quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Philokalia - São Gregório Palamas - A Ciência Natural e Teológica


A ausência das paixões e a posse das virtudes constituem o amor por Deus, pois a aversão ao mal que resulta na ausência das paixões introduz no seu lugar o desejo pela aquisição de bênçãos espirituais. Como poderia o amante e possuidor de tais bênçãos não amar a Deus acima de tudo, o Mestre que é a própria Benedição, o único provedor e guardião de tudo o que bom? Pois de uma maneira especial tal pessoa está em Deus e por meio do amor ela também carrega Deus dentro de si, de acordo com as palavras: “Aquele que habita no amor habita em Deus e Deus habita nele” (1João4:16). Desse modo podemos ver que o amor por Deus é gerado das virtudes e que as virtudes são nascidas do amor. Por essa razão o Senhor disse em um ponto do Evangelho: “Aquele que possui Meus mandamentos e os guarda é aquele que ama a Mim” (João 14:21), e em outro ponto: “Aquele que Me ama guardará Meus mandamentos”(14:23). Mas sem o amor os trabalhos das virtudes não são louváveis e lucrativos para o homem que os pratica e o mesmo é verdade do amor sem os trabalhos. São Paulo deixa isso plenamente claro com referência aos trabalhos quando escreve nos Coríntios: “Se faço isso e aquilo mas não tenho amor, não me vale de nada” (I Cor.13:1); e com referência ao amor o discípulo especialmente amado por Cristo escreve: “Não amemos em palavra ou língua mas em ação e verdade” (I João 3:8).

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O sublime e venerável Pai é o Pai da própria Verdade, ou seja, do Único Filho gerado; e o Espírito Santo é um Espírito da verdade, como o Logos da verdade proclamou (João 14:17). Aqueles que adoram o Pai 'em Espírito e Verdade' e que crêem adequadamente, são ativados por Eles. Como diz São Paulo: “é através do Espírito que adoramos e oramos” (Rom.8:26), enquanto que o Único Filho gerado de Deus diz: “Ninguém vem ao Pai exceto através de Mim” (João 14:6). Dessa forma aqueles que adoram o Pai supremo 'em Espírito e Verdade' são os verdadeiros adoradores.

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'Deus é espírito e aqueles que O adoram devem adorá-Lo em espírito e em verdade' (João 4:24) – isto é, ao conceber o incorpóreo incorporeamente. Pois assim irão verdadeiramente contemplá-Lo em toda parte em Seu espírito e Sua verdade. Uma vez que Deus é espírito Ele é incorpóreo. Aquilo que é incorpóreo não está situado em um lugar, nem é circunscrito por fronteiras espaciais. Portanto aquele que clama que Deus deve ser adorado em alguns lugares restritos dentro da plenitude do céu e da Terra não fala e nem adora verdadeiramente. Sendo incorpóreo, Deus não está em nenhuma parte, como Deus Ele está em todo lugar. Pois se houvesse uma montanha, um lugar ou uma criatura em que Deus não estivesse, Ele seria circunscrito por algo. Portanto, Ele está em toda parte, uma vez que não tem limites. Mas como Deus pode estar em toda parte? É por estar englobado não pela parte mas pelo todo? Certamente não, senão mais uma vez Ele seria um corpo. Portanto, uma vez que Ele sustenta e abarca todas as coisas, em Si mesmo Ele está em toda parte e também além de todas as coisas, e é adorado por seus adoradores verdadeiros em Seu Espírito e Sua Verdade (Joaõ 4:23).

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Sendo que os anjos e as almas são seres incorpóreos, eles não estão em um lugar particular, ainda assim também não estão em toda parte. Eles não sustentam todas as coisas e são eles mesmos dependentes Daquele que os sustenta. Assim, eles também estão Naquele que sustenta e abarca todas as coisas e são apropriadamente delimitados por Ele. A alma, uma vez que sustenta o corpo com o qual ela é criada, está em toda parte no corpo, ainda assim não num sentido de estar localizada em um determinado lugar ou delimitada, mas ela mesma sustenta, engloba e vivifica o corpo, pela virtude do fato de que ela existe à imagem de Deus.

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O homem é criado mais perfeitamente à imagem de Deus do que os anjos, por possuir em si um poder sustentador e vivificante e porque ele tem a capacidade para a soberania. Existe dentro da natureza de nossa alma uma faculdade regente e reguladora e há também aquilo que é subserviente e obediente, isto é, a vontade, o apetite, as percepções sensoriais e em geral tudo o que é subsequente ao intelecto e que foi criado por Deus junto com o intelecto. E essas coisas podem ser chamadas de subservientes mesmo que, incitados por uma disposição que é amante dos pecados, nos rebelemos não apenas contra o Deus Todo-Dominante mas também contra o poder regente inerente em nossa natureza. Assim, Deus, por virtude da nossa capacidade de soberania, deu-nos senhoria sobre toda a Terra. Mas os anjos não tem um corpo unido a eles e sujeito à seu intelecto. Os anjos que caíram adquiriram uma volição inata que é perpetuamente má, enquanto que os anjos bons possuem uma volição que é perpetuamente boa, e em ambos os casos não têm a necessidade de um cabresto.

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Aonde podemos aprender algo certo e verdadeiro sobre Deus, sobre o mundo como um todo e sobre nós mesmos? Não é no ensinamento do Espírito Santo? Pois esse ensinamento nos mostrou que Deus é o único Ser que realmente é – o único Ser eterno e imutável – que não recebe ser do não-ser e nem retorna ao não-ser; que é tri-hipostático e Todo Poderoso e que através de Seu Logos trouxe todas as coisas da não-existência (do não-ser) em seis dias, ou, como Moisés afirma, criou-as instantaneamente. Pois ouvimos ele dizer: “Em primeiro lugar Deus criou o Céu e a Terra” (Gen.1:1). E Ele não os criou totalmente vazios ou sem alguns corpos intermediários. Pois a terra foi misturada com água e cada uma delas foi engravidada com o ar e com as várias espécies de plantas e animais, enquanto que os céus engravidaram com várias luzes e fogo, e assim com os Céus e a Terra todas as coisas receberam sua existência. Portanto, primeiro de tudo Deus criou os Céus e a Terra como um tipo de substância material todo-abrangente com a potencialidade de dar a luz a todas as coisas.

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Para um homem conhecer a Deus e conhecer a si mesmo e a sua classificação apropriada, um conhecimento possuído por Cristãos que são considerados incultos é superior à ciência natural, à astronomia e toda a filosofia relacionada a tais assuntos. Ademais, nosso intelecto saber sobre sua própria enfermidade e buscar uma cura para isso, é incomparavelmente superior do que saber e procurar pela magnitude das estrelas, dos princípios da natureza, a geração das coisas terrestres e os circuitos dos corpos celestes, seus solstícios e ascensões, estações e retrogressões, separações e conjunções e, resumindo, todas as multiformes relações que surgem dos diferentes movimentos nos céus. Pois o intelecto que reconhece sua própria enfermidade descobriu aonde entrar a fim de encontrar a salvação e como se aproximar da luz do conhecimento e receber a sabedoria verdadeira que não termina com o presente mundo.

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Cada natureza espiritual e noética, seja angélica ou humana, possui vida como sua essência, por meio da qual continua imortal em sua existência e não admite dissolução. Mas a natureza espiritual e noética em nós tem a vida não apenas como sua essência mas também como sua atividade, sendo que ela vivifica o corpo unido a ela. Por essa razão ela também é chamada de - a vida do corpo. E quando é chamada de vida do corpo, é chamada de vida com referência a algo diferente e é uma atividade de nossa natureza, pois quando relativo a algo diferente, não pode nunca ser chamada de uma essência em si mesma. A natureza noética dos anjos, entretanto, não possui a vida como uma atividade desse tipo, pois ela não recebeu de Deus um corpo terreno e não foi unida a ele de tal maneira a ter um poder vivificante relacionado a si. No entanto a natureza deles pode admitir opostos, isto é, bem e mal. Isso é confirmado pelo fato de anjos do mal terem caído por causa de seu orgulho. Assim, os anjos são de certa maneira compostos, sendo formados de suas essências e de uma dessas qualidades contrárias de virtude ou vício. Desse modo, é evidente que mesmo os anjos não têm a bondade como sua essência.

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A alma de cada animal não imbuído de inteligência é a vida do corpo que ela anima, ela não possui vida como como essência mas como atividade, uma vez que aqui vida é relativo e não algo em si mesmo. De fato, a alma dos animais consiste de nada além daquilo que é estimulado pelo corpo. Desse modo, quando o corpo dissolve, a alma inevitavelmente dissolve também. Sua alma não é menos mortal do que o corpo, sendo que tudo o que ela é, relaciona-se e refere-se ao que é mortal. Então quando o corpo morre a alma também morre.

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A alma de cada homem é também a vida do corpo que ela anima, e possui uma atividade vivificante em relação a algo mais, ou seja, ao corpo que ela vivifica. Ainda assim, a alma tem a vida não apenas como uma atividade mas também como sua essência, uma vez que é auto-existente, pois ela possui uma vida espiritual e noética que é evidentemente diferente da vida do corpo e daquilo que é estimulado pelo corpo. Assim, quando o corpo dissolve a alma humana não perece com ele, e não apenas não perece mas continua a existir imortalmente, sendo que ela não é manifesta apenas em relação a algo mais, mas possui sua própria vida como sua essência.

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A alma espiritual e noética possui vida como sua essência, ainda assim pode admitir contrários, quer dizer, bem e mal. Portanto, é evidente que ela não tem a bondade como sua essência e nem o mal também, ambos existem como qualidades e quando algum deles está presente é porque a alma o escolheu. Eles estão presentes não com respeito ao lugar, mas quando quer que a alma noética, tendo recebido livre arbítrio de seu Criador, inclina-se para um ou para o outro e deseja viver de acordo com ele. Desse modo, a alma noética e espiritual é de certa forma composta, mas não por conta da atividade mencionada acima, pois essa atividade está relacionada a outra coisa, isto é, ao corpo e dessa forma não produz por natureza o que é composto. A alma é composta por conta de sua própria essência e a presença nela de uma das duas qualidades contrárias – bem e mal – das quais acabamos de falar.

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O Intelecto supremo, o Bem extremo, a Natureza que transcende a vida e a divindade, sendo totalmente incapaz de admitir oposto de maneira alguma, claramente possui bondade não como uma qualidade mas como essência. Assim, tudo o que podemos conceber como bom é para ser encontrado Nele, ou ainda, o Intelecto supremo tanto é esse bem quanto ultrapassa a bondade. E tudo o que podemos conceber como estando no Intelecto é bom, ou, de preferência é a bondade e uma Bondade que transcende a bondade. A vida também é encontrada Nele, ou melhor, o Intelecto é vida, pois a vida é algo bom e a vida que está no Intelecto é bondade. E a Sabedoria está nele, ou melhor, o Intelecto é Sabedoria, pois a Sabedoria é algo bom e a Sabedoria que está no Intelecto é bondade. E é o mesmo com a eternidade, a bem-aventurança e tudo o que pudermos conceber como bom. Não há distinção entre vida, sabedoria, bondade e assim por diante, pois essa Bondade abarca todas essas coisas compreensivamente, unitivamente com extrema simplicidade, e concebemos e chamamos Ele de Bondade por possuir a virtude de englobar toda forma de bondade. Qualquer bondade que pudermos conceber e atribuir a Ele é uma e verdadeira. Ainda assim, essa Bondade não é apenas aquilo que é verdadeiramente concebido por aqueles que percebem com um intelecto imbuído com Sabedoria divina e que falam de Deus com uma língua movida pelo Espírito; ela é também inefável, incompreensível e transcende essas coisas e não é inferior à simplicidade unitiva e supranatural, pois a Bondade absoluta e transcendente é uma. É apenas por isso, ou seja, que Ele é Bondade absoluta e transcendente, possuindo a bondade como Sua essência, que o Criador e Senhor da Criação é intelectualmente percebido e descrito, e isso somente nas bases de Suas energias que são direcionadas para a criação. Assim, o que Deus admite de maneira nenhuma é contrário à bondade, sendo que não há nada contrário no que concerne à essência.

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A Bondade que flui por meio da geração da Fonte da bondade noética é o Logos. Mas nenhuma pessoa inteligente poderia conceber um Logos ou uma porção de Inteligência que é sem vida ou sem espírito. Portanto, o Logos, Deus vindo de Deus, possui o Espírito Santo que brota junto Consigo do Pai. O Espírito do Logos supremo é um tipo de anseio inefável e intenso, ou eros, experimentado pelo Procriador pelo Logos nascido inefavelmente Dele, um anseio experimentado também pelo amado Logos e Filho do Pai por seu Progenitor, mas o Logos possui esse amor pela virtude do fato de que ele provém do Pai no próprio ato através do qual Ele povém do Pai e Ele reside co-naturalmente Nele. É por meio do discurso do Log0s conosco através de Sua encarnação que aprendemos qual é o nome do modo distinto do Espírito vir a ser do Pai e que o Espírito não apenas pertence ao Pai mas também ao Logos. Pois Ele diz: 'O Espírito da Verdade, que procede do Pai' (João 15:26), de modo que podemos saber que do Pai vem não somente o Logos - que é gerado do Pai - mas também o Espírito que procede do Pai. Ainda assim, o Espírito pertence também ao Filho, que O recebe do Pai como o Espírito da Verdade, Sabedoria e Logos. Pois Verdade e Sabedoria constituem um Logos que convém a seu Criador, um Logos que regozija-se com o Pai como o Pai regozija-se com Ele. Isso está de acordo com o que Ele disse através de Salomão: 'Eu era Ela que regojizou-se juntamente com Ele' (Prov.8:30). Salomão não disse 'regozijou-se' simplemente mas 'regozijou-se juntamente com'. Esse regozijo pré-eterno do Pai e do Filho é o Espirito Santo que, como foi dito, é comum a ambos, o que explica o porque Dele ser enviado de ambos àqueles que são dignos. Ainda assim, o Espírito obtém Sua existência do Pai apenas, e assim, no que diz respeito à Sua existência Ele procede apenas do Pai.

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Nosso intelecto, por ser criado à imagem de Deus, possui igualmente a imagem desse Eros sublime, ou, esse anseio intenso, uma imagem expressada no amor experimentado pelo intelecto pelo conhecimento espiritual que origina dele e continuamente reside nele. Esse amor é do intelecto, está no intelecto e brota dele juntamente com sua inteligência mais íntima ou seu logos. Isso é mostrado claramente pelo fato que mesmo aqueles que não são capazes de perceber o que reside profundamente dentro de si mesmos possuem um desejo insaciável por conhecimento espiritual. Ainda assim, nessa Bondade absoluta e transcendentalmente perfeita, onde não há nada imperfeito, o Eros divino é indistinguivelmente o que quer que essa Bondade seja, exceto pelo fato dele ser derivado dela. Assim, esse desejo intenso é, e é chamado de, o Espírito Santo e o Consolador (João 14:16), sendo que Ele acompanha o Logos. Dessa forma, sabemos que Ele é perfeito numa hipóstase perfeita e individual, de maneira nenhuma inferior à essência do Pai, mas indistinguivelmente idêntica ao Filho e ao Pai, embora não de acordo com a hipóstase, pois Sua distinção como hipóstase é manifestada no fato que Ele procede de Deus de uma maneira divinamente adequada. Assim, adoramos Deus verdadeiro e perfeito em três hipóstases verdadeiras e perfeitas – certamente não um Deus triplo mas um que é simples. Pois a Bondade não é algo triplo, nem uma tríade de Bondade. A Bondade mais sublime é uma Trindade sagrada, espantosa e venerável fluindo de Si mesma para Si mesma, imutável e estabelecida divinamente em Si mesma antes das eras. A trindade é sem limites e é limitada apenas por Si mesma, Ela limita todas as coisas, transcende tudo e não permite que nenhum ser esteja fora de Si mesma.