quarta-feira, 22 de julho de 2009

Ramesh S. Balsekar - Estágios de compreensão

Pergunta: Existe uma progressão que é comum a todos os aspirantes? Quero dizer, todos passam pelos mesmos estágios?
Ramesh: Os Budistas têm um excelente sumário não apenas de como o iluminado vê o mundo, mas também de como o iluminado veio a ver da maneira como vê. O sumário constitui-se de três estágios de compreensão. O primeiro grau de compreensão é a visão através de um individuo identificado. O segundo grau é quando há uma certa quantidade de compreensão. E finalmente, há a compreensão total.
Primeiro, as montanhas e os rios são vistos como montanhas e rios. O sujeito individual identificado está vendo um objeto. Esse é o envolvimento total. Isso é o que a pessoa ordinária faz.
Segundo, as montanhas e os rios não são mais vistos como montanhas e rios. Os objetos são vistos como sendo a objetivação refletida do sujeito. Eles são percebidos como objetos ilusórios na consciência e, portanto, irreais.
Finalmente, as montanhas e os rios são mais uma vez vistos como montanhas e rios. Isto é, ao ser despertado, eles são conhecidos como sendo a própria consciência manifestando-se como montanhas e como rios. O sujeito e os objetos não são vistos como separados.
Nesse sumário, as montanhas e os rios referem-se ao mundo em geral, incluindo-se a totalidade da população humana. O indivíduo identificado verá os objetos como um sujeito individual vendo objetos. Ele se considera uma entidade separada vendo outros objetos. Ver outros objetos ou eventos cria reações nele, como um individuo. Assim, o organismo individual reage ao que é visto.
No segundo estágio, quando há o entendimento de que tudo isso é um sonho e irreal, a visão muda e ele começa a ver que nenhum evento realmente importa, ele os vê como irreais, pois como o sujeito, ele transcende a aparência. Uma aparência é algo que aparece na consciência.
Quando a compreensão surge nesse nível, há tanta apreciação dessa compreensão que o individuo frequentemente tem grande dificuldade em guardá-la para si. Ele sai por aí falando para o mundo: “tudo isso é irreal!”. Ao tentar falar para os outros que o mundo é irreal, ele quer mudar o mundo, ele vai por aí criando problemas para si mesmo. Esses problemas que esse segundo estágio traz só se resolvem no terceiro estágio.
No terceiro estágio, os objetos são vistos não por um indivíduo, nem por um objeto vendo um objeto, nem um sujeito vendo um objeto. E o percebedor real é realizado como aquilo que criou a aparência e como aquilo que reconhece a aparência. Eles são ambos o mesmo. Nesse estágio, a realização última não é apenas que o mundo é irreal, mas que ao mesmo tempo o mundo é real! O mundo é irreal no sentido de que ele é dependente da Consciência para poder existir. Ele não tem existência dele próprio. O mundo deve sua existência ao fato de ser reconhecido na Consciência. Se todos os seres humanos e todos os animais de repente se tornassem inconscientes, quem diria que existe um mundo? O mundo não só não apareceria como também não existiria.

Pergunta: Você poderia explicar melhor essa idéia de realidade e irrealidade?
Ramesh: A analogia da sombra é frequentemente usada para explicar o “real” e o “irreal”. Uma sombra é irreal no sentido de que ela é dependente do sol para existir. Não obstante, como uma sombra, ela é real o bastante. Então é tanto real quanto irreal ao mesmo tempo. Toda a manifestação é dependente da Consciência para sua existência. A Consciência é inerente em todos os objetos, em toda a manifestação. A Consciência transcende a manifestação e ainda assim é imanente nela. A manifestação está contida dentro da Consciência.
No segundo estágio, antes que a compreensão final surja, todos os tipos de conceitos vêm a tona. É assumido que cabe ao indivíduo fazer esforços para unir-se com Deus. Naquele estágio do sujeito e do objeto, nirvana e samsara são tratados como sendo dois. Portanto, eles falam em termos do oceano de samsara, miséria, que tem que ser atravessado. O jiva tem que cruzar aquele oceano e isso só pode ser feito ao fazer sadhana de um tipo ou de outro. Então, o buscador segue através do sadhana, toda uma série. Por anos ele pratica, por anos ele observa o que está acontecendo e encontra-se num estado de orgulho e auto-engano. Finalmente, quando ele se estabelece em contemplação, ele abandona tudo. Como os Sufis dizem, há uma espécie de cerimonia, uma queima de tudo o que ele aprendeu e tudo o que ele pensa que atingiu.
Então no terceiro estágio, é percebido que o mundo é tanto real quanto irreal. Quando essa compreensão chega, o conhecimento se estabelece e naquele organismo no qual a iluminação aconteceu não há mais nenhum desejo ativo de contar para o mundo sobre isso, de mudar o mundo. No terceiro estágio há uma aceitação do que É, tanto a imanência quanto a transcendência. Nirvana e Samsara não são dois. Samsara é a expressão objetiva do Nirvana.
Na compreensão final, o estado do 'sentido de existência' (beingness) acontece. Não é questão de ver algo. Tudo é aparência e essa aparência está sendo vista através do instrumento do organismo, através dos sentidos. Mas nenhum individuo jamais vê. Embora o individuo diga: 'eu posso ver as montanhas' é apenas porque a consciência está presente que isso pode ser dito. As montanhas realmente estão sendo vistas pela consciência, a qual também é a aparência! A totalidade da manifestação é meramente uma aparência criada na Consciência pela Consciência. A consciência atua e dirige todos os papéis dos bilhões de seres humanos. Cada personagem é atuado pela Consciência.
A questão: 'Por que este lila (jogo de Deus) existe?” é compreendida no estágio final. Portanto, naquele estágio, nenhum problema surge. O buscador não tem um desejo ardente de ensinar o mundo sobre aquilo que ele aprendeu porque a compreensão básica é que ele não aprendeu nada. A compreensão veio por si mesma como um presente de Deus, um presente da Totalidade, da Graça. Todas as palavras vêm depois. Quando a iluminação é aceita, não há a questão de uma “pessoa” considerando a si mesma sortuda. O indivíduo considera-se sortudo por ser iluminado apenas quando a iluminação não aconteceu realmente.