segunda-feira, 11 de novembro de 2019

Isha Schwaller de Lubicz - A alma no antigo Egito




Quando consideramos a relação dos estados psíquicos e espirituais com as funções orgânicas, é importante ter em mente também as condições gerais em níveis mais sutis do que o físico.
O sopro vital (em egípcio, o Ba universal) é inalado pelos pulmões e individualizado pelo sangue na forma de uma força vital animal (em egípcio, o Ba animal), essa é a alma inferior ou sensível, o nefesh Hebreu. Ela corresponde ao pro chinês que é a energia vital inconsciente das células, dos órgãos, do sexo e ela reside nos pulmões.
O corpo astral ou etéreo, que corresponde a noção popular de um fantasma (linga-sharira entre os Hindus e em Egípcio a sombra, Khaibit) tem como lugar o baço. Está relacionada ao Akasha, o mundo ou o estado que contém os registros de todas a imagens e figuras no nosso universo e isso justifica a ideia de que o baço é o assento da imaginação.
A força vital individual que grava no fígado as características da personalidade e da hereditariedade paternal é o Ka intermediário ou pessoal dos egípcios. Os chineses chamam-no roun e situam-no no fígado e definem suas manifestações como “energia vital pessoal, necessidades e tendências vitais pessoais e necessidades sexuais conscientes.” Na realidade essa consciência pertence ao Ser automático, o ego mortal e em relação à consciência-ego é uma forma de subconsciente, enquanto a última (que também reage no fígado) não é despertada.
O estado mental (Manas em sânscrito) tem dois aspectos. O cérebro é o órgão de um deles e em suas diferentes localizações está conectado com todas as operações da mente inferior. O outro pertence a consciência imortal do homem e sua inteligência espiritual, e não possui um órgão físico, usando estações de transmissão adequadas aos seus diferentes modos de expressão.
O estado intuitivo (que no hinduísmo começa com buddhi) tem suas estações de transmissão na glândula pineal e na região do coração; está relacionado com o Chen chinês, traduzido como ‘consciência’ ou ‘centelha espiritual que relaciona o homem com o universo’. Essa estação localiza-se no coração de acordo com os Chineses e Egípcios.

As palavras ‘alma’ e ‘espírito’, da forma que são usadas em países cristãos são tão vagas que precisamos pedir para o leitor permitir a adoção de dois termos do antigo Egito: Ba e Ka, primeiro porque o significado metafísico dessas palavras é definido estritamente e segundo porque as noções filosóficas conectadas a elas tornará possível explicar seus diferentes aspectos melhor do que qualquer outra maneira. A seguinte descrição é uma citação dos comentários no Her-Bak (livro de Isha Swaller de lubicz – a face viva do antigo Egito).
Há uma boa razão para enfatizar a forma Egípcia desse ensinamento, pois os textos antigos, hieróglifos e imagens, permanecendo inalterados, são testemunhas de uma tradição imutável.

A alma no antigo Egito

Os diferentes constituintes da natureza humana recebem diferentes nomes em cada tradição religiosa e seu número e classificação podem variar de acordo com as escolas de uma única tradição, mas isso de forma nenhuma impugna a realidade do nosso conhecimento delas.
Os elementos ocultos da natureza humana são estágios ou modalidades da consciência que existem, de fato, independente da maneira que são classificados ou nomeados, e o conhecimento e experiência desses diversos estados consiste nos vários graus de maestria, independente de qualquer diferença de terminologia. Estudá-los em teoria, entretanto, requer um conhecimento dos termos a serem empregados.
A palavra ‘alma’ é vaga e muito inclusiva e cria ilusões quando a discriminação entre os diferentes estados de consciência não é possível devido à ignorância. No outro extremo uma análise muito detalhada torna-se intelectualmente irritante e também representa uma obstrução no caminho do autoconhecimento.
Os principais estados metafísicos do homem são mencionados pelos Egípcios, mas não são tão detalhadamente analisados como pelos Hindus. Tal análise era desnecessária pois os símbolos hieróglifos podem expressar os diferentes aspectos de um princípio singular de acordo com como eles são usados, em grupos ou separadamente e em tal método há menor risco de erro do que quando estudamos isoladamente constituintes que não podem ser separados.
A complexidade, porém, não é maior quando consideramos os diferentes significados ocultos de nossos constituintes espirituais. Não é difícil para a imaginação compreender as duas condições extremas da composição humana, a mais espiritual de um lado e do outro a mais próxima ao corpo, a Sombra ou Fantasma, o ‘corpo emocional”, que conserva nossa semelhança e carrega traços à nossa vida psíquica.
Mas é mais difícil definir os fatores intermediários que tem tanto algo da nossa natureza inferior quanto da nossa natureza mais elevada, tais como os diferentes aspectos do Ba e Ka, que às vezes são falados separadamente e às vezes tomados juntos sob um mesmo nome.
As definições desses dois devem sempre ser relativas umas às outras, uma vez que podem apenas referirem-se a um aspecto em suas relações ao outro.
Ba, em relação ao Ka, é o espírito vivificante. Ka, em relação ao Ba, é a individualização da consciência em estados mais ou menos grosseiros ou sutis de Ser e torna possível a estabilização do espírito vivificante.
Ba dá o sopro da vida, sua característica é não ser fixo por natureza e sempre necessita de suporte.
Ka é um princípio de firmeza, de fixação e atração, é o poder que pode atrair, estabilizar e transformar o princípio vital ou vivificante, Ba.
A palavra bka, significa a impregnação ou fecundação de uma fêmea, mostra como esses dois fatores devem ser trazidos juntos para que possa haver a concepção, que é a encarnação do Ka essencial e específico, dado pela semente e animado pela respiração vital do Ba.
Não devemos esquecer que tudo vem do Um e todos os fatores ou estados de ser são apenas manifestações do Um, a despeito dos diferentes nomes que lhes são dados para expressar Seus diferentes aspectos. Esses aspectos podem parecer intercambiáveis de acordo com seu modo mútuo de ação e reação em todas as tríades da ‘Manifestação’, a qual surgiu da trindade original. Assim, podem existir intercâmbio de nomes entre as diferentes funções.
Dessa forma com Ba e Ka há um contínuo intercâmbio cada um atuando ora como parte ativa ora como parte passiva.
Estando avisados sobre o erro de interpretá-los esquematicamente, podemos estudar as respectivas funções de Ba e Ka.
Ba é o aspecto impessoal da alma, pois é o aspecto universal, mas é condicionado pelas afinidades com Ka, e essas são determinadas pelas circunstâncias do nascimento.
No que diz respeito ao nosso surgimento, Ba e Ka são o segundo e o terceiro princípios ou estados manifestando a Trindade, a qual é primeiro criativa e depois formativa e regenerativa. O primeiro princípio não é akh, como a terminologia comum costuma fazer-nos supor, mas a, que contém virtualmente os dois aspectos (atividade, passividade, àa ou ia) da Fonte Original, a Palavra Criativa. Akh é o poder original gerado na escuridão da matéria e superando-a na sua qualidade de luz emergindo da escuridão.
O segundo fator, Ba, foi considerado no Egíto sob dois aspectos, como a Alma Universal, a Alma Natural e a Alma Humana, mas ele tem em si um caráter duplo.
Pois assim como na Trindade original o Dois têm um caráter dual, uma vez que compartilha na essência divina do Um do qual procede, mas também tem o caráter particular ou individual devido à sua parte na Natureza, que ele vai “causar” através da sua dualidade, Da mesma forma, Ba é tanto universal e particularizado no ser humano. Ainda assim, sendo que sua natureza é espiritual, permanece indivisível, isto é, se para de ser individualizada, retorna para a união com sua fonte.
Ba, assim como Ka, tem três aspectos:
1-      Ba, é a alma cósmica, o Espírito de Fogo, que dá vida ao mundo em todas as suas partes. Originalmente existe Ba e entre o início e o fim Ba está em todas as coisas, sendo o sopro que cria a vida. Portanto, o espírito de Ba está em todas as partes do mundo e na sua perfeição final.
2-      Ba é a Alma natural estabilizada na forma corpórea e seu personagem é Osiriano, ou seja, sujeito a renovações cíclicas. Esse aspecto é simbolizado pelo carneiro com dois chifres horizontais.
3-      Ba também é representado por um pássaro com uma cabeça humana e esse é o símbolo da alma humana, que vai e vem entre o céu e a terra, vagueando perto do seu corpo até que a purificação de seu Ka-djet, ou corpo glorioso indestrutível, que ela então pode assumir.  
Os três aspectos de Ka podem ser entendidos da seguinte maneira:
Em sua forma original, Ka, é o elemento formal que dá forma para a Substância e assim cria a Matéria. É o princípio da fixação que se torna a base para toda a Manifestação, a força motivadora das funções universais. Os Egípcios também o chamavam de “Pai dos pais dos Neters (princípios)”, pois Ka é o princípio que realiza (torna real) a continua criação, sem ele o Pai não teria poder efetivo, e através dele o Filho revela a face do seu Pai. Através dele todas as coisas recebem seus “nomes”.
Os Kas do sol, Ra, são propriedades ativas, os Kas de qualquer tipo de comida são suas qualidades vitalizantes. Pois Ka é a fonte de todos os apetites.
Todos os aspectos de Ka são encontrados no homem, mas nem todos estão sob seu controle. As qualidades superiores de Ka que se alimentam do fogo sutil do tutano, só se encorparam no homem quando ele tem conhecimento disso e domina-os.
Os Kas animais residem nos intestinos e os apetites dos quais eles são a encarnação permanecem por um certo tempo após a morte. É para esses kas que a comida funerária era oferecida. Mas o Ka superior de um homem é superior a esses Kas animais.
Podemos agora ver os três aspectos de Ka:
Primeiro o Ka original, criador de todos o outros, depois os kas da natureza, mineral, vegetal, e animal, e então o Ka individualizado do homem, que inclui seu caráter herdado e sua própria assinatura e que também determina seu destino.
No reino humano o Ka era também considerado pelos Egípcios sob três aspectos: no nível universal como a origem do homem, no rei como o microcosmo, tipo e símbolo do homem perfeito, e no homem ordinário ainda não aperfeiçoado.
Podemos agora falar do Ba humano da alma individual, que graças ao seu Ka torna-se uma Entidade.
Ba, como espírito puro e sem forma, deve sempre ter um suporte para que possa se manifestar, e esse suporte é a afinidade seletiva da coisa a qual ele deve animar, e essa afinidade é determinada e caracterizada pelo Ka.
São as características do Ka que fazem as escolhas das circunstâncias para a encarnação, bem como da nutrição e da atmosfera do entorno.
O Ka, que é o elemento estável no homem se distingue dos Kas dos outros homens pelas qualidades específicas da sua própria afinidade seletiva. O Ba universal está em constante contato com o homem ao qual ele anima e com seu Ka; mas o Ka ao assimilá-lo gera um novo ser que é a alma individualizada, que permanece divina, incorruptível e, portanto, imortal e ainda é governada pela afinidade que ela agora tem com as características de seu Ka. Isso é o que chamamos de Ka superior.
O Ba individualizado é, portanto, o elemento mais espiritual no homem, pois através de sua natureza divina representa seu elo com o Criador. Por isso será sempre incompreensível para a faculdade pensante, cuja natureza relativa não pode estabelecer contato com o Espírito. Assim também é impossível definir esse Ba-alma, ou aprisioná-lo num corpo, pois ele é incomensurável e indivisível, livre e não afetado pelas vicissitudes do ser humano cujo único elo com ele é a consciência.
É difícil distinguir os diferentes aspectos de Ka, pois suas diferenças não residem na sua fonte ou causa, mas apenas em seus efeitos. Se a luz do sol é refletida por vários espelhos feitos de diferentes metais, ela assumirá diferentes cores e qualidades dos diferentes espelhos. Assim, embora cada entidade-Ka surja da mesma fonte Maat (consciência-verdade), cada uma é caracterizada no homem no qual está encarnada por assinaturas das forças vitais (Kas natural, orgânico e instintivo) que ele encontra em si e pela consciência inata do seu ser.
Portanto, o Ka é seu agente de consciência, A Testemunha Permanente das transformações do seu ser; é a personalidade gravada no fígado e assinada sobre a pele por Seshat; ele compartilha as reações emocionais que são sentidas pelo coração  e pelos Kas do corpo animal, é alimentado pelos Kas dos alimentos e enriquecido pelo duplo nefer, a corrente dupla de fogo na sua coluna vertebral.
O homem, ignorante do seu próprio mundo espiritual tem pouco ou nenhum contato com seu Ka divino. Seu Ka pessoal é trazido pelo conjunto dos seus Kas inferiores, dessa forma ele irá, após a morte, tornar-se sua própria sombra ou fantasma.  
Mas a busca pelas fontes de ação espiritual e pelo aumento da consciência podem modificar o caráter do seu Ka pessoal até que as faculdade espirituais são despertadas e ele estabelece contato com o Ka divino e isso proporcionalmente diminui a tirania do Ka inferior.
Esse relato dos aspectos de Ba e Ka é mais próximo da realidade que todas as explicações teóricas que teriam que ser construídas para tornar inteligíveis os vários aspectos do que é comumente chamado de “a alma”. Seria sábio pensar sobre isso frequente e profundamente até que sua realidade se torne aparente.
Nesse trabalho a palavra “alma” foi usada como o aspecto espiritual mais elevado de Ba. A alma individualizada, ou a Testemunha Espiritual, que também pode ser chamada de Testemunha do Ser Impessoal, foi chamado de “Ka divino”. A testemunha Permanente ou a Consciência Pessoal corresponde ao Ka intermediário.
O Ka inferior compreende a “consciência psicológica” do autômato (físico, emocional e mental). Os Kas animais correspondem à consciência orgânica, incluindo a consciência essencial funcional, que os Egípcios chamaram de “os quatro filhos de Horus”.

quinta-feira, 1 de agosto de 2019

Santa Hildegarda de Bingen - Seis Poemas



Essa é a percepção dos mistérios de Deus 
aquela luz brilhante banha todo o fogo incandescente 
e o fogo incandescente por sua vez 
banha a luz brilhante 
e tanto essa luz quanto esse fogo, 
derramam-se sobre toda a figura humana, 
de modo que os três são uma luz em um poder potencial 

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Nenhuma criatura tem sentido 
sem a Palavra de Deus. 

A palavra de Deus está em toda a Criação, 
visível e invisível. 

A Palavra é tudo o que vive, 
todo o ser, 
o espírito, 
toda a criatividade verdejante. 

A palavra irradia de cada criatura. 
É assim que o espírito está na carne. 
A Palavra é indivisível de Deus. 

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Louvada seja a Trindade! 

Deus é música, 
Deus é a vida que nutre cada criatura em seu reino. 
Nosso Deus é o canto das legiões de anjos 
e o esplendor de caminhos secretos 
ocultos de toda a humanidade, 
Deus, a nossa vida é a vida de todos.

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Louvado sejas, Espírito de fogo! 
Para ti soam a lira e o tamborim. 
Sua música incendeia a nossa mente! 

A força de nossa alma espera a tua chegada 
na tenda da reunião. 
Lá a vontade dá a alma seu sabor 
e o desejo é sua lanterna. 

O discernimento invoca-te 
em um choro cheio de doçura, 
a razão constrói seus templos 
enquanto trabalhas em seus artesanatos de ouro. 

Mas com a espada em mãos, 
estás pronto para podar brotos da maçã envenenada 
- resquícios do mais escuro assassinato - 
quando a névoa ofusca a vontade. 
À deriva nos desejos, 
a alma está girando em todos os lugares. 

Mas a mente é um laço 
para amarrar a vontade e o desejo. 
Quando o coração anseia olhar o Maligno nos olhos, 
olhar para as garras da iniquidade, 
rapidamente tu lhe queimas no fogo consumidor. 
Esse é o teu desejo. 
E quando a razão do mal cai do seu lugar, 
tu a restringe e constrange, 
como farás no fluxo da experiência 
até que ela lhe obedeça. 

E quando o Maligno brande sua espada contra ti, 
a quebras em teu próprio coração. 
Pois assim fizestes com o primeiro anjo perdido, 
caindo da torre de sua arrogância para o inferno. 
E lá construístes uma segunda torre 
- traidores e pecadores, suas pedras. 
Em arrependimento, 
eles confessaram todos os seus feitos. 

Assim, todos os seres que vivem através de ti, 
louvam teu derramamento 
como uma poção de valor inestimável 
sobre as feridas supuradas, 
sobre membros fraturados. 
Tu os convertes em pedras de valor inestimável! 

Agora, reúna todos nós para si e, 
em sua misericórdia, 
guie-nos nos caminhos da justiça. 

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Homens espetaculares! 
vocês se assemelham aos olhos do espírito, 
perfurando o véu. 
Em uma sombra luminosa, 
proclamam um brilho vivo 
que brota de um ramo que floresceu 
quando a luz radical criou raízes. 

Santos da antiguidade! 
Vocês previram o livramento das almas dos exilados 
nas terras mortas. 
Como rodas vocês giraram 
em maravilhamento enquanto 
falaram do misterioso monte à beira de um rio 
que alastra muitas águas. 
Navegando pelas ondas, 
 uma lâmpada brilhante queimando no meio de vocês! 
Apontando para ele, correm para a montanha. 

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Ó força da Sabedoria em movimento, 
circundando a roda do cosmos, 
abrangendo tudo o que é, 
tudo o que tem vida, 
em um vasto círculo. 

Você tem três asas: 
a primeira se estende nas alturas mais elevadas. 
A segunda abre seu caminho pingando suor na Terra. 
Acima, abaixo e através de todas as coisas, 
gira a terceira. 
Louvor a você, ó sabedoria digna de louvor!

sexta-feira, 22 de março de 2019

Santa Catarina de Siena - Cinco Poemas





Consumida na Graça


Vi Deus pela primeira vez
quando eu era uma criança,
com seis anos de idade.

As bochechas do sol ficaram pálidas diante Dele
e a Terra ficou tão tímida
quanto uma garotinha como eu.

A luz divina do Seu amor 
entrou no meu coração e nunca mais saiu,
embora, de fato, eu possa entender
como a fé de uma pessoa
pode às vezes vacilar,
pois o que tem a mente a ver
com algo que, eventualmente,
torna-se a ruína da mente:

Um Deus que consome-nos
em Sua graça .

Eu vi o que você quer;
está lá,
um Amado de ternura infinita.


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Deus é tão vasto


Pode-se dizer que 
o pé de Deus é tão vasto 
que toda a terra 
é apenas uma área 
em Seu dedão 
e todas as florestas deste mundo 
vêm da mesma raiz 
de um único pêlo Dele.

O que, então, não é um santuário?
Onde não devo ajoelhar-me 
e orar se tudo é um templo 
criado por Sua presença divina?


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Às vezes eles se beijam 


Às vezes eles se beijam
quando ninguém está olhando:
o sol e a lua.

Por que são tão tímidos na nossa frente, 
uma vez que todos já vimos 
alguém expressando o amor?

Vi tudo o que queria na mercearia do céu. 
Fiquei Enlouquecida por conta disso.
Meu Senhor estava sentado 
à beira de uma janela 
quando eu andava pelas ruas do céu.


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Os Hinos da Terra 


Queria ser um Eremita 
e apenas ouvir os hinos da terra 
e as gargalhados do céu 
e a doce fofoca das criaturas 
nas florestas de meus membros.

Queria ser um eremita 
e não presenciar outra face 
olhar para a minha 
e me dizer que eu não sou 
a beleza toda deste mundo. 

Pois tantas faces fazem isso, 
nos aprisionam. 

As asas que temos 
são tão frágeis 
que podem quebrar-se 
com apenas uma palavra 
ou com um olhar 
desprovido de amor. 

Quero viver naquele mosteiro 
do silêncio da luz 
porque não é verdade 
que o coração seja 
tão frágil e tímido.


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Até Seu Próprio Amanhecer


Amanhecer, 
tudo neste mundo
é um sonho divino luminoso 
que eu compus.

Eu não sabia 
que a vida era um pano 
tecido por minha alma.

Qualquer forma 
que possa aparecer para você 
(será que eu deveria confessar isso?) 
É algo que fiz. 
Todas as raizes nutrem-se de mim.

A arte de Deus é minha. 
Eu não queria o Seu talento divino. 
Ele simplesmente cresceu 
no meu coração por causa
da maneira como eu amava.

A Existência é como 
uma criança pequena 
movendo-se por uma alameda à noite, 
ela quis segurar minha mão.
Aqui está, terra querida, 
segure-se em mim 
até seu próprio amanhecer.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2019

Mirabai (Poetiza indiana, sec. XVI) - Seis Poemas




O calor das lágrimas da meia noite



Escute, amigo, 
essa estrada é a abertura do coração;
beijar os pés Dele, 
vencer a resistência, 
lágrimas durante toda a noite.

Se pudéssemos alcançar o Senhor 
através de imersão em água 
eu teria pedido para ter 
nascido um peixe nesta vida.

Se pudéssemos alcança-Lo 
através de comer só nozes e frutas, 
então, certamente, os santos seriam macacos 
quando viessem ao mundo.

Se pudéssemos alcança-Lo 
ao ruminar alface e folhas secas, 
então as cabras chegariam 
primeiro do que nós ao Sagrado.

Se a adoração de estátuas de pedra 
pudesse nos trazer até lá, 
eu teria adorado uma montanha de granito anos atrás.

Mirabai diz: 

o calor das lágrimas da meia noite irá levá-lo a Deus.

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Escrevo sobre aquela jornada 



Lembro de como minha mãe me segurava
Eu olhava para ela e às vezes via lágrimas derramando.

Agora entendo o que acontecia nessas ocasiões.

O amor é uma força tão poderosa que 
rompeu a gaiola e por um momento abençoado 
ela desaparecia de tudo.

Todas as ações evoluíram do nosso gosto por voar, 
a esperança pela liberdade move nossa células e membros.

Inapta a viver na terra, Mira, 
se aventura sozinha no céu - 
escrevo sobre essa jornada 
de se tornar tão livre quanto Deus.

Não esqueça do amor, 
ele trará toda a loucura que você precisa 
pra desatar-se através do universo .


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Desperto para o nome


Nascer num corpo humano é uma raridade, 
não jogue fora a recompensa 
pelas suas boas ações do passado.

A vida passa num instante: 
a folha não volta para o galho.

O oceano do renascimento 
varre a todos os seres duramente, 
puxa-os para suas implacáveis correntes 
frias e ferozes.

Giridhara, Seu nome é o bote, 
a única passagem segura disponível.

Leve-me rapidamente.

Todos os seres despertos viajam com Mira, 
cantando o nome.

Ele diz com eles: 
levante, pare de dormir! 
os dias de uma vida são curtos.

Dou sem medo meu coração ao Amado: 
assim como o brilho vai para dentro do ouro, 
eu fui para dentro Dele.

Por muitas vidas escutei apenas a música externa. 
Porém agora, o professor sussurrou em meus ouvidos 
e as amarras familiares foram enfraquecidas. 
Mira encontrou a Energia que ergue montanhas. 
Essa boa sorte agora é meu Lar.



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Seu olhar de luz



De repente, a visão. 
Seu olhar de luz aquieta tudo, 

aquieta tudo, 
o pote de coalhada cai ao chão. 

Pais, irmãos, todos chamam de colapso. 
Tire isso do seu coração, 
eles dizem,
Você perdeu seu caminho. 

Mira diz:

Quem além de Ti 
pode ver no escuro de um coração?



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Mira sabe o porquê



A Terra olhou para Ele e começou a dançar. 
Mira sabe o porquê, 
pois sua alma também está apaixonada.

Se você não puder representar Deus 
de uma maneira que sempre lhe fortaleça, 
você precisa ler mais dos meus poemas.

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Inquebrável



Inquebrável, Senhor
É o amor que me une a Ti:
Ele quebra o martelo que tenta golpear-lhe.

Meu coração dirige-se a Ti
Como o brilho emana do ouro.
Vivo em Ti Como o lótus vive na água.

Como o pássaro que contempla
o percurso da Lua a noite toda,
Perdi a mim mesma habitando em Ti.

Retorne, meu Amado

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

Rabia Al Basri (poetiza sufi sec. VIII) - Trêz poemas


A água sagrada


Ninguém vive fora dos muros deste lugar sagrado
 - a Existência.

A água sagrada,
é dela que preciso nos meus olhos: 
ela é você, querido, você. 
Cada uma das formas.

Que mãe perderia sua criança? 
E isso é o que somos para Deus, 
jamais Ele nos perde de vista. 
Cada clamor do coração é atendido 
pelos braços da própria luz.

Não há nenhum lugar que você possa vagar que poderá ajudar-lhe. 
Qualquer coisa que você pode tocar, 
foi Deus que trouxe para dentro da sala de aula de sua mente. 
Diferenças existem, mas não na cidade do amor.
Dessa forma, eu sei que meus votos e os seus são os mesmos. 
Eu só descasquei a batata e você ainda está contemplando seu valor, 
querido, na verdade existem nutrientes maravilhosos 
em todas as coisas, pois Deus fez tudo.

Você se uniu à nossa comunidade no seu nascimento. 
Sendo seu Pai quem Ele é, 
o que as medidas do mundo podem saber do seu precioso valor?
O padre e a prostituta têm o mesmo valor 
perante o ser imaculado do Filho; 
mas quem pode suportar essa verdade e liberdade?
Por isso um sábio adulterou as escrituras, 
todos os Sábios sabem disso.

A face de minha alma revelou sua beleza para mim. 
Por que ela esteve tímida por tanto tempo? 
Ela não sabia o quanto isso me fez chorar e sofrer?

Ele joga um jogo diferente com os que estão mais próximos Dele.
Deus nos fala verdades que você não acreditaria, 
porque quase todos precisam limitar Sua compaixão. 
Conceitos de bom e mau preservam a semente dourada 
até que um dos amigos de Deus chega e toma conta do seu corpo 
como se ele fosse uma noiva divina.

O Sagrado enviou um avaliador para descobrir 
os limites da compaixão e do ser.
Deus amarga uma frustração divina 
sempre que age dessa maneira, 
pois o infinito não tem muros.
Por que não caçoar Dele por causa disso?

Por que não aceitar a liberdade
do que significa para nosso Senhor
nos ver como a Si mesmo. 

Tão magnificamente soberano é o nosso Amante!

Nunca diga: ‘do outro lado deste rio reina um rei diferente.’
Porque como isso poderia ser verdadeiro 
se nada pode se opor à força Infinita?

Ninguém vive fora dos muros desse lugar sagrado, 
a existência.
A unidade é a água sagrada
que a fronte de minha alma necessita.
O amor abriu meus olhos
e fui lavada pela pureza de cada forma.


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Na minha alma

Há na minha alma um templo, 
um santuário, 
uma mesquita, 
uma igreja 
onde ajoelho-me. 

A oração deveria nos trazer para um altar 
onde não existem muros nem nomes.
Não há nenhuma região do amor 
a qual a soberania não esteja iluminando nada. 
Onde o êxtase é derramado em si mesmo e se perca, 

Onde as asas estejam completamente vivas 
mas não tenha mente e corpo.

Há na minha alma um templo, 
um santuário, 
uma mesquita, 
uma igreja 
que se dissolve, 
dissolve-se em Deus.


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Morra antes que você morra


É irônico, 
mas um dos atos mais íntimos do corpo é a morte.

Então, 
linda apareceu a minha morte, 
pois fiquei sabendo quem eu iria beijar. 

Morri mil vezes antes de morrer.


‘Morra antes que você morra’, 
disse o profeta Maomé. 

Alguma vez asas com medo já tocaram o sol? 
Nasci quando passei a amar 
tudo o que um dia eu temi.