segunda-feira, 9 de março de 2009

Bhagavan Sri Ramana Maharshi (1878-1950) - Realidade em quarenta versos

1. Uma vez que conhecemos o mundo, temos de admitir tanto para nós quanto para o mundo, uma fonte comum, única, mas com o poder aparente de muitos. A imagem dos nomes e das formas, o espectador, a tela, a luz que ilumina - todos esses certamente são Ela.

2. Em três entidades - o indivíduo, Deus e o mundo - todo credo está baseado. Que “o Um se torna três” e que “os três são sempre três”, é dito apenas enquanto dura o ego. Perder o 'eu' e permanecer no Ser (Self) é o estado Supremo.

3. 'O Mundo é verdadeiro', 'Não, é uma falsa aparência', 'O Mundo é a Mente', 'Não, ele não é', 'O Mundo é agradável', 'Não, ele não é' - Qual é o proveito de tal conversa? Deixar o mundo sozinho e conhecer o Ser, ir além de todo pensamento de 'Um' e 'Dois', essa condição sem-ego é o objetivo comum de toda essa conversa.

4. Se o Ser tem forma, o mundo e Deus também têm forma. Se o Ser é sem forma, por quem e como pode a forma (do mundo e de Deus) ser vista? Sem os olhos, pode haver visão ou óculos? O Ser, o verdadeiro Olho, é infinito.

5. O corpo é constituído pelas cinco camadas; no termo corpo todas as cinco estão incluídas. Sem o corpo o mundo não é. Alguém sem o corpo já viu o mundo?

6. O mundo é constituído pelos cinco tipos de percepções dos sentidos e nada mais. E essas percepções são sentidas como objetos pelos cinco sentidos. Uma vez que apenas através dos sentidos a mente percebe o mundo, é o mundo diferente da mente?

7. Embora o mundo e a mente surjam e desapareçam juntos, o mundo brilha pela luz da mente. O terreno onde surgem e desaparecem o mundo e a mente, aquela perfeição, não surge nem desaparece, mas brilha sempre. Essa é a realidade.

8. Qualquer nome ou forma sob a qual O adoremos, leva-nos ao conhecimento do absoluto sem nome e sem forma. No entanto, ver nosso verdadeiro Ser no Absoluto, depositar-se Nele e ser um com Ele, é o verdadeiro conhecimento da verdade.

9. "Segundos" e "terceiros" dependem de uma coisa: o ego. Se uma pessoa pergunta em seu coração 'O que é esse ego?' E descobre-o, ele foge. Apenas aqueles que descobriram isso conhecem a verdade, e jamais se sentirão perplexos.

10. Não há conhecimento sem ignorância; e sem o conhecimento a ignorância não pode ser. Perguntar, 'de quem é esse conhecimento?' 'De quem é essa ignorância?' e, portanto, conhecer o Ser primal, é o único Conhecimento.

11. Sem conhecer o Ser, que é o que conhece, conhecer todos os objetos não é conhecimento, é apenas ignorância. O Ser, a plataforma do conhecimento, e o não-Ser, sendo conhecidos, tanto o conhecimento quanto a ignorância se esvaem.

12. O Verdadeiro Conhecimento é estar desprovido tanto de conhecimento quanto de ignorância dos objetos. Conhecimento dos objetos não é o verdadeiro conhecimento. Sendo que o Ser brilha com luz própria, sem nada mais para conhecer, sem mais nada para conhecê-lo, o Ser é Conhecimento. Não é ignorância.

13. O Ser é consciência (awareness), apenas isso é verdade. O conhecimento que é múltiplo é ignorância. E mesmo a ignorância, que é falsa, não pode existir independente do Ser. As muitas jóias são falsas, pois sem o ouro, que é a verdade, elas não podem existir.

14. 'Você' e 'ele' só aparecem quando o 'eu' aparece. Mas quando a natureza do 'eu' é procurada e o ego é destruído, 'você' e 'ele' chegam ao fim. O que brilha em seguida como o Um, é o verdadeiro Ser apenas.

15. Passado e futuro são dependentes do presente. O passado era o presente no seu tempo e o futuro será o presente também. Sempre-presente é o presente. Procurar conhecer o futuro e o passado, sem conhecer a verdade do tempo hoje, é tentar contar sem o número "um".

16. Sem nós não existe o tempo nem o espaço. Se somos apenas corpos, somos apanhados no tempo e no espaço. Mas somos o corpo? Agora, depois e sempre - aqui, agora e por toda parte - somos o mesmo. Existimos sem tempo e sem espaço.

17. Para aqueles que não conhecem o Ser e para aqueles que o conhecem, o corpo é o 'eu'. Mas para quem não conhece o Ser o 'eu' é limitado pelo corpo, enquanto que para aqueles que dentro do corpo conhecem o Ser, o 'eu' brilha ilimitado. Essa é a diferença entre eles.

18. Para quem não conhece e para quem conhece, o mundo é real. Mas para quem não conhece, a realidade é limitada pelo mundo, enquanto que para aqueles que conhecem, a Realidade brilha sem forma como a plataforma (a base) do mundo. Essa é a diferença entre eles.

19. O debate "O livre arbítrio prevalece ou é o destino?" existe apenas para aqueles que não conhecem a raiz de ambos. Aqueles que tiveram a oportunidade de conhecer o Ser, a fonte comum do livre arbítrio e do destino, foram além de ambos e não retornarão a eles.

20. Ver Deus, e não o Ser que vê é apenas ver uma projeção da mente. É dito que Deus é visto apenas por aquele que vê o Ser, mas aquele que perdeu o ego e viu o Ser não é nada além de Deus.

21. Quando escrituras falam sobre 'ver o Ser' e 'ver Deus', qual é a verdade que eles querem transmitir? Como ver o Ser? Sendo que o Ser é um sem um segundo, é impossível vê-lo. Como ver Deus? Vê-Lo é ser consumido por ele.

22. Sem voltar-se para o interior e submergir no Senhor (cuja Luz é Dele que brilha dentro da mente e empresta a ela toda a sua luz), como é que podemos conhecer a Luz das luzes com a luz emprestada da mente?

23. O corpo não diz que é o 'Eu'. E ninguém diz, "No sono não existe o 'eu'”. Quando o 'eu' surge todas as (outras) coisas surgem. De onde surge este "eu", pesquise com uma mente aguçada.

24. O corpo que é matéria não diz 'eu'. A Eterna Consciência não nasce nem se põe. Em meio aos dois, limitado pelo corpo, surge o pensamento de 'eu'. Este é o nó da matéria e da consciência. Isso é escravidão, o Jiva, o corpo sutil, o ego. Isso é samsara, essa é a mente.

25. Segurando uma forma ele surge; segurando uma forma permanece; segurando e alimentando uma forma ele prospera. Deixando uma forma, ele agarra outra. Quando procurado ele foge. Esse é o ego-fantasma sem forma alguma que lhe é própria.

26. Quando o ego surge tudo surge com ele. Quando o ego não está, não há mais nada. Portanto, uma vez que o ego é tudo, perguntar "O que é ele?" é a extinção de todas as coisas.

27. Somos “aquilo”, quando o 'eu' não tinha surgido. Sem pesquisar de onde o "eu" surge, como atingir a auto-extinção onde nenhum "eu" surge? Sem atingir a auto-extinção, como é possível ficar em nosso verdadeiro estado onde o Ser é “Aquilo”?

28. Controlando a fala e a respiração, e mergulhando profundo dentro de nós mesmos (como alguém que, para encontrar uma coisa que caiu na água, mergulha para o fundo), devemos procurar a fonte de onde o ego aspirante brota.

29. Cesse toda fala de 'eu' e busque com uma mente que mergulha internamente, onde brota o pensamento de 'eu'. Esse é o caminho da sabedoria. Pensar, em vez disso, "não sou isso, mas 'aquilo' sou eu", é útil na busca, mas não é a própria busca.

30. Quando a mente se volta para dentro procurando 'Quem sou eu?' e submerge no coração, então o 'eu' enforca sua cabeça de vergonha e o 'eu' Uno aparece como ele próprio. Embora ele apareça como "eu-eu", ele não é o ego. É a realidade, a perfeição, a substância do Ser.

31. Para aquele a quem a bênção do Ser está surgindo da extinção do ego, o que há para fazer? Ele não conhece nada além deste Ser. Como conceber a natureza de seu estado?

32. Uma vez que os Vedas declararam, “Tu és Aquilo” - não procurar e encontrar a natureza do Ser e residir nela, mas pensar “sou isso, não aquilo” é falta de força. Pois, "Aquilo" permanece para sempre como o Ser.

33. Dizer "eu não me conheço” ou “Eu me conheci" é motivo de riso. O quê? Existem dois Seres, um a ser conhecido pelo outro? Existe apenas um - a verdade da experiência de todos.

34. A realidade natural e verdadeira reside para sempre no coração de todos. Não realizá-la ali e ficar nela, mas discutindo 'É', 'Não é', 'Tem forma', 'Não tem forma', 'É um', 'É dois', 'não é nenhum dos dois', esse é o engano de Maya.

35. Discernir e habitar na realidade sempre presente é a verdadeira realização. Todas as outras realizações são como poderes desfrutados em um sonho. Quando o adormecido desperta, eles são verdadeiros? Aqueles que permanecem no estado de Verdade, depois de terem descartado o irreal - serão alguma vez iludidos?

36. Se pensamos ser o corpo, então dizer a nós mesmos, 'Não, eu sou Aquilo', é útil para permanecer como "Aquilo". Mas - uma vez que sempre residimos como Aquilo - por que é que devemos sempre pensar, 'Eu sou Aquilo?' Pensamos alguma vez, 'Eu sou um homem'?

37. "Durante a busca, há dualidade; na realização, há unidade” - essa doutrina também é falsa. Quando ele procurou ansiosamente a si próprio e mais tarde, quando encontrou a si mesmo, o décimo homem na história era o décimo homem e nenhum outro (dez homens atravessaram um córrego e queriam ter a certeza que estavam todos seguros. Na contagem, cada um esqueceu de contar a si mesmo e encontrou apenas nove. Um transeunte deu um golpe em cada e fez-lhes contar dez golpes).

38. Se somos os realizadores das ações, deveríamos colher os frutos que elas produzem. Mas quando perguntamos, "Quem sou eu, sou o realizador desses feitos?” e percebemos o Ser, o sentido de ação é perdido e os três Karmas somem. Eterna é essa Libertação.

39. Pensamentos de aprisionamento e de liberdade duram só enquanto sentimos "estou aprisionado". Quando perguntamos sobre nós mesmos, "Quem sou eu, sou esse aprisionado?" o Ser, eterno, sempre livre, permanece. O pensamento sobre escravidão se vai e com ele, a idéia de liberdade também.

40. Se perguntado, "Qual destas três é libertação definitiva: “Com forma, sem forma, ou com e sem forma?" Eu digo, Libertação é a extinção do ego que pergunta “Com forma, sem forma, ou com e sem forma?"