domingo, 12 de julho de 2009

Hazrat Inayat Khan - 17 de maio de 1924


A Doutrina do Karma

Na teologia hindu, a doutrina do karma é muito mais enfatizada do que nas religiões dos Beni Israel (filhos de Israel). Por teologia hindu não me refiro apenas à Vedântica ou Bramânica, mas me refiro também à Budista. Por religião dos Beni Israel eu não queria dizer a judaica apenas, mas também a cristã e a muçulmana. Toda a teoria da filosofia hindu baseia-se na doutrina do karma. A moral dos Beni Israel é também baseada no karma. A única diferença é que de um lado a moral é baseada no karma e do outro lado a filosofia é baseada no karma. E agora, qual é o significado da palavra karma? O significado da palavra karma é ação. É bem evidente que nós colhemos aquilo que semeamos. O presente é o eco do passado, o futuro é a reflexão do presente, e, portanto, é lógico que o passado faz o presente e o presente faz o futuro. No entanto, na escola Sufi pouco é falado sobre este assunto. E muitas vezes as pessoas interessadas na doutrina do karma começam a se perguntar: "Porque é que o Sufismo não fala sobre o assunto? Ele se opõe a ele?" E a resposta é que de maneira nenhuma ele faz oposição à doutrina do karma. Mas a maneira como um Sufi olha para isso, faz com que ele não possa fazer nada senão fechar os lábios.
Em primeiro lugar, o que uma pessoa chama de certo ou errado, está de acordo com o próprio conhecimento dela. Ela chama de certa uma coisa que conhece como sendo correta, o que aprendeu a chamar de certo. Chama de errado o que aprendeu a chamar de errado. E desta forma, havendo diferentes nações, comunidades, raças, suas concepções de certo e errado podem diferir. Uma pessoa acusa a outra de estar errada apenas fundamentada naquilo que conhece como errado. E como é que ela sabe que aquilo está errado? É porque ela aprendeu isso, leu num livro ou lhe foi falado. As pessoas têm olhado com horror, com ódio, com preconceito para as ações umas das outras, para ações de indivíduos, comunidades, nações e raças. E ainda não existe um rótulo, não há qualquer carimbo, não há selo sobre as ações que lhes aponte estarem certas ou erradas. Esse é um aspecto da questão.

Agora, a outra maneira de olhar para isso é: A cada etapa da evolução, a concepção do homem sobre o bem e o mal, o certo e o errado, muda. E você pode me perguntar: "Como é que muda? Será que ele vê muitos erros, ou menos erros conforme ele evolui?" Poderíamos naturalmente pensar que em virtude de nossa evolução deveríamos ver mais erros. Mas não é esse o caso. Quanto mais a pessoa evolui menos erros ela vê. Então não é sempre a ação, é o motivo por trás dela.
Às vezes uma ação aparentemente errada, pode estar certa, tendo em conta a motivação por trás dela. Por isso, o ignorante está pronto para formar uma opinião a respeito da ação da outra pessoa, mas para o sábio, é muito mais difícil formar uma opinião a respeito da ação do outro.
Agora vindo para a idéia religiosa. Se um homem evolui espiritualmente, ele vê cada vez menos erros em cada momento de sua evolução. Como pode Deus estar contando as pequenas falhas dos seres humanos, que sabem tão pouco sobre a vida? Lemos na Bíblia: "Deus é amor." O que significa o amor? Amor significa perdão, amor significa não julgar. Quando as pessoas fazem de Deus um juiz cruel, sentado no trono da justiça, pegando cada pessoa e perguntando-lhe das suas falhas, julgando-a pelas suas ações, sentenciando-a, depois mandado-a embora do céu, aonde está o Deus do amor aí?
Agora, deixando a idéia religiosa de lado e chegando na filosofia: o homem é uma máquina ou é um engenheiro? Se é uma máquina, então ele tem de continuar por anos e anos e anos sobre um tipo de ação mecânica de suas más ações, e se ele é uma máquina, então ele não é responsável pelos seus atos. Se é um engenheiro, então, é responsável pelos seus atos. Mas se ele é responsável por suas ações, então é o comandante de suas ações, o comandante do seu destino. Se ele é um engenheiro, então, é o mestre do seu destino; ele cria seu destino como deseja. Tomando esse ponto de vista, o Sufi diz: "É verdade, se as coisas estão erradas comigo, é efeito das minhas ações. Mas isso não significa que eu deveria submeter-me ao destino, que eu deveria resignar-me a ele porque ele é resultado das minhas ações passadas. Mas sim, que devo fazer o meu destino, porque eu sou o engenheiro."
A diferença é a seguinte: eu vi uma pessoa dizer: "Tenho estado doente durante tantos anos mas tenho sido resignado a isso. Tenho aceitado bem, pois é o meu karma, estou pagando de volta." Assim, ele pode prolongar para a vida toda o pagamento que talvez fosse de dez anos. O Sufi, neste caso, não age apenas como um paciente mas como um médico para si próprio ao mesmo tempo. Ele diz: "A minha condição é ruim? É o efeito do passado? Vou curar isso. O passado trouxe o presente mas neste meu presente farei o futuro." Significa apenas que ele não permite que as influências do passado dominem a sua vida, ele quer justamente agora produzir a influência para tornar sua vida melhor.
Mas além disso, existe um assunto ainda mais essencial relacionado a isso. Antes de uma pessoa assumir para si a responsabilidade de pagar pelo passado, ela se pergunta: "O que eu era no passado?" Se ela não sabe, por que deve manter-se responsável por isso? Você só pode ser responsável por algo com que sua consciência esteja tingida. E é bastante suficiente carregar seu fardo na vida. Por que acrescentar a esse fardo uma carga do passado desconhecido? Mas, além disso, quando você olha para si mesmo filosoficamente, o que você encontra? Quanto mais aguçada a sua visão se torna, menos você pode encontrar fragmentos de si mesmo. Quanto mais consciente da realidade você se torna, menos consciente você fica de seu ser pequeno. E todo esse fardo das ações passadas é assumido pelo homem sem que ele o convidasse. Ele poderia muito bem ter apenas ignorado. Isso não lhe dá nenhum benefício, só lhe dá um momento de satisfação, pensar que: "É justo eu estar neste problema", e essa justiça fortalece o seu problema. A dor que poderia ter terminado, continua porque ele fortaleceu a dor. O principal objetivo do trabalho esotérico é colocar de lado aquele pensamento de si mesmo - O que eu era? O que eu sou? E o que irei ser? Ponha-o de lado por um momento. Podemos nos ocupar o bastante se pensarmos sobre a vida como um todo, o que é ela? O que deveria ter sido? O que será? É essa idéia que produz uma espécie de ponto de vista sintético e que une em vez de dispersar. É construtiva e o segredo da libertação espiritual é para ser encontrado nela. Os Brahmins, os Vedantistas, os Budistas, que mantêm a idéia do karma como a principal doutrina, assim que tocam a idéia da meta que deve ser atingida pela espiritualidade, a qual chamam de Mukti ou Nirvana, elevam-se acima da idéia do karma. Pois a condição é que a menos que uma pessoa tenha ido acima dessa idéia, ela não toca o nirvana. O significado verbal de Nirvana é -Vana é cor, e nir significa não, sem - sem rótulo, sem cor, sem divisão. É ver a vida toda como Una, realizando isso. É ai que está o segredo do Nirvana.