terça-feira, 18 de maio de 2010

Jalaluddin Rumi - O Ser jamais deveria ser esquecido





Há uma coisa neste mundo que nunca deveria ser esquecida. Se você se esquecesse de tudo o mais mas não se esquecesse disso, não teria nenhum motivo para se preocupar. Mas se você executou e lembrou de tudo mas se esqueceu dessa única coisa, é como se você não tivesse feito nada.
É como se um rei lhe mandasse para o país para realizar uma tarefa específica. Se você vai, realiza uma centena de outras tarefas mas não executa aquela tarefa particular, então é como se você não tivesse feito absolutamente nada. Dessa forma, todos vêm a este mundo para uma tarefa específica, e ela é o seu propósito. Se não realizarem essa tarefa, então eles não terão feito nada.
A todas as coisas uma tarefa é atribuída. Os céus enviam chuva e luz para as ervas do campo germinarem e brotarem para a vida. A Terra recebe as sementes e dá frutos, ela aceita e revela centenas de milhares de maravilhas, numerosas demais para que se possa falar a respeito. As montanhas provêm minas de ouro e prata. Todas essas coisas, os céus, a terra e as montanhas, fazem, mas eles não realizam aquela única coisa, aquela tarefa particular que é realizada por nós.



"Oferecemos a Confiança aos céus,
À terra e às montanhas,
Eles se recusaram a sustentá-la e ficaram com medo dela,
Mas os homens carregaram-na.
Certamente eles são tolos e pecadores."




Desse modo, as pessoas recebem uma tarefa e quando ela é realizada todos os seus pecados e suas idiotices são dissolvidos.
Você diz: "Olhe para todo o trabalho que eu realizei, mesmo não tendo executado aquela tarefa." Você não foi criado para essas outras tarefas! É como se lhe fosse dada uma espada de aço indiano de valor inestimável, tal como só se pode encontrar nos tesouros dos reis e você a tratasse como uma faca de açougueiro usada para cortar carne decomposta, dizendo: "Eu não estou deixando esta espada ficar ociosa, faço uso dela de muitas maneiras úteis." Ou seja, é como pegar uma taça de ouro maciço para cozinhar nabos, quando um único grão daquele ouro poderia comprar uma centena de panelas. Ou é como se você pegasse uma adaga feita em Damasco, da melhor qualidade, para pendurar uma cabaça quebrada, dizendo: "Eu estou fazendo um bom uso dela. Estou pendurando uma cabaça nela. Eu não estou deixando esta adaga ir para o lixo." Que tolo isso seria! A cabaça pode perfeitamente ser pendurada com um prego de madeira ou de ferro de valor insignificante; por que usar uma adaga que vale cem libras?
Um poeta disse uma vez:



Você é mais precioso do que o céu e a terra.
O que mais posso dizer?
Você não sabe seu próprio valor.



Deus diz: "Eu vou comprar você ... seus momentos, suas respirações, seus bens, suas vidas. Gastá-los Comigo. Vou transferí-los para Mim e seu preço é a liberdade divina, a graça e a sabedoria. Esse é o seu valor aos Meus olhos." Mas se mantivermos nossa vida para nós mesmos, perderemos os tesouros que foram concedidos. Como a pessoa que martelou a adaga de cem libras na parede para pendurar uma cabaça, a sua grande fortuna foi reduzida a um prego.
Ainda assim, você oferece uma outra desculpa dizendo: "Mas eu me aplico à tarefas nobres. Eu estudo as leis, filosofia, lógica, astronomia, medicina e tudo mais."
Bem, para quem, além de você mesmo, você estuda isso? Se são as leis, é para que ninguém possa roubar-lhe o pão, tirar-lhe as roupas ou matá-lo, em suma, é para sua própria segurança. Se for astronomia, as fases das esferas e sua influência sobre a Terra, sejam elas leves ou pesadas, trazendo tranquilidade ou situações de perigo, todas essas coisas dizem respeito à sua própria situação, servindo a seus fins. Se for medicina, é relacionado com a sua própria saúde e também serve a você. Quando considera bem este assunto, percebe que a raiz de todos os seus estudos é você mesmo. Todas essas tarefas elevadas são apenas ramos de você.
Se esses assuntos estão repletos de tantas maravilhas e mundos de conhecimento sem fim, considere por quais mundos você, que é a raiz, passa!
Se seus ramos têm suas leis, seus remédios, suas histórias, pense sobre o que transparece dentro de você que é a fonte, que leis espirituais e medicamentos afetam o seu futuro e destino interiores e que histórias retratam suas lutas do coração!
Para a Alma existe outro alimento além deste alimento do dormir e do comer, mas você se esqueceu desse outro alimento. Noite e dia você só nutre o seu corpo. Agora, este corpo é como um cavalo, e este mundo inferior é seu estábulo. O alimento que o cavalo come não é o alimento do cavaleiro. Você é o cavaleiro e tem seu próprio alimento e descanso, seu próprio prazer. Mas, uma vez que o animal tem o controle, você fica para trás, no estábulo do cavalo. Você não pode ser encontrado entre as classes de reis e príncipes do mundo eterno. Seu coração está lá, mas sendo seu corpo, o que tem o controle, você está sujeito à suas regras e permanece seu prisioneiro.
Quando Majnun, como conta a história, seguia para a casa de sua amada Laila, enquanto ele estava plenamente consciente, dirigia seu camelo naquela direção desejada. Porém, quando por um momento ele ficou absorvido em pensamentos sobre Laila e esqueceu de seu camelo, o camelo virou-se na direção do vilarejo onde sua cria estava. Quando voltou a si, Majnun descobriu que tinha voltado para trás uma distância de dois dias de viagem. Durante três meses ele continuou dessa forma, sem chegar perto de seu objetivo. Finalmente, ele saltou do camelo dizendo: "Este camelo é minha ruína!" E continuou a pé, cantando:



O desejo de meu camelo ficou para trás agora,
Meu próprio desejo está a frente.
Nossos propósitos se cruzaram,
Não podemos mais concordar.



Certa vez, Burhan al-Din foi saudado por alguém, que disse: "Eu tenho ouvido elogios de você proferidos por amigos." Burhan al-Din respondeu: "Espere até que eu encontre seus amigos para ver se eles me conhecem bem o suficiente para me elogiar. Se eles me conhecem só através do boca a boca, então não me conhecem verdadeiramente. Pois as palavras não duram. As sílabas e os sons não resistem. Este corpo, estes lábios e esta boca não vão resistir. Todas essas coisas são meros acidentes do momento. Mas se eles me conhecem pelas minhas obras e conhecem o meu Ser essencial, então eu sei que eles serão capazes de me elogiar e esse elogio irá para onde ele pertence."
Essa é como a história que se conta de um rei. Esse rei confiou seu filho a uma equipe de sábios acadêmicos. No devido tempo, eles lhe ensinaram as ciências da astrologia, geomancia e da interpretação de sinais, até que ele se tornou um mestre completo, apesar de sua absoluta estupidez e falta de sagacidade.
Um dia o rei segurou um anel em sua mão e fez um teste com seu filho: "Vamos, diga-me o que eu estou segurando em minha mão." "O que você está segurando é redondo, amarelo, tem algo inscrito e é oco", respondeu o príncipe. "Você deu todos os sinais corretamente", disse o rei. "Agora diga o que é." "Deve ser uma peneira." Respondeu o príncipe. "O quê?", clamou o rei. "Você sabe todos os detalhes minuciosos, que confundiriam a cabeça de qualquer um. Como é que com toda sua aprendizagem e conhecimentos poderosos, foi escapar de você o simples fato de que uma peneira não caberia em um punho?"

Dessa mesma forma, os grandes estudiosos das eras procuraram detalhes minuciosos e insignificantes sobre todas as questões. Eles conhecem perfeita e completamente aquelas ciências que não dizem respeito à Alma. Mas quanto ao que é verdadeiramente importante e nos diz respeito mais intimamente do que qualquer outra coisa, ou seja, nosso próprio Ser, isso seus grandes estudiosos não conhecem. Eles fazem declarações sobre tudo dizendo: "Isto é verdadeiro e aquilo não é falso. Isso está certo e aquilo está errado." No entanto, eles não conhecem o seu próprio Ser; se é verdadeiro ou falso, se é puro ou impuro. Ora, sendo oco e amarelo, inscrito e circular, esses traços são acidentais; jogue o anel no fogo e nenhum deles permanecerá. Ele se torna o seu Ser essencial, purificado de todas as aparências. Assim é com o conhecimento dos acadêmicos, o que eles sabem não tem nenhuma conexão com a realidade essencial que só existe quando todos esses “sinais” se vão. Eles falam com sabedoria, fazem longas exposições e, finalmente, anunciam que o que o rei tem na mão é uma peneira. Eles não têm conhecimento sobre a raiz da questão: o objetivo da vida.

Eu sou um pássaro. Sou um rouxinol. Se eles me dizem: "Faça algum outro tipo de som," Eu não posso. Minha língua é o que é. Eu não posso falar de outro modo. No entanto, aqueles que aprendem o canto dos pássaros não são os próprios pássaros, pelo contrário, eles são os inimigos dos pássaros e quem os captura. Eles cantam e assobiam para que os outros os considerem como sendo aves. Peça-lhes para produzir um som diferente e eles podem fazê-lo, porque o som é apenas assumido por eles. Não é próprio deles verdadeiramente. Como os estudiosos, eles são capazes de cantar outras canções, porque aprenderam a roubar essas canções e mostrar uma música diferente roubada de cada peito.