domingo, 10 de outubro de 2010

G. I. Gurdjieff - Três reuniões em Paris


18 de março de 1943

Solange: Eu não consigo ter a sensação de mim mesma. O que posso fazer para conseguir ter a sensação de mim?

Gurdjieff: Apenas a sua cabeça deseja se lembrar. Seu esforço é teórico. Você deve estabelecer um contato entre a sua cabeça e seu corpo. Coloque uma perna na água gelada e deixa-a lá, tentando estabelecer esse contato. Então, faça o mesmo com a outra perna.

Lebeau: Desde o período que você alertou-me para ser egoísta, tenho feito isso. Mas constato em mim um desejo de viver apenas nessa melhor parte – eu gostaria de viver ali sempre e ignorar todo o resto. Sinto uma grande preguiça invadindo-me em relação à vida externa e a menor coisa torna-se um grande esforço.

Gurdjieff: É muito bom que esse estado apareça em você. Isso prova que mais tarde você irá tornar-se realmente alguém responsável, como um homem, e eu o amo antecipadamente por isso. Mas agora é necessário lutar sem descanso. Você deve manter um constante conflito entre esse estado e a sua compreensão. Quanto mais você desejar não fazer nada, mais você deve forçar-se a fazer. Você deve lutar impiedosamente e é essa luta que irá produzir em você a substância necessária com a qual você poderá, com a minha ajuda, criar em você um “eu” real.

Simone: Vejo como sempre apanho de minhas funções. Meus hábitos formam um automatismo que age como um bloco sobre mim que não consigo suportar. De um lado tenho meu trabalho e do outro minha vida, na qual nada muda.

Gurdjieff: Já dissemos várias vezes que se a pessoa desenvolve um lado, o outro irá desenvolver-se também. É preciso lutar.

Simone: Justamente, não consigo ter um conflito em mim mesma.

Gurdjieff: Porque você não faz. Para conseguir pegar para si tudo o que há nesta mesa, você tem de vir até a mesa. De outro modo você jamais conseguirá ir adiante. Você poderia continuar a viver assim dez anos, mil anos. Você jamais mudaria. Mesmo Deus, se Ele desejasse, não poderia ajudá-la. Ele não teria o direito … Apenas você pode lutar contra a sua preguiça. Existem duas tendências em você. Mas você, você dorme. É necessário que você se levante e lute.

Simone: Essa preguiça nasceu comigo ou foi adquirida?

Gurdjieff: Penso que é uma tendência natural. Quanto mais a sua psiquê quer uma certa coisa, mais o corpo recusa. Talvez ela tenha sido colocada ali pela natureza, para que pudesse haver um embate. Ademais, é uma boa coisa. Essas são as condições do trabalho. Se isso não existisse seria necessário colocar outra coisa em você para substituí-la. Ela é também um fator de recordação. Cada vez que você sentí-la, você deve pensar sobre o seu trabalho. É também uma coisa boa que você veja a sua preguiça, porque muitas pessoas são preguiçosas mas não vêem isso.

Simone: Já faz quinze anos agora que a vejo, mas eu não fiz nenhum progresso contra ela.

Gurdjieff: O que você fez então? Você ficou triste por isso. Mas dessa maneira em cem anos nada mudará. Não há razão para isso mudar – apenas se você se puser a lutar conscienciosamente.

Gabrielle: Preciso de ajuda, pois estou passando por uma crise muito profunda e perdi até mesmo o gosto pelo trabalho. Quando quero fazer o trabalho caio num sono pesado.

Gurdjieff: Algo está se preparando dentro de você, mas você não vê; e o trabalho deve ser cada vez mais doloroso para você, uma vez que você tem cada vez menos contato com você mesma. A despeito disso, você deve continuar a forçar-se. Você deve dar esse passo por si mesma. Pense que não é apenas para você que você trabalha e que talvez (e é absolutamente verdadeiro numa proporção de dez por cento) o destino futuro dos outros depende disso, está amarrado ao seu.

Louise: Estou pedindo ajuda porque não consigo mais trabalhar. Todas essas coisas interiores ruins estão novamente aqui. Tenho um desejo intenso de trabalhar, de lembrar de mim, mas não consigo fazer isso. Meu corpo não me obedece mais. É o corpo que é o amo.

Gurdjieff: Estou muito feliz por você, porque esse estado é objetivamente bom. Continue seguindo. Em alguns dias lhe darei alguma ajuda.

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29 de abril de 1943


Lanctin: Você aconselhou-me a ler, a coletar informação, mas com o que devo começar? Eu deveria trabalhar em certas coisas antes do que outras?

Gurdjieff: O que é importante é reunir a alma das coisas, o espírito e não a forma. Esqueça as palavras, os detalhes, eles não representam nada, mas mantenha em você a substância, o que está por trás. É isso que você deve acumular em você. É isso que, ao depositar-se em você, irá criar pouco a pouco uma compreensão subjetiva que será realmente sua. [Endereçando-se a Philippe] Por exemplo, no que você escreve, dentre todas essas palavras, dentre tudo o que é inútil, tudo o que objetivamente não tem valor, talvez haja um pequeno flash de diamante – é por esse diamante que você deve procurar, coletar e acumular em você.

Louise: Não sei o que é a coisa mais importante a fazer em mim mesma, no que devo colocar meus esforços.

Gurdjieff: Desde que você começou a vir aqui, você sempre escuta repetidamente que você deve adquirir um “eu”. De fato, tudo em você está num estado de mudança, instável, inconsistente. Você é a carruagem de muitos passageiros casuais. Você deve adquirir um 'eu' imutável. Essa é a coisa mais importante, na qual você deve colocar todos os seus esforços.

Philippe: Desde que conheço você, tenho experimentado muitos sentimentos. Agora eu odeio todos esses sentimentos. Eu gostaria de experimentar um sentimento justo. Se digo isso, é porque sinto que estou chegando perto disso.

Gurdjieff: Agora posso cogitar a idéia de você poder tornar-se um camarada meu. Até agora, internamente eu era indiferente a você, externamente eu o considerava tal e tal, mas nada internamente. Primeiro, você deve se tornar meu “camarada”, para que mais tarde, muito mais tarde, você possa tornar-se meu “irmão”. Agora digo “camarada” e não “irmão”.

Luc: Alguns dias atrás, quando estava lembrando de mim mesmo, para que pudesse tomar uma decisão que era importante para mim, tive repentinamente um sentimento da irrealidade da minha vida e ao mesmo tempo da irrealidade de todos os meus bons momentos. Não obstante, senti que isso era o melhor que eu tinha tido e que, ao mesmo tempo, todos eles tinham algo em comum. Da mesma maneira notei que o tempo já não existe mais em minha memória, que as coisas da infância eram iguais às coisas mais recentes. (Eu experimento o mesmo sentimento)

Gurdjieff: Você cresceu internamente, mas o que se desenvolveu é fraco. É necessário nutrir isso, ou com material interno ou externo. Mas você tem material interno, material de informação. De acordo com se essa coisa que é formada em você é mais pesada ou mais leve, ela sai ou entra dentro de você. Ela se eleva ou cai de acordo com o peso dela. Talvez só seja meu pupilo real aquele que cada vez que diz “eu sou” sente isso ressoar no mesmo lugar em si- aquele que sente-se sendo o mesmo em todos os momentos.

Khan: Eu gostaria de saber se essa coisa que sinto em mim lado a lado com meu trabalho, esse amor que eu gostaria de ver tornar-se a essência de minha essência, que me parece vir de algo diferente do meu trabalho e meus esforços, devo mandá-la embora – se não devo acreditar nela e manter-me estritamente no trabalho que o Sr. Gurdjieff indicou?

Gurdjieff: Sim, você deve fazer exatamente o que foi-lhe falado para fazer e nada mais. Você ainda não chegou no lugar do caminho onde você pode ouvir essas coisas. Todas essas são tentações no seu caminho. Mande-as embora e faça seu trabalho estritamente.

Simone: Sinto que tenho que introduzir na minha tarefa, no meu trabalho, uma pessoa próxima a mim, mas o que aumenta a dificuldade é que eu sinto nessa pessoa fraquezas similares às minhas, e minhas fraquezas reforçam as dela e as dela reforçam as minhas. Não sei como me defender disso e que atitude tomar.

Gurdjieff: Você não deve prestar atenção ao exterior. Isso é exterior. Você deve apenas saber de sua tarefa e executá-la internamente. A outra pessoa, conscientemente ou não, desempenha o papel dela, age de acordo com seu caráter. Você não a conhece, você não sabe quem ela é, se é Moisés ou alguma outra pessoa. Isso não importa. O que importa para você é sua tarefa interna.

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28 de outubro de 1943


Philippe: Gostaria de fazer uma pergunta sobre a vaidade. Por que, sempre nos melhores momentos e nos piores, a vaidade aparece. Se temos êxito em fazer um exercício, por exemplo, ou se falhamos. Mas em todo caso há uma oportunidade para a vaidade.

Gurdjieff: É uma coisa muito simples. Talvez você teve uma educação ruim, uma má preparação? Esse fator, a vaidade, tem sido o único que lhe foi dado na sua educação por seus pais, por seus próximos; esse fator apenas. E quando surge em você outro fator, esse primeiro retorna e submerge todo o resto. Para ser preciso, com essa constatação você deve tornar-se ciente de que o seu grande inimigo é esse fator cristalizado em você. Eu não sei nada a respeito de como você foi educado. Mas talvez seja a sua educação que o tornou assim. Ela colocou em você essa pedra angular. Esse fator é a pedra fundamental do seu organismo. Quando outro fator surge, outro impulso, esse primeiro também funciona e como ele é mais forte ele submerge e domina tudo. Essa é uma constatação muito boa para você e para aquele que estuda a psiquê. Para você, doutor, é muito interessante. É muito importante isso na psicologia. Às vezes, uma coisa muito pequena como essa pode impedir a pessoa de continuar. Objetivamente é uma coisa muito pequena, mas para aquele que a subjuga, é um grande inimigo, um inimigo orgânico. Você não pode fazer nada contra ele. Ele é mil vezes mais forte do que você. Todo o resto é fraco. Seu trabalho é fraco, isso mata tudo. É necessário reforçar mil vezes mais a sua individualidade, o seu “eu”. Quando ele começar a dirigir as suas funções, então você vai ter que tentar fazer “tchik” com sua vaidade. Hoje é impossível. Mas lute para diminuir a sua força. Com o “eu sou” ou um fator desse tipo, paralelo ao “eu sou”. Permita que esses fatores se cristalizem em você e automaticamente o outro fator poderá diminuir. Dentre outras coisas (e isso é entre nós) sua questão me ajuda muito a entender você. Agora sei qual é o seu inimigo, que cão você tem, e poderei guiá-lo melhor. Enquanto isso faça o que eu lhe disse para fazer até hoje e daqui para frente vou dar-lhe muitos exercícios para o funcionamento geral.

Dentre outras coisas, na verdade, os livros de bon ton, os livros educativos que o ensinaram que esse fator era necessário na vida. É inculcado nas crianças, aquele que o educou fez de tudo para cristalizar a vaidade em você. Ele nunca pensou que um dia quando você tivesse crescido, você escolheria outra estrada. Se você tivesse se mantido na primeira estrada, teria sido uma coisa muito boa para você, essa vaidade. Se você tivesse se tornado um oficial, um funcionário público, um ministro, um oficial da guarda, teria sido excelente. Mas para uma vida normal, é seu cão número um. Hoje, marque esse dia como um aniversário. Mesmo eu talvez, até o presente momento, não tinha entendido você e não podia lhe dar a razão exata de sua confusão interna. E agora, vejo tudo. Seu interior está iluminado para mim como um quadro, você ajudo-me a ajudar você.

Madame D.: Sr. Gurdjief, nessas duas últimas semanas fiz um esforço mais consistente do que anteriormente e tentei agir de tal maneira na vida que o “eu” estivesse separado do “mim” para poder melhor enfrentar as dificuldades da vida com um papel externo que tenho que desempenhar sem ficar movida internamente. Isso ajudou-me muito a entender melhor o sofrimento voluntário e tenho visto que nos momentos que eu conseguia ver o “eu”, podia enfrentar tudo que estava acontecendo comigo. Mas vi também que eu tinha que tentar senti-lo continuamente, porque isso não durava muito. A memória disso durou mais do que nunca, mas a experiência durou muito pouco.

Gurdjieff: Espere, não continue. Já entendi muito bem. E vou pedir a Madame de Salzmann depois, lhe explicar o exercício número um do Sábado. [Para Madame de Salzmann] Ele irá salvá-la, tornará as coisas mais fáceis para ela. Apenas esse exercício pode ajudá-la.

Esse exercício lhe ajudará a entender de uma maneira bem definida. Esse exercício irá separar “você” de “você mesma”. Você sabe do que o homem é feito: da individualidade e das funções do organismo. Até agora, em você as duas coisas existiram como uma única coisa, uma função misturada com a outra, uma função interferindo com a outra. Quando separamos a vida interior da vida exterior, o “eu” é o interior, o “mim” é o exterior, e é possível separá-los de uma maneira definida. Esse exercício irá ajudá-la a fazer isso. Posteriormente, você se tornará apta a saber e será responsável por seu futuro. Até agora, você não era responsável. Você será, você saberá e será falta sua se você não agir bem. Sofrimentos de todo o tipo serão necessários para acertar suas dívidas. Vá depois à Madame de Salzmann. Ela irá explicar. Faça o que ela disser por duas semanas e eu responderei sua questão.

Sr. A: Gostaria de fazer uma pergunta que é parecida com a de P., mas o que acontece comigo não é a vaidade, é o desejo de que as pessoas tenham uma boa opinião a meu respeito.

Gurdjieff: É a mesma coisa. É o mesmo fator: se mostrar.

Sr. A.: Mas Sr. Gurdjieff, mesmo se isso não me traz nada? Mesmo se é inútil?

Gurdjieff: É a mesma coisa.

Sr. A.: Eu lhe fiz uma pergunta similar um ano atrás ou menos, quando vim a você pela primeira vez. Mas desde então isso não mudou nada.

Gurdjieff: Você não tinha a possibilidade. Você não tinha os fatores. É diferente agora.

Sr.A.: Agora é menos aparente. Antes, todos podiam ver. Mas agora é mais sutil. A única mudança é a maneira de procurar por aquela boa opinião, tornei-me muito mais sutil.

Gurdjieff: Por que você diz isso? Você apenas constatou isso. Antes agindo como uma pessoa normal, você notou que você era uma pessoa anormal. Sua razão imparcial notou isso. É mais sutil mas parece o mesmo.

Sr. A.: Isso suja tudo o que eu faço.

Gurdjieff: Evidentemente. Isso dá emanações. De cor amarela, por exemplo. E como esse é o fator mais forte em você, ele dá essa cor amarela a todas as suas funções. Digo-lhe a mesma coisa. Você deve cristalizar conscientemente em você um fator mais forte do que esse. Você já tem bastante meterial. Por exemplo, o “eu sou”. Quando a pessoa começa a trabalhar com o “eu sou”, ela consegue ter êxito em matar essa manifestação. Se a pessoa inicia novamente uma centena de vezes, então isso poderá transformar a si mesmo; hoje é o seu “mim”. Se você cristalizar um outro fator mais forte, esse primeiro fator irá se tornar uma simples função novamente. Mas esse fator da vaidade é muito bom, ele não deve ser morto. É necessário apenas que ele nunca tenha a iniciativa, ele nunca deve entrar no seu “eu”. Deve permanecer uma função e quando for necessário chame-o como uma função.

Sr. A.: Mas se eu o chamo ele ocupa todo o espaço, isso é que é perigoso.

Gurdjieff: Falamos para o futuro. Reparamos o passado, trabalhamos. Você ainda não experimentou isso. Eu explico isso para seu trabalho e isso é tudo. Com esse trabalho, você pode reparar seu passado e preparar seu futuro. É exatamente a mesma coisa que P., apenas o exterior é um pouco diferente. Isso também é a merda de educação, a educação fou-fou. (chame do que você quiser, digo apenas uma palavra: merda. Falo mal francês, então chamo tudo o que é ruim de merda). Todo mundo tem essa educação aqui. E especialmente na frança, eu notei isso numa experiência muito original. Sempre tenho bombons em meu bolso. Quando vejo uma criança eu dou um a ela. Com a criança há sempre alguém, o pai, a mãe, a tia. Sem exceção todos dizem a mesma coisa para a criança: “O que se diz?” Automaticamente, pouco a pouco, a criança diz obrigado para todo mundo e não sente mais nada. Isso é uma coisa idiota. Isso é merda. Quando uma criança quer dizer obrigado para mim, eu entendo isso. Ela fala uma língua que eu entendo. E é essa língua que eu adoro. Apenas para ouví-las, para ver os impulsos delas, eu gasto todos os dias cinco quilos de bombons, pelos quais pago quatrocentos e dez francos o quilo. Apenas para ver esses impulsos. Mas quando a pessoa diz para uma criança: “O que se diz?”, ela mata tudo. É uma merda de pai, de mãe. Eles matam a criança para o futuro e também matam minha boa vontade. Esse é um bom exemplo, sabem. Não sei como vocês o entendem, mas para mim é muito característico. Digo isso como um exemplo. As pessoas preparam tudo automaticamente, fazem as crianças funcionarem como campainhas que tocam quando você as aperta. Como um botão elétrico. Você aperta um botão ou outro.

Sr. A.: Por outro lado, vivemos numa sociedade. Essas são convenções que mesmo as crianças devem aprender.

Gurdjieff: Então, lembre-se exatamente como eu disse, eu disse que é necessário ser livre internamente e não se identificar, e externamente desempenhar um papel. Eu, por exemplo, sou velho, tenho setenta e seis, eu desempenho meu papel: todas as crianças me amam, todas as mães, as avós, os pais, todos me amam. Eu desempenho meu papel. Mas objetivamente para mim tudo isso é merda, internamente. É meu experimento. Para mim eles são ratos de laboratório. Se eu vivesse em outra parte, seriam outros ratos. Eu não disse que as crianças devem mudar exteriormente, disse que internamente não devemos nos identificar. Cada classe deve ser educada para desempenhar um papel correspondente, esse é o ideal. Mas internamente, é necessário ser livre, sem se identificar. É isso que é necessário. É uma coisa muito pequena. E depois disso a vida é uma cama de rosas. Após isso, em algum momento quando você estiver numa cama de rosas, você poderá trabalhar com prazer para o seu futuro. No entanto, agora você não tem muito prazer.

Procurador, me interessaria muito ouvir uma coisa. Suas futuras relações comigo dependem dessa questão. Essa pergunta, talvez seja o momento de colocá-la sobre a mesa. Sua mãe poderia dizer que nessas últimas semanas, uma ou duas semanas, você realmente mudou, de cinco a dez porcento e que o nervoso dela diminuiu? Não muito, cinco ou dez por cento. Pergunto isso; é muito importante para mim saber isso.

Madame E.: Sim, senhor, posso dizer isso. Eles mudaram muito.

Gurdjieff: Não muito. Muito eu não sei, de cinco a dez por cento.

Madame E.: Os dois mudaram tanto que eu não os reconheceria.

Gurdjieff: Eu lhe agradeço. Agora você pode contar comigo.

Madame E.: Sr. Gurdjieff, eu gostaria de perguntar se quando vemos uma verdade tarde em nossa vida, devemos olhar para trás e ver que muitas coisas em nossas vidas deveriam ter sido diferentes e sentirmos remorso e mesmo tristeza. Devemos nos livrar desse remorso ou fazer o contrário - mantê-lo e fazer uso dele?

Gurdjieff: Você tem talvez uma grande oportunidade. Você tem uma experiência. Se você constatar o que você acabou de dizer, você pode preparar-se para o futuro. Talvez você tenha mil vezes mais chance do que uma pessoa mais jovem. Eu a parabenizo. Você tem muitas possibilidades para o futuro. Não para o presente. O presente que é o resultado do seu passado, por mim eu não posso repara o seu passado. Você teria que ter muitos anos para isso. Mas se agora você coloca esse passado em ordem, eu assumo a responsabilidade pelo seu futuro. Mãe, estou muito satisfeito com os seus filhos. [Para J.] Estou duplamente satisfeito com você. E com o seu irmão também. [Para A.] Com você também. Vocês são dois sapatos do mesmo par.

Madame D.: Sr. Gurdjieff, gostaria de perguntar-lhe. Minha maior dificuldade para a lembrança de si é a mente, que nunca está correta. Eu nunca consigo descontraí-la, descansá-la. Eu não acredito nela. Mas quando ela está em movimento, ela tem um monte de associações que eu não acredito mas que me absorvem. Isso cria uma dualidade que é muito dolorosa para mim.

Gurdjieff: Eu falei sobre os cães. Dentre todos os seus cães esse é o seu cão, você tem muitos deles em você.

Madame D.: Eu posso, por exemplo, na minha vida, quando ando de bicileta, tentar ocupar a minha mente?

Gurdjieff: Tente. Tente o que a ajuda. Nas suas tentativas deve haver uma luta. Tente tudo. Mas deve sempre haver uma condição nisso: que seja sempre uma luta entre seu pensamento e seu corpo. Com esse processo, se você tentar você pode encontrar.

Madame D.: Eu tentei fazer o exercício de contar até cinquoenta. Não me trouxe nada.

Gurdjieff: Tente outra coisa. Isso talvez não corresponda com a sua subjetividade. Tente mil coisas, busque, pense. Eu já lhe dei duas coisas, mas posso dar uma terceira. Você tem um irmão?

Madame D.: Não aqui.

Gurdjieff: Mas tem?

Madame D.: Sim

Gurdjieff: Então faça um exercício.

Madame D.: Mas eles não estão em Paris.

Gurdjieff: Não importa. Eles estão na Terra, não estão em Marte, então tudo bem. Por exemplo, você pensa no seu irmão. É cumum a pessoa ter muita inimizade com a irmã ou o irmão. É a educação normal de hoje que deseja isso. De outro lado, você faz um exercício. Você representa para si mesma seu irmão. Você com uma foto. Internamente você deseja a ele boa sorte e para sua irmã você deseja um presente suficientemente difícil para que ela possa ter um bom futuro. Faça esse exercício como um bom serviço, como um trabalho e nada mais. Faça isso. [Para Madame E.] Você entende que um mau presente pode dar um bom futuro? Isso parece ser um desejo absurdo. Mas ao mesmo tempo, você entende, mãe, não?

Sr. M.: Sr. Gurdjieff, eu já ouvi várias vezes você usar a expressão: que Deus dispõe de modo que o diabo nos pegue e que o diabo dispõe de modo que Deus nos pegue. Eu gostaria de saber como reconciliar essas duas coisas. E que medidas tomar para saber quando é necessário que Deus nos pegue ou que o diabo.

Gurdjieff: Essa é uma questão objetiva. Você não tem os dados subjetivos para entender essa questão objetiva. É curiosidade. Você tem milhares de questões mais importantes para a sua subjetividade. Isso é objetivo, é cedo demais para você, você não tem em você o fator para entender isso.

[Sr. Gurdjieff fala em russo com Madame de Salzmann.]

Madame de Salzmann: O Sr. Gurdjieff diz que há milhares de questões subjetivas que surgem para você e que você deve resolver antes de perguntar sobre Deus e o diabo. Você não deve interessar-se por essas coisas. É abstrato, é curiosidade.

Gurdjieff: Eu não estou aqui para satisfazer a sua curiosidade, meu tempo é muito caro.

Madame D.: Você poderia por gentileza me aconselhar em como dar uma boa educação para as crianças que são confiadas a nós, tal como somos?

Gurdjieff: Peça a Madame de Salzmann para lhe dar dois capítulos de um livro que escrevi. “Meu pai” e “Meu primeiro professor”. Expliquei neles, brevemente, o que você me pergunta. Esse dois capítulos darão a você uma boa instrução.

Madame D.: Porque eu já mudei minha maneira de ensinar desde que comecei a vir aqui. Mas muitas vezes fico em apuros, acho que notei que as crianças são sensitivas aos esforços que fazemos para a lembrança de si; também, o que posso fazer de melhor é lutar contra as grandes emoções negativas. Parece-me que as crianças são sensíveis a isso.

Gurdjieff: Mil vezes mais do que você. Nas crianças a cristalização ocorre mil vezes mais do que em você. Esse é o perigo de sugerir algo mal a uma criança cuja sensitividade é milhares de vezes mais forte que a sua.

Madame D.: Tenho menos dificuldade de lembrar de mim mesma na classe diante das crianças do que em outros momentos.

Gurdjieff: Suas crianças ainda não emanam.

Madame D.: Parece-me que as crianças estão mais calmas. Antes, quando elas estavam nervosas, eu gritava para acalmá-las. Agora tento ficar calma e por sua vez as crianças ficam mais calmas automaticamente.

Gurdjieff: Você constatou uma boa coisa. Não é o seu ensinamento que importa para o futuro das crianças, são suas emanações. Não para o presente, para o futuro. Você pode apenas ensinar associações automáticas mas suas emanações são importantes e mostram o quanto a educação inconsciente é perigosa.

Madame D: Eu noto que a classe é uma caricatura do professor e que podemos conhecer o professor pela atmosfera de sua classe.

Gurdjieff: Você fez observações muito boas. Observe novamente e você poderá conhecer a si mesma através das crianças. Pense egoisticamente, que por agora você trabalha para você mesma. 'O que eu faço é para ser uma boa altruísta mais tarde. Hoje em dia sou uma merda de altruísta. Quero ser uma boa egoísta para firmar-me sobre meus pés.'

Madame D.: Gostaria de pedir um conselho preciso. Meu menino quer afirmar-se cada vez mais. Ele sempre diz não e está sempre se opondo. Para fazê-lo desistir, tenho dois meios. Ou falando com ele por um longo tempo, para fazê-lo raciocinar, o que nem sempre é possível, ou distraindo-o, dando algo para ele brincar, o que é muito fácil, mas que não me parece muito bom.

Gurdjieff: O segundo jeito é ruim o primeiro é bom. Argumente com ele, usando analogias, as crianças gostam muito de analogias.

Madame D.: Mas é difícil.

Gurdjieff: Isso é outra questão. Você deve fazer isso. O segundo meio você não deve usar. A criança entende muito bem, ela é mais inteligente que os adultos, mas ela precisa de uma lógica bem simples. O que ela entendeu ela não esquece nunca mais.

Madame D.: É muito difícil para nós.

Gurdjieff: Mas é muito fácil para elas. Para nós é muito difícil, mas para a criança é muito fácil entender uma boa explicação. É muito difícil para você explicar porque você teve uma educação ruim. Você foi educada não para ser uma professora, mas para tricotar meias. E agora, eis você, uma professora e eu, tenho furos em minhas meias.

S: Sr. Gurdjieff, sempre fui extremamente negligente.

[discussão sobre a tradução da palavra negligente]

Gurdjieff: Você diz que você é negligente. Mas isso eu sei já faz muito tempo. Diga-nos algo novo.

S: Vejo isso melhor agora e vejo o quanto é sério em todas as áreas. E até agora, embora eu visse isso, não fiz o esforço de lutar contra isso, pois isso me leva para longe. Mas hoje quero lutar, pois essa negligência me leva para longe sempre e pergunto-lhe o que fazer.

Gurdjieff: Fixe uma tarefa para si mesmo relacionada a isso. Como em você esse fator é muito forte, você tem de encontrar uma medida muito forte. Você fuma?

S: Não.

Gurdjieff: Você come?

S: Sim.

Gurdjieff: Então fixe para si uma tarefa relacionada a isso. Não seja negligente. E se você notar que você foi negligente, você dá a sua palavra de que você não comerá a próxima refeição. Até a próxima reunião. Se você lutar contra ela você come. Se não lutar você não come. É a única medida, não há outra.

[Note que se você for o convidado em algum lugar essa regra não conta. É apenas em casa que você não come]

R: Por que as idéias que acreditamos e das quais estamos convencidos não penetram profundamente em nós e permanecem na superfície, não afetam a nossa vida?

Gurdjieff: Porque você está convencido no memento que você fala, mas depois você entra na vida.

R: Mas depois na vida fazemos coisas diferentes das que estamos convencidos. Eu ajo contra o que acredito.

Gurdjieff: Porque você tem uma educação desse tipo. Sua educação é assim. Nós temos dois organismos independentes. Um é o resultado de nossa preparação, o outro é o nosso corpo no início. Esse corpo pode funcionar apenas quando estou relaxado, quieto e sozinho. Quando entro na vida ele fica fraco. Eu não posso mais fazer e é o outro que tem a melhor sobre mim. Eu não consigo fazer o que decidi e é assim que você segue fazendo o que está habituado a fazer. Você tem uma idéia. Antes de manifestar-se na vida, quando você está sozinho na sua casa, você se relaxa e faz um programa, de como você deve se manifestar durante o dia. Então, você sugere a si mesmo a seguir exatamente o seu programa. Você cai, dez vezes, vinte vezes. Nas primeiras vinte vezes você cai. Na vigésima primeira vez você pode fazer o que decidiu quando você estava sozinho. Não há outro jeito por agora. Faça um programa nesse estado que eu aconselhei. Aquiete-se, acalme-se, relaxa-se. Então, para seu futuro próximo, você faz esse programa. Você entra na vida e tenta fazer como você decidiu. Se você fizer isso bem, você dá a si mesmo algo agradável. E se esquecer você pune a si mesmo.

R: Não temos força de vontade para punir a nós mesmos.

Gurdjieff: Você deve acostumar-se. Isso dá força para o futuro. Você luta e essa luta dá resultados pouco a pouco, ela os acumula para você. Você cai uma, dez vezes, mas cada esforço dá resultados, como uma substância que se acumula em você e o resultados dessas acumulações me ajudam a realizar uma decisão consciente. Tudo isso é ordinário. Mas para ter outras coisas, é necessário ter material, é necessário conhecer. É a primeira vez que você vem aqui. Há milhares de outros exercícios. Mas da primeira vez que você vem aqui eu explico de maneira geral, com coisas ordinárias. Há outras coisas a dizer, mas não podemos dizer tudo de uma vez. Há outros exercícios que temos feito mas é necessário ir pouco a pouco. Sua meta é a meta de todos aqui.