segunda-feira, 15 de março de 2010

Philokalia - São Teóphanes o Recluso - Permaneça Firme

Não negligencie a coisa mais importante: estar concentrado com a mente no coração. Dirija todos os seus esforços principalmente para isso. A única maneira é tentar permanecer com atenção no coração, lembrando da onipresença de Deus e que os olhos Dele olham dentro do nosso coração. Firmemente acredite que embora você possa estar sozinho, você sempre tem, não apenas perto, mas dentro de você, alguém que está sempre presente, olhando para você e vendo tudo o que está em você.

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Montar guarda no coração, manter-se com a mente no coração, descer da cabeça para o coração – todas essas são uma e a mesma coisa. A essência do trabalho reside na concentração da atenção e em permanecer diante do Senhor invisível, não na cabeça mas dentro do peito, perto do coração e dentro do coração. Quando o aquecimento divino vier, tudo isso ficará claro.


Fique concentrado dentro de você mesmo e tente não deixar o coração, pois o Senhor está lá. Busque esse estado e trabalhe por ele. Quando você tiver atingido isso você verá o quão precioso ele é.

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O fato de que você está sendo dirigido pelo sentimento, ou que você tem sentimento espiritual em geral, não significa que você está permanecendo firme no coração. Quando esse último estado for atingido, a mente permanecerá no coração permanentemente, permanecendo diante do Senhor com temor e piedade, e ela não terá desejo de sair dali, assim como um bebê não deseja sair dos braços da mãe quando está descansando ali. Possa o Senhor ajudá-lo a atingir esse ponto.


Aonde é o coração? Onde a tristeza, a alegria, a raiva e as outras emoções são sentidas, ali é o coração. Fique ali com atenção. O coração físico é um pedaço de carne muscular, não é a carne que sente, mas a alma; o coração carnal serve como um instrumento para a mente. Permaneça no coração, com a fé de que Deus também está ali, mas não especule como. Ore e rogue para que no devido tempo o amor por Deus possa agitar-se dentro de você através de Sua graça.


Todo cristão real deve sempre lembrar e nunca deixar-se esquecer que é indispensável para ele estar unido em todo seu ser com nosso Senhor, o Salvador; deixar que o Senhor habite em sua mente e coração e começar a viver de acordo com Sua vida mais sagrada. O Senhor tomou nossa carne e nós devemos tomar Sua carne e Seu todo-sagrado Espírito, aceitando-os e nos mantendo firmes com eles para sempre. Apenas tal união com Nosso Senhor nos trará aquela paz e boa vontade, aquela luz e vida que perdemos no primeiro Adão, e que são agora renovadas dentro de nós pelo segundo Adão, o Senhor Jesus Cristo. E a maneira mais certa de alcançar essa união com o Senhor, próxima à comunhão da Sua Carne e Sangue, é a Prece Interna de Jesus*.


O Coração é o homem mais interno, ou o espírito. Nele se localizam a consciência de si, a consciência, a idéia de Deus e da nossa completa dependência Dele, e todos os tesouros eternos da vida espiritual.


O espírito da sabedoria e da revelação, e um coração que está purificado, são dois assuntos diferentes; o primeiro provém do alto, de Deus, o segundo de nós mesmos. Mas no processo de adquirir compreensão Cristã eles são unificados inseparavelmente, e essa compreensão não pode ser adquirida a menos que ambos estejam presentes e juntos. O coração sozinho não vai nos dar sabedoria; mas o espírito da sabedoria não virá à nós a menos que tenhamos preparado um coração puro para ser sua morada.


O coração é para ser entendido aqui, não no seu sentido ordinário, mas no sentido do 'homem interno'. Temos dentro de nós um homem interno, de acordo com o Apóstolo Paulo, ou um oculto homem do coração, de acordo com o Apóstolo Pedro. É o espírito divino que foi alentado no primeiro homem e ele permanece conosco continuamente, mesmo após a Queda. Ele mostra-se no temor a Deus, que é fundamentado na certeza da existência de Deus e na consciência de sua completa dependência Dele, nas exaltações da consciência e na nossa falta de contentamento com tudo que é material.


Após o despertar inicial através da graça, o primeiro passo cabe ao livre arbítrio do homem. Exercendo esse livre arbítrio, ele viaja para dentro de si mesmo de três modos. Primeiramente, sua vontade inclina-se na direção do bem e escolhe-o. Em segundo lugar, essa vontade remove os obstáculos: a fim de romper as amarras que o atam ao pecado, ela bane de seu coração a auto-piedade, o desejo de agradar os homens, a inclinação para as coisas sensoriais e mundanas, e ao estabilizar essas coisas estimula-o a ser impiedoso consigo mesmo, à ausência de desejos pelas coisas dos sentidos e à aceitação de todo tipo de desgraça. Faz o homem sentir que seu verdadeiro lar está no mundo que está por vir, enquanto que aqui ele é um andarilho e um exilado. Em terceiro lugar, o livre arbítrio é inspirado a começar de imediato no caminho correto, não permitindo nenhuma auto-indulgência e fazendo o homem manter-se constantemente em alerta.

Dessa maneira tudo se acalma na alma. Incitado pela graça, o homem é libertado de todas as algemas e com total prontidão diz para si mesmo: vou levantar-me e seguir adiante.

A partir desse momento um outro movimento inicia-se na alma – um movimento em direção a Deus. Tendo dominado a si mesmo através do entendimento dos motivos de todas as suas inclinações, reconquistando assim a liberdade interior, ele deve agora sacrificar-se completamente por Deus. Ainda assim, apenas metade do trabalho foi até aí alcançado.


Não digo que tudo se dá de uma só vez assim que atingimos o estado de comunhão consciente com Deus. Essa é apenas a fundação preparada para o próximo estágio, para um novo capítulo em nossa vida Cristã. Daqui para frente a transfiguração ou a espiritualização da alma e do corpo começará conforme compartilhamos cada vez mais no espírito da vida que está em Jesus Cristo. Tendo controlado a si mesmo, o homem começará a instilar dentro de si tudo o que é verdadeiro, sagrado e puro e começará a afastar tudo o que é falso, pecaminoso e corporal. Até agora ele fez esforços extenuantes para fazer isso, mas tinha os frutos de seus esforços roubados a cada momento do dia, de maneira que qualquer coisas que ele conseguisse alcançar era totalmente destruída de imediato. Agora o caso é diferente. Ele permanece firmemente sobre seus pés, não se rendendo de maneira nenhuma diante das dificuldades e conduz a si mesmo de acordo com o objetivo de sua vida.

De acordo com São Barsanouphios, quando recebemos em nosso coração o fogo que o Senhor veio trazer à terra (Lucas xii,49), todas as nossas faculdades humanas começam a queimar internamente. Quando através de longa fricção o fogo for aceso e as lenhas começarem a queimar com ele, as lenhas acesas dessa forma irão estalar e soltar fumaça até que estejam devidamente acesas. Mas quando estão devidamente acesas, elas parecem estar permeadas pelo fogo e produzem uma luz e um calor agradáveis sem fumaça e estalos. Assim também ocorre dentro dos homens. Eles recebem o fogo e começam a queimar – e quanta fumaça e estalos ocorrem apenas aqueles que o experimentaram conhecem. Mas quando o fogo está apropriadamente aceso, a fumaça e os estalos cessam, internamente reina apenas a luz. Essa condição é um estado de pureza, o caminho para ele é longo, mas o Senhor é o mais piedoso e todo poderoso. Portanto, é claro que quando o homem recebe a comunhão consciente com Deus, o que se apresenta diante dele não é a paz mas sim, muito trabalho. Mas desse ponto em diante, ele vai achar o trabalho doce e cheio de frutos, enquanto que antes o trabalho era amargo e carregava poucos ou nenhum fruto.


A ação divina não é algo material: é invisível, inaudível, inesperada, inimaginável e inexplicável por qualquer analogia feita com este mundo. Seu advento e seu trabalho dentro de nós são um mistério. Primeiro ela mostra ao homem seu pecado, aumentando-o em seus olhos e mantendo o horror do pecado constantemente diante de sua visão.

Conduzindo sua alma à auto-condenação, a ação divina mostra a ele nossa Queda – esse terrível, escuro e profundo abismo de destruição dentro do qual o homem caiu através do pecado de seu primeiro pai. Posteriormente, pouco a pouco, a ação divina garante ao homem atenção crescente e contrição do coração em oração. Tendo preparado o receptáculo dessa maneira, ela toca as partes separadas repentina, inesperada e imaterialmente, e elas tornam-se unidas em uma. Quem tocou-as? Eu não posso explicar: Não vejo nada, não ouço nada; mas reconheço e sinto uma mudança repentina em mim mesmo devida à uma ação toda-poderosa. O Criador agiu agora na renovação, do mesmo modo que Ele agiu na criação.

Diga-me: poderia o corpo de Adão, feito de poeira, ainda deitado diante do Criador e não estando animado pela alma, ter alguma concepção da vida ou qualquer sensação dela? Quando ele foi despertado repentinamente pelo sopro da vida, poderia ele ter considerado se o aceitaria ou rejeitaria? O Adão criado sentiu-se repentinamente vivo, pensando, desejando. A recriação é realizada com essa mesma subitaneidade. O Criador foi e é o Governador absoluto: Ele age autocraticamente, de uma maneira supranatural, muito acima de qualquer pensamento e concepção, com sutileza infinita. Ele age espiritualmente e não materialmente.

Pelo toque de Sua mão em todo meu ser, minha mente, coração e corpo foram unidos, compondo um todo único e unificado. Eles tornaram-se imersos em Deus e em Deus eles permanecem enquanto a Mão invisível, incompreensível e toda-poderosa mantém-nos ali.


*'Senhor Jesus Cristo Filho de Deus tende piedade de mim'.