terça-feira, 11 de agosto de 2009

Meher Baba - Os estágios do Caminho

Todas as pessoas têm de passar pelo estado de aprisionamento, mas este período de escravidão não deve ser encarado como um episódio sem sentido na evolução da vida. A pessoa tem de experimentar estar encarcerada para poder apreciar a liberdade. Se em todo o período de sua vida um peixe não saiu da água ao menos uma vez, ele não tem oportunidade de apreciar o valor da água. Desde o seu nascimento até sua morte, ele tem vivido apenas na água, e não está em posição de compreender o que a água realmente significa para a sua existência. Mas se ele é retirado da água, mesmo que por um momento, ele anseia por água e torna-se qualificado por meio dessa experiência a apreciar a importância da água. Da mesma forma, se a vida fosse constantemente livre e não manifestasse nenhuma limitação, o homem perderia o verdadeiro significado da liberdade. Experimentar o aprisionamento espiritual e conhecer o intenso desejo de ser livre dele são ambos uma preparação para a plena apreciação da liberdade que está por vir.

Assim como o peixe que é retirado da água anseia voltar para a água, o aspirante que percebeu o Objetivo final anseia ser unido com Deus. Na realidade, o anseio de voltar para a fonte está presente em cada ser, desde o momento em que ele é separado da fonte pelo véu da ignorância; mas o ser está inconsciente do anseio até que ele, como um aspirante, entra no caminho espiritual. A pessoa pode, num certo sentido, se acostumar à ignorância, assim como uma pessoa em um trem pode acostumar-se à escuridão de um túnel quando o trem estava passando por ele durante algum tempo. Mesmo assim, há um definido desconforto e um sentimento vago e indefinível de inquietação devido à sensação de que algo está faltando. Esse algo é percebido desde o início como sendo de enorme significado. Nos estágios de densa ignorância, esse algo é muitas vezes inadvertidamente identificado com sendo as variadas coisas deste mundo físico. Quando a experiência deste mundo está suficientemente madura, entretanto, as repetidas desilusões na vida colocam a pessoa no caminho certo para descobrir o que está faltando. A partir desse momento o indivíduo busca uma realidade que seja mais profunda do que as formas mutáveis. Esse momento pode ser descrito adequadamente como sendo a primeira iniciação do aspirante. A partir do momento de iniciação no caminho, o anseio de se unir com a fonte da qual ele foi separado torna-se articulado e intenso. Assim como a pessoa no túnel anseia pela luz muito mais intensamente depois que ela vê um vestígio de luz proveniente da outra extremidade, a pessoa que teve um vislumbre do Objetivo anseia para apressar-se na direção dele com toda velocidade que possa imprimir.

No caminho espiritual há seis estações, sendo a sétima a estação terminal, ou o Objetivo. Cada estação intermediária é, à sua maneira, uma espécie de antecipação imaginativa da meta. O véu que separa o homem de Deus é constituído de falsa imaginação e esse véu tem muitas camadas. Antes de entrar no caminho a pessoa está envolta nesse véu de múltipla imaginação, com o resultado de ela nem sequer poder cogitar o pensamento de ser diferente de um indivíduo separado, fechado e finito. A consciência-ego cristalizou-se devido ao trabalho da falsa imaginação múltipla e o anseio consciente pela união com Deus é o primeiro tremor de toda a estrutura do ego, o qual foi construído durante o período do falso trabalho da imaginação. Percorrer o caminho espiritual consiste em anular os resultados do falso trabalho da imaginação, ou deixar cair várias camadas do véu, que criou um sentimento intangível de separatividade e isolamento irremediável. Até agora, a pessoa tinha se apegado firmemente à idéia de sua existência separada, assegurando-a por trás dos formidáveis muros de espessa ignorância, mas a partir de agora, ela entra em algum tipo de comunicação com a Realidade maior. Quanto mais ela comunga com a Realidade, mais fino se torna o véu da ignorância. Com o progressivo desgaste da separatividade e do egoísmo, ela ganha um crescente sentimento de fusão com a Realidade maior.

A criação de um sentimento de separatividade é um resultado dos vôos da imaginação. Por conseguinte, a ruptura desse sentimento auto-criado de separatividade e ser unido com a Realidade são assegurados através da inversão do trabalho falso da imaginação. O ato de se livrar completamente da imaginação pode ser comparado com o ato de despertar do sono profundo. As diferentes fases no processo de libertar-se da falsa imaginação pode ser comparado com os sonhos que muitas vezes servem como uma ponte entre sono profundo e o estado totalmente desperto. O processo de se livrar do múltiplo trabalho da falsa imaginação é gradual e tem sete fases. O desprendimento de uma camada do véu da imaginação é decididamente um avanço em direção à Luz e à Verdade, mas isso não equivale a tornar-se um com a Realidade. Significa simplesmente renunciar a imaginação mais falsa em favor da imaginação menos falsa. Existem diferentes graus de falsidade da imaginação correspondentes ao grau do sentimento de separatividade constituído pela consciência-ego. Cada etapa do processo de libertar a si mesmo da falsa imaginação é um desgaste definido do ego. Mas todos os estágios intermédios no caminho, até a realização final do Objetivo, consistem em deixar um vôo de imaginação para tomar outro. Eles não conduzem à cessação da imaginação. Esses vôos da imaginação não trazem nenhuma mudança real no verdadeiro ser do 'Si mesmo real' (Self) como ele é. O que muda não é o 'Si mesmo real' (Self), mas a idéia do que ele é. Suponhamos, em um devaneio ou fantasia que você se imagine estar na China, enquanto na realidade o seu corpo está na Índia. Quando a fantasia chega ao fim, você percebe que seu corpo não está, de fato, na China, mas na Índia. Do ponto de vista subjetivo, isso é como regressar da China para a Índia. Da mesma forma, a gradual desidentificação com o corpo e a progressiva identificação com a Sobre-Alma é comparável ao real percorrer do caminho, embora, na realidade, os diferentes estágios intermédios no caminho são todos igualmente criações do jogo da imaginação.

Os seis estágios ascendentes estão todos, portanto, dentro do domínio da imaginação. No entanto, em cada fase, quebrar o sentido de separatividade e descobrir uma fusão na Realidade maior são ambos tão fortes e claros que muitas vezes a pessoa tem uma pseudo sensação de Realização. Assim como quando uma pessoa escalando uma montanha chega a um vale profundo e fica tão fascinada pela visão dele que se esquece do objetivo real e acredita por um momento que tenha chegado à sua meta, o aspirante também confunde as fases intermediárias pelo objetivo em si. Mas uma pessoa que esteja realmente séria e determinada sobre a escalada da montanha percebe depois de um tempo que o vale tem de ser atravessado, e mais cedo ou mais tarde o aspirante também percebe que a fase intermediária tem de ser transcendida. O pseudo sentimento de realização que vem com as fases intermediárias é como um indivíduo sonhando que despertou do sono, embora ele esteja realmente ainda dormindo. Após ficar desperto ele percebe que seu primeiro sentimento de despertar foi realmente um sonho.
Cada etapa definitiva de avanço representa um estado de consciência, e o avanço de um estado de consciência para outro prossegue lado a lado com atravessar os planos interiores. Assim, seis planos intermediários e os seus estados de consciência têm de ser experimentados antes de chegar ao sétimo plano, que é o fim da jornada e onde existe a realização final do estado de Deus.

Um plano é comparável a uma estação ferroviária onde o trem pára por algum tempo e o estado de consciência é comparável aos movimentos do passageiro após descer na estação. Depois de entrar em um novo plano de consciência, uma pessoa geralmente leva algum tempo antes que possa funcionar livremente naquele plano. Sendo que há uma mudança radical nas condições totais da vida mental, a pessoa experimenta uma espécie de paralisia da atividade mental conhecida como samadhi. Quando o peregrino entra em um novo plano, ele imerge dentro do plano antes que possa vivenciar o estado característico daquele plano. Assim como um peregrino que esteja cansado pelo desgaste de uma viagem as vezes vai dormir, a consciência - que fez o esforço de ascender para um novo plano, passa por um período de diminuída atividade mental comparável ao sono. No entanto, o samadhi é fundamentalmente diferente do sono.
Uma pessoa está totalmente inconsciente no sono, enquanto que em samadhi ela está consciente do êxtase ou da luz ou do poder, embora esteja inconsciente de seu corpo e do meio que a cerca. Após um período de comparativa quietude, a mente começa a funcionar no novo plano e experimenta um estado de consciência que é totalmente diferente do estado que deixou para trás. Quando o aspirante entra em um novo plano, ele fica fundido dentro dele e juntamente com a desaceleração da atividade mental, ele experimenta uma substancial diminuição na vida-ego. Esta redução da vida-ego é diferente da aniquilação final do ego, que ocorre no sétimo plano.
Mas como na aniquilação final no sétimo plano, as diferentes etapas da redução do ego nos seis planos intermediários, merecem menção especial devido à sua relativa importância. Na tradição espiritual Sufi, a aniquilação final do ego é descrita como Fana-Fillah. E o samadhi anterior dos seis planos da dualidade também foram reconhecidos como tipos de Fana, uma vez que também envolvem uma aniquilação parcial do ego.

Através de todos esses fanas de ordem ascendente, há uma continuidade de progressão em direção ao Fana-Fillah final, e cada um tem alguma característica especial. Quando o peregrino chega ao primeiro plano, ele experimenta seu primeiro fana, ou aniquilação menor do ego. O peregrino está temporariamente perdido para sua individualidade limitada e experimenta profunda bem-aventurança. Muitos peregrinos, assim imersos, acham que realizaram Deus e, portanto, ficam estagnados no primeiro plano. Se o peregrino mantiver-se livre de auto-engano ou vier a perceber que a sua realização é realmente uma fase transitória na sua jornada, ele avançará ainda mais no caminho espiritual chegando ao segundo plano.
A imersão no segundo plano é chamada fana-e-batili, ou a aniquilação do falso. O peregrino está agora absorvido em êxtase e luz infinita. Alguns pensam que atingiram o objetivo e ficam encalhados no segundo plano, mas outros que mantém-se livres de auto-ilusão marcham adiante e entram no terceiro plano.
A imersão no terceiro plano é chamada fana-e-zahiri, ou a aniquilação do aparente. Aqui o peregrino perde por dias toda consciência de seu corpo e seu mundo e experimenta poder infinito. Uma vez que ele não tem consciência do mundo, ele não tem oportunidade para a expressão desse poder. Esse é o videh samadhi, ou o estado de coma divino. A consciência está agora completamente afastada do mundo inteiro. Se o peregrino avança ainda mais, ele chega ao quarto plano.
A imersão no quarto plano é chamada fana-e-malakuti, ou a aniquilação que conduz em direção a liberdade. O peregrino experimenta um peculiar estado de consciência no quarto plano, já que ele agora não apenas sente poder infinito mas também tem muitas ocasiões para a expressão desse poder. Além disso, ele não só tem oportunidades para utilização dos seus poderes mas tem uma clara inclinação para expressá-los. Se ele cair presa dessa tentação, ele seguirá expressando esses poderes e ficará preso nas sedutoras possibilidades do quarto plano. Por esta razão, o quarto plano é um dos mais difíceis e perigosos de atravessar. O peregrino nunca está espiritualmente seguro, e sua queda sempre é possível até que ele tenha com sucesso atravessado o quarto plano e chegado ao quinto.
A imersão no quinto plano é chamada fan-e-jabruti, ou aniquilação de todos os desejos. Aqui, a incessante atividade do intelecto inferior chega a uma paralisação. O peregrino não pensa da maneira ordinária e ainda assim ele é indiretamente uma fonte de muitos pensamentos inspiradores. Ele vê mas não com os olhos físicos. A mente fala com a mente e não existe nem preocupação e nem dúvidas. Ele agora está espiritualmente seguro, além da possibilidade de uma queda; e ainda muitos peregrinos nesse exaltado plano tem dificuldade em resistir à ilusão de que ele tenha atingido Divindade (Godhood). Em sua auto-ilusão ele pensa e diz, "Eu sou Deus", e acredita ter ele próprio chegado ao final do caminho espiritual.
Mas se ele prossegue, ele percebe seu erro e avança para o sexto plano. A imersão no sexto plano é chamada de fana-emahabubi, ou a aniquilação do ser (amante) no Amado. Agora, o peregrino vê Deus tão direta e claramente como uma pessoa normal vê as diferentes coisas do mundo. Essa percepção e apreciação contínua de Deus não sofre interrupção nem mesmo por um instante. No entanto, o viajante não se torna um com Deus, o Infinito. Se o peregrino sobe para o sétimo plano, ele experimenta a última fusão, que é chamada Fana-Fillah, ou a aniquilação final do Ser (self) em Deus. Através dessa fusão o peregrino perde sua existência separada e se torna permanentemente unido com Deus. Ele é agora um com Deus e experimenta-se como sendo nada além de Deus. Esse sétimo plano Fana-Fillah é o término do caminho espiritual, o objetivo de toda busca e empenho. É o estado Nirvikalpa, que é característico da Divindade (Godhood) consciente. É o único despertar verdadeiro. O peregrino atingiu agora a costa oposta do vasto oceano da imaginação e percebe que esta última Verdade é a única Verdade e que todas as outras etapas no caminho são totalmente ilusórias. Ele chegou ao destino final.

Hazrat Inayat Khan - O poder da palavra

Abandonei a minha música porque havia recebido dela tudo o que tinha que receber. Para servir a Deus a pessoa deve sacrificar a coisa mais querida para ela, e eu sacrifiquei minha música, a coisa mais querida para mim.
Eu compus músicas, cantei, e toquei Vina. Praticando essa música alcancei um estágio onde pude tocar a música das esferas. Então cada alma se tornou para mim uma nota musical e toda a vida se tornou música. Inspirado por isso eu falei com as pessoas e aqueles que eram atraídos pelas minhas palavras escutavam-nas ao invés de escutar minhas músicas.
Agora, se faço algo, é afinar almas em vez de instrumentos, harmonizar pessoas em vez de notas. Se há algo na minha filosofia, é a lei da harmonia: que a pessoa deve colocar-se em harmonia consigo mesma e com os outros.
Descobri em cada palavra um certo valor musical, uma melodia em cada pensamento, harmonia em cada sentimento e tenho tentado interpretar a mesma coisa com palavras simples e claras para aqueles que costumavam escutar minha música.
Toquei Vina até que meu coração transformou-se nesse mesmo instrumento. Então ofereci esse instrumento ao Músico divino, o único Músico existente. Desde então tornei-me Sua flauta, e quando Ele escolhe Ele toca Sua música. As pessoas me dão crédito por essa música que, na realidade, não deve-se a mim, mas ao Músico que toca Seu próprio instrumento.
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Existe um poder da palavra que está de acordo com a iluminação da alma, pois com isso, aquela palavra não vem da mente humana, aquela palavra vem das profundezas, vem de trás; aquela palavra vem de alguma parte misteriosa que está escondida da mente humana. E é em conexão com essas palavras que lemos nas escrituras sobre 'espadas de fogo' ou 'línguas de fogo'. Tenha sido dita por um poeta, tenha vindo de um profeta, quando aquela palavra saiu de seu coração flamejante, ela então surgiu como uma chama. Em conformidade com o Espirito divino que está nela, aquela palavra tem vida, poder e inspiração. Pense nas palavras vivas dos tempos antigos, pense nas palavras vivas que lemos nas escrituras, nas palavras vivas dos santos, dos iluminados! Elas vivem e viverão para sempre. São como uma música que pode ser chamada de mágica, uma mágica para todos os tempos. Quando quer que aquelas palavras forem repetidas elas têm aquela mágica, aquele poder.
O que os sábios de todos os tempos disseram – aquelas palavras foram guardadas pelas pessoas, por seus pupilos. Em qualquer parte do mundo que tenham nascido ou vivido, o que eles deixaram cair como palavras foi apanhado como pérolas reais e guardado como escrituras.

As palavras intuitivas têm surgido como expressões repentinas das almas que realizaram Deus, almas que se sintonizaram com todo o universo. Qualquer palavra ou frase que saia da boca delas é algo que tem um poder muito maior do que as palavras que todo mundo utiliza. Mas aparte de uma pessoa espiritual, você já não viu na sua vida diária que talvez haja uma pessoa entre os seus amigos, entre seus conhecidos, cuja palavra tem peso, tem poder, enquanto que outra pessoa diz milhares de palavras que entram por um ouvido e saem pelo outro? Numa pessoa sua boca fala, na outra pessoa seu coração fala, na outra sua alma fala. Existe uma grande diferença.
Alguém pode perguntar: 'Como uma pessoa espiritual pode intuitivamente trazer uma palavra que tenha poder?' A resposta é que existe a possibilidade de uma alma tornar-se tão sintonizada com todo o universo, que ela escuta, por assim dizer, a voz das esferas. Portanto, o que ela diz vem como um eco do universo todo. A pessoa que está sintonizada com o universo torna-se como um instrumento sem cordas; o que vem dela é a voz do universo.
O mundo para um místico é como um domo, um domo que faz ecoar tudo o que é falado nele. Aquilo que é falado pelos lábios atinge os ouvidos, mas aquilo que é falado pelo coração atinge o coração. A palavra alcança tão longe quanto a origem da qual ela surgiu, depende de que fonte ela veio, de que profundidade ela surgiu. Os Sufis de todas as eras têm portanto dado a maior importância para a palavra, sabendo que a palavra é a chave para o mistério de toda a vida, o mistério de todos os planos de existência. Não há nada que não seja efetuado, não há nada que não seja alcançado ou conhecido através do poder da palavra. Portanto, no esoterismo ou misticismo a palavra é o tema central e principal.
O que é a palavra? A palavra é apenas o que falamos? Não, essa é a palavra da superfície. Nosso pensamento é uma palavra, nosso sentimento é uma palavra, nossa voz, nossa atmosfera é uma palavra. Existe um ditado: 'O que você é fala mais alto do que aquilo que você diz'. Isso mostra que o homem não fala sempre, mas sua alma fala sempre.