segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Philokalia - Philotheu do Sinai - Textos sobre a Sobriedade (parte 1)

Temos em nós uma batalha mental mais árdua do que uma batalha física. A meta do realizador da retidão, a qual ele deveria buscar com sua mente e na direção em prol da qual ele deveria lutar, é ter a memória de Deus entesourada em seu coração, como uma pérola sem preço ou alguma outra pedra preciosa. Ele deveria abandonar tudo, até o corpo, e desconsiderar sua própria vida presente, de modo a ter Deus em seu coração. São João Crisóstomo diz que a contemplação mental de Deus é por si mesma suficiente para destruir os espíritos do mal.

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De acordo com as direções das Escrituras Sagradas, aqueles que praticam a batalha mental devem escolher para si trabalhos espirituais e com todo zelo aplicá-los à suas mentes como um bálsamo curativo. Por isso dizem que de manhã cedo devemos corajosa e inabalavelmente estar em guarda na porta do coração, com uma firme memória de Deus e constante oração a Jesus Cristo na alma. Através dessa vigilância mental deveríamos golpear todos os pecadores da Terra. Em outras palavras, pelo amor ao Senhor devemos cortar as cabeças dos fortes e do primeiro sinal de pensamentos provocadores de conflito, através de uma verdadeira memória intensa de Deus, a qual nos eleva às alturas. Pois sabemos que no trabalho interno da luta espiritual também há uma certa ordem Divina e uma sequência de procedimento. É dessa maneira que um homem forçando a si mesmo (pelo amor do Reino), deveria conduzir-se até a hora marcada para se alimentar. Após isso, tendo dado graças ao Senhor que, somente através de Sua amorosa gentileza, nos provê com alimentos físicos e espirituais, devemos labutar na memória e meditação a respeito da morte. No próximo dia devemos novamente comandar a nós mesmos a cumprir nosso trabalho matutino. Pois mesmo se fizermos isso todos os dias, muito dificilmente escaparemos, sem a ajuda do Senhor, das garras de nosso inimigo mental.

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Mas quando essa prática torna-se estabelecida em nós, ela dá a luz às três seguintes virtudes: Fé, Esperança e Amor; das quais a Fé nos predispõe a um verdadeiro temor de Deus, e a Esperança, superando o medo desprezível, leva o homem para o Amor de Deus. Se a Esperança não nos envergonha, ela naturalmente dá a luz aos amores gêmeos sob os quais estão a lei e os profetas, então o Amor também não nos abandona, seja nesta vida - já que ele nos faz obedecer as leis Divinas - ou na próxima.

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Homens com uma mente silenciosa são encontrados muito raramente. Esse é um atributo apenas daqueles que usam todos os meios para atraírem para si a Graça Divina e para serem preenchidos com o conforto espiritual que flui dela. Portanto, se como eles, quisermos praticar o fazer mental, essa filosofia de Cristo, em guardar nossa mente e em sobriedade, comecemos por nos abster de muita comida e resolvamos comer e beber o menos possível. A sobriedade é corretamente chamada de um caminho, pois ela conduz ao Reino – tanto ao Reino dentro de nós quanto àquele do futuro. Ela também é chamada de oficina da mente, pois ela modela e dá polimento a nosso caráter mental e transforma o apegado em desapegado. A sobriedade é também como uma pequena janela através da qual Deus entra e aparece para a mente.

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Onde há humildade, lembrança de Deus com sobriedade e atenção, e frequente oração dirigida contra os inimigos, existe o lugar de Deus, ou o céu do coração onde as tropas de demônios temem entrar, uma vez que ali é a morada de Deus.

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Quando tivermos adquirido uma certa habilidade na abstinência e no afastamento dos maus visíveis produzidos pelos cinco sentidos, estaremos aptos também a guardar nosso coração com Jesus, para tê-lo iluminado por Ele e com uma disposição calorosa saborear Suas bênçãos em nossa mente. Pois a única razão pela qual nos foi dada a lei da purificação do coração é para ter as nuvens dos maus pensamentos afastadas da atmosfera do coração e dispersadas pela constante atenção para que possamos ver claramente, como num lindo dia brilhante, o Sol da verdade - Jesus - e possamos ser iluminados em certa medida em nossas mentes pelas palavras de Sua glória. Pois por regra, elas não são reveladas a todos, mas apenas àqueles que purificam sua compreensão.

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Todos os dias deveríamos nos manter como se fôssemos aparecer diante de Deus. Pois o profeta Oséias disse: 'Guarda misericórdia e discernimento, e espera continuamente em teu Deus” (XII-06). Outra vez, o profeta Malaquias diz do Senhor: 'Um filho honra seu pai, um servo teme seu senhor. Mas se eu sou o pai, onde está minha honra? Se eu sou senhor onde está meu temor? Disse o Senhor dos exércitos a vós.' (I-6). E o Apóstolo escreve o mesmo : 'Purifiquemo-nos de toda imundície da carne e do espírito' (2 Co. Vii I). E a sabedoria ensina: 'Guarda teu coração com toda diligência, porque dele provém a vida' (Prov. Iv 23). E o próprio Senhor ordena: 'Limpa primeiro o interior do copo e do prato, para que também o exterior fique limpo' (Mat. Xxiii 26).

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Se um homem purifica seu coração e desenraíza dele todos os pecados contra o Senhor, se trabalha diligentemente para adquirir conhecimento Divino e consegue ver com sua mente aquilo que é invisível para muitos, ele não deve através disso exaltar a si mesmo acima dos outros. Quem dentre as criaturas é mais puro do que um ser incorpóreo e quem tem mais conhecimento do que um Anjo? Ainda assim, tendo exaltado a si mesmo ele foi expulso do céu como um trovão. Seu orgulho foi considerado por Deus como impureza. Você sabe o que os homens fazem quando escavam ouro da terra; (isto é, assim como eles vão abaixo da terra, você deve ir abaixo de todos os homens para obter o ouro do conhecimento).

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O Apóstolo diz: 'Todo homem que lutou pela mestria tem temperança em todas as coisas' (1 cor ix 25). Pois é impossível com a barriga cheia ir batalhar com os principados, com poderes hostis, se um homem está atado à carne, que é pesada e está sempre luxuriando contra o espírito. 'Pois o Reino de Deus não é comida ou bebida' (Rom. Xiv 17). 'Pois a mente carnal é inimiga de Deus: pois ela não se submete à lei de Deus e de fato nem o pode' (Rom. Viii 7). É óbvio que não o pode, pois ela é terrosa, composta de sucos, sangue e humores, tem sempre uma predileção por coisas terrenas e retira prazer nos deleites perniciosos da vida presente. 'Pois o carnalmente inclinado está morto' (Rom. Viii 6). 'Os que estão na carne não podem agradar a Deus' (Rom. Viii 8).

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Se desejarmos sinceramente guardar nossa mente no Senhor, necessitamos de muita humildade, primeiro em relação a Deus, segundo, em relação aos homens. Deveríamos lutar sempre para tornar nosso coração contrito, procurando e colocando em prática todos os meios para torná-lo humilde. É bem sabido que o que torna o coração humilde e contrito é a memória de nossa vida precedente no mundo, se ela é lembrada por nós como deveria ser. Outra coisa é a memória de todos os nossos pecados da juventude em diante, se a mente examina-os em detalhe, essa lembrança habitualmente nos torna humildes, traz lágrimas e nos move para uma completa e total gratidão a Deus, também funciona dessa forma uma memória da morte constante e ativa (sentida profundamente) que dá nascimento à doçura, luto contente e sobriedade à mente. A coisa que preeminentemente humilha nossa mente e nos dispõe a manter nossos olhos abaixados para o chão é a memória da paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo, se um homem examina-a em sua memória e lembra-se em detalhes dela. Isso também engendra lágrimas. Além disso, nossa alma é tornada verdadeiramente humilde através das grandes piedades de Deus perante nós pessoalmente, se as examinarmos e enumerarmos em detalhe, pois nossa luta é com demônios orgulhosos (que são ingratos a Deus).

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Não deixe o seu amor-próprio afastá-lo desses remédios salutares da alma, se você necessita deles. Caso contrário você não é mais um discípulo de Cristo nem um imitador de Paulo que disse ele mesmo: 'Eu não sou digno de ser chamado um apóstolo' (I cor. Xv 9). Em outro lugar ele confessa ter sido antes 'um blasfemo, perseguidor e insolente' (I Tim. I-13). Você vê, homem orgulhoso, como até mesmo um santo não esquece sua vida passada? Todos os Santos, do início da criação até nossos tempos, sempre se vestiram nesse último traje sagrado de Deus (isto é, em humildade). Nosso Senhor Jesus Cristo, Ele mesmo vestiu-se em humildade durante Sua vida na carne, a despeito de ser Deus, o incompreensível, o incognoscível e o inefável. Portanto, essa humildade deveria corretamente ser chamada de uma virtude Divina, o mandamento e vestimenta de Deus. Do mesmo modo, os Anjos e todos os poderes Divinos da luz, praticam e guardam essa virtude, conhecendo a terrível queda do arrogante Satã que, por causa de seu orgulho, mostrou-se perante Deus como a mais malvada de todas as criaturas, e que agora permanece no abismo como um exemplo de como todos os anjos e homens deveriam temer serem expulsos (por seus pecados). Sabemos também como Adão caiu através de seu orgulho. Mantendo esses exemplos diante de nossos olhos, lutemos para atingir essa elevada virtude e tornemo-nos humildes por todos os meios que estão em nosso poder, usando os remédios mencionados acima. Sejamos humildes na alma e no corpo, na mente, no desejo, na fala, no pensamento, na aparência externa, humildes dentro e fora. Devemos ter a preocupação especial que Jesus Cristo, Filho de Deus e Deus, que é por nós, não se torne contra nós. Pois o Senhor 'certamente desdenha os desdenhadores insolentes, mas aos pobres concede Sua Graça' (Prov. Iii 34). 'Todo aquele que é orgulhoso no coração é uma abominação para o Senhor (Prov. Xvi 5). 'Todos que exaltarem a si mesmos serão humilhados' (Luc. Xviii 14). 'Aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração' (Mat. Xi 29), diz o Redentor. Portanto, acautelai-vos.