terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Prefácio do livro: "Master of Self-Realization", os discursos de Siddharameshwar Maharaj


 
Por Nisargadatta Maharaj

Estes são os discursos cujas palavras são de meu Mestre. Não posso explicar Suas palavras e, portanto, fico em silêncio a respeito delas.
Quando o “ego”, o “eu”, silencia-se, “Soham” (Eu sou Ele) automaticamente começa a operar. Soham é infindo, sem limites, imensurável e é o mensageiro da Verdade, a qual é auto-evidente. A mensagem e o mensageiro não estão separados Nele. Esse mensageiro é em si a alegria que é o desfrute do infindo. A descrição do desfrute do Ser é chamada de “discurso” neste mundo, que é realmente um comentário. A voz do Mestre é também chamada de “a Divina Palavra”. Seu discurso, o que ele proferia, são palavras, sentenças e dizeres.
O céu é o espaço e o espaço é a vasta expansão da fala, a qual é a palavra. A palavra é a qualidade natural do céu, fato bem conhecido desde os tempos dos Vedas. Primeiro há vibração no céu (o vento), então há o som e então as palavras aparecem. Em seguida, as palavras tornam-se a base da subsistência de todas as criaturas e coisas. O céu é o oceano de palavras do Imensurável. Esse oceano canta em louvor do Imensurável. O propósito de se cantar em louvor de algo é mudar todas as más qualidades. Esse divino discurso está fazendo o trabalho de descartar a dualidade ou o sentido de separação da Unidade Essencial da Existência, através da boca do Mestre.
No exato momento e no exato lugar onde toda a reverência para com o Mestre surge em nosso coração, a separação desaparece como um pequeno inseto insignificante. Mas infelizmente tais coisas raramente acontecem. É raro que aconteça de uma dentre as bilhões de pessoas chagar à Realização de que o Mestre é a própria Verdade, Parabrahman, a Realidade última encarnada. Quando o ensinamento do Mestre é algo muito estimado pela pessoa e é totalmente aceitável, e quando ela entende que os pés do Mestre são a fonte da experiência espontânea do Ser Divino dentro de nós, que dirige e realiza todas as ações e funções do corpo, quando a pessoa segura-se firme nos pés do Mestre dentro de seu coração sem nenhuma sombra de dúvida, então infalivelmente a corrente de bênçãos e a graça do Mestre reverenciado fluem muito naturalmente de dentro, o que é o movimento da “Vida que Permeia a Tudo”. Onde a total confiança nos divinos pés do Mestre está ativa, ali a graça da bem-aventurança do Mestre vem para residir na natureza do desfrute espiritual, chamado de “Pralhad”. Assim, a não-dualidade, sem as máculas da separação do “você” e do “eu” na Consciência, flui livremente. Não existe satisfação além da satisfação da Graça do Mestre, a qual é a bem-aventurança do Ser, sólida e impenetrável.
Na época que Shri Siddharameshwar Maharaj estava dando seus discursos, este que lhes escreve este prefácio tinha acabado de chegar no caminho e era apenas um novato. A única coisa que ele sabia era que tinha sido apresentado ao Maharaj e tido a oportunidade de vê-Lo. O trabalho de ouvir os discursos de Maharaj e anotá-los em sentenças quebradas era feito por ele. Nem sabia se o que estava escrevendo estava correto ou não, mas a capacidade de tomar nota de tudo o que era ouvido estava aumentando e pode-se dizer que quase tudo que era ouvido em Sua presença estava sendo anotado. Haviam outros co-discípulos que eram instruídos e que tiveram a oportunidade de estar com Maharaj por muitos anos, eles também estavam anotando os ensinamentos de Maharaj. Há muitos discursos de Maharaj na posse deles.
Já fazem 25 anos desde que Maharaj abandonou seu corpo físico. Durante os últimos dois ou três anos as anotações foram lidas e reescritas corretamente. Havia a intenção de publicá-las, mas os esforços feitos para isso não tiveram êxito. Entretanto, hoje, no vigésimo quinto aniversário da morte de Shri Maharaj isso está se tornando possível pela boa graça de tempos auspiciosos. Meus co-discípulos mais velhos que são grandiosos e muito experientes na espiritualidade, também publicarão as palestras de meu Mestre que estão em sua posse. Digo de minha convicção do Conhecimento do Ser (o Auto-Cnhocimento) que tal Mestre e tais ensinamentos são muito raros neste mundo. Digo isso a partir de minha fé na sabedoria de nosso Professor e minha própria Auto-Confiança (Confiança no Ser). Estas palavras são a expressão de minha fé. A experiência de uma pessoa é de acordo com o que ela conquistou ou realizou, e de acordo com isso também é o seu contentamento, sua paz e sua satisfação. Tudo isso é o resultado da lealdade da pessoa. Desde que conheci meus co-discípulos mais experientes, sempre fui humilde perante eles e rogo a meu Mestre que eu continue a ser humilde perante eles no futuro também.
A razão de eu ter total reverência a esses discípulos mais antigos é que eles conseguiram de alguma forma manter meu mestre em Mumbai por um longo tempo ao oferecerem o doce prato de sua devoção e eu pude ter a oportunidade de encontrar o Mestre que é o “Oceano do Conhecimento”. Eles não apenas tiveram o benefício de vê-Lo e servi-Lo com devoção, mas tendo sido liberados através do Autoconhecimento (o conhecimento do Ser), eles mesmos tornaram-se os salvadores para os outros. O Cosmos que é o Espírito e Forma Universal reside Nele. Toma refúgio Nele e esses discípulos mais velhos puderam ter um relacionamento íntimo com Ele e, portanto, foram salvos e tornaram-se liberadores de outras pessoas. Esse era e é o imperecível poder do lampejo (Darshan) do Mestre e de Seus ensinamentos. Mesmo aqueles que são almas simples sem muito aprendizado são purificados por terem visto apenas uma vez o Grande Mestre que é o “Oceano da Luz e do Mérito”, a “Encarnação do Conhecimento”, o “Conhecedor da Ciência” e “Oceano da Sabedoria”. Os ditos e discursos de tal Mestre Grandioso formam o conteúdo deste livro. Aqueles que os lerem repetidamente, aprenderem de cor e pensarem profundamente sobre o significado verdadeiro desses Ensinamentos, se tornarão o significado encarnado e se tornarão eles mesmos cheios de significado do Ser.
Estou colocando estas palavras diante de vocês como um prefácio deste livro. Cada sentença deste livro tem a potência de dar-lhes o fruto da Realização do Ser. Aquele que lê-los regularmente e ponderar sobre estes discursos irá tornar-se um canal para a expressão do espírito inerente a estas palavras. Os registros celestiais contêm as impressões de todos os Santos e do panteão de Deuses, seus esquemas projetados, o que eles proferiram, seus significados e sua própria Vida interior. Os “Realizados” verdadeiramente falam a partir da fonte de sua própria experiência e há grande convicção em sua fala. Sua fala tem a capacidade de descartar a ignorância do ego e cada linha deste livro irá erradicar a ignorância do leitor a respeito de seu Verdadeiro Ser, trazendo à tona a Verdadeira Natureza de seu Ser.

Nisargadatta, 4 de novembro de 1961


* Há vários discursos do livro mencionado traduzidos no blog.

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Trechos do livro: "While the World Slept"

Toda vez que eu ia fazer a vigília noturna, Baba sempre dava três instruções. Elas eram: “Não fazer nenhum barulho. Não se mexer. E manter-se acordado”. Uma noite em Satara Baba repetiu essas instruções umas quatro ou cinco vezes. Então ele me disse para ir sentar lá fora. Eu fui, fechei a porta e sentei como uma estátua na cadeira. Frequentemente, durante a noite, Baba batia palma a cada quinze ou vinte minutos e o vigía da noite abria a porta e entrava para atendê-lo. Mas naquela noite Baba não chamava. Nem depois de quinze minutos, nem depois de meia hora, nem depois de uma hora, nem mesmo depois de duas horas! E havia uma porção de mosquitos furiosamente me importunando! Fiquei cansado de sentar rigidamente na mesma posição, mas continuei tentando me conformar com o pensamento que Baba iria me chamar e eu teria algum alívio. Finalmente escutei Baba roncando bem alto. Eu pensei: “Ah, até que enfim, aqui está a minha chance. Tenho pelo menos que mudar minha posição. Ele está dormindo profundo e não irá me escutar.” Muito cuidadosamente, sem fazer o menor barulho, comecei a levantar a minha perna. No instante que comecei a levantá-la, Baba bateu palma e eu entrei. Baba perguntou: “Por que você se mexeu?” Fiquei pasmo. Eu não tinha feito nenhum barulho. A porta e as janelas estavam completamente fechadas, ele estava dormindo. Como ele podia saber? Baba olhou para mim e explicou: “Você se moveu achando que eu estava dormindo. Mas lembre-se, meus olhos vagueiam pelo universo inteiro mesmo quando estou dormindo! Se posso ver tão longe eu não veria você que está tão perto de mim? Meu sono é um sono consciente. Eu estou sempre desperto.”
Uma outra noite, os mosquitos estavam particularmente irritantes e eu lentamente levantei a mão para espantá-los. Naquele exato momento Baba bateu palma e me repreendeu  por ter me movido! Enquanto vigiávamos, tínhamos que sentar absolutamente imóveis como uma estátua. Era quase impossível estar em vigília fora do quarto de Baba. E depois do acidente de automóvel de 1956, quando o vigia tinha que ficar dentro do quarto do Baba, ficou ainda mais difícil.
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Após o segundo acidente, Baba usava seu quarto que ficava no andar de cima em Meherazad e era carregado todo dia numa cadeira de rodas. O vigia da noite sempre sentava dentro do quarto. Isso era necessário porque Baba frequentemente tinha espasmos em sua perna enquanto descansava e quando isso ocorria quem estava no serviço sentava na cama para massagear seus pés. Uma noite eu estava sentado na cama de Baba com uma perna pendendo para fora da cama enquanto segurava e apertava os pés de Baba. Mesmo já tendo testemunhado a onisciência de Baba em Satara relacionado com isso, ainda assim um pensamento me importunava: “Baba está dormindo como um homem comum. Como pode ser que o Avatar tem sono consciente?”  De repente Baba começou a estalar os dedos agitadamente. Eu levantei e assim que coloquei os pés no chão, vi uma cobra venenosa há apenas alguns centímetros dos meus pés! Certamente eu teria sido mordido se ele não tivesse atraído minha atenção naquela direção. Baba falou para eu matar a cobra, o que consegui fazer com muita dificuldade pois nunca havia matado uma cobra em minha vida. Baba então perguntou: “Que tipo de sono eu tenho?” Eu ri e Baba gesticulou: “Apenas lembre que eu jamais posso dormir como um homem comum. Eu estou sempre desperto. Estou sempre consciente fazendo meu trabalho Universal.”

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Trecho do livro: "It's Up to Ourselves: A Mother, a Daughter, and Gurdjieff"


"...Nicolette tinha visto os efeitos da pobreza nas pessoas idosas; sua própria mãe tinha morrido sozinha e com frio em um pequeno quarto sujo nas ruas dos fundos de Paris durante a guerra. Mas havia lá 'Le vielle Marchand du Viand' (o velho mercador de Viand), o estranho armênio que tinha conseguido armazenar alimentos do nada, bem debaixo dos narizes das forças de ocupação e que dava parcelas de alimentos para sua mãe. Era sempre uma ocasião de alegria ir visitá-lo. Lá ele sentava em seu 'escritório' na Rue des Colonels Renard com cordões de salsichas pendurados sobre sua cabeça, frascos de estranhos frutos e pickles, metades inteiras de salmão defumado, doces, presuntos, ervas, alho, cordões de cebolas, creme, ovos, riquezas no deserto! E grande parte disso ele dava aos pobres do distrito, aos pobres e aos velhos. E ele tocava músicas num antigo acordeom, músicas que cortavam o coração, e dizia coisas para uma pessoa que não podiam ser faladas. E foi por causa dele que sua mãe disse que estava contente em morrer e não estava angustiada. Algum tipo de amor tinha passado para sua velha e surrada vida junto com as parcelas de alimentos. E quando ele morreu milhares e milhares de pessoas estiveram em seu funeral, uma longa fileira de pessoas chorando. Um homem misterioso. E conforme Nicolette pensava no velho homem ela também ficou repleta de uma nostalgia inexplicável ..."

No link abaixo é possível ouvir uma gravação de 1949 do Sr. Gurdjieff tocando acordeom e ver agumas imagens dele.