sexta-feira, 22 de julho de 2011

Bhagavan Ramana Maharshi - Índia, setembro de 1936

Bhagavan: O jnani (sábio) diz: "eu sou o corpo" e o ajnani (ignorante) também diz: "eu sou o corpo", qual é a diferença? O "Eu Sou" é a verdade. O corpo é a limitação. O ajnani limita o "eu" ao corpo. Durante o sono profundo, o 'Eu' permanece independente do corpo. O mesmo "Eu" está agora no estado de vigília. Embora seja comum pensar que ele está dentro do corpo, o "Eu" existe sem o corpo. A noção errada não é o 'eu sou o corpo', é o 'Eu' que diz isso. O corpo por si mesmo é inerte (inanimado) e não pode dizer isso. O erro está em pensar que o 'Eu' é o que ele não é. O 'Eu' não é inerte. O 'Eu' não pode ser o corpo inconsciente. Os movimentos do corpo são confundidos com o 'Eu' e o resultado disso é a miséria. Esteja o corpo funcionando ou não, o "Eu" permanece livre e feliz. O 'eu' do ajnani é apenas o corpo. Esse é todo o erro. O "Eu" do jnani inclui o corpo e tudo mais. Claramente alguma entidade intermediária surge e dá origem à confusão.Pergunta: Se o jnani diz "eu sou o corpo", o que lhe acontece na hora da morte?
B: Mesmo agora ele não se identifica com o corpo.
P: Mas você disse há pouco que o jnani diz: "eu sou o corpo."
B: Sim. Seu "Eu" inclui o corpo. Não pode haver nada separado do 'Eu' para ele. Se o corpo se vai, não há perda para o 'Eu'. O 'Eu' permanece o mesmo. Se o corpo sentir-se morto deixe-o levantar a questão. Sendo inerte ele não pode fazê-lo. O "Eu" nunca morre e não faz a pergunta. Quem então morre? Quem faz perguntas?
P: Para quem são todas as escrituras (sastras) então? Elas não podem ser para o 'Eu' real. Elas devem ser para o 'eu' irreal. O 'Eu' real não as requer. É estranho que o 'eu' irreal tenha tantas sastras direcionadas para si.
B: Sim. É isso mesmo. A morte é apenas um pensamento e nada mais. Aquele que pensa é que traz problemas. Deixe o pensador nos dizer o que acontece com ele na morte. O verdadeiro "Eu" é silencioso. Não se deve pensar "eu sou isto - eu não sou aquilo". Dizer 'isto ou aquilo" é errado. Essas também são limitações. Apenas o "Eu Sou" é a verdade. O silêncio é o 'Eu'. Se uma pessoa pensa 'eu sou isso ", outra pensa 'eu sou isso" e assim por diante, há um choque de pensamentos e tantas religiões são o resultado. A verdade permanece como é, ela não é afetada por quaisquer declarações, conflitantes ou não.
P: O que é a morte? Não é o desaparecimento do corpo?
B: Você deseja saber isso durante o sono? O que está errado então?
P: Mas eu sei que vou acordar.
B: Sim - novamente o pensamento. Há o pensamento precedente "eu irei acordar". Os pensamentos governam a vida. A liberdade de pensamentos é a nossa verdadeira natureza - a Graça.

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Bhagavan: A ignorância - ajnana - é de dois tipos:

(1) O esquecimento do Ser.
(2) A obstrução ao conhecimento do Ser.

As ajudas e apoios são destinados a erradicar os pensamentos; estes pensamentos são as manifestações de predisposições remanescentes na forma embrionária, eles dão origem à diversidade da qual todos os problemas surgem. Essas ajudas são: ouvir a Verdade transmitida pelo mestre (sravana), etc. Os efeitos de sravana podem ser imediatos e o discípulo percebe a Verdade de imediato. Isso só pode acontecer para o discípulo bem avançado. Caso contrário, o discípulo sente que é incapaz de perceber a Verdade, mesmo depois de ouvi-la repetidamente. Isso se deve a quê? Às impurezas em sua mente, à dúvida, à ignorância e à identidade errônea; esses são os obstáculos a serem removidos.

(a) Para remover a ignorância completamente, ele tem de ouvir a Verdade repetidamente, até que seu conhecimento sobre o assunto em questão torne-se perfeito. (b) Para remover as dúvidas, ele deve refletir sobre o que ouviu até que seu conhecimento fique livre de dúvidas de qualquer espécie. (c) Para remover a identidade errada do Ser com o não-Ser (com o corpo, os sentidos, a mente ou o intelecto) sua mente deve tornar-se unidirecionada.

Uma vez que todas essas coisas forem realizadas, os obstáculos são exterminados e com isso o estado de Samadhi é alcançado, isto é, a Paz reina. Alguns dizem que nunca devemos deixar de nos envolver no processo de ouvir a Verdade, de refletir sobre o conhecimento e de manter a unidirecionalidade. Isso não é realizado ao lermos livros, mas apenas pela prática contínua de manter a mente afastada (separada). O aspirante pode ser kritopasaka ou akritopasaka. O primeiro está apto a realizar o Ser, mesmo que com o menor estímulo, apenas algumas pequenas dúvidas impedem seu caminho e são facilmente removidas se ele ouvir a Verdade do Mestre ainda que uma só vez. Imediatamente ele ganha o estado de Samadhi. Presume-se que ele já havia concluído o sravana, a reflexão, etc em nascimentos anteriores, eles não são mais necessários para ele. Para o outro todas essas ajudas são necessárias; para ele as dúvidas surgem mesmo depois de ouvir repetidas vezes, por isso ele não deve desistir dessas ajudas até que ganhe o estado de Samadhi. O Sravana remove a ilusão do Ser como sendo o mesmo que o corpo, etc. A reflexão deixa claro que o Conhecimento é o Ser. A unidirecionalidade revela o Ser como sendo Infinito e Bem-aventurado.

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Pergunta: Nós temos ouvido falar de você, Maharshi, como a mais gentil e nobre das almas. Há muito tempo desejávamos ter seu Darshan. Eu vim aqui uma vez antes, no dia 14 do mês passado, mas não pude permanecer em sua santa presença tanto quanto eu desejava. Sendo uma mulher e também jovem, eu não pude aguentar a pressão das pessoas ao meu redor, e assim parti às pressas depois de fazer uma ou duas perguntas simples. Não há homens santos como você em nossa parte do país. Sou feliz no que diz respeito a ter tudo o que quero. Mas não tenho aquela paz de espírito que traz felicidade. Venho agora aqui em busca de sua bênção para que eu possa obter essa Paz.
Bhagavan: O Bhakti (a devoção) atenderia o seu desejo.
P: Quero saber como posso ganhar essa paz de espírito, essa paz mental. Por favor, faça a gentileza de aconselhar-me.
B: Sim, é necessário devoção e entrega.
P: Sou digna de ser uma devota?
B: Qualquer um pode ser um devoto. O caminho espiritual é comum a todos e nunca é negado a ninguém - seja a pessoa jovem ou velha, homem ou mulher.
P: É exatamente isso que estou ansiosa para saber. Sou jovem e dona de casa. Há deveres domésticos que devo desempenhar. A devoção está de acordo com tal posição como a minha?
B: Certamente. O que você é? Você não é o corpo. Você é a Pura Consciência. Os deveres domésticos e o mundo são apenas fenômenos aparecendo sobre essa Consciência Pura. Ela permanece inalterada. O que impede você de ser seu próprio Ser?
P: Sim, já estou familiarizada com a linha de ensinamentos do Maharshi. Trata da busca pelo Ser. Mas a minha dúvida persiste, tal busca é compatível com a vida de uma dona de casa?
B: O Ser está sempre aí. Ele é você. Não há nada além de você. Nada pode estar separado de você. A questão da compatibilidade ou coisas desse tipo não surge.
P: Vou ser mais definida. Apesar de ser uma estranha, sou obrigada a confessar a causa de minha ansiedade. Fui abençoada com filhos. Um menino - um bom brahmachari - faleceu em fevereiro. Fui assolada por uma grande agonia. Fiquei desgostosa com esta vida. Quero me dedicar à vida espiritual. Mas meus deveres como dona de casa não me permitem levar uma vida retirada. Daí vem a minha dúvida.
B: Retirar-se significa a permanência no Ser. Nada mais. Não significa deixar um conjunto de condições circundantes e se emaranhar em outro conjunto, nem mesmo deixar o mundo concreto e se envolver em um mundo mental. O nascimento do filho, a sua morte, etc, são vistos no Ser somente. Lembre-se do estado de sono. Você estava ciente de algo acontecendo? Se o filho ou o mundo fossem reais, eles não deveriam estar presentes com você no sono? Você não pode negar a sua existência no sono. Também não pode negar que você estava feliz naquele estado. Você é a mesma pessoa falando agora e levantando questões. Você não está feliz, de acordo com você. Mas você estava feliz no sono. O que aconteceu nesse meio tempo que fez a felicidade do sono ser quebrada? Foi o aparecimento do ego. Essa é a nova chegada no estado Jagrat. Não havia ego no sono. O nascimento do ego é chamado de o nascimento da pessoa. Não há outro tipo de nascimento. Qualquer coisa que nasça está fadada a morrer. Mate o ego: não há medo recorrente da morte para o que foi uma vez morto. O Ser permanece mesmo após a morte do ego. Isso é a Bem-aventurança - isso é a Imortalidade.
P: Como isso deve ser feito?
B: Veja para quem estas dúvidas existem. Quem é o sujeito da dúvida? Quem é o pensador? É o ego. Mantenha-se com ele. Os outros pensamentos vão morrer. O ego é deixado puro, veja de onde surge o ego. Essa é a consciência pura.
P: Isso parece difícil. Podemos proceder pelo caminho do Bhakti?
B: Isso é de acordo com o temperamento individual e com o histórico da pessoa. O Bhakti é o mesmo que o Vichara (a auto investigação).
P: Eu quero dizer a meditação, etc.
B: Sim. A meditação é em uma forma. Isso irá afastar os outros pensamentos. O pensamento único de Deus vai dominar os outros. Isso é a concentração. O objeto da meditação é, portanto, o mesmo que o do Vichara.
P: Nós vemos Deus em uma forma concreta?
B: Sim. Deus é visto na mente. A forma concreta pode ser vista. Ainda assim, é apenas na mente do devoto. A forma e a aparência da manifestação de Deus são determinadas pela mente do devoto. Mas essa não é a finalidade. Nesse caso há a sensação de dualidade. É como uma visão em um sonho. Depois que Deus é percebido, o Vichara começa. E ele termina na Realização do Ser. Vichara é a rota final. Mas claro, poucas pessoas acham o vichara praticável. Outros acham o Bhakti mais fácil.
P: O Sr. Brunton não encontrou você em Londres? Isso foi apenas um sonho?
B: Sim. Ele teve a visão. Ele me viu em sua mente.
P: Ele não viu esta forma concreta?
B: Sim, ainda em sua mente.
P: Como hei de alcançar o Ser?
B: Não existe alcançar o Ser. Se o Ser fosse para ser atingido, significaria que o Ser não está aqui e agora, que deveria ser obtido de nova maneira. O que é obtido também será perdido. Por isso será impermanente. Não vale a pena lutar por aquilo que não é permanente. Portanto eu digo, o Ser não é atingido. Você é o Ser. Você já é Aquilo. O fato é que você é ignorante de seu estado bem-aventurado. A ignorância sobrepõe-se e coloca um véu sobre a pura Bem-Aventurança. As tentativas são direcionadas somente para remover essa ignorância. Essa ignorância consiste no conhecimento errado. O conhecimento errado consiste na falsa identificação do Ser com o corpo, com a mente, etc. Essa identidade falsa deve sair de cena e ali o remanecente será o Ser.
P: Como é que isso acontece?
B: Ao inquirir sobre o Ser.
P: É difícil. É possível para mim Realizar o Ser, Bhagavan? Gentilmente me diga. Parece tão difícil.
B: Você já é o Ser. Portanto, a Realização é comum a todos. A Realização não conhece diferença nos aspirantes. Esta própria dúvida: "posso Realizar?" Ou o sentimento: "eu não Realizei" são os obstáculos. Livre-se deles também.
P: Mas deve haver a experiência. A menos que eu tenha a experiência como eu poderei livrar-me desses pensamentos que me afligem?
B: Eles também estão na mente. Estão lá porque você identificou a si mesma com o corpo. Se essa falsa identidade desaparecer, a ignorância desaparecerá e a Verdade será revelada.
P: Posso engajar-me na prática espiritual mesmo permanecendo em Samsara?
B: Sim, certamente. Devemos fazê-lo.
P: Samsara não é um obstáculo? Todos os livros sagrados não defendem a renúncia?
B: Samsara está apenas em sua mente. O mundo não fala: 'eu sou o mundo". Caso contrário, ele deveria estar sempre aí - sem excluir o seu sono. Uma vez que ele não existe no sono, ele é impermanente. Sendo impermanente ele não tem resistência. Não tendo resistência, ele é facilmente subjugado pelo Ser. Somente o Ser é permanente. A renúncia é a não-identificação do Ser com o não-Ser. Com o desaparecimento da ignorância o não-Ser deixa de existir. Essa é a verdadeira renúncia.
P: Por que, então, em sua juventude você deixou sua casa?
B: Esse é o meu destino (prarabdha). Nossa linha de conduta nesta vida é determinada por nosso destino. Meu destino era assim. Seu destino é dessa forma.
P: Eu não deveria também renunciar?
B: Se esse tivesse sido o seu destino a questão não teria surgido.
P: Eu deveria, portanto, permanecer no mundo e engajar-me na prática espiritual? Bem, posso conseguir a Realização nesta vida?
B: Isso já foi respondido. Você é sempre o Ser. Os esforços sinceros nunca falham. O sucesso está fadado a dar resultados.