quinta-feira, 15 de setembro de 2011

G.I. Gurdjieff - Paris, três reuniões em 1943





25 de setembro de 1943



S.: Não consigo ter emoção quando concentro. Posso deixar minha mente livre, mas não tenho sucesso em sentir uma emoção forte. Tenho a impressão de me defrontar com uma barreira e não consigo avançar.


Gurdjieff: Você cai logo no começo por causa de uma coisa pequena. Com a cabeça ninguém jamais pode ter uma emoção. A cabeça é uma coisa. A emoção é uma função do corpo. Com a cabeça podemos apenas constatar, não podemos sentir. Estou sentado, tenho uma dor, aqui estou quente, ali frio. Eu observo isso com minha cabeça e sinto isso com meu plexo solar. Eu sinto que aqui estou quente e ali estou frio. E constato isso com minha cabeça. Se eu concentrar-me de maneira especial, posso constatar isso. Mas fico identificado se penso que posso fazer mais do que isso. Eu constato que aqui estou de um jeito, ali de outro e como um todo de outro jeito. Você nunca nota nada com a sua cabeça. Sua cabeça é capaz de constatar, apenas se você colocar atenção em algo. É apenas com uma atenção especial que a cabeça pode constatar. A cabeça é como um aparato, ela faz o papel do policial. Mas o centro de gravidade da sua presença está no plexo solar, o qual é o centro do sentimento. Ali é onde as coisas acontecem. A cabeça é como um datilógrafo. Você entende o que estou falando? Sua pergunta prova que você não trabalha da maneira como acabo de falar; é necessário encontrar uma maneira de trabalhar dessa forma. Não com a sua cabeça. Sua cabeça pode apenas constatar, não pode de maneira nenhuma trabalhar. Você deve trabalhar com sua sensação e com o seu sentimento. Quanto à cabeça, ela pode ver se eles estão juntos ou separados. A cabeça não é uma parte do organismo, ela é separada do organismo. O corpo pode morrer, a cabeça também. Mas a cabeça pode morrer e o resto seguir vivendo. A cabeça não é nada, é uma função, um datilógrafo, um aparato. Quando você concentra a sua atenção na cabeça, você pode constatar o que se sucede em você. Mas a cabeça não é nada, ela é um estranho no organismo. Ela (a pessoa que perguntou) quer sentir com a cabeça. Nunca ela poderá fazer isso. A cabeça é estrangeira ao corpo. A cabeça pode fazer o papel de policial, mas apenas de policial, que observa como tudo acontece, como um vigia. Ela observa como as funções de sua presença estão trabalhando. Você compreende?


S.: Sim.


Gurdjieff: Você estende a razão de você estar nessa situação e o que você deve fazer?


S.: Você poderia dar-me uma tarefa? Já tentei várias e nenhuma delas se adequou a mim; não sei qual escolher.


Gurdjieff: Olhe, eu assumo uma postura incomum, uma postura que é difícil para o meu corpo porque não estou acostumado com ela. Em mim, minhas funções estão operando, meus dois centros - do sentimento e da sensação. E tenho a sensação do desconforto de minha postura e eu sinto a estranheza disso. Pois não estou habituado a ela. Com minha cabeça eu olho para ver o que é isso. Eu estudo. ‘Ah, sim! É dessa forma. E aqui, é assim.’ É assim que você deve fazer. É algo simples. Você mantém os três centros separados em você. Você entende essa coisa muito simples? É uma postura desconfortável. Eu posso até cair. Eu olho: tenho a sensação: tenho o sentimento disso. `Ah! Sim – é assim’. Eu observo. Com minha cabeça eu coleto material, eu comparo. Com minha cabeça, com minha lógica, encontro as razões: por que, como. Pelo outro lado, tenho a sensação, pelo outro, o sentimento daquilo. E dessa maneira, você vê, os três centros estão ocupados com esse trabalho. Você separa seus três centros. Eu aconselho que você faça isso por enquanto. Quando tiver chegado a conhecer os seus centros, então usaremos outro exercício. Aconselho que use essa postura como um exemplo. Você pode assumir outra postura, qualquer postura desconfortável. É uma coisa muito simples e muito boa. É um exercício bom para vocês também. Até o momento vocês ainda não separaram seus três centros. Em muitas coisas vocês já avançaram, mas no que diz respeito a essa simples coisa, vocês são estranhos. Cada homem deve reconhecer em si mesmo três qualidades de sensação. Em cada pessoa existem três centros, três diretores. E esses três diretores podem gerar um quarto, o qual pode ser o “Eu”.


B.: Gostaria de fazer uma pergunta sobre concentração. Quando quero coletar-me e fixo minha atenção em um ponto, meu pensar parece vazio. Em vez de ficar concentrado, fica vazio. É quieto, mas é vazio e essa quietude não exclui as associações. Por outro lado, quando me apego a um objeto externo, meu pensar não fica parado, mas parece-me muito mais concentrado, não tenho associações. Meu pensar nunca fica fixo, mas parece muito mais concentrado do que quando minha concentração é intencional. A cessação dos pensamentos que eu chego parece-me oposta à verdadeira concentração.


(Enquanto Madame de Salzmann está traduzindo, B. explica para A. sua pergunta)


Gurdjieff [dirigindo-se a A.]: O que ele está lhe falando me interessa muito. Como você explica a questão dele?


A.: Quando B. tenta se concentrar, seus pensamentos se aglutinam.


Gurdjieff: Não, não fale assim. Vou dar uma explicação para ele que também será muito boa para você e que irá ajuda-lo muito. Posso falar agora. Tente entender. Para começar, o segredo é o “eu sou”. Você começa assim. Agora, eu sinto o “eu”. Mas como sinto o “eu”? O que é o “eu”? Eu sinto este local (o alto do braço) e este (o plexo solar). Tente isso agora. E ao mesmo tempo, eu constato com a minha cabeça. Faça isso. Irá fazê-lo compreender. Eu tenho a sensação e o sentimento dessas duas partes (O alto do braço e o plexo solar) e ao mesmo tempo, com minha cabeça, eu constato o que está se sucedendo. Se fizer isso, você entenderá o que tem faltado em você até agora. É muito simples. Depois, quando tiver sentido isso com uma parte de sua atenção e com sua cabeça, você conseguirá viajar em você mesmo, livremente. As associações são outra coisa. Deixe-as sozinhas; elas são coisas baratas, coisas pequenas. Sou maior que minhas associações. Quem tiver constatado algo novo, fale. Algo que não tiver compreendido ou talvez algo de bom que tenha constatado para si.


(S. faz um sinal de que não)


Gurdjieff: Ninguém descobriu a América?


T.: Não, ainda não.


Gurdjieff: Loira, e você?


F.: Essa concentração real vem apenas com a função da sensação.


Gurdjieff [para A.]: Você entendeu?


A.: A sensação, sim, mas não entendo o sentimento do corpo.


Gurdjieff: O tempo todo você sente isto (ele mostra o alto do braço e o plexo solar) e você observa com sua cabeça. Você faz essas três coisas o tempo todo.


A.: Percebo que isso aumenta a sensação de presença.


Gurdjieff: Graças a esse exercício você aumentará seu poder de concentração. Ele foi criado para isso. Agora explique para ele (para B.), fale que ele deve fazer esse exercício. Através dele ele poderá chegar à sensação. Hoje ele não está apto a isso. Esse exercício o ajudará.


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11 de março de 1943



Lanctin: Não consigo parar as associações enquanto faço o trabalho.


Gurdjieff: É necessário preparar antes do exercício de tentar ver com três partes.


Aboulker: No início quando comecei no trabalho, eu sentia em mim uma emoção. Agora não consigo mais encontrar isso. Tenho uma constante sensação de secura. Ontem esse sentimento mais quente voltou, porém com uma intensidade muito menor.


Gurdjieff: Isso é sinal de uma crise. É porque você chegou no Mi*. Você deve passar esse intervalo por si mesmo e encontrar em si mesmo a força necessária. A sua cabeça, que é como se fosse separada de você, deve ajuda-lo.


Lanctin: Como?


Gurdjieff: Ela deve convencê-lo. Ela deve fazê-lo ver o ontem e o amanhã.


Lanctin: Mas minha cabeça é fraca.


Gurdjieff: Sim, mas sem sua cabeça você também seria fraco. É necessário usá-la dessa maneira.


Simone: Algum tempo atrás, comecei a ler novamente, mas percebo em mim algo que sempre me impede de trabalhar, um tipo de avidez que me deixa cansada ao final de um curto período e faz com que eu não retenha nada. Meu tempo é perdido.


Gurdjieff: É porque você lê apenas com a sua cabeça. Faça um exercício: Leia apenas um pouco – uma página por vez. Primeiro você deve tentar entender com a sua cabeça, depois deve tentar sentir e depois experimentar. E depois voltar e pensar. Exercite-se a ler com seus três centros. Em cada livro há material para enriquecer a pessoa. Não importa o que você lê e a quantidade, mas sim a qualidade da maneira da leitura.


Pauline: Depois de ter recebido um choque, vi realmente o que minha vida tem sido – vazia, estéril e inútil. E eu não quero perder essa visão, esse sentimento. Caso contrário, sinto que cairei novamente e perderei minha vida outra vez.


Gurdjieff: Fenômenos cósmicos pelos quais você não é responsável vão contra o seu trabalho. Você pode apenas dar a sua palavra de que quando a vida se aquietar você se porá a trabalhar.


Mechin: Sinto que meu centro intelectual está diferente e que não encontro em mim mesmo nenhuma força afirmativa. O que posso fazer?


Gurdjieff: Há um pequeno segredo aí. É que você é um grande egoísta. Você sabe apenas de si mesmo. Você não tem responsabilidade. É por causa disso que você carece dessa força afirmativa. Por tudo o que você tem, tudo que o constitui, você está sob obrigação e você deve ressarcir e pagar por tudo isso, para que então outras coisas possam lhe ser dadas. Mas em vez disso, você fica surpreso de não ter recebido ainda mais.


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8 de abril de 1943



Lebeau: Podemos fazer o trabalho no banho turco? E o que é melhor fazermos?


Gurdjieff: O “hammam” é um excelente lugar para trabalhar se a pessoa consegue fazê-lo. (Particularmente quando estamos na sala mais quente ou nas mãos do massagista.) Lembre-se de si sem cessar. Até mesmo faça exercícios lá. Para conseguir fazer o trabalho lá, dê a sua palavra antes de ir. Pense enquanto estiver lá. Coloque uma tarefa para si mesmo, pois no início é difícil. Entretanto, se a pessoa consegue, é possível fazer um excelente trabalho lá. O animalismo se expande, a pessoa fica completamente dentro de suas sensações corporais agradáveis e trabalhar assim oferece dificuldades.


Philippe: Como podemos entender a frase: “sacrifique o seu sofrimento”?


Gurdjieff: Primeiramente, de onde vêm essas palavras?


[De uma conversa com o Sr. Gurdjieff.]


Sacrifique o seu sofrimento pelo seus semelhantes, seu sofrimento voluntário, não para si mesmo, para os outros. Essa regra costumava fazer parte de um juramento pronunciado no passado por doutores quando eles eram iniciados como astrólogos e um longo tempo atrás quando tinham que prometer sacrificarem seu sono, sua fadiga, seu sofrimento, pelos outros.


Philippe: Por que a maior parte do sofrimento humano gira em torno do amor e das coisas do sexo?


Gurdjieff: Por que essa pergunta? Ela não diz respeito pessoalmente a você. Pergunte de outra maneira.


Philippe: Por que a maior parte das associações que interferem no trabalho são associações sexuais?


Gurdjieff: Essa questão é subjetiva. Não se aplica a todos os homens. É uma anormalidade resultante da masturbação infantil. Mas qual é a conexão disso com o sofrimento? Não há nenhum traço de sofrimento aqui.


Cada homem tem em si três excrementos que se elaboram nele mesmo e que devem ser expelidos. O primeiro é o resultado da alimentação comum e ele elimina-se naturalmente; e isso deve acontecer a cada dia, caso contrário todo tipo de doenças aparecem. (Os médicos sabem bem disso). Pelo mesmo motivo que você vai ao banheiro para essa manutenção, você deve ir ao banheiro para o segundo excremento que é rejeitado de você pela função sexual. É necessário para a saúde e para o equilíbrio do corpo; e certamente é necessário em alguns casos fazer isso a cada dia, em outros a cada semana, em outros a cada mês ou a cada seis meses. É subjetivo. Para isso você deve escolher um banheiro apropriado. Um que seja bom para você. Um terceiro excremento é formado na cabeça; esse é o lixo do alimento das impressões e as sobras acumulam-se no cérebro. (Os médicos ignoram esse excremento, assim como ignoram o importante papel do apêndice na digestão e desprezam-no considerando-o desnecessário).


Não é necessário misturar os atos do sexo com o sentimento. Às vezes é anormal fazê-los coincidir. O ato sexual é uma função, podemos considera-lo como algo externo a nós mesmos, enquanto o amor é interno. O amor é amor. Ele não precisa do sexo. Pode ser sentido por uma pessoa do mesmo sexo, até por um animal e a função sexual não se mistura aí. Às vezes é normal uni-los, isso corresponde a um dos aspectos do amor. É mais fácil amar dessa maneira. Mas ao mesmo tempo, assim é mais difícil permanecer imparcial, como demanda o amor. Da mesma forma, se a pessoa considera a função sexual como necessária medicamente, por que ela amaria um remédio? O ato sexual originalmente deve ter sido realizado apenas para o propósito da reprodução das espécies, mas pouco a pouco os homens transformaram-no num meio de prazer. Deveria ser um ato sagrado. Devemos saber que essa semente divina, o Esperma, tem uma outra função: a da construção de um segundo corpo em nós, daí vem a sentença: “Feliz é aquele que compreende a função do ‘exiohary’** para a transformação de seu ser. Infeliz daquele que usa-o de uma maneira unilateral”.


Aboulker: Por que as religiões proíbem o ato sexual?


Gurdjieff: Porque originalmente conhecíamos o uso dessa substância, daí vem a castidade dos monges. Agora nós esquecemos esse conhecimento e apenas a proibição permanece, o que atrai para os monges quantidades de desordens e doenças específicas. Observe os padres que ficam “gordos como porcos”** (a preocupação com comer domina-os), ou que ficam “magros como o diabo”** (e tem internamente pouquíssimo amor por seus semelhantes), os gordos são menos perigosos e mais gentis.


* referência à lei das oitavas (a lei de sete), o intervalo entre a nota Mi e a nota Fá. Pesquizar no blog para a melhor compreensão.


** citação do livro 'Relatos de Belzebu a seu neto' ( altamente recomendado).