terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Nisargadatta Maharaj - 2, 3 e 6 de outubro de 1979


2 de outubro de 1979

Pergunta: O que é a testemunha? É a mente ou é algo além da mente?
Maharaj: É o conhecedor da mente.
P: Se digo “eu sou”, isso vem da mente?
M: O sentido de ser (beingness) expressa-se através da mente com as palavras “eu sou”.
P: Nos livros dos seus discursos traduzidos para o inglês as palavras destino e justiça são usadas. Elas são o mesmo que o Karma?
M: Justiça é a decisão dada. Destino é o depósito de impressões do qual toda esta manifestação flui. É o princípio do qual você emanou. É algo como o negativo de um filme; a consciência já está presente naquela fonte da qual você emanou e dessa forma o filme está sendo projetado. O que será projetado já está gravado. Assim, quaisquer atividades que aconteçam através desse sentido de ser– o qual é você – são o seu destino. Cada ação ou cada passo que esse sentido de ser irá tomar já estará registrado no filme.
P: São as estrelas que apresentam esse negativo, como dizem alguns astrólogos?
M: Isso é um perjúrio. Nove meses antes de seu nascimento o destino foi criado.
P: Por quem?
M: Ninguém, simplesmente acontece.
P: O negativo existe antes do destino começar? Onde esse negativo é impresso?
M: Esse é um atributo de Mula-Maya (a ilusão primordial).
P: Muitas pessoas acreditam que elas colhem o que plantam, dessa forma em algum momento anterior elas plantaram a estrutura negativa.
M: É apenas boato isso. Você tem alguma evidência disso?
P: Não.
M: Maya é a fonte primária da ilusão. Naquele momento o amor por Ser inicia-se. O “eu sou”, o amor por existir. Sua expressão é toda esta manifestação.
P: Por que algumas pessoas têm mais amor por esse falso ser do que outras?
M: Não é o caso de uma pessoa amar mais do que a outra, o estado de amor está presente e você tem que desfrutar ou sofrer dele. Mesmo quando sofremos nós amamos esse sentido de ser.
P: Quando praticamos o testemunhar isso ocorre conscientemente?
M: O que você quer dizer com praticar o testemunhar? O que você está tentando fazer é intensificar seu próprio sentido de ser. O testemunhar acontecerá automaticamente, mas o Ser deve abrir-se. Ainda antes do testemunhar você é.
P: Maharaj pediu-me para aquietar-me, mas meu estilo de vida dificulta que isso aconteça, meu trabalho tem um monte de pressão e atividade. Você recomendaria que eu mudasse de trabalho?
M: Eu não falo faça isso faça aquilo. Faça o que quiser, saiba apenas que você não é o ator, as coisas simplesmente acontecem. O destino que veio à existência no primeiro dia da concepção está desenrolando-se. Não há nenhuma ação que você possa alegar autoria. Uma vez que você sabe quem você é, esse destino não lhe limita mais.
P: O que as pessoas que morrem fazem para perceber que elas não têm corpo?
M: Nada aconteece, ninguém morre. Os textos sagrados dizem que aqueles que morrem com conceitos indissolvidos irão renascer.
P: Quando renascem eles têm escolha de corpos diferentes ou de ir para a família A ou B?
M: Por que você se preocupa com assuntos alheios a você assim? Concentre em converser a si mesmo que você não é o corpo. Este corpo é feito dos cinco elementos e é realmente um corpo comida, você não tem parte nisso. Este corpo-comida não se refere a você. A força vital, a respiração e o sentido de ser dependem de comida e água. Sem comida e água o sentido de “eu sou” (I amness) fica ausente.
P: Mas o sentido de “eu sou” retorna posteriormente então?
M: Você não é nenhuma dessas coisas. Não há a questão de renascimento.
P: Parece que algo com o nome de comida está pairando no ar. Você pode constituir um corpo a partir disso e se você tiver conceitos errados você aterriza naquele corpo. Na verdade, me parece que está implícito no ensinamento que não existe tal coisa como a comida e o corpo-comida, eles são apenas um conceito.
M: De que nível você está falando agora? Como você entende que o corpo não está aí, que ele vem da mente?
P: Estou compreendendo isso a partir do que Maharaj diz no livro.
M: Você teve essa realização?
P: Se tivesse realizado teria me tornado um Jnani.
M: Exatamente. Até que isso ocorra o corpo nasce da maneira como todos os corpos nascem.
P: Da maneira que as coisas são para nós agora, temos um conceito de um corpo que deveríamos aceitar e não criar um outro conceito de que não existe o corpo?
M: Vá para a fonte. Quem sabe que existe o corpo? Algo é anterior à criação do corpo.
P: Todos os esforços que fazemos a esse respeito têm algum efeito em destruir o sentido de “eu sou”, ou isso é parte do filme? De modo que os esforços que as pessoas pensam que estão fazendo para alcançar o objetivo não têm efeito, está tudo contido naquele filme?
M: Esteja naquela fonte que é a luz por trás da consciência, entenda ela. O que está acontecendo naquele Mula-Maya.
A fita cassete grava o que estou falando, mas o que quer que esteja na fita não sou eu. Do mesmo modo que a voz original não está na fita também você está separado da química, do corpo, do sentido de eu sou, da consciência.
P: A realização está no filme?
M: Não pode estar no filme porque você é o conhecedor daquele filme. Agora pondere sobre o que você escutou e volte as cinco horas.
Essa mente é apenas um acúmulo de pensamentos que estão presentes na manifestação. Todas as suas atividades dependem da mente e a mente depende de todas as suas memórias e daquilo que você ouviu neste mundo.
Estamos absorvendo aquilo que acontece no mundo e estamos olhando para isso do nosso próprio ponto de vista, colocando nossos próprios conceitos nessas coisas. E por essa consciência corpo-mente absorver tudo o que acontece no mundo, nós vamos dando a essa consciência “eu sou”o crédito de ter outras vidas, nascimento, karma, etc. Você aceita certas coisas como virtuosas e boas e rejeita outras como pecaminos e más, mas esses são apenas conceitos que você adquiriu no mundo e não há base para distinção.
P: Ontem Maharaj falou sobre os chakras (centro de energia psíquica no corpo) e sobre brahma-randra. Questiono-me se devemos se devemos nos ater a essas coisas em nossa meditação.
M: Esqueça a respeito dos chakras. Atenha-se ao conhecimento “eu sou” e torne-se um com ele, isso é meditação.
P: Quem é que vai segurar-se no “eu sou”?
M: Quem está fazendo essa pergunta?
P: Estamos aptos a ir além de nossos pensamentos, ou no estado absoluto os pensamentos são apenas parte do filme? E se são, temos apenas que ter paciência com eles?
M: Quem quer ir além dos pensamentos? Quem é esse? Antes da consciência aparecer no estado de vigília, esse é o Absoluto, assim que a consciência aparece os pensamentos surgem. Você não tem que ter paciência com eles, nem descartá-los, apenas conheça-os.
P: Todas as outras coisas que determinam quem você chama de Original, elas não existem?
M: Mas isso é apenas quando você atinge o estado original, quando você é um Jnani.
P: Nós já somos isso.
M: Se fossem não haveriam questões e vocês não estariam aqui.
 

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3 de outubro de 1979

Pergunta: A respeito do filme que Maharaj estava falando ontem, fiquei me perguntado se quando questionamos “quem sou eu?” a resposta é a idéia daquilo que está se sucedendo no filme. Ou seja, “quem sou eu?” e “quem está fazendo isso?” estão conectados no filme. Isso é correto?
Maharaj: Desde que o sentido de ser (beingness) apareceu sobre você, o que quer que esteja sendo feito através desse conhecimento (beingness) é inteiramente o resultado dos cinco elementos operando através de você e através de qualquer conhecimento de “eu sou” que você tenha recebido desses elementos. O “eu sou” é anterior ao “conhecimento eu sou”, mas isso que está operando através do conhecimento no momento – essa personalidade que você assumiu para si – é o resultado da essência da comida que vem dos cinco elementos. A menos que você estiver absolutamente quieto e que se estabileze no “conhecimento eu sou” esse resultado das atividades mundanas irão separar-se do “eu sou”. Você deve estabilizar-se ali primeiramente.
P: A testemunha é uma parte do filme testemunhando parte do filme?
M: Assim que o “eu sou” aparece em você quando você desperta, ele é a testemunha, mas depois desse momento toda a manifestação vem dentro da visão do“eu sou” e ele testemunha toda a manifestação.
Depois do sono profundo, assim que a consciência do “eu sou” alvorece em você – essa é a testemunha. Antes daquele momento você não sabia que você era, não havia testemunha, nem conhecimento do “eu sou”.
Você teve evidência de que você é assim que a consciência apareceu em você, mas assim que a evidência foi recebida essa consciência apegou-se ao corpo. Assim que o “eu sou” apegou-se ao corpo ele teve de comportar-se de acordo com os pensamentos que estavam aparecendo nesta manifestação. Chamos isso de disposição ou mente.
P: O “eu sou” – o conceito primordial – é que está testemunhando ou esse testemunhar é um aspecto, como o testemunho impessoal?
M: A consciência é para mim ou para você um corpo individual. Eu digo que eu estou consciente, você diz que você está consciente; entretanto, separado dessa consciência há um princípio que está ciente dessa consciência.
P: Portanto, é o estado original que é a testemunha da consciência, mas isso não é algo pessoal. Na condição original Maharaj diz que testemunhar não requer esforço, acontece automaticamente.
M: O que quer que exista é a consciência, esse é todo o capital que temos. Uma vez que essa consciência é limpa de qualquer coisa, você atinge o estado original automaticamente. Mas se você quer saber o que esse estado é, todo esse conhecimento estará lá. Porque para saber qual é o seu estado original você deve compreender e você deve abandonar essa auto-identificação com o corpo.
Enquanto você se identificar com o corpo-mente você será condicionado. Uma vez que você se estabiliza no conhecimento “eu sou” incondicionalmente, você torna-se a “eu sou ência” (I amness) manifesta – não mais um indivíduo. Nos estado manifesto de “eu sou ência” (I amness) não existe a questão de você fazer, porque você não é mais um indivíduo. O que quer que aconteça, acontece na sua consciência.
O que quer que aconteça através disto, você também sabe que irá acontecer, mas não há a questão de fazer ou de ser coisa alguma.
Da água da chuva coisas boas e coisas ruins crescem, nenhum pecado é atribuído à água da chuva pelo crescimento de coisas ruins e nenhum mérito pelas coisas boas. Onde está a questão do renascimento para a água da chuva e onde está o pecado ou o mérito para a água da chuva?
P: O “eu” e o “eu sou” sem palavras não são o eu do qual pensamos?
M: Antes de nomeá-lo você já sabe que você é. Nesse estágio tudo é o seu Ser, incluindo a sujeira, o sol e a lua. Esse é o Ser. Tudo é manifestação sua, mas você está ainda além disso.
Um passo adiante agora: a consciência significa este mundo, esta manifestação, a “eu sou ência”, o sentido de ser, de existência (beingness). Esta consciência tem todas as cores, é ampla, repleta, infinita. Eu, o Absoluto, não sou a terra, o fogo, a água, o ar nem o espaço. Sou imaculado, não sou tocado por nada. Mas se considerarmos “Eu” como a “eu sou ência” – o sentido de existência – então toda esta manifestação sou eu e nesta “eu sou ência manifesta" também não sou tocado por nenhum pecado ou mérito.
P: Gostaria de saber por que a concepção é mais importante do que qualquer outro momento para determinar o futuro.
M: A concepção é o momento onde, inadvertida e espontaneamente, a fotografia dos pais é tirada, juntamente com a situação do mundo naquele momento.
P: O budismo tibetano afirma que é só talvez no terceiro ou quarto mês que a alma entra no últero.
M: O que é o útero?
P: A idéia não é minha. Estou apenas repetindo o que ouvi.
M: Todo este mundo manifesto é uma combinação dos cinco elementos. Estamos nos cinco elementos, fazemos parte dos cinco elementos, toda a peça desenrola-se nos cinco elementos.
P: Quando surgiram os cinco elementos?
M: Naquela ocasião não havia o tempo.
P: Não podemos vencer!
M: Não tente.
P: Quem concebeu os cinco elementos, seja dentro ou fora do tempo?
M: Aquele conceito primordial, Mula-Maya, a fonte da ilusão. Quem concebeu todas estas casas e prédios? O conceito mental.

Pergunta: A consciência e a testemunha são a mesma coisa?
Maharaj: Para qualquer coisa que seja visível a consciência é a testemunha. Porém existe um outro princípio que testemunha a consciência e esse princípio está além do mundo.
P: Como você testemunha a consciência?
M: Como você testemunha o fato de que você está sentado? É com esforço ou sem esforço?
P: Sem esforço.
M: Da mesma forma. Onde quer que você coloque esforço isso acontece do ponto de vista corporal. O conhecimento “eu sou” é a alma do mundo todo. A testemunha do conhecimento “eu sou” é anterior ao conhecimento “eu sou”.Tente entender-se a si mesmo como você é, não adicione nenhuma qualificação. Você quer fazer algo do mesmo modo que você prepara seus alimenos com vários ingredientes. O testemunhar ou esse awareness é assim como você observa o seu sono profundo. Igual.
P: Eu não entendo.
M: Isso não é compreensível. Você deve contemplar a si mesmo. O que quer que surja na tela de sua contemplação certamente desaparecerá. O contemplador permanece.

 
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6 de outubro de 1979
 
Pergunta: Como sabemos qual é o primeiro filme?
Maharaj: O primeiro filme é quando a faculdade de conhecer (de estar ciente) aparece em você. Naquele conhecimento ‘eu sou’ tudo está contido.
P: Mas o que quero dizer é que nós nascemos e depois morremos. Quero saber agora se teremos a memória disso?
M: De acordo com sua própria experiência essa faculdade de conhecer, esse sentido de eu sou, foi o primeiro a aparecer ou apareceu depois de algo?
P: Para mim ele é o primeiro.
M: Isso é tudo que você tem que tomar como garantido. Jogue fora tudo que você escutou ou ouviu. Diga-me apenas o que for da sua própria experiência.
Certa vez, uma pessoa me disse que me conhecia já há onze vidas. Eu disse a ela: “Esse é um conceito seu. Eu não lhe conheço.” Eu não tenho fé em nada a menos que eu tenha experimentado aquilo por mim mesmo.
P: Existe violência por toda a parte, guerras e todos os tipos de horrores. Ansiamos por nos separar disso e ao mesmo tempo estamos unidos a isso.
M: Ninguém foi capaz de mudar Maya. Apenas observe, sem aceitar ou rejeitar. A solução poderá existir quando você residir no seu Ser. Investigue como você veio a existir.
P: Porque fui criado pelos meus pais.
M: Isso apenas nesse filme; no momento quando o filme começou a conhecer a si mesmo, o “eu sou”; foi aí que você veio a conhecer tudo isso. Você conhecia alguma coisa anteriormente?
P: Não havia nada.
M: Exatamente. Isso o que você tem de entender. Dirija sua questão para o “quem sou eu?” e “o que sou eu?”
Havia um homem que tinha o hábito de beber chá todas as manhãs as cinco horas. Infelizmente, aquele princípio abandonou seu corpo as três. Aquele corpo morto vai querer chá as cinco? Vocês não tocam em áreas que deveriam ponderar, mas querem saber tudo sobre as outras áreas que são apenas uma fase passageira.
P: Não deveríamos mudar para podermos estar aptos a obter esse conhecimento?
M: Você não é aquele que muda. O que muda é a sua mente, seu intelecto e seu corpo. Quando você vem aqui e escuta, você é inspirado a pensar internamente, posteriormente sua natureza muda. O mais importante é escutar e ao escutar essas palavras sábias, gradualmente a mente irá mudar.
Aquele conhecimento “eu sou” é nascido do amor, mas a ilusão apoderou-se dele tanto que o amor pelo sentido de ser (I am-ness) foi para o pano de fundo. Permanecer com ele ficou cada vez mais difícil. Antes do sugimento da manifestação o amor era total.
P: O “eu sou” é identico à consciência?
M: Sim, mas esse “sentido de eu sou”(I am-ness) estará presente apenas enquanto o combustivel durar.
P: O combustivel, em ultima instância, deve ser o amor.
M: Sim. Esse amor permeia a tudo. Estas flores são uma expressão do meu amor. O desabrochar das flores não é uma expressão de amor do individuo, mas uma expressão universal de amor.
P: Como o movmento se iniciou?
M: Não há motivo, causa, propósito. Está acontecendo espontaneamente.
P: Maya é do ponto de vista do primeiro movimento ou do ponto onde as formas são criadas?
M: Tudo está contido dentro desta consciência, o show todo.
P: Até mesmo a aparição da própria ilusão?
M: Sim, tudo é ilusão. Sua convicção de que você nasceu é uma ilusão.
P: Quem é a vítima da ilusão e quem será libertado dela?
M: O conhecimento de que você é, é a vítima e é ele que será libertado.
Um fazendeiro semeia e colhe a produção. Ele cria e ele consome. Ilusão, Maya ou Brahma são todos nomes seus. Quem é libertado e que é aprisionado? Você apenas.