segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Bernard de Clairvaux - A Voz que se move através do deserto revelando segredos, sacudindo as almas, livrando-as da preguiça


Vocês vieram, eu acredito, para ouvir a Palavra de Deus. Não consigo ver outra razão pela qual vocês se aglomerariam aqui desta maneira. Eu aprovo esse desejo com todo meu coração e alegro-me com vocês em seu louvável zelo. Pois abençoados são aqueles que ouvem a Palavra de Deus – se, é claro, guardam-na. Abençoados são aqueles que observam as Suas leis, não esquecendo de obedecê-las (Sal.103:18). Tal pessoa tem as palavras da vida eterna de fato, e a hora chegará – poderia ser aqui e agora! - quando os mortos escutarão a Sua voz e aqueles que a escutarem viverão. Pois, “fazer a vontade Dele é viver” (Sal.30:5)

E se você quer saber qual é a vontade dele: É que deveríamos ser convertidos. Escute o que ele mesmo diz: “Não é minha vontade que os maus devam perecer, mas que eles se convertam de sua maldade e vivam. (Eze18:23)

A partir dessa passagem vemos claramente que nossa verdadeira vida é para ser encontrada apenas através da conversão e não há outra maneira de entrar nela. Como novamente diz o Senhor: “A menos que vos converterdes e tornardes como as crianças, não entrareis no reino dos céus.” (Mat.18:3) Verdadeiramente, apenas as criancinhas entrarão, pois é uma criancinha que as conduz, Aquela que nasceu e foi dada a nós para esse próprio fim. Busco, portanto, a voz que os mortos escutarão e, quando escutarem-na, viverão. Talvez seja até mesmo necessário pregar o evangelho aos mortos (1Ped 4:6).

E enquanto isso uma palavra vem à mente, breve mas cheia de significado, cuja boca do Senhor falou, como presta testemunho o profeta, ele clama indubitavelmente ao Senhor seu Deus: “Convertei-vos filhos do homem” (Isa 1:20, Sal. 90:3); é totalmente apropriado que a conversão seja o que é pedido do filho do homem; é absolutamente necessário para os pecadores. Aos espíritos celestiais é dito para louvar, como o mesmo profeta diz nos Salmos, “Louva teu Senhor, ó Sião” (Sal.147:12); isso é mais apropriado para os justos (Sal.33:1).

Assim como o lembrete do que ele diz, “Você disse” (Sal.90:3), não penso que seja algo para se passar descuidadosamente ou escutado sem se refletir a respeito. Pois quem ousa a comparar os dizeres dos homens com o que é dito que Deus falou? A Palavra de Deus é viva e efetiva. Sua voz é uma voz de magnificência e poder. “Ele falou e foram criados” (Sal.148:5). Ele disse: “Haja a luz, e houve a luz” (Gen.1:3). Disse: “Convertei-vos” (Sal.90:3), e os filhos do homem foram convertidos. Portanto, a conversão das almas é claramente o trabalho da voz divina, não de nenhuma voz humana. Mesmo Simeão, filho de João, chamado de um indicado pelo Senhor para ser um pescador de homens, labutará em vão toda a noite e não pegará nada até que jogue sua rede nas palavras do Senhor. Então ele poderá capturar uma vasta multidão (João 21:15, Mat.4:19).

Que nós também possamos jogar nossa rede nas palavras dele e experimentar o que está escrito, “Vede, ele dará a sua voz o som do poder” (Sal.68:33). Se minto, isso é culpa minha. Talvez seja julgado que é a minha própria voz e não a voz do Senhor se busco o que pertence a mim e não o que é de Jesus Cristo. Quanto ao resto, mesmo se eu falar da justeza de Deus e buscar Sua Glória, posso esperar que o que digo será efetivo apenas se ele assim o tornar. Devo pedir a Ele que torne esta minha voz uma voz de poder.

Advirto-lhe, portanto, a elevar os ouvidos de seu coração para ouvir essa voz interior, de modo que você lute para ouvir internamente o que é dito para o homem externo. Pois esta é a voz da magnificência e do poder, movendo-se através do deserto, revelando segredos, sacudindo as almas livrando-nas da preguiça (Sal.29).




Não há necessidade de fazer um esforço para escutar esta voz. O difícil é fechar os ouvidos para ela. A voz fala, ela se faz ser ouvida; ela não cessa de bater na porta de todos (Apoc.3:20). “Quarenta anos”, ele diz, “estive com esta geração, e eu disse: 'eles erram constantemente em seus corações'” (Sal.95:10). Ele ainda está conosco. Ele ainda fala, mesmo que ninguém escute. Ele ainda diz: “Eles erram em seus corações”; a Sabedoria ainda clama pelas ruas. “Cainham em si, ó infiéis” (Isa.46:8).

Esse é o começo da fala de Deus. E essa palavra, que é dirigida a todos que estão convertidos no coração, perece ter corrido na frente, é uma palavra que não apenas os chama de volta mas os conduz de volta colocando-os cara a cara consigo mesmos. Pois não é apenas uma voz de poder, é como um raio de luz falando para o homem sobre seus pecados e ao mesmo revelando as coisas escondidas na escuridão. Não há diferença entre essa voz interior e a luz, pois elas são um e o mesmo Filho de Deus e Palavra do Pai - resplandecência da glória. Dessa forma também a substância da alma pareceria ser espiritual e simples assim, sem nenhuma distinção dos sentidos; a alma toda parece ver e ouvir de pronto, se podemos falar disso dessa forma. Pois qual é o propósito do raio de luz ou da Palavra senão fazer o homem vir a conhecer a si mesmo? De fato, o livro da consciência está aberto, a passagem miserável pela vida até agora é lembrada à mente; a triste história é contada novamente, a razão é iluminada e o que está na memória é revelado como se colocado diante dos olhos do homem. Mas a razão e a memória não são tanto “da” alma quanto elas mesmas a alma, de modo que ela é tanto o contemplador quanto o que é contemplado, colocada cara a cara consigo mesma e subjugada pela força da realização do que ela está vendo. Ela julga a si mesma em sua própria corte. Quem pode suportar esse julgamento sem dor? “Minha alma está aborrecida comigo” (Sal.42:6), diz o profeta do Senhor, e você se admira que você não pode ser colocado a defrontar-se consigo mesmo sem estar ciente do pecado, sem perturbação, sem confusão?




Não espere ouvir de mim o que é que a razão captura em sua memória para censurar, o que ela julga, o que discerne. Escute a voz interior, use os olhos do seu coração e você aprenderá por experiência. “Quem, pois, entre os homens conhece o que é do homem, senão o espírito do homem que está nele?” (1cor.ii 11). Se o orgulho, a inveja, a arrogância, a ambição ou qualquer outro vício está escondido, dificilmente poderá escapar desse exame. Se houver fornicação, violação, crueldade, engano ou qualquer falta que seja, isso não irá se esconder desse juiz, que é ele mesmo a parte culpada, nem isso será negado em sua presença.

Pois não importa o quão rápido passou toda a lascívia do deleitar-se na iniquidade e o quão brevemente as seduções dos prazeres foram atrativos, a memória é deixada com uma impressão amarga e pegadas sujas permanecem. Para dentro daquele repositório flui toda a abominação e sujeira, como que para dentro de uma fossa. É um grande livro no qual tudo está escrito com a caneta da verdade. O estomago suporta aquele amargor agora (Apoc.10:9-10). Embora quando foi engolido deu um prazer passageiro ao paladar, isso foi logo esquecido. Eu aflijo por meu estomago. Por que não deveria me afligir pelo estomago da minha memória, que está tão congestionada com tais imundices?

Meus irmãos, qual de nós, se repentinamente notasse que as roupas que vestem está toda respigada de sujeira e de lama imunda, não ficaria violentamente enojado, tirando a roupa rapidamente e tirando-a de perto de si indignadamente? Mas a alma que encontra-se contaminada dessa maneira não pode atirar a si mesma para longe como um homem pode atirar suas roupas. Qual de nós é tão paciente e valente que se visse sua própria carne de repente ficando branca com lepra (como lemos que aconteceu com Maria a irmã de Moisés), suportaria calmamente e agradeceria seu Criador (Núm.12:10)? Mas o que é essa carne senão um traje corruptível com o qual estamos vestidos?

E como devemos pensar a respeito dessa lepra do corpo em todos eleitos senão como uma punição de correção paternal e uma purgação do coração? É uma grande tribulação e uma causa muito justa de pesar quando um homem que foi despertado do sono do prazer miserável começa a perceber sua lepra interior, tribulação que ele trouxe para si mesmo com muito zelo e esforço. Ninguém odeia sua própria carne, muito menos pode a alma odiar a si mesma.