresentarem à mente e os indivíduos ficam condenados a reagirem às pessoas dentro das limitações dessa perversão inicial e, assim, fecham a porta para experiências mais profundas.
A verdade não pode ser compreendida ao saltarmos sobre a superfície da vida e multiplicarmos os contatos superficiais. É necessária a preparação da mente, que pode centrar suas capacidades sobre experiências selecionadas e livrar-se de suas características limitantes. Esse processo de discriminação entre o superior e o inferior e da transcendência do inferior em favor do superior, torna-se possível através de uma concentração plena e de um interesse real e sério na vida. Essa concentração plena e interesse real é necessariamente excluída quando a mente se torna escrava do hábito de correr pela tangente e vagar entre muitos possíveis objetos de experiência semelhante.
Na vida conjugal o alcance da experiência a ser experimentada em companhia do parceiro é tão grande que as sugestões da luxúria não são necessariamente as primeiras a se apresentar à mente. Há, portanto, uma real oportunidade para os aspirantes de reconhecer e anular os fatores limitantes na experiência. Através da eliminação gradual da luxúria e da progressão através de uma série de experiências cada vez mais ricas de amor e sacrifício, eles podem finalmente chegar à Infinidade.




A Santificação da Vida Conjugal


A maioria das pessoas entra na vida conjugal como uma coisa natural, mas o casamento vai se tornar uma ajuda ou um obstáculo de acordo com a maneira pela qual ele é tratado. Não há dúvida de que algumas possibilidades espirituais imensas são acessíveis através de vida conjugal, mas tudo isso depende de ter a atitude certa. Do ponto de vista espiritual, a vida conjugal será um sucesso somente se for completamente determinada pela visão da Verdade. Ela não poderá oferecer muito se basear-se em nada aléms do que os motivos limitados de mero sexo, ou se for inspirada por considerações que normalmente prevalecem em uma parceria de negócios. Ela tem de ser assumida como uma empreitada realmente espiritual, que está destinada a descobrir o que a vida pode ser no seu melhor. Quando os dois parceiros lançam-se juntos na aventura espiritual de explorar as possibilidades mais elevadas do espírito, eles não podem começar por limitar a sua experiência por nenhum cálculo interessante relativo à natureza e à quantidade de ganho individual.
A vida de casado quase sempre faz muitas exigências aos dois parceiros de adaptação e compreensão mútua e cria muitos problemas que não eram originalmente esperados. Embora isso possa ser verdadeiro em um sentido na vida em geral, é particularmente verdadeiro na vida conjugal. Na vida de casado as duas almas ficam ligadas de muitas maneiras, com o resultado que elas são chamadas a resolver todo o problema complexo da personalidade em vez de qualquer problema simples criado por algum desejo isolado. É precisamente por isso que a vida conjugal é totalmente diferente das relações sexuais promíscuas.

O sexo promíscuo tenta separar o problema do sexo das outras necessidades da personalidade em desenvolvimento e procura resolvê-lo de uma forma isolada delas. Embora este tipo de solução possa parecer fácil, acaba por ser muito superficial e tem a desvantagem adicional de desviar o aspirante de tentar a solução real. Os valores relativos das várias facetas da personalidade limitada podem ser melhor apreciados quando se entrelaçam e aparecem em variadas situações e perspectivas. É difícil discriminar entre elas se aparecem intermitentemente em uma série desconexa. Na vida conjugal existe um amplo espaço para a experiência variada, com o resultado de que as diferentes tendências latentes na mente começam a se organizar em torno do esquema cristalizado da vida de casado.
Essa organização de fins diversos, não só oferece um campo ilimitado para a discriminação entre os valores superiores e inferiores, mas também cria entre eles uma tensão necessária, que requer e exige a sublimação eficaz e inteligente.

Em certo sentido, a vida conjugal pode ser encarada como a intensificação da maioria dos problemas humanos. Como tal, torna-se o terreno para mobilizar as forças de escravidão, bem como as forças da liberdade, os fatores de ignorância, bem como os fatores de luz. Como a vida de casado de pessoas comuns é determinada por diversas motivações e considerações, ela inevitavelmente convida uma intransigente oposição entre o ser superior e o ser inferior. Essa oposição é necessária para o desgaste do ser inferior e o alvorecer do verdadeiro Ser Divino. A vida de casado desenvolve tantos pontos de contato entre duas almas que o rompimento de toda a conexão significaria o desajuste e o desarranjo de praticamente todo o curso da vida. Uma vez que essa dificuldade de rompimento um do outro convida e precipita um reajuste interior, o casamento é realmente uma oportunidade disfarçada para as almas estabelecerem um entendimento real e duradouro que pode lidar com as situações mais complexas e delicadas. O valor espiritual da vida de casado está diretamente relacionado com a natureza dos fatores preponderantes que determinam a sua conduta diária. Se estiver baseado em considerações superficiais, pode deteriorar-se em uma parceria no egoísmo dirigida contra o resto do mundo. Se é inspirado pelo idealismo elevado, pode elevar-se para uma fraternidade que não apenas exige e requer sacrifícios cada vez maiores um pelo outro, mas na verdade se torna um meio através do qual as duas almas podem oferecer o seu amor unificado e seus serviços para toda a família da humanidade. Quando a vida de casado é assim alinhada diretamente com o plano divino para a evolução dos indivíduos, torna-se uma bênção pura para as crianças que são o fruto do casamento. Pois elas têm a vantagem de absorver uma atmosfera espiritual desde o início da sua carreira terrena. Embora as crianças sejam, portanto, os beneficiários da vida conjugal dos pais, a vida conjugal dos pais é por sua vez enriquecida pela presença dos filhos. As crianças dão aos pais uma oportunidade para expressarem e desenvolverem um amor verdadeiro e espontâneo no qual o sacrifício torna-se fácil e delicioso. E o papel desempenhado pelas crianças na vida dos pais é de grande importância para o progresso espiritual dos próprios pais. Desa forma, quando as crianças fazem sua aparição na vida conjugal, devem ser recebidas calorosamente pelos pais.

Tendo em vista as reivindicações que as crianças têm sobre a vida de casado, o controle de natalidade merece uma atenção cuidadosa e um exame crítico. A questão não deve ser considerada do ponto de vista de nenhum interesse especial ou limitado, mas do ponto de vista do máximo bem-estar dos indivíduos e da sociedade. O parecer correto a esse respeito, como a respeito de todas as coisas, deve acima de tudo basear-se em considerações espirituais. A atitude que a maioria das pessoas tem em relação ao controle de natalidade é oscilante e confuso, pois contém uma mistura de bons e maus elementos. Enquanto o controle de natalidade está certo no seu objetivo de garantir a regulação da população, é desastrosamente infeliz na escolha dos seus meios.
Não há dúvida de que a regulação da gravidez é sempre desejável por razões pessoais e sociais. A reprodução descontrolada intensifica a luta pela existência e pode levar a uma ordem social em que a concorrência impiedosa torne-se inevitável. Além de criar uma responsabilidade para os pais, que podem ser incapazes de cumprí-las adequadamente, torna-se uma causa indireta e contributiva de crime, guerra e pobreza. Embora considerações humanitárias e racionais demandem e justifiquem todas as tentativas sérias para regular o nascimento dos filhos, o uso de meios físicos para a obtenção deste objetivo continua a ser fundamentalmente insustentável e injustificável. Os meios puramente físicos, geralmente defendidos pelos defensores do controle de natalidade são mais censuráveis do ponto de vista espiritual.

Embora os meios físicos de controle de natalidade sejam defendidos por razões humanitárias, eles são quase sempre utilizados pela generalidade das pessoas para servir a seus próprios fins egoístas e evitar a responsabilidade de sustentar e educar os filhos. Uma vez que as consequências físicas de ceder à luxúria pode de maneira efetiva ser evitada através da utilização desses meios, aqueles que não começaram a despertar para os valores mais elevados não têm qualquer incentivo para a moderação na gratificação das paixões. Eles tornam-se vítimas da indulgência excessiva e trazem ruína a sua própria integridade física, espiritual e moral por negligenciarem o controle mental e se tornarem escravos da paixão animal. A facilidade de uso de meios físicos obscurece o lado espiritual da questão e está longe de ser positivo para o despertar dos indivíduos para a sua verdadeira dignidade e liberdade como seres espirituais.

A indulgência desmedida e descontrolada levará inevitavelmente à reação e à escravidão espiritual. Para os aspirantes espirituais em particular, mas também para todos os seres humanos (porque todos são potenciais aspirantes espirituais), é extremamente inoportuno contar com meios físicos para a regulação da procriação. Para tal regulação os indivíduos devem confiar em nada além do controle mental. O controle mental garante os fins humanitários que inspiram o controle da natalidade, mas se mantém limpo dos desastres espirituais decorrentes da utilização de meios físicos. O controle mental não só é útil para a regulação do número de filhos, mas é também indispensável para restaurar a humanidade a sua dignidade divina e bem-estar espiritual. Somente através do exercício sábio de controle mental é possível para a humanidade elevar-se da paixão para a paz, da escravidão para a liberdade e da animalidade para a pureza. Nas mentes de pessoas ponderadas o lado espiritual muito ignorado dessa questão deve assumir a importância que merece.

Sendo que a mulher tem de assumir o trabalho e a responsabilidade de sustentar e criar os filhos, ela pode parecer ser afetada mais seriamente por qualquer possível falha no controle mental do que o homem. Na verdade, isso não significa qualquer injustiça real para a mulher. Embora seja verdade que a mulher tem de realizar o trabalho e a responsabilidade de sustentar e criar os filhos, ela também tem a alegria recompensante de alimentá-los e aconchegá-los. Assim, a alegria da maternidade é muito maior do que a alegria da paternidade. Além disso, o homem também deve enfrentar e assumir as responsabilidades econômicas e educacionais para as crianças. Em um casamento devidamente ajustado não é preciso haver nenhuma injustiça na distribuição das responsabilidades dos pais a serem divididas entre o homem e a mulher. Se ambos estiverem verdadeiramente conscientes da sua responsabilidade mútua, a desconsideração dará lugar a um esforço ativo e cooperativo para atingir o controle mental completo. Em caso de haver alguma falha no controle mental, eles vão com alegria e boa vontade cumprir a responsabilidade conjunta da paternidade. Para aqueles que não estão preparados para assumir a responsabilidade das crianças, existe apenas uma direção que lhes resta.

Eles devem permanecer celibatários e praticar controle mental rigoroso, embora tal controle mental seja extremamente difícil de atingir, não é impossível. Do ponto de vista puramente espiritual, o celibato estrito é o melhor, mas já que é tão difícil, poucos podem praticá-lo. Para aqueles que não podem praticá-lo, o caminho mais próximo é o de se casar, em vez de tornar-se presa da promiscuidade. Dentro de uma vida de casado pode-se aprender a controlar a paixão animal. Esse obrigatóriamente será um processo gradual, e em caso de falha ao praticar o controle, o casal deve permitir que a natureza siga seu próprio curso, em vez de interferir com ela através de meios artificiais. Eles devem alegremente dar boas-vindas às consequências e estarem preparados para assumir a responsabilidade de educar os filhos. Do ponto de vista espiritual, o controle da natalidade deve ser essencialmente efetuado através do controle mental e nada mais. Os meios físicos não são aconselháveis em nenhuma circunstância, mesmo quando os parceiros recorrem a eles para usá-los apenas como uma ajuda provisória e secundária, sem a intenção de ignorar o ideal de desenvolver o controle mental. Utilizando os meios físicos eles não poderão nunca chegar a um controle mental real, mesmo que realmente queriram sinceramente alcançá-lo. Pelo contrário, eles se tornam dependentes do uso de meios físicos e até começam a justificá-los.

Para explicar mais claramente o que acontece no uso de meios físicos é que, enquanto os indivíduos pensam que estão usando-os apenas como um passo preliminar antes que o controle mental seja plenamente desenvolvido, eles realmente ficam viciados em seu uso e tornam-se escravos do hábito. Embora possam permanecer por algum tempo sob a ilusão de que estão tentando desenvolver um controle mental (lado a lado com o uso de meios físicos), eles estão realmente perdendo-o gradualmente. Em suma, o poder mental é necessariamente neutralizado por meio desse apoio nos meios físicos. Assim, o uso de meios físicos é prejudicial ao desenvolvimento do autocontrole e é positivamente desastroso para o avanço espiritual. É, portanto, totalmente desaconselhável, mesmo pelos melhores dos motivos.
No início da vida conjugal os parceiros são atraídos um pelo outro pela luxúria e bem como pelo amor, mas com a cooperação consciente e deliberada, eles podem diminuir gradualmente o elemento de luxúria e aumentar o elemento do amor. Através desse processo de sublimação, por fim a luxúria dá lugar ao amor profundo. Pela partilha mútua de alegrias e tristezas os parceiros marcham de um triunfo espiritual para outro, do profundo amor para um amor sempre mais profundo - até que o amor possessivo e ciumento do período inicial é totalmente substituído por um amor expansivo e auto-doador. Na verdade, ao lidar de maneira inteligente com o casamento eles podem atravessar tanto do caminho espiritual que será preciso apenas um toque de um Mestre Perfeito para elevá-los para dentro do santuário da Vida Eterna.

*Pesquisar no blog sobre as esferas grosseira, sutil e mental