segunda-feira, 8 de março de 2010

Hazrat Inayat Khan - A Visão Interior

A introspecção, ou a visão interior, pode ser comparada ao que vemos por um telescópio. A uma longa distância, podemos ver um vasto horizonte, mas quando chegamos perto das coisas, temos um horizonte limitado. Se olharmos por esse horizonte menor, as coisas ficam mais claras, porque são vistas em detalhe. Se olharmos pelo horizonte maior, as coisas não serão vistas em detalhe, mas podemos ter uma visão geral. A mesma lei é aplicada à introspecção. Quando olhamos para alguém, temos idéia do seu caráter e quando olhamos para uma assembléia, temos uma sensação de reunião.
O coração é o telescópio da alma e os olhos são o telescópio do coração. A mesma coisa acontece quando vemos através dos óculos: são os olhos que vêem e não os óculos. Assim, quando vemos através do coração e dos olhos, o que vemos é a alma. Os olhos não possuem o poder de ver, o poder dos olhos é apenas ajudar a alma a ver. Do momento em que a alma se afasta, os olhos não vêem. Assim, até o coração é um telescópio que nos auxilia a perceber e conceber tudo que procuramos mas, ao mesmo tempo o coração não vê, é a alma que vê.
Assim como existem pessoas de pouca visão e outras que possuem visão muito ampla, também existem algumas que enxergam coisas a uma longa distância com os olhos da mente, mas que não podem ver o que lhes está perto. Pessoas que possuem visão longa, enquanto há outras cuja visão é curta, que enxergam tudo que está perto mas não podem ver a longa distância.
É dito que existe um terceiro olho que enxerga, às vezes esse terceiro olho vê através dos dois olhos e aí os olhos enxergam de outra maneira. Com o auxílio do terceiro olho, os nossos dois olhos podem atravessar o muro da existência no plano físico e ver o interior da mente humana, ver o que está dentro das palavras, e muito mais além. Quando começamos a ver desse modo, o que primeiramente acontece é que tudo que nossos olhos vêem tem um significado mais profundo, uma significação maior que não conseguíamos ver anteriormente. Cada movimento do homem, cada gesto, sua forma, feições, voz, palavras, expressão, sua atmosfera, tudo isso revela sua natureza e caráter. Como não conhecem esse segredo, certas pessoas querem estudar fisiognomia, frenologia, grafologia ou quiromancia, mas todas essas ciências são limitadas quando comparadas com a visão clara. Essas diferentes ciências tem seu valor, mas se comparadas com a introspecção do homem, notamos que sua importância é bem menor.
A faculdade de enxergar precisa ser dirigida. Por exemplo, para olhar para a direita ou para a esquerda, para frente ou para trás, temos de dar uma direção aos olhos e essa direção é o trabalho da vontade. Nas vinte e quatro horas vemos talvez cinco minutos, quando muito, sob a direção da vontade; o resto do tempo vemos as coisas automaticamente. Em outras palavras, nossos olhos estão abertos, nosso coração vê tudo que pode ser visto e, sem percebermos, captamos diversas coisas que atraem nossos olhos e nossa mente. Tudo o que vemos durante o dia e durante a noite, não é o que tínhamos a intensão de ver e sim o que somos obrigados a ver de acordo com a vida à nossa volta. Por essa razão é que os antigos pensadores e sábios do oriente usavam um manto cobrindo a cabeça para não ver as coisas e nem as pessoas que os rodeavam, podendo, assim, controlar a visão. Os antigos Sufis também costumavam cobrir a cabeça da mesma forma por muitos anos e assim desenvolviam tantos poderes que um simples olhar deles podia penetrar nas rochas e nas montanhas. Isso nada mais é do que o controle da visão. Em todas as épocas os Yogis trabalharam não só com a mente mas também com os olhos, conseguindo tal estabilidade no olhar que podiam dirigir a visão para tudo que quisessem examinar ou penetrar. Os olhos, portanto, representam a alma na superfície e falam com as pessoas com muito mais clareza do que as palavras. Para aquele que pode ler, os olhos mostram o grau de evolução de uma pessoa. Não é preciso uma pessoa falar com a outra, os olhos dizem à outra pessoa se está contente ou triste, se tem boa vontade ou má vontade, se sua predisposição é favorável ou desfavorável. Tudo pode ser visto no olhos: o amor, o ódio, o orgulho ou a modéstia; até a sabedoria e a ignorância e tudo mais pode ser visto manifestando-se nos olhos. O homem que pode perceber, através dos olhos, as condições e o caráter de um outro homem, sem dúvida alguma, entra em comunicação com a alma desse homem.
Pouco tempo atrás, havia um discípulo em Hyderabad, um intelectual, que gostava de falar. Seu mestre estava interessado nas perguntas inteligentes que ele fazia e o encorajava a falar, embora no Oriente seja hábito o discípulo ficar em silêncio diante do mestre. Um dia, o mestre estava num dos seus momentos de exaltação espiritual e o discípulo, como acontecia sempre, queria discutir e argumentar e isso não agradou o mestre na ocasião. O mestre pronunciou a palavra “Khamush”, que em persa significa silêncio, e o discípulo emudeceu. Foi para casa, permaneceu mudo e ninguém mais ouvi-o falar, nem os de casa nem os estranhos. Nunca falava, em lugar algum. Passaram-se os anos e o homem se conservava mudo; mas chegou um ponto em que o silêncio dele começou a falar alto. Seu pensamento silencioso passou a manifestar-se e tudo que ele desejava lhe era concedido. Seu olhar silencioso curava, seu olhar silencioso inspirava. Seu silêncio tornou-se vivificante. O que o mantivera morto durante todo esse tempo eram as palavras que proferia. Do momento em que seus lábios emudeceram, o silêncio começou a viver. Sua presença era vivificante. O povo de Hyderabad chamava-o de Shaikh Khamish, o rei do silencio, ou o rei silencioso.
Com esse episódio desejo mostrar que todos nós temos olhos, mas fazer os olhos viverem leva algum tempo, pois os olhos enxergam até um certo limite e não vão mais além. O coração, juntamente com os olhos, é que enxerga mais longe e se a alma puder ver através de ambos enxergará mais longe ainda.
Um assunto completamente diferente é a maneira de focalizar os olhos. Se quisermos ver a lua, devemos olhar para o céu ao invés de olhar para a terra. Portanto, se quisermos procurar o céu, devemos mudar a direção dos olhos e aí é que muitos cometem um erro. Atualmente no Ocidente, onde existe um grande número de estudantes ávidos à procura da Verdade, muitos estão enganados a esse respeito. Para ver o que pode ser visto interiormente, eles procuram olhar no exterior, o que não deixa de ser uma tendência natural. Do mesmo modo que um homem procura exteriormente aquilo que deseja, é natural que queira procurar também exteriormente o conhecimento interior.
Como é possível olhar para o interior, e o quê é visto? Em primeiro lugar, para um materialista, o “interior”, o que chamamos de “dentro”, é uma coisa que está dentro do corpo. Na realidade “dentro” significa não só dentro mas também fora do corpo. Isso pode se compreendido ao observarmos a luz dentro de uma lâmpada: a luz está dentro do globo e também está fora dele. Assim acontece com a alma: ela está dentro e também está fora. O mesmo ocorre com a mente: está dentro e fora, ela não está confinada dentro do corpo. Em outras palavras, o coração é maior do que o corpo e a alma é ainda maior e, ao mesmo tempo, a alma está acomodada dentro do coração e o coração acomodado dentro do corpo. Esse é um dos maiores fenômenos que existe e é difícil de ser explicado com palavras. Existem centros intuitivos e, para enxergar dentro deles, precisamos voltar os olhos para trás, voltar os olhos para dentro. Assim, os olhos que podem ver externamente são capazes de ver interiormente, mas é apenas uma fase da faculdade da visão. A outra fase dessa faculdade de ver internamente, não é a função dos olhos: é o coração que vê. Quando tivermos a capacidade de ver dessa maneira, a dor e o prazer, a alegria e a tristeza de todos os homens com quem nos encontramos manifestar-se-ão ao nosso coração. Podemos na verdade ver isso e com muito mais clareza do que se víssemos com os nossos olhos. Essa é a linguagem do coração que os olhos não conhecem.
Os sábios do Oriente eram chamados de "Balakush", que significa "aquele que bebe um gole de todas as dificuldades". Esses sábios acreditavam que as dificuldades da vida eram um vinho para ser bebido e logo que o bebêssemos, as dificuldades desapareceriam. Não tinham medo das dificuldades, não se mantinham afastados delas e diziam: “Se conseguirmos nos afastar das dificuldades agora, na próxima vez elas nos acharão; na certa vamos encontrá-las um dia. Se escaparmos uma vez, em outra ocasião não escaparemos. Assim, deixemos que venham as dificuldades tal como são e vamos bebê-las como um vinho”. Os princípios do Mahadeva, dos Dervixes, dos grandes faquires de todas as eras são o mesmo: beber as dificuldades como um vinho. Aí então não haveria mais dificuldades. Quando estamos sintonizados com a vida, ela se revela a nós, pois aí somos amigos da vida. Antes éramos estranhos à vida. A atitude faz uma grande diferença. A diferença de atitude é que faz de um homem um espiritualista ou um materialista. Não é preciso modificar mais nada, apenas a atitude.
A lição que aprendemos quando desenvolvemos percepção, é que não devemos ficar excitados com qualquer influência que nos coloque fora de nosso ritmo, ao contrário, devemos manter nosso ritmo em todas as circunstâncias da vida, manter nosso equilíbrio, nossa tranquilidade, em todas as ocasiões. Às vezes é difícil conservar o equilíbrio quando as influências da vida nos sacodem, mas é preciso nos mantermos equilibrados apesar de tudo o que acontece. Diante de influências antagônicas é difícil mantermos uma atitude amigável. Entretanto, por ser difícil, é uma grande aquisição se conseguirmos fazer isso. Para obtermos algo valioso e que valha a pena ser obtido, temos de passar por certas dificuldades.
Existem muitas oportunidades de praticarmos a lição de manter uma atitude amigável em relação aos nossos semelhantes, de enfrentar as situações corajosamente e de contrabalancear as influências que surgem diante de nós. Dessa maneira adquirimos uma percepção maior da vida.
Se existe algo que possa esclarecer nossa compreensão, é a razão de um lado e o sentimento do outro. Um homem cujo sentimento ainda não despertou, está acordado e ao mesmo tempo adormecido. Quando o coração começa a viver, um outro mundo abre-se para suas experiências, pois geralmente o que experimentamos na nossa vida cotidiana é somente aquilo que os sentidos podem perceber e nada mais do que isso. Quando, entretanto, o homem começa a sentir e a experimentar os sentimentos sutis do coração, ele passa a viver num outro mundo, embora caminhando na mesma terra e vivendo sob o mesmo sol. Portanto, não se surpreendam se encontrarem seres que vivem em outro mundo, embora caminhem nesta terra. É algo natural, é possível ao homem viver no seu coração ao invés de viver somente na terra. O povo do Oriente chama esse estado de “Saheb-e-dil”, isto é, a mente-mestra.
Se o homem mergulhar ainda mais fundo no seu íntimo, ele passa a viver na alma. A inspiração, a intuição, a visão e a revelação passarão então a serem coisas naturais para ele. A alma começa a ter consciência de seus domínios, que é o reino do qual a Bíblia fala: “Procure primeiro o Reino de Deus...” É a alma que começa a ver. Pode-se enxergar ainda mais longe. O que permite atingir esse estágio mais elevado é o caminho da meditação sob a orientação de um Mestre competente.
A primeira coisa a fazer é controla o olhar. A segunda, controlar os sentimentos e a terceira é o controle da consciência. Se essas três coisas forem alcançadas, o homem começará a olhar para o interior. E olhar para o interior ajuda extraordinariamente a olhar externamente. O mesmo poder com que o coração e os olhos estão carregados começa a se manifestar externamente. Aquele que olhar para o interior descobrirá, ao olhar para o exterior, que tudo o que existe no interior se manifestará no exterior. Sua influência será curativa e consoladora, elevará e acalmará os homens. Sua visão tornar-se-á penetrante, e tanto os seres humanos como os objetos, começarão a lhe revelar sua natureza, caráter e segredo.