segunda-feira, 20 de julho de 2009

P. D. Ouspensky - O trabalho sobre si mesmo

Pergunta: O senhor poderia dizer mais alguma coisa sobre o que é o "Eu"?
Ouspensky: O "Eu" é apenas suposto; não sabemos o que é o "Eu". Mas "Ouspensky" eu conheço e posso estudar em todas as suas manifestações. Portanto, devo começar com "Ouspensky". O "Eu" é indefinível e muito pequeno; existe apenas como uma potencialidade; se ele não crescer, a falsa personalidade continuará a controlar tudo. Muitas pessoas cometem o erro de pensar que sabem o que é um e o que é o outro. Dizem: "isto sou eu", quando, na verdade, é a falsa personalidade. Isso está de modo geral ligado à nossa capacidade de representar papéis. Trata-se de uma capacidade muito limitada; geralmente temos uns cinco ou seis papéis, quer observemos, quer não. Podemos notar uma certa semelhança, inteiramente ilusória entre esses papéis e, então, consciente ou inconscientemente, poderemos chegar à conclusão de que, por trás deles há uma individualidade permanente. Chamamos isso de “Eu” e pensamos que está por trás de todas as manifestações, quando, de fato, é um retrato imaginário de nós mesmos. Esse retrato deve ser estudado. É impossível ter um conhecimento prático de si mesmo se não conhecermos nossa falsa personalidade. Enquanto pensarmos que somos uma unidade, todas as nossas definições estarão erradas. Só quando o homem souber que todas as suas intensões, desejos, etc. não são verdadeiros, que são a falsa personalidade, é que ele poderá adquirir algo. É esse o único trabalho prático possível, e é muito difícil. A falsa personalidade tem que desaparecer ou pelo menos ser enfraquecida a ponto de não prejudicar o nosso trabalho. Ela, no entanto, se defenderá e não se entregará facilmente. O trabalho é uma luta contra a falsa personalidade, que se oporá, sobretudo através da mentira, pois essa é a sua arma mais poderosa.
P: O senhor diz que o que chamamos de”Eu” é imaginário, o que quer dizer para o senhor, “consciência de si mesmo”? Que “eu” pode ser consciente?
O: O Ser é diferente do não-Ser. “Eu” é diferente desta mesa. Quando disse que o “Eu” era imaginário, era no sentido de uma imagem mental que temos de nós mesmos, daquilo que pensamos de nós mesmos. Quando digo "Ouspensky ', é um 'Ouspensky' embelezado, feito para parecer o que ele não é. Atribuo a ele muitas coisas que não possui, não conheço suas fraquezas. A condição para o crescimento do 'Eu' real é se livrar de 'Ouspensky', não estar identificado com ele.
P: O 'Eu' nunca é real, exceto se estiver conectado com esforço?
O: O 'Eu' só pode existir no estado de consciência de si, e cada momento no trabalho de criação de consciência de si significa esforço. Nada pode "acontecer" por si só. Se mudarmos o nosso ser, as coisas serão diferentes, mas neste estado nada pode ser diferente.
P: Como podemos lidar com a presunção da falsa personalidade?
O: Você deve primeiro conhecer todas as características dela e, em seguida, deve pensar corretamente. Quando você pensar corretamente, vai encontrar maneiras de lidar com ela. Você não deve justificá-la, ela vive de justificação, e até mesmo da glorificação de todas as suas características.
A qualquer momento da nossa vida, mesmo em momentos de tranquilidade, estamos sempre justificando-a, considerando-a legítima e encontrando todas as possíveis desculpas para ela. Isto é o que eu chamo de pensar errado. Estudando a falsa personalidade, começamos a ver cada vez mais a mecanicidade. Paralelo com a realização de nossa mecanicidade, estudamos como sair dela por meio da criação de algo que não seja mecânico. Como podemos fazer isso? Primeiro temos de pensar sobre aquilo que queremos, separar o importante do trivial. O trabalho sobre si mesmo, o desejo de se conhecer e as idéias do trabalho, a luta para criar consciência, não são mecânicos, podemos ter certeza disso. E se olharmos desse ponto de vista, vamos ver muitas coisas imaginárias em nós mesmos. Essas coisas imaginárias são a falsa personalidade - emoções imaginárias, interesses imaginários, idéias imaginárias sobre nós mesmos. A falsa personalidade é totalmente mecânica, assim, trata-se novamente da divisão entre o consciente e o mecânico. Essa parte mecânica de nós está principalmente baseada na imaginação, em idéias errôneas sobre todas as coisas, e acima de tudo, em uma visão equivocada de nós mesmos. Temos de perceber o quanto estamos em poder desta falsa personalidade e de coisas inventadas que não têm existência real, e temos que separar aquilo de que realmente podemos depender do que não é confiável em nós mesmos. Isso pode servir de começo. Quando nós nos conhecermos melhor, isso irá nos ajudar a despertar.
P: Quer dizer que temos que estudar a nossa falsa personalidade, reunindo dados, observações?
O: Ao dividir a si mesmo, ao não dizer 'eu' para tudo. Você pode realmente usar a palavra "eu" apenas em relação à parte mais consciente de si mesmo, o desejo de trabalhar, o desejo de compreender, a realização da não-compreensão, a realização da mecanicidade; que você pode chamar de 'Eu'. O 'Eu' começa a crescer apenas em relação ao estudo, ao trabalho sobre si mesmo, senão ele não pode crescer e não há nenhuma mudança. Um 'Eu' permanente não vem de uma vez. Todos os 'eus' ilusórios desaparecem pouco a pouco e o 'Eu' real torna-se gradualmente mais forte, principalmente, através da lembrança de si mesmo. A lembrança de si, no sentido de apenas estar ciente é muito boa, mas pouco a pouco, quando você prossegue com ela, vai ficando ligada a outros interesses, com o que se pretende obter. No presente, num momento você se lembra dela, e depois por um dia ou uma semana você a esquece, mas é necessário lembrar dela o tempo todo.
P: O objetivo da lembrança de si é a descoberta progressiva do 'eu' permanente?
O: Não a descoberta, é preparar o terreno para ele. O 'Eu' permanente não está lá. Ele precisa crescer, mas não pode crescer, quando está todo coberto com as emoções negativas, com a identificação e outras coisas. Então você começa por preparar o terreno para Ele. Mas, antes de tudo, como eu disse antes, é necessário compreender o que é lembrança de si, porque é melhor lembrar de si, que efeito que ela irá produzir e assim por diante.

G. I. Gurdjieff - 10 de maio de 1945

Pergunta: Como deveríamos entender o que significa reparar o passado? É através do remorso?
Gurdjieff: Você é muito complicado. É muito mais simples. O presente é o resultado do passado. Se você adquiriu um mau hábito no passado, você deve pará-lo. Vejo que eu tenho o hábito de virar meus polegares sempre na mesma posição. Pare. Isso é reparar. Não cometa o mesmo erro novamente e prepare para o futuro, prepare para o futuro. Pratique, pratique como se praticasse para tocar piano. Você deve desenvolver a força dos seus dedos. Repita, repita.
Pergunta: Vejo como passo horas por dia ocupado com sentimentos muito pequenos, insignificantes, muito indignos. Eu deveria me propor uma tarefa de remediar isso, ou existe algo para ser feito a esse respeito?
Gurdjieff: É o mesmo para todo mundo. Sempre foi assim. Para você, é apenas agora que você vê isso. É isso que queremos mudar. Faça tudo o que você faz, bem. Até ao comer. Se você come bem, você reza bem. Seja sincero e dê o melhor de si em tudo o que você faz. Deve-se trabalhar precisamente em algo preciso. O trabalho não deveria ser um desejo, mas uma necessidade, uma necessidade. Quando ele se tornar uma necessidade, você terá uma resposta. Você não tem o direito de ter um desejo apenas. Isso não é o bastante. Não lhe dará nada. Crie uma necessidade em si mesmo. Repita, repita, repita. Você nunca repete o bastante. Tudo que vem facilmente para você, não dura, é destruído. Escolha alguma coisa que lhe custe algo, que seja um esforço. Aquilo que é fácil é ruim para a sua vida interior.
A META. Tenha sempre uma meta imediata. Esse é o seu objetivo. Você deve atingir isso. Existem muitos ziguezagues no caminho. Não atrase. Sempre veja a meta. Saiba para onde você está indo e você encontrará os meios de chegar lá. Depois eu indicarei uma outra meta. Você deve atingir a primeira antes; a meta deveria ser clara e estar sempre diante de você.
Pergunta: Quando eu tento trabalhar com o remorso, há sempre uma parte de mim que se recusa, que me diz que isso é inútil, que isso não irá me levar a lugar nenhum ou a nada. Eu gostaria de entender melhor o uso do remorso, a necessidade dele, para permitir que eu convença a mim mesmo e que lute contra essa recusa.
Gurdjieff: É muito simples. Olhe isto (ele pega um gomo de uma tangerina de seu prato). Isto está destinado a se tornar geléia, tem que se tornar geléia, foi feito para isso. Mas está cheio de sal. O que deveria ser feito? Ele deve ser lavado, colocado de molho, limpo para tirar o sal. Posteriormente ele pode virar geléia. Com o sal é impossível. O remorso é o que remove o sal. É o que purifica. Você entende?