domingo, 9 de maio de 2010

Hazrat Inayat Khan - A vida do pensamento



Deus é onisciente, onipotente, todo-penetrante e o Único Ser. Isso sugere-nos que o Absoluto é um Ser vivo – o único Ser – que não existe tal coisa como a morte, que não existe tal coisa como o fim, que tudo, todos os seres, toda partícula tem uma continuidade, pois a vida é contínua.


O fim ou a morte é apenas uma mudança. Portanto, todo pensamento que uma vez passou por nossa mente, todo sentimento que já passou por nosso coração, toda palavra que foi uma vez dita e talvez nunca mais tenhamos pensado a respeito, cada ação feita e esquecida, recebe uma vida e continua a viver. É exatamente como um viajante que está viajando e que no seu percurso tem algumas sementes em suas mãos e que ele joga ao chão. Quando as plantas crescem naquele lugar, ele nunca as vê. Ele apenas joga as sementes e elas ficam ali. A terra as tomou, a água as criou, o sol e o ar ajudaram-nas a crescer.


A vida é uma acomodação e nela tudo – pensamento, palavra, ação ou sentimento – uma vez nascido, é cuidado, é criado e é tornado frutífero. Dificilmente pensaríamos que é possível que seja assim. Pensamos: foi falado e se foi – mas ainda está ali. Permanece e toma seu curso, pois está vivo. Como tudo é vida, não há morte.


Sem dúvida o nascimento e a morte, o começo e o fim são nomes dos diferentes aspectos deste trabalho mecânico de todo o universo. É um tipo de trabalho automático que nos dá a idéia de algo começando e algo terminando. Quando tocamos um sino a ação toma apenas um momento, mas a ressonância perdura. De acordo com nosso conhecimento ela dura tanto quanto é audível; então ela segue adiante e não é mais audível para nós – mas ela existe. Ela existe em alguma parte, ela prossegue.


Se uma pedrinha atirada no mar coloca a água em ação, dificilmente paramos para pensar até onde essa vibração age no mar. O que podemos ver são as pequenas ondas e círculos que a pedrinha produz diante de nós. Vemos isso, mas as vibrações que foram produzidas no mar chegam muito mais longe do que jamais poderíamos imaginar.


O que chamamos de espaço é um mundo muito mais fino. Se o chamarmos de mar, é o mar com o fluído mais sutil. Se o chamarmos de terra, é uma terra que é incomparavelmente mais fértil do que a terra que conhecemos. Essa terra toma todas as coisas para dentro de si e as cria, nutre, permite que elas cresçam – nossos olhos não vêem isso, nossos ouvidos não escutam.


Essa idéia não nos torna responsáveis por cada movimento que fazemos, por cada pensamento que pensamos, por cada sentimento que passa por nossa mente e coração? Não há um único momento de nossa vida que seja desperdiçado, se apenas soubermos como utilizar nossa atividade aqui, como direcionar nosso pensamento, como expressá-lo em palavras, como promovê-lo com nossos movimentos, como senti-lo de modo que ele crie sua própria atmosfera. Que responsabilidade! A responsabilidade que cada homem tem é maior que a responsabilidade de um rei. É como se cada homem tivesse um reino que fosse seu e pelo qual fosse responsável – um reino que de maneira alguma é menor que qualquer reino conhecido por nós e sim, incomparavelmente maior que os reinos da terra. Isso nos ensina a sermos cuidadosos, conscienciosos e a sentirmos nossa responsabilidade a cada movimento que fizermos. Quando um homem não sente isso, ele não está ciente de si mesmo, ele está inconsciente do segredo da vida. Ele segue como um bêbado andando pela cidade. Ele não sabe o que está fazendo, tanto para si mesmo quanto contra si mesmo.


Agora você pode perguntar: 'Como um pensamento pode viver?' De que maneira ele vive? Ele tem um corpo no qual viver, tem uma mente, tem uma respiração?' Sim. A primeira coisa que deveríamos saber é que um sopro que vem direto da fonte busca um corpo, uma acomodação onde possa funcionar. Um pensamento é um corpo. O sopro que vem da fonte – um raio do Espírito que pode ser comparado ao sol – faz do pensamento uma entidade e ele vive como uma entidade.


São essas entidades que são chamadas na terminologia Sufi de muwakkals, que significa elementais. Eles vivem, eles têm um certo propósito a cumprir. São produzidos pelo homem e por trás deles há um propósito dirigindo suas vidas. Imagine que terrível se num momento de absorção uma pessoa expressasse sua ira, sua cólera, seu ódio! Uma palavra expressada em tal momento deve viver e levar a cabo seu propósito. É como criar um exército de inimigos em torno de si mesmo. Talvez um pensamento tenha uma vida mais curta que outro, depende de que corpo lhe foi dado. Se o corpo é mais forte, então ele vive mais. A força do corpo daquele pensamento depende da energia da mente.


Elementais são criados pelo homem. Quando os ventos sopram e as tempestades se enfurecem, criando toda destruição, olhamos para isso como uma ação mecânica da natureza. Mas não é apenas ação mecânica, é dirigida por sentimentos humanos, pelos sentimentos intensos dos seres humanos. Esses sentimentos transformam-se em vidas imensas. Eles impulsionam como uma bateria por trás dos ventos e tempestades, das inundações e vulcões.


E também outros pensamentos que clamam por bênçãos, como a chuva, por exemplo, devem trazer a piedade de Deus sobre a terra. No oriente eles chamam a chuva de piedade divina. O brilho do sol, quando o céu está limpo, as as outras bênçãos da natureza – o ar puro que está animando, a primavera, as boas colheitas, as frutas, as flores e os vegetais, todas as diferentes bênçãos da terra ou do céu que nos são dadas – também são dirigidas pelas forças por trás deles.


Assim como o trabalho mecânico da natureza eleva para o céu os vapores que juntos tornam-se nuvens e causam a chuva, também os pensamentos e os sentimentos, as palavras e as ações têm seu trabalho mecânico a fazer. Esse trabalho dirige a ação do universo. Isso nos mostra que não é apenas um trabalho mecânico da natureza, mas inteligência humana, trabalhando mecanicamente, que dirige todo o trabalho da natureza.


Isso nos dá a idéia de que a responsabilidade do homem é maior do que a de qualquer outro ser no mundo. É dito no Alcorão que Deus disse: “Depositamos nossa confiança nas montanhas e elas não puderam suportar o fardo, depositamos nossa confiança nas árvores e elas não puderam sustentá-la; então, depositamos nossa confiança no homem e foi o homem que conseguiu suportá-la”. Essa confiança é a nossa responsabilidade, não apenas nossa responsabilidade por aqueles a nossa volta, que encontramos em nosso dia a dia, ou pelo trabalho com que estamos comprometidos, ou pelos interesses que temos na vida – mas nossa responsabilidade perante toda esta criação: o que contribuímos para esta criação, seja isso algo que traga condições melhores e mais harmoniosas na esfera, no mundo, na terra! Se fizermos assim então saberemos de nossa responsabilidade. Se não estivermos cientes disso, ainda não descobrimos o propósito de estarmos aqui.


Há a infância, onde a criança não sabe nada. Ela destrói coisas de valor e de beleza devido à sua curiosidade, seu desejo. Mas quando cresce, a criança começa a sentir sua responsabilidade. O sinal da maturidade é o sentimento de responsabilidade, então, quando a alma amadurece ela começa a sentir sua responsabilidade, e é a partir desse momento que a pessoa começa sua vida. É a partir desse momento que a alma é nascida de novo, e enquanto a alma não nascer de novo ela não entrará no reino de Deus. O reio de Deus está aqui. Enquanto o homem não está consciente de sua responsabilidade ele não conhece o reino de Deus. É o tornar-se consciente de sua responsabilidade que o desperta para o reino de Deus, no qual está o nascimento da alma.


Além do mais, apoiando essa idéia, há uma palavra que em Sanskrito é usada para as pessoas conscientes de Deus. Essa palavra é Brahman, que significa criador. Assim que uma alma realiza essa idéia ela começa a saber que cada momento de sua vida é criativo, seja automaticamente ou intencionalmente. E se ela for responsável por sua criação, ela é responsável por cada momento de sua vida. Desse modo não há nada na vida que é desperdiçado. Qualquer que seja a condição do homem, não importa o quanto miserável e desamparada seja, ainda assim sua vida não é desperdiçada, pois há o poder criativo operando através de cada movimento que ele faz, todo pensamento que ele pensa, todo sentimento que ele tem. Ele sempre está fazendo algo.


Há uma outra palavra em Sanskrito para Bramhan que é Duija, que significa a alma que nasce de novo. Pois no momento em que a pessoa percebe tudo isso, a alma nasce de novo: sua percepção da vida fica diferente, desse modo, seus planos de vida tonam-se diferentes, suas ações tornam-se diferentes.


Agora indo um pouco mais adiante, existem algumas almas que parecem não estar fazendo nada, e pensamos: “Sim, são pessoas muito espirituais, eu suponho – mas o que elas fazem?” - pois entendemos esse 'fazer algo' como movimentação, agitação, estar ocupado o tempo todo. Não importa o quão trivial, ainda assim algo é feito! Esse é o pensamento. Mas quando uma pessoa é evoluída, mesmo que externamente pareça não estar fazendo coisa alguma, ela está fazendo e pode fazer trabalhos muito maiores internamente do que possam ser externamente notados.


Há uma história de um madzub. Um madzub é alguém que não é considerado ser uma pessoa ativa no mundo. Muitos pensam que eles são pessoas não muito equilibradas. No oriente existem alguns que sabem a respeito de tais seres, e eles têm consideração por eles. Havia um madzub em Kashmir alguns séculos atrás, o qual era permitido pelo Marajá perambular por onde quer que ele desejasse no palácio e nos jardins, e foi-lhe dado um pedaço de terra onde ele podia residir.


Ele costumava andar por todos os cantos dos jardins do Marajá que lhe era permitido entrar. Havia uma miniatura de um canhão de brinquedo no jardim, e algumas vezes esse madzub gostava de brincar com ele. Ele costumava pegar a arminha e virá-la em direção ao norte, ao sul ou para uma outra direção. Então ele a virava novamente e fazia todo tipo de gestos. Após fazer aqueles gestos ele ficava deleitado. Era como se ele estivesse lutando e que após aquela luta ele fosse vitorioso e com isso deleitava-se. Era em tais momentos que o Marajá Ranjit Singh costumava dar ordens ao seu exército: 'Agora preparem-se para a luta!' E ele obtinha êxito. A guerra prosseguia a muitos e muitos anos e continuava lentamente; nada acontecia, mas toda vez que o madzub brincava com o canhão, resultados eram alcançados.


Eu mesmo vi em Hyderabad um madzub cujo hábito era insultar todo mundo, chamar as pessoas de tais nomes que elas se afastavam dele. Ainda assim, um homem ousava ir lá a despeito de todos os insultos. O madzub disse a ele: “O que você quer?” Ele disse: “Meu caso está indo à julgamento daqui a seis dias e eu não tenho dinheiro e nenhum meio. O que devo fazer?” “Diga-me qual é a condição” disse o madzub, “Mas diga-me a verdade”. Então o homem lhe contou tudo. O madzub escutou, e então escreveu no chão: “ Parece não haver nada neste caso, então ele deve ser encerrado”. Em seguida ele disse: “Vá, está concluído”. O homem foi ao tribunal. Do lado oposto haviam muitos advogados, do lado dele não havia ninguém, porque ele era um homem pobre. O juíz escutou o caso de ambas as partes e em seguida falou as mesmas palavras que o madzub tinha escrito no chão .


O que isso significa? Isso apenas nos explica as palavras que Cristo disse: “Entrai no Reino de Deus”, significando que cada alma tem em si mesma um reino de Deus. Tornar-se consciente desse mistério da vida é abrir os nossos olhos para o reino de Deus, e assim, o que quer que façamos tem um significado, uma influência. Nunca é perdido. Se não é materializado, não importa: é espiritualizado. Nada se vai, nada aqui é perdido. Se não foi produzido neste plano, é produzido em outro plano – mas desse modo é refletido neste plano, pois sempre há uma ação e uma reação entre os dois planos. Isso significa apenas que o que fazemos – se não for materializado neste plano – é refletido do outro plano neste plano, e então é materializado. Isso é tudo. Se uma pessoa pensa: “Eu tenho pensado repetidamente sobre certo assunto e ainda ele não foi realizado”, isso apenas significa que a hora e as condições não permitiram isso se materializar. Mas uma vez enviado, ele deve finalmente ser materializado.