sábado, 26 de setembro de 2009

Nisargadatta Maharaj - Você é a presença consciente sem pensamentos

Um dos primeiros visitantes numa sessão foi um homem que era representante de uma sociedade Européia de Vedanta. Maharaj foi direto ao ponto e perguntou se ele tinha alguma pergunta a fazer ou se tinha algum ponto para esclarecer. Quando o visitante disse que gostaria de ouvir um pouco o que Maharaj tinha a dizer antes de fazer qualquer pergunta, Maharaj sugeriu que, sendo que ele era o responsável de um escritório de uma das mais ativas Sociedades Vedânticas possuidora de um número de adeptos bastante grande, ele deveria começar o diálogo e dizer como eles explicavam esses assuntos um tanto elusivos para um novo membro que se interessa pela sociedade deles.


Visitante: Bem, primeiro falamos para ele sobre exercícios físicos de Yoga, pois um ocidental está basicamente interessado no bem-estar de seu corpo. Yoga para ele significa ser capaz de fazer o corpo realizar proezas de resistência física e também alcançar um grau elevado de concentração mental. Depois de um curso de Asanas de Yoga passamos a dizer-lhe que "ele" não é o corpo, mas sim algo à parte do corpo.

Maharaj: Isso que você diz levanta duas questões: primeiro, qual é o ponto de partida até mesmo para perceber o corpo? Em outras palavras, não existe algo dentro do corpo na ausência do qual você não seria capaz de reconhecer nem o seu próprio corpo, ou o corpo de outras pessoas? Segundo, no que diz respeito à pessoa que está ensinando àquele novo membro, ela tem uma idéia bem clara sobre a própria identidade dela? Se ela mesma não é o corpo, então, quem, ou o quê, é ela?

V: Não tenho certeza do que exatamente você está querendo dizer.

M: O corpo é apenas um instrumento, um aparelho; que seria totalmente inútil se não fosse a energia no interior, o animus, o sentido de "eu sou", o conhecimento de estar vivo, a consciência que proporciona o sentido de se estar presente. Na realidade, esta presença consciente (não uma pessoa específica que está presente, mas a própria sensação de presença consciente) é o que a pessoa é, e não essa aparência no nível dos fenômenos que é o corpo. É quando essa consciência, sentindo a necessidade de algum apoio, equivocadamente se identifica com o corpo e abandona o seu potencial ilimitado em troca da limitação de um corpo singular, que o indivíduo 'nasce'. Esse é o primeiro ponto a respeito do qual aquele que está ensinando o Vedanta deve ter uma firme convicção intuitiva. O outro aspecto fundamental é que esse que ensina também deve ter uma compreensão muito clara de como a união entre o corpo e a consciência surgiu. Em outras palavras, ele não deve ter dúvida alguma a respeito da própria natureza verdadeira dele mesmo. Para isso, ele deve compreender a natureza do corpo e a da consciência (ou do sentido de ser, ou o sentido de 'eu sou') e também a natureza do mundo fenomênico. Caso contrário, o que quer que ele ensine só será conhecimento emprestado dos outros, heresia, conceitos de outra pessoa.

V(sorrindo): É exatamente por essa razão que estou aqui. Vou ficar aqui cerca de uma semana e participarei das sessões da manhã e da noite.

M: Você tem certeza de que está fazendo a coisa certa? Você veio aqui com uma certa quantidade de conhecimento. Se você persistir em me ouvir, você pode chegar à conclusão de que todo conhecimento não é nada mais que um punhado de conceitos inúteis, e, pior ainda, de que você mesmo é um conceito. Você ficará, então, do mesmo jeito que uma pessoa que de repente percebe que as riquezas que guardou se transformaram em cinzas do dia para noite. E aí? Não seria melhor, mais seguro, voltar para casa com a sua "riqueza" intacta?

V: Vou aproveitar a oportunidade. Eu prefiro saber o real valor da riqueza que eu acho que possuo. Sinto que o tipo de riqueza que vou alcançar depois que a riqueza inútil for jogada fora, será impagável e está além do risco de ser perdida ou roubada.

M: Que assim seja. Agora me diga, quem você pensa que é?

V: Duvido que isso possa realmente ser colocado em palavras. Mas parece que eu não sou o corpo, mas sim a sensação de presença consciente.

M: Deixe-me dizer-lhe muito brevemente: Seu corpo é o crescimento de uma emissão vinda da união de seus pais, que foi concebida no ventre de sua mãe. Essa emissão era a essência da comida consumida por seus pais. Seu corpo é, portanto, feito da essência dos alimentos e é também sustentado pelos alimentos. E a sensação da presença consciente que você mencionou é o sabor, "a natureza". da essência dos alimentos que constituem o corpo, assim como a doçura é a natureza do açúcar, o qual é a essência da cana-de-açúcar. Mas entenda que seu corpo pode existir apenas por um período limitado de tempo, e quando o material do qual ele é feito finalmente se deteriorar até 'morrer', a força vital (a respiração) e a consciência também desaparecerão do corpo. Então, o que irá acontecer com 'você '?

V: A consciência desaparecerá? Devo dizer que estou um pouco assustado por ouvir isso.

M: Na ausência do corpo, pode a consciência estar consciente de si mesma? A consciência, na ausência do corpo, não estará mais manifesta. Então, voltamos ao ponto de partida: Quem, ou o quê é você?

V: Como eu disse antes, isso realmente não pode ser colocado em palavras.

M: É claro que não pode ser colocado em palavras, mas você sabe quem ou o quê você é? Uma vez que você expressa isso, torna-se um conceito. Mas, apesar de ser o criador de um conceito, não é você mesmo um conceito? E você não nasceu realmente do ventre da conceitualização? Mas, quem é você na verdade? Ou, se como eu você preferir, o quê é você?

V: Penso que sou a presença consciente.

M: Você disse que "penso"! Quem é esse que pensa isso? Não é a sua própria consciência na qual os pensamentos aparecem? E, como vimos, a consciência, ou a presença, está vinculada ao tempo, juntamente com o corpo. É por isso que eu lhe disse anteriormente que é necessário apreender a natureza do corpo e também a da força vital (Prana) e da consciência. O que você é, é a "presença" somente enquanto o corpo, um fenômeno manifestado, estiver aí. O quê você era antes que o corpo e a consciência aparecessem espontaneamente sobre você? Digo "espontaneamente" pois você não foi consultado a respeito de ser apresentado com um corpo, nem seus pais especificamente esperavam ter 'você' como filho deles. Você não era então, relativamente, a 'ausência' na verdade, em vez de ser a "presença", antes de que o estado da consciência-corpo surgisse no que quer que fosse 'você' naquela ocasião?

V: Não tenho certeza se eu entendo isso.

M: Agora, veja. Para algo aparecer, para que possa existir, tem de haver um pano de fundo de absoluta ausência - absoluta ausência tanto da presença, quanto da ausência. Sei que isso não é fácil de compreender. Mas tente. Qualquer presença somente pode "aparecer" a partir da ausência total. Se houver presença até mesmo de ausência, não pode haver nem os fenômenos, nem a cognição. Portanto, a ausência total e absoluta implica total ausência de conceitualização. Esse é o seu verdadeiro estado original. Repito: O 'você' nasce no ventre do processo de conceituar. Sobre o estado original de ausência total surge espontaneamente uma partícula de consciência - o pensamento "eu sou" - e, assim, sobre o estado original de unicidade e plenitude surge a dualidade; a dualidade sujeito-objeto, certo e errado, puro e impuro – o raciocínio, a comparação, o julgamento, etc. Reflita sobre isso.
Infelizmente esta sessão deve acabar agora.

V: Essa conversa foi certamente uma revelação para mim, embora eu tenha estudado Vedanta por um tempo considerável.
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M: Está claro para você uma coisa, que você está antes de toda conceitualização? O que você parece ser enquanto um fenômeno não é nada além de conceitual. O que você realmente é, não pode ser compreendido pela simples razão de que, no estado de não-conceitualidade não pode haver uma pessoa para compreender o que ela mesma é!

V: Senhor, eu gostaria de vir esta noite para mais esclarecimentos e sentarei a seus pés todos os dias enquanto eu estiver em Mumbai.

M: Você é bem-vindo.