terça-feira, 5 de outubro de 2010

São Teófanes o Recluso - A Guerra contra as Paixões

Existe apenas uma maneira de começar: e é domando as paixões. Essas últimas não podem ser colocadas sob controle na alma exceto através do guardar o coração e através da atenção. Aqueles, portanto, que passam por todos esses estágios na devida ordem, cada um em seu próprio tempo, podem, quando o coração é purificado das paixões, devotarem-se inteira e plenamente a recitar os Salmos e a lutar contra os pensamentos e podem olhar para o céu com seus olhos físicos ou contemplá-lo com os olhos espirituais da alma, orando propriamente em pureza e verdade.
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“Se você deseja obter a vitória sobre as paixões, entre dentro de si mesmo através da oração e da ajuda de Deus, e, então, desça nas profundezas do seu coração e lá trace esse três gigantes poderosos – o esquecimento, a preguiça e a ignorância. São esses três que sustentam as fileiras de adversários espirituais: suportadas por esses três, todas as outras paixões, retornando ao coração, agem, vivem e ganham força nas almas auto-indulgentes e não instruídas. Mas se por meio de grande atenção e persistência da mente e com a ajuda do alto, você descobre esses gigantes que são desconhecidos por muitos, você irá facilmente mandá-los embora com as armas da retidão – com a lembrança do que é bom, com a ânsia que estimula a alma à salvação e com o conhecimento celestial.” (São Marcos, o Monge)
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Se nosso espírito se afastar de Deus, o poder de auto-determinação dado ao homem por Deus também será retirado de nós. Dessa forma um homem não pode mais dominar nem as inclinações da alma ou as necessidades do seu corpo ou os contatos externos. Ele será despedaçado pelos desejos de sua alma e de seu corpo e pela vaidade da vida exterior, embora todas essas coisas no nível superficial pareçam contribuir para seu próprio prazer e felicidade. Compare esses dois estados da vida e você verá que no primeiro o homem vive totalmente dentro de si mesmo diante de Deus e que no segundo o homem está totalmente fora de si mesmo, esquecendo Deus. Esse segundo estado da vida é tornado muito pior pela entrada das paixões que se enraízam no ego e penetram toda a alma e o corpo e dão uma direção maligna a tudo o que está lá, uma direção que não é construtiva, mas sim destrutiva, afastando o homem do caminho do Espírito e do temor a Deus, colocando-o contra a sua consciência. Dessa maneira o homem se torna ainda mais superficial do que antes.
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Dando a si mesmo numa entrega súplice para Deus e Sua graça, chame cada uma das coisas que incitam-lhe ao pecado e tente afastar o seu coração delas, dirigindo-o para o oposto delas. Dessa forma elas serão arrancadas do coração e sua violência irá retroceder. Nessa tarefa, dê livre escopo para seu poder de discernimento e conduza o coração vigiando-o.
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Essa luta contra as forças do mal é absolutamente essencial se queremos dominar nossa vontade. É necessário continuar trabalhando sobre nós mesmos dessa maneira, assim, ao invés de auto-piedade, é nascida em nós uma atitude impiedosa e implacável para com nós mesmos, um desejo de sofrer, de torturar a nós mesmos, de cansar nossa alma e nosso corpo. Isso deve ser continuado até que, em vez de tentarmos agradar os homens, formemos um sentimento de repulsão contra todos os maus hábitos e conexões – até que formemos uma resistência hostil e feroz contra eles, ao mesmo tempo submetendo-nos a todos os maus e depreciações que os homens inflijam a nós. É necessário prosseguir trabalhando até que nosso apetite exclusivamente por coisas materiais, sensórias e visíveis desapareça completamente e seja substituído por um sentimento de desgosto por tais coisas, que em seu lugar comecemos a ansiar e buscar apenas o que é espiritual, puro e divino. Em vez da mundaneidade - a limitação da vida e da felicidade somente à essa Terra – o coração venha a ser preenchido com um sentido de ser apenas um peregrino na Terra, cujo anseio seja totalmente por seu lar celestial.
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Após o despertar inicial através da graça, o primeiro passo cabe ao livre arbítrio do homem. Exercendo esse livre arbítrio, ele viaja para dentro de si mesmo de três maneiras. Primeiro, sua vontade inclina-se para o que é bom e escolhe isso. Na segunda, ela remove os obstáculos: para desatar as amarras que o atam ao pecado, ela bane do seu coração a auto-piedade, o desejo de agradar os homens, a inclinação pelas coisas sensórias e mundanas e em seu lugar ela incita a impiedosidade para com ele mesmo, a ausência de desejo por coisas dos sentidos, a aceitação de todo tipo de desgraça. Ela o faz sentir que seu verdadeiro lar está no mundo vindouro, enquanto que aqui ele é apenas um errante e um exilado. Em terceiro lugar, o livre arbítrio é inspirado a prontamente enveredar pelo caminho correto, não permitindo auto-indulgência e fazendo o homem manter-se constantemente em alerta. Dessa forma tudo se acalma na alma. Incitado pela graça, o homem é libertado de todas as algemas e com total prontidão diz para si mesmo: vou erguer-me e seguir adiante.
A partir desse momento outro movimento se inicia na alma – um movimento na direção de Deus. Tendo dominado a si mesmo através da compreensão dos motivos de todas as suas inclinações e assim reconquistando a liberdade interior, ele deve agora sacrificar-se por completo para Deus. Ainda assim, apenas metade do trabalho foi alcançado.
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A guerra contra as paixões que é requerida de nós é essencialmente uma guerra da mente. Nós obtemos êxito nela ao negar todo alimento para as paixões e assim matando-as de fome. Mas há também a guerra da ação, que consiste em deliberadamente empreender e realizar o que é diametralmente oposto às nossas paixões. Por exemplo, para conquistar a avareza deveríamos distribuir dinheiro livremente; para lutar contra o orgulho deveríamos escolher algumas ocupações degradantes, para superar um anseio por divertimento deveríamos ficar em casa e assim por diante. É verdade que esse método usado sozinho não conduz diretamente à meta, pois quando suprimida a paixão pode forçar sua entrada ou retirar-se para dar lugar a alguma outra paixão. Mas quando essa luta ativa une-se com a interior, as duas juntas rapidamente tonam-se aptas a superar qualquer ataque das paixões.
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Se a batalha é conduzida apenas internamente ela expulsa a paixão da consciência do homem, mas a paixão ainda permanece viva, embora não esteja em evidência. Mas a oposição ativa apunhala essa cobra bem na cabeça. Isso não significa que a luta interna deveria ser abandonada. Ela deveria permanecer constante, de outro modo a luta poderá ser infrutífera e nossa inclinação às paixões poderá até aumentar em vez de diminuir. Se abandonarmos a batalha interna, poderemos descobrir que enquanto lutamos com uma paixão, uma outra nos cliva: por exemplo, nós expulsamos a glutonia com o jejum e então a vanglória assume o seu lugar. Se falhamos em dar a devida atenção à batalha interior, nenhum esforço, não importa o quão enérgico, dará frutos. A batalha interna aliada à oposição ativa às paixões ataca-as igualmente de dentro e de fora e assim destrói-nas tão rapidamente quanto um inimigo é destruído quando e cercado e atacado pela frente e pelas costas.
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De modo a impedir seus pensamentos de vagarem, você deveria adquirir um sentimento de estar constantemente com Deus no coração. Assim não haverá espaço para pensamentos estrangeiros. Para parar de condenar o outros você deveria tornar-se profundamente consciente da sua própria pecaminosidade e afligir-se a respeito dela, lamentando por sua alma como se ela estivesse morta. Como foi dito: com um dos seus morto em casa você não se preocupará com o funeral de outra pessoa.
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É dito que a vaidade é um ladrão interno que está mancomunado com ladrões de fora. Ela abre a porta e as janelas para eles, eles entram e causam grande devastação internamente. Quem sabe? Talvez o período de trevas que você experimentou e que o abandonou assim que você orou é uma fraude do inimigo para engendrar pensamentos de vaidade – para fazê-lo dizer para si mesmo: 'Como sou bom na oração! No momento em que oro todos os demônios se afugentam!' Atente-se: se pensamentos de vaidade vêm a você após a oração, isso mostra que o inimigo está tentando aguçar o seu orgulho.
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Torne uma regra nunca encorajar de bom grado qualquer pensamento, sentimento ou desejo proveniente das paixões e manda-los embora com aversão assim que você os notar. Dessa forma você será sempre inocente perante Deus e sua consciência. Você ainda terá a impureza da paixão em você mas também terá inocência.
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“Não deixai o sol se pôr sobre vossa ira, nem dai lugar ao diabo” (efé.4:26-27)
O diabo não tem acesso à alma, a alma não abriga ela mesma nenhuma paixão. Em tal estado ela é transparente e o diabo não pode vê-la. Mas quando ela admite o movimento de uma paixão e consente esse movimento, ela escurece e o diabo a vê. Ele aproxima-se dela audaciosamente e assume controle sobre ela. Duas paixões malignas principalmente perturbam a alma – a luxúria e a irritabilidade. Quando o diabo consegue aprisionar alguém através da luxúria, ele o deixa sozinho em seu turbilhão: o diabo não lhe incomoda mais, exceto talvez para perturbar-lhe um pouco com a raiva. Mas se um homem não adere à luxúria, o diabo apressa-se em incitar-lhe à raiva e reúne ao redor dele um número de coisas irritantes. Um homem que falha em discernir as artimanhas do diabo permite-se ficar irritado com qualquer coisa, permitindo que a raiva o domine, então ele 'dá lugar ao diabo'. Mas um homem que abafa toda explosão de raiva resiste ao demônio e repele-o e não dá lugar a ele dentro de si mesmo. A raiva 'dá lugar ao diabo', assim que ela é considerada como algo justo e sua satisfação é sentida ser legítima. Então o inimigo imediatamente entra na alma e começa a sugerir pensamentos, cada um mais irritante que o outro. O homem começa a inflamar-se com a raiva como se estivesse em chamas. Esse é o fogo do inferno, mas o pobre homem pensa que está queimando com zelo pela retidão, enquanto, nunca há retidão e justeza na ira (thiago 1:20). Essa é a forma de ilusão peculiar à ira, assim como há uma outra forma peculiar de ilusão para a luxúria. Um homem que rapidamente supera a ira dispersa essa ilusão e assim repele o diabo como se lhe desse um forte golpe no peito. Existe alguém que, após extinguir sua raiva e analisar todo o assunto de boa fé, não percebe que que havia algo errado na base de sua irritação? Mas o inimigo transforma o errado em um sentido de auto-retidão e transforma-o numa montanha tal, que parece como se o mundo todo despedaçaria se nossa indignação não fosse atendida.
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Vamos nos lembrar da maneira na qual as tentações do inimigo agem. O golpe da espada do inimigo é a introdução de um pensamento no coração: e diabo espera que o coração responda a ele e baseando-se nessa suposição continua a desenvolver uma tentação forte. Por exemplo, você pensa numa pessoa que lhe ofendeu: esse é o golpe da espada do inimigo. Quando o coração responde a esse pensamento ao abrigar um sentimento desagradável para com o ofensor, isso significa que a espada penetrou até a alma e feriu-a. Imediatamente o inimigo envolve a alma e desperta uma tempestade de inimizade e vingatividade. Mas quando o coração está sempre pronto para perdoar as ofensas, mantendo-se num estado de serena humildade e paz para com todos, não importa o quão vividamente o inimigo apresente uma idéia sobre o ofensor à alma, não haverá resposta no coração e desse modo o inimigo não terá nenhuma abertura pela qual introduzir sua tentação. O golpe de sua espada irá recochetear do coração como de um guerreiro vestido com uma armadura.