terça-feira, 3 de agosto de 2010

Farid-ud-din Attar - A Linguagem dos Pássaros - O Vale da Busca

Ó tu que conheces o caminho de que falas e aonde queres acompanhar-nos! A vista deve obscurecer-se nesta senda, pois, de fato, ela parece extremamente penosa e longa.

“Temos de atravessar sete vales”, respondeu a poupa, “e somente depois desses vales poderemos encontrar o palácio do Simorg. Ninguém retorna ao mundo depois de ter percorrido esse caminho, ninguém poderia dizer quantos quilômetros mede sua extensão. Como podem os homens falar do que não conhecem? Não há mensageiro para narrar essa história. Assim sendo, como queres que alguém possa instruir-te a esse respeito e acalmar tua impaciência? Se todos que entraram nesta senda perderam-se nela para sempre, como iriam dar-te notícias? És um insensato!

O primeiro vale que se apresenta é o da busca (talab), o que vem depois é o do amor (ischc), o qual não tem limites, o terceiro é o do conhecimento (ma'rifat); o quarto é o da independência ou da auto-suficiência (istigna), o quinto é o da pura unidade (tauhid); o sexto é o da terrível estupefação (hairat), finalmente, o sétimo é o da pobreza e do aniquilamento (fana), vale além do qual não se pode avançar. Para aí serás atraído e entretanto não poderás continuar teu caminho, uma só gota de água será para ti como um oceano.

Logo que entres no primeiro vale, o da busca, cem penosas coisas te assaltarão sem cessar. Nesse lugar terá de experimentar a cada instante cem provações; o papagaio do céu não é aí mais que uma mosca. Terás de passar vários anos nesse vale e fazer penosos esforços até mudares de estado. Terás de abandonar tuas riquezas e deixar tudo o que possuis. Renunciando a tudo, terás de entrar num charco de sangue; e quando tiveres a certeza de que não possuis nada , ainda terás de desligar teu coração de tudo o que existe. Viaja somente no sangue de teu coração. Quando teu coração estiver a salvo da perdição, verás brilhar a pura luz da majestade divina, e, quando esta manifestar-se a teu espírito, teus desejos se multiplicarão ao infinito. Então, ainda que haja fogo no caminho do viajante espiritual e mil vales mais penosos uns que os outros para atravessar, movido por seu amor ele se lançará a esses vales como um louco e se precipitará como a mariposa em meio às chamas . Impelido por seu delírio, ele se entregará à busca simbolizada por esse vale. Pedirá que lhe seja servido mais vinho e quando tiver bebido algumas gotas ele esquecerá os dois mundos. Submerso no oceano da imensidão, terá ainda assim os lábios secos e não poderá pedir senão a seu próprio coração o segredo de eterna beleza. Em seu desejo de conhecer esse segredo ele não temerá os dragões que querem devorá-lo. Se nesse momento a fé e a infidelidade se apresentassem juntas, ele receberia ambas de bom grado sempre que elas lhe abrissem a porta que deve fezê-lo chegar a seu destino. De fato, quando esta porta está aberta, o que é então a fé ou a infidelidade, se do outro lado dessa porta não há nem uma nem outra? Apesar da blasfêmia que está à porta, o peregrino esperará pacientemente que ela se abra.”



Palavras alegóricas de Amru de Osman

Amru de Osman em seu livro do tesouro (Ganj-nam) disse que ele escreveu em Meca: “Quando Deus soprou a pura vida no corpo de Adão, que não era mais que terra e água, não quis que os anjos tivessem conhecimento desse segredo e sequer o suspeitassem. Ele disse então: 'Prosternai-vos agora ante Adão, ó espíritos celestes!' Todos inclinaram então a cabeça sobre a face da terra e nenhum deles pôde ver o segredo que Deus desejou esconder. Porém Íblis disse para si mesmo: 'Ninguém me verá dobrar os joelhos neste momento. Ainda que me cortassem a cabeça, isto não seria para mim uma aflição maior que a que resultaria desta ação se eu a fizesse. Já que sei que Adão é somente terra, não importa que eu abaixe ou não a cabeça para não ver esse segredo; não há perigo pois em inclinar-me'. Assim, como Íblis não baixou a cabeça, pôde ver o segredo que espreitava. Então Deus lhe disse: 'Ó tu que te pudeste de emboscada no caminho! Aqui mesmo tu roubaste Meu segredo, porém, já que viste o segredo que Eu queria esconder, deves morrer, para que não o divulgues pelo mundo. Sempre que um rei esconde um tesouro de seu exército, faz perecer os que por ventura presenciam esse ato e passa uma linha sobre suas vidas. Tu és esse homem do tesouro, como ele viste um tesouro escondido e é necessário que te resignes a ter a cabeça cortado. De fato, se neste momento Eu não te corto a cabeça, será livre para revelar esse segredo a todo mundo'.

'Senhor', disse Íblis, 'dá trégua a Teu servidor, tem piedade e indica um meio de expiação àquele que caiu em Tua desgraça!' Deus respondeu: 'Quero dar-te uma trégua, todavia coloco em teu pescoço o colar da maldição e dou-te o nome de mentiroso, a fim que desconfiem de ti até o Dia da Ressurreição'.

Íblis disse então: 'Por que devo temer Tua maldição, se esse puro tesouro manifestou-se a mim? Se a maldição vem de Ti, também possuis misericórdia; a criatura depende de Ti, pois o destino Te pertence. Se a maldição é minha herança, nada tenho a temer, se há o veneno também há o remédio. Quando vi as criaturas Te pedirem misericórdia, eu, em minha ignorância, tomei Tua maldição. Maldizes algumas de Tuas criaturas e bendizes outras. Eu sou a criatura de Tua maldição, visto que falhei.'”

Se queres alcançar o mistério que te anuncio, deves agir assim; mas tu não buscas o verdadeiro sentido das coisas, só tens a pretensão. Se não podes encontrá-lo nem de dia nem de noite não é porque não existe, mas porque tua busca é defeituosa.

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Outra história sobre o Sheik Schabli



No momento de sua morte, Schabli estava agitado, tinha os olhos turvos e o coração cheio de espectativa. Ele tinha os rins apertados pelo cinturão da estupefação e estava sentado sobre as cinzas. Tanto molhava essas cinzas com seu pranto, tanto cobria sua cabeça com elas. Alguém lhe fez então esta pergunta: “Por que esperar pela morte desta maneira? Já viste alguém, em tal momento, servir-se do zunnar que envolve tua cintura?” Ele respondeu: “Eu queimo, o que devo fazer e como agir? O que farei, se deixo a vida por causa do ciúme que experimento? Minha alma desprendeu a vista dos dois mundos e arde neste momento pelo ciúme que sinto de Íblis. Ele contentou-se com a palavra da maldição, e eu espero que também minha queixa alcance plenamente seu objetivo. Apesar de ter renunciado ao universo, ficaria contentado com o que Íblis conseguiu: a maldição de Deus. Tendo Schabli o coração agitado e em chamas, poderia transmitir a uma outra pessoa algo do que sente?”

Se fazes diferença entre o que te chega da parte de Deus, seja pedra ou diamante, não és homem da via espiritual. Se te sentes honrado pelo diamante e desonrado pela pedra, Deus não está contigo. Não é necessária amar mais o diamante que detestar a pedra, presta atenção a isso, pois os dois vêm deDeus. Se tua amante num momento de loucura, te atira uma pedra, isto vale mais que receber uma jóia de outra mulher. Animado por um ardente desejo e pela esperança, o homem deve expor sem cessar sua vida no caminho espiritual. Não deve deter-se um instante nessa busca; não deve permanecer nem um instante na inércia. Se ele fica um só momento sem ocupar-se de sua procura, será violentamente lançado para fora do caminho.




História sobre Majnun


Um homem que amava Deus viu um dia Majnun esquadrinhando a terra do caminho grão a grão e lhe disse: “Ó Majnun, o que procuras aí?” - “Minha procura por Laila não tem fim”, ele respondeu. - "Como esperas encontrar Laia desta maneira?”, perguntou o outro, “acaso uma pérola tão pura poderia estar em meio a poeira?” - “Eu busco Laia por todos os lugares”, disse Majnun, “com a esperança de um dia encontrá-la em alguma parte.

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História de Yussuf de Hamdan



Yussuf de Hamdan, célebre iman de seu século, que possuía os segredos do mundo e era um sábio clarividente, dizia: “Tudo o que se vê acima e abaixo na existência, cada átomo, é um outro Jacó que pede notícias de José, a quem perdeu”.

É necessário amor e esperança na via espiritual, pois o tempo deve passar-se nessas duas coisas. Se não estás satisfeito por essas duas coisas, não retires no entanto o pensamento deste segredo. O homem deve ser paciente em sua busca; mas aquele que ama não estárá impaciente? Seja paciente, quer desejes ou não, na esperança de encontrar alguém que te indique o caminho que deves percorrer. Encolhido como uma criança no ventre de sua mãe, recolhe-te a ti mesmo; mergulhado no sangue, espera. Não deixes teu interior para produzir-te exteriormente. Se te falta alimento sustenta-te de sangue: o sangue é o único alimento da criança no ventre de sua mãe e é somente do calor do interior que ele provém. Alimenta-te pois de sangue e permanece pacientemente sentado, comprazendo-te em teu amor, na esperança de ser aceito pelo objeto de tua afeição, graças a tua boa sorte.

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História sobre Abú Said Mahnah



O sheik Mahnah encontrava-se em grande perplexidade: estava na planície, os olhos cheios de sangue e o coração partido em dois, quando viu ao longe um velho aldeão cuja aparência anunciava a piedade; em sua caminhada seu corpo irradiava um resplendor luminoso. O shiek foi em sua direção, saudou-o e prontamente fez conhecer sua penosa situação. Depois de ouvi-lo, o velho disse: “Ó Abú Said! Se o espaço que existe do fundo da terra ao trono glorioso de Deus fosse preenchido, não uma, mas cem vezes, e um pássaro colhesse um grão dessa pilha a cada mil anos e depois voasse cem vezes ao redor do mundo, e assim até o último grão, durante todo esse tempo a alma não teria obtido nenhuma notícia da corte celeste e Abú Said estaria ainda distante dela”.

Aos pacientes é necessário muita paciência; porém todo aquele que estuda as coisas espirituais sofre na impaciência. Enquanto não rebuscares o ventre do almiscareiro não poderás extrair do sangue a bolsa do almíscar. Quando a busca sai do interior para o exterior, ainda que o homem tivesse todo o universo a percorrer ele avançaria em meio ao sangue. Aquele que não se entrega a essa nobre busca é um animal, não existe, é uma figura sem alma, uma pele ambulante. Se tivesses de encontrar um tesouro, seria talvez mais ardente em tua busca; porém, se alguém se apega a semelhante tesouro, torna-se seu escravo.

Assim, quando uma coisa vos detém no caminho espiritual, ela se torna vosso ídolo e deve ser tratada como tal. Se te deixar levar pelo menor orgulho, já não és senhor de teu coração, pois estás como que embriagado pela bebida e perdeste tua inteligência. Não te deixes embriagar por essa taça de vinho e procura sempre, ainda que seja uma busca sem fim.


Mahmud e o buscador de ouro



Uma noite Mahmud, afastando-se de seu exército, avistou um homem que garimpava a terra à procura de ouro; ele havia amontoado aqui e ali pequenos montes de terra e mantinha a cabeça curvada sobre a poeira do caminho. Vendo essa cena, o rei atirou seu bracelete sobre a terra e cavalgou para longe dali, ligeiro como o vento. Na noite seguinte o rei voltou e, vendo este homem ocupado da mesma maneira, disse-lhe: “O que encontras-te ontem bastaria para pagar dez vezes os tributos do mundo, e contudo continua a escavar a terra. Exerce a realeza, pois agora és independente”. “Escavando a terra”, respondeu o homem, “encontrei o ornamento a que aludes, e é por este trabalho que obtive esse tesouro escondido. Como foi por esta porta que se manifestou minha fortuna, devo continuar ocupando-me dela enquanto viver”.

Seja, portanto, tu também, o homem dessa porta até que ela se abra para ti; não desvies a cabeça desse caminho até que ele te seja mostrado. Teus dois olhos não estarão sempre fechados; busca, pois essa porta não está fechada.


Sentença de Rabia



Um homem fora de si dizia: 'Ó Deus! Abre-me uma porta para que eu possa chegar a Ti”. Rabia por acaso estava sentada ali perto e lhe disse: “Ó negligente! Quando esteve a porta fechada?”