terça-feira, 27 de abril de 2010

Philokalia - São Simeão O Novo Teólogo - Preceitos Práticos e Teológicos

Aumentar o conhecimento de Deus diminui o conhecimento de todo o resto. Em outras palavras, quanto mais um homem conhece a Deus menos ele conhece de outros assuntos. E não apenas isso, mas ele começa também a perceber cada vez mais claramente que nem mesmo Deus ele conhece. Quanto mais radiante Deus brilha no espírito do homem, mais Ele se torna invisível e quanto mais os sentidos de um homem elevam-se acima dos sentidos, menos ele pode sentir o que é externo. Mas como podemos chamar de "sentido” um sentido que não sabe onde ele mesmo reside - nem onde está e o que ele mesmo é - e que é completamente incapaz de descobrir ou entender isso? E, de fato, como podem os sentidos conhecerem o que o olho não viu, nem o ouvido escutou e o que nunca entrou no coração do homem?
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Aquele Que nos dá o que está acima dos sentidos, também nos dota, através da Graça do Espirito Santo, com outro sentido que está acima dos sentidos, para que possamos apreender de maneira clara e pura Suas dádivas e bênçãos, as quais estão acima dos sentidos.
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Um homem que é surdo à Palavra de Deus é inteiramente surdo à Sua voz; e por sua vez, um homem que escuta as Palavras de Deus é capaz de ouvir qualquer palavra de Deus. Tal homem não escuta ninguém exceto àqueles que falam (ensinam) através da graça da Palavra, e não é a voz deles que ele escuta, mas apenas as palavras que suas vozes proferem em silêncio.
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Quando você estiver por baixo – em coisas mundanas, não investigue o que está no alto – as coisas divinas; e ao ascender ao alto não fique curioso a respeito das coisas que estão embaixo antes que você tenha alcançado o cume, caso contrário você irá escorregar e cair, ou pelo menos, para que você não fique embaixo imaginando que está subindo.
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Um homem enriquecido pelo tesouro celestial, - isto é, pelo advento de Cristo, o Qual faz nele a Sua morada, como Ele diz: “Meu Pai o amará e a ele viremos e nele estabeleceremos morada” (João xiv.23) - sabe em sua alma (através da experiência, da consciência e do sentimento), que alegria ele recebeu e que grande tesouro ele possui na tesouraria real de seu coração. Falando com Deus como de amigo para amigo, ele permanece audaciosamente na presença Daquele que habita dentro dele numa luz inacessível.
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Abençoado é o homem que acredita no que eu falei. Três vezes abençoado é aquele que luta através de santos trabalhos para ganhar esse conhecimento (para saber por experiência). Um homem que, através da ação e da contemplação, atingiu o auge de tal estado e alcançou Deus como um filho, é, para não dizer mais, um anjo.
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Uma pessoa à beira-mar vê uma imensa extensão de água, mas seus olhos conseguem abarcar apenas uma pequena parte e não podem alcançar seu limite. Da mesma maneira um homem que, através da contemplação, é concedido a ver o oceano sem limites da glória Divina e ver Deus com os olhos de sua mente, vê a Deus e a vastidão infinita de Sua glória, embora não veja o todo como ele realmente é, mas apenas o quanto é possível para ele ver.
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Um homem à beira-mar não apenas vê o mar mas também pode caminhar até ele quantas vezes quiser, também é assim com os homens que alcançaram a perfeição espiritual: eles também podem entrar na luz Divina quando desejarem, contemplando-a e participando dela conscientemente na proporção de seus trabalhos, de seus esforços e das aspirações de seu desejo.
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Enquanto um homem à beira-mar está em terra firme, ele vê ao seu redor e alcança com seus olhos a extensão do mar. Mas se ele começa a avançar para as águas e a mergulhar nelas, quanto mais fundo ele entra menos ele vê o que está fora. É assim com os participantes da luz Divina: quanto maior o conhecimento de Deus eles alcancem, de maneira correspondente, maior se torna sua ausência de conhecimento (de tudo externo a Deus).
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Um homem que entra no mar até seus joelhos ou até sua cintura pode claramente ver tudo fora da água, mas quando ele vai para as profundezas e fica submerso, não pode mais ver as coisas no exterior e sabe apenas uma coisa, que ele todo está na água. O mesmo acontece com aqueles cuja conquista espiritual aumenta e que ascendem em direção à visão perfeita e à contemplação.
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Homens aproximando-se da perfeição, que vêem apenas parcialmente a infinitude (das coisas espirituais) e estão cientes do caráter incompreensível daquilo que vêem, são preenchidos de maravilhamento e reverência. Mas quanto mais eles misteriosamente entram na luz do conhecimento, mais eles ficam cientes de suas próprias fraquezas. O que aparece para eles um tanto escuro, como num espelho de adivinhação, ilumina apenas parcialmente a mente assim ocupada. Mas quando deseja revelar-se numa luz mais plena e se une, através da participação, com o homem, ela ilumina levando-o completamente para dentro de si mesmo, de modo que ele todo fica nas profundezas do Espírito como nas profundezas de um mar de luz imensurável, então, o homem é inefavelmente mergulhado numa total ausência de conhecimento como alguém que ascendeu a um lugar onde tudo está além do conhecimento.
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Nossa mente é pura e simples, assim, quando é livrada de todos os pensamentos alheios, ela entra na pura e simples luz Divina e torna-se totalmente contida nela e encoberta por ela, não pode encontrar mais nada ali para movê-la para o pensamento de qualquer outra coisa, residindo dentro da luz Divina e não olhando para fora. Isso é mostrado pelo dito: Deus é luz – a luz mais elevada. Desse modo quando o que foi descrito ocorre, é seguido por uma quietude que contempla tudo.
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A mente móvel torna-se imóvel e sem pensamentos quando ela é inteiramente englobada pela luz e nuvem Divinas, ao mesmo tempo permanecendo em contemplação e apreensão conscientes, alimentando-se das bênçãos que a circundam. As profundezas do Espírito Santo não são como as profundezas do mar, elas são as águas vivificantes da vida eterna. Tudo nessas profundezas do Espírito Santo está além da compreensão e explicação. A mente entra lá dentro após abandonar todas as coisas visíveis e mentais, vira-se e move-se sem movimento por entre aquelas coisas incompreensíveis, vivendo uma vida mais que vida, sendo uma luz mesmo estando dentro da luz, contudo sem luz quando em si mesma. Então, ela vê não a si mesma mas Aquele, o Qual está acima dela, e, sendo transformada pela glória que a circunda, perde todo conhecimento de si mesma.
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Um homem que atingiu o último grau de perfeição está morto e ainda não morreu, mas é infinitamente mais vivo em Deus com Quem ele vive pois ele não mais vive sozinho, como diz o Apóstolo: “Eu vivo; contudo não eu, mas Cristo vive em mim” (Gal. ii.20). Ele também é cego e ainda não está cego: ele não vê com seus olhos naturais, pois ele está acima de todas as visões naturais, recebendo olhos novos, infinitamente melhores que seus olhos naturais e através deles ele olha sobre a natureza. Ele fica inativo e em repouso, como aquele que chegou ao fim de todas as ações de sua autoria. Ele está sem pensamentos, uma vez que tornou-se um com Aquele que está além de todo pensamento e veio repousar onde o movimento da mente, isto é, movimento de recordação, pensamento ou reflexão, não pode ter lugar. Ele não pode nem conhecer nem entender o incompreensível e o milagroso; ainda assim ele encontra repouso perfeito ali através dessa quietude abençoada dos sentidos; sem objeções, ele desfruta de bênçãos inefáveis, mas com certeza também de uma apreensão definida.
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Um homem ao qual não foi garantida tal medida de perfeição e não atingiu tais bênçãos, deveria culpar a si mesmo apenas, e não dizer em auto-justificação que tal coisa é impossível, e nem que é possível obtermos a perfeição, mas uma perfeição da qual não estamos cientes. Ele deveria saber a partir do testemunho das Escrituras Sagradas que tal coisa é possível, que isso realmente acontece em sua força total e é acompanhado de perfeita ciência e consciência, mas que, através da negligência e da transgressão dos mandamentos de Deus, todo homem priva-se dessas bênçãos de acordo com o grau de sua negligência.
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No princípio Deus criou dois mundos, o visível e o invisível, e fez um rei para reinar sobre o visível que carrega em si mesmo os traços característicos de ambos os mundos – um em sua metade visível e o outro na sua metade invisível – em sua alma e em seu corpo. Dois sóis brilham nesses mundos, um visível e o outro intelectual. No mundo visível dos sentidos há o sol, e no mundo invisível do intelecto há Deus, o Qual é chamado de, e é o Sol da Verdade. O mundo físico e todas as coisas nele são iluminados pelo sol físico e visível, mas o mundo do intelecto e aqueles que estão nele são iluminados pelo Sol da Verdade no intelecto.