quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Meher Baba - O Egoísmo, O Problema do Sexo, A Santificação da Vida Conjugal


O Egoísmo


O egoísmo vem à existência devido à tendência dos desejos de encontrarem satisfação na ação e na experiência. É nascido da ignorância fundamental a respeito de nossa natureza verdadeira. A consciência humana está obscurecida pelo acúmulo dos vários tipos de impressões depositadas pelo longo curso da evolução da consciência. Essas impressões expressam-se como desejos e o alcance de operação da consciência está estritamente limitado por esses desejos. Os Sanskaras, ou impressões, formam um invólucro em torno do possível campo da consciência. O círculo de sanskaras constitui aquela área limitada na qual a consciência individual pode ser focalizada.
Com alguns dos desejos a ação é apenas latente, mas outros podem realmente traduzirem-se em ação. A capacidade de um desejo de encontrar expressão no comportamento depende da intensidade e da quantidade de sanskaras ligados a ele. Usando uma metáfora geométrica, podemos dizer que quando um desejo passa para ação, ele percorre uma distância que é igual ao raio de um círculo que descreve o limite de sanskaras ligados a ele. Quando um desejo reúne força suficiente, ele projeta-se em ação a fim de obter satisfação. A extensão do egoísmo é igual à extensão dos desejos. Devido ao impedimento dos desejos múltiplos, torna-se impossível para a alma encontrar a expressão livre e plena de seu verdadeiro ser, e a vida se torna auto-centrada e estreita. A vida inteira do ego pessoal está constantemente sob o domínio do querer, ou seja, uma tentativa de buscar a satisfação dos desejos através de coisas que mudam e desaparecem. Mas não pode haver verdadeira satisfação através de coisas transitórias. A satisfação derivada de coisas passageiras da vida não é duradoura e as necessidades do homem continuam não atendidas. Há, portanto, um sentimento geral de insatisfação acompanhado de todos os tipos de preocupações.

As formas principais em que o ego frustrado encontra expressão são a cobiça, luxúria e a raiva. A luxúria é muito parecida com a cobiça em muitos aspectos, mas difere na forma de sua realização, que está diretamente relacionada à esfera grosseira. A luxúria encontra a sua expressão por meio do corpo físico e está preocupada com a carne. É uma forma de se enredar com a esfera grosseira.* A cobiça é um estado de inquietação do coração e consiste principalmente no desejo por poder e posses. Posses e poder são procurados para poderem satisfazer os desejos. O homem fica só parcialmente satisfeito em sua tentativa de ter a satisfação de seus desejos, e essa satisfação parcial ventila e aumenta a chama do desejo, em vez de extingui-la. Assim, a cobiça sempre encontra um campo infinito de conquista e deixa o indivíduo eternamente insatisfeito. As principais expressões da cobiça estão relacionadas com a parte emocional do homem. É uma forma de se enredar com a esfera sutil.

A raiva é a emanação de uma mente irritada. É causada pela frustração dos desejos. Ela alimenta o ego limitado e é utilizada para a dominação e a agressão. Destina-se a remover os obstáculos existentes na realização dos desejos. O frenesi da raiva alimenta o egoísmo e a vaidade, e é o maior benfeitor do ego limitado. A mente é a sede da raiva e suas manifestações são principalmente através das atividades da mente. A raiva é uma forma de se enredar com a esfera mental. Luxúria, ganância e raiva, respectivamente, tem o corpo, o coração e a mente como seus veículos de expressão. O homem experimenta desapontamento através da luxúria, da cobiça e da raiva; e o ego frustrado, por sua vez, busca a gratificação adicional através da luxúria, da cobiça e da raiva. A consciência é, assim, apanhada num círculo vicioso de decepção sem fim. A decepção vem à existência quando, ou a luxúria, ou a ganância ou a raiva são frustradas em sua expressão. É, portanto, uma reação geral de aprisionamento grosseiro, sutil e mental. É uma depressão causada pelo não satisfação da luxúria, da cobiça e da raiva, que, juntos, são co-extensivos com o egoísmo. O egoísmo, que é a base comum desses três vícios ingredientes, é, portanto, a causa final das decepções e preocupações. Ele derrota a si mesmo. Busca satisfação através de desejos, mas só consegue chegar numa insatisfação interminável.

O egoísmo leva inevitavelmente à insatisfação e à decepção, pois os desejos são infinitos. O problema da felicidade é, portanto, o problema de abandonar nossos desejos. Os desejos, porém, não podem ser efetivamente superados através da repressão mecânica. Eles podem ser aniquilados somente através do Conhecimento. Se você mergulhar profundamente no reino dos pensamentos e pensar seriamente por poucos minutos, você vai perceber o vazio dos desejos. Pense no que você tem desfrutado todos esses anos e o que você sofreu. Tudo que você desfrutou durante a vida é hoje nulo. Tudo o que você sofreu ao longo da vida também não é nada no presente. Tudo era ilusório. É o seu direito ser feliz, e ainda, você cria sua própria infelicidade por querer as coisas. Querer é a fonte da inquietação permanente. Se você não consegue a coisa que quer, você fica decepcionado. E se consegue, você quer mais e mais daquilo e se torna infeliz. Diga "eu não quero nada" e seja feliz. A realização contínua da futilidade dos desejos eventualmente o levará ao Conhecimento. Este Auto-conhecimento dará a você a liberdade dos desejos que leva ao caminho da felicidade permanente. Os desejos devem ser cuidadosamente distinguidos das necessidades. O orgulho e a ira, a cobiça e a luxúria, são todos diferentes das necessidades. Você pode pensar: "eu preciso de tudo que eu quero", mas isso é um erro. Se estiver com sede em um deserto, o que você precisa é de água de boa qualidade e não de limonada.

Enquanto a pessoa tiver um corpo, haverá algumas necessidades e é necessário atender essas necessidades. Mas os desejos são um resultado da imaginação apaixonada. Eles devem ser escrupulosamente mortos para poder haver alguma felicidade. Como a própria essência do egoísmo consiste de desejos, a renúncia dos desejos torna-se um processo de morte. Morrer no sentido comum significa romper com o corpo físico, mas morrer no verdadeiro sentido significa a renúncia dos desejos baixos. Os sacerdotes preparam as pessoas para a falsa morte pintando retratos sombrios do inferno e do céu, mas sua morte é ilusória, pois a vida é uma continuidade ininterrupta. A morte real consiste na cessação dos desejos e ela vem por etapas graduais. O alvorecer do amor facilita a morte do egoísmo. Ser é morrer através do amor. Se você não pode amar ao próximo, como poderá amar até mesmo quem lhe tortura? Os limites do egoísmo são criados pela ignorância. Quando uma pessoa percebe que pode ter a satisfação mais gloriosa alargando a esfera de seus interesses e atividades, ele se encaminha para uma vida de serviço. Nesta fase ela entretém muitos bons desejos. Quer fazer os outros felizes ao aliviar seu sofrimento e ao ajudá-los. E embora mesmo em tais bons desejos muitas vezes haja uma referência indireta e latente à própria pessoa, o egoísmo estreito não tem controle sobre as boas ações. Mesmo bons desejos podem, em certo sentido, serem considerados uma forma de egoísmo esclarecido e estendido, pois, como os desejos ruins, eles também se movem dentro do domínio da dualidade. Mas conforme a pessoa entretém bons desejos, seu egoísmo abraça uma concepção maior que eventualmente traz sua própria extinção. Em vez de apenas tentar ser ilustre, aprisionador e possessivo, ele aprende a ser útil aos outros.

Os desejos que entram na constituição do ego pessoal não são nem bons nem ruins. Os maus desejos são normalmente referidos como formas de egoísmo e bons desejos são referidos como formas de altruísmo.
No entanto, não há uma linha precisa dividindo o egoísmo do altruísmo. Ambos se movem no domínio da dualidade, e do ponto de vista final que transcende os opostos do bem e do mal, a distinção entre egoísmo e altruísmo é principalmente uma diferença de alcance. O egoísmo e o altruísmo são duas fases da vida do ego pessoal e essas duas fases são contínuas uma com a outra. O egoísmo surge quando todos os desejos estão centrados em torno da individualidade estreita. O altruísmo surge quando esta organização bruta dos desejos sofre uma desintegração criando uma dispersão geral dos desejos, com o resultado que eles abrangem um domínio muito mais amplo.
O egoísmo é o estreitamento dos interesses a um campo limitado; o altruísmo é a extensão de interesses ao longo de um vasto campo. Colocando paradoxalmente, o egoísmo é uma forma limitada de altruísmo e o altruísmo é a expansão do egoísmo em uma ampla esfera de atividade.
O egoísmo deve ser transmutado em altruísmo antes do domínio da dualidade poder ser completamente ultrapassado. O desempenho persistente e contínuo do de boas ações desgasta o egoísmo. O egoísmo expandido e expressado na forma de boas obras passa a ser o instrumento de sua própria destruição. O bom é o principal elo entre o egoísmo prósperar e morrer. O egoísmo, que no início é o pai de más tendências, torna-se através das boas ações, o herói de sua própria derrota. Quando as más tendências são completamente substituídas por boas tendências, o egoísmo é transformado em altruísmo, isto é, o egoísmo individual perde-se num interesse universal. Embora essa vida abnegada e boa esteja também vinculada aos opostos, a bondade é um passo necessário em direção à liberdade dos opostos. A bondade é o meio pelo qual a alma aniquila a sua própria ignorância. Do bom a alma passa para Deus. O altruísmo funde-se na individualidade universal, que é além do bem e do mal, da virtude e do vício e todos os outros aspectos duais de Maya (a ilusão ou a ignorância).

O cúme do altruísmo é o início do sentimento de unidade com todos. No estado de Libertação não há nem o egoísmo nem o altruísmo no sentido comum, mas ambos são tomados e fundiram-se na sensação do 'Sentido de Ser' (Selfness) por todos. A Realização da unidade de tudo é acompanhada de paz e de alegria insondável. Ela não leva de maneira alguma nem à estagnação espiritual ou à obliteração de valores relativos. Esse (Selfness) 'sentido de Ser' para com todos traz uma harmonia imperturbável sem perda de discriminação, e uma paz inabalável sem indiferença para com o meio que nos cerca. Este (Selfness) 'Sentido de Ser' para com todos não é um resultado de mera síntese subjetiva. É resultado de uma real conquista da união com a Realidade última, que inclui tudo. Abra seu coração, desenraizando todos os desejos e abrigando um único anseio, o anseio pela união com a Realidade última.

A Realidade última não deve ser procurada nas coisas mutáveis do meio externo, mas no nosso próprio ser. Toda vez que sua alma tem a intenção de entrar no seu coração humano, ela encontra a porta fechada e o interior demasiadamente cheio de desejos. Não mantenham as portas dos seus corações fechadas. Em toda parte existe a fonte da felicidade duradoura e ainda assim, todos são infelizes por causa de desejos nascidos da ignorância. O objetivo da felicidade duradoura brilha plenamente apenas quando o ego limitado, com todos os seus desejos, encontra a sua extinção completa e definitiva.

A renúncia dos desejos não significa o ascetismo ou uma atitude meramente negativa para com a vida. Qualquer negação da vida desse tipo tornaria o homem desumano. A divindade não é desprovida de humanidade. A espiritualidade deve tornar o homem mais humano. É uma atitude positiva de liberar tudo que é bom, nobre e belo no homem. Também contribui para tudo o que é gracioso e amável no meio ambiente.
A espiritualidade não exige a renúncia externa das atividades mundanas ou o evitar de deveres e responsabilidades. É necessário apenas que, durante a realização das atividades mundanas ou o cumprimento das responsabilidades decorrentes do lugar específico e da posição do indivíduo, o espírito interior deve permanecer livre do fardo dos desejos.

A perfeição consiste em manter-se livre dos embaraços da dualidade. Essa liberdade dos embaraços é o requisito mais essencial da livre criatividade. Mas essa liberdade não pode ser alcançada ao fugirmos da vida por medo de nos embaraçarmos. Isso significaria a negação da vida. A perfeição não consiste na diminuição das expressões duais da natureza. A tentativa de escapar do emaranhamento implica medo da vida. A espiritualidade consiste em enfrentar a vida de forma adequada e plena, sem ser dominado por opostos. É preciso afirmar a sua soberania sobre todas as ilusões, não importa o quão atraentas ou potentes. Sem evitar o contato com as diferentes formas de vida, um Homem Perfeito funciona com desprendimento completo no meio de intensa atividade.




O Problema do Sexo


O sexo é decididamente um dos problemas mais importantes com o qual a mente humana é confrontada no domínio da dualidade. É um dos elementos na composição da natureza humana com o qual temos de lidar. Como tudo na vida humana, o sexo passa a ser julgado através de opostos, que são necessariamente criações da mente limitada.
Assim como a mente tenta ajustar a vida em um esquema de alternativas, tal como alegria ou dor, bom ou ruim, solidão ou companhia, atração ou repulsão, em relação ao sexo ela tende a pensar em indulgência e repressão como alternativas das quais não há escapatória para ela. Parece como se a mente tivesse de aceitar uma alternativa ou a outra. Contudo, ela não pode aceitar sem restrições nenhuma delas. Quando tenta a repressão, ela fica insatisfeita com sua situação e com saudade pensa na indulgência.Quando tenta a indulgência, torna-se consciente de sua escravidão aos sentidos e busca a liberdade, voltando à repressão mecânica. A mente continua insatisfeita com as duas alternativas, e assim, surge um dos problemas mais importantes e complicados da vida humana. Para resolver o problema do sexo, a mente precisa primeiro entender que ambas as alternativas são igualmente criação da imaginação que trabalha sob a influência ilusória do desejo. O desejo está implicitamente presente na repressão do sexo, bem como na sua gratificação. Ambos resultam em viciar a consciência através da concupiscência (luxúria) ou pelo desejo de sensações. A mente fica, portanto, inevitavelmente inquieta em qualquer das alternativas. Assim como quando há nuvens no céu, há escuridão e falta de sol esteja chovendo ou não, também quando a mente humana está envolta pelo desejo há uma diminuição de ser e uma falta de felicidade verdadeira, seja esse desejo satisfeito ou não.
A mente, quando agitada com o desejo, cria uma idéia ilusória de felicidade na satisfação do desejo e, em seguida, sabendo que a alma continua insatisfeita mesmo após a satisfação do desejo, busca a liberdade através da repressão. Assim, em busca da felicidade e da liberdade, a mente fica presa nos opostos da indulgência e da repressão, os quais ela acha igualmente decepcionantes. Uma vez que ela não tente ir além destes opostos, seu movimento é sempre de um oposto para o outro e, consequentemente, de uma decepção para outra.

Assim, o desejo falsifica o funcionamento da imaginação e apresenta a mente a opção entre as alternativas de indulgência e repressão, que se revelam igualmente decepcionantes em sua promessa de trazer felicidade. No entanto, apesar das decepções repetidas e alternadas na indulgência bem como na repressão, a mente normalmente não renuncia a causa da infelicidade, a qual é o desejo. Desse modo, enquanto experimenta a decepção na repressão, ela é facilmente suscetível à falsa promessa de gratificação e enquanto experimenta a decepção na gratificação, fica facilmente suscetível à falsa promessa de repressão puramente mecânica. Isso é como mover-se dentro de uma gaiola. A porta de entrada para o caminho espiritual da renúncia interna e espontânea do desejo permanece fechada para aqueles que não têm a sorte de serem despertados por um Mestre Perfeito. O verdadeiro despertar é a entrada no caminho da sabedoria, que, no decorrer do tempo, certamente leva à liberdade e à felicidade duradoura da vida eterna.
A renúncia interna e espontânea do desejo é tão diferente da repressão mecânica quanto é diferente da indulgência. A mente se volta para a repressão mecânica do desejo por causa da decepção, mas ela se volta para a renúncia interna e espontânea do desejo por causa do desiludimento ou do despertar. A necessidade de indulgência ou de repressão mecânica surge apenas quando a natureza do desejo não é claramente compreendida. Quando os aspirantes despertam totalmente para escravidão e o sofrimento inevitáveis decorrentes de desejo, eles começam voluntariamente a se livrar do fardo do desejo através da compreensão inteligente. A questão de indulgência ou repressão só surge quando há desejo. A necessidade de ambos desaparece com o completo desaparecimento do desejo. Quando a mente está livre do desejo, ela já não pode ser movida pelas falsas promessas de indulgência ou repressão mecânica. No entanto, deve-se ter em mente que a vida de liberdade está mais perto da vida de contenção do que da vida de indulgência (embora em termos de qualidade seja essencialmente diferente de ambas). Dessa forma, para os aspirantes uma vida de celibato rigoroso é preferível à vida de casado, se a retenção chega a eles facilmente sem um sentido indevido de auto-repressão. Tal restrição é difícil para a maioria das pessoas e às vezes impossível, e para eles a vida conjugal é, decididamente, mais útil do que uma vida de celibato. Para as pessoas comuns, a vida conjugal é sem dúvida aconselhável a menos que eles tenham uma aptidão especial para o celibato.

Assim como a vida de celibato exige e suscita o desenvolvimento de muitas virtudes, a vida conjugal por sua vez também alimenta o crescimento de muitas qualidades espirituais de extrema importância. O valor do celibato está no hábito de contenção e do sentido de desprendimento e independência que ela dá. Mas, enquanto a mente não está totalmente livre do desejo, não há verdadeira liberdade. Da mesma forma, o valor do casamento está nas lições de ajustamento mútuo e no sentido de unidade com o outro. A verdadeira união ou dissolução da dualidade é possível, entretanto, somente através do amor divino, que nunca pode alvorecer enquanto houver a menor sombra de luxúria ou de desejo na mente. Somente ao trilhar o caminho da renúncia interior e espontânea do desejo é que é possível alcançar a verdadeira liberdade e unidade.
Para aqueles que são celibatários, bem como para as pessoas casadas, o caminho da vida interior é o mesmo. Quando os aspirantes são atraídos pela Verdade, não anseiam por mais nada e conforme a Verdade chega cada vez mais dentro do seu alcance, eles gradualmente se livram do desejo. Seja no celibato ou no casamento, eles não são mais seduzidos pelas promessas enganosas de indulgência ou repressão mecânica e praticam a renúncia interna e espontânea do desejo até que sejam libertados dos opostos enganosos. O caminho da perfeição está aberto aos aspirantes tanto no celibato quanto no casamento, e se eles começam a partir do casamento ou do celibato vai depender de seus sanskaras e dos laços karmicos do passado. Eles alegremente aceitam as condições que suas vidas passadas determinaram para eles e utilizam essas condições para o avanço espiritual à luz do ideal que vieram a perceber.

Os aspirantes devem escolher um dos dois cursos que estão abertos para eles. Devem levar a uma vida de celibato ou a uma vida de casado e devem evitar a todo custo uma conciliação barata entre os dois. Promiscuidade na gratificação sexual está fadada a aportar os aspirantes no caos mais lastimável e perigoso da luxúria ingovernável. Dessa forma, a luxúria difusa e desgovernada vela os valores mais elevados, perpetua o enredamento e cria no caminho espiritual dificuldades inultrapassáveis à renúncia interna e espontânea do desejo. O sexo no casamento é totalmente diferente do sexo fora do casamento. No casamento, os sanskaras de luxúria são muito mais leves e capazes de serem removidos mais facilmente. Quando um relacionamento sexual é acompanhado por um senso de responsabilidade, amor e idealismo espiritual, as condições para a sublimação do sexo são muito mais favoráveis do que quando ele é mais barato e promíscuo. Na promiscuidade a tentação de explorar as possibilidades de mero contato sexual é formidável. É somente pela restrição máxima do âmbito do mero sexo que os aspirantes podem chegar a qualquer compreensão real dos valores atingíveis através da transformação gradual do sexo em amor. Se a mente tenta entender o sexo com a ampliação do escopo do sexo, não há fim para as ilusões para as quais ela torna-se presa, pois não há fim para a ampliação de seu escopo. Na promiscuidade as sugestões da luxúria são necessariamente as primeiras a se apresentarem à mente e os indivíduos ficam condenados a reagirem às pessoas dentro das limitações dessa perversão inicial e, assim, fecham a porta para experiências mais profundas.
A verdade não pode ser compreendida ao saltarmos sobre a superfície da vida e multiplicarmos os contatos superficiais. É necessária a preparação da mente, que pode centrar suas capacidades sobre experiências selecionadas e livrar-se de suas características limitantes. Esse processo de discriminação entre o superior e o inferior e da transcendência do inferior em favor do superior, torna-se possível através de uma concentração plena e de um interesse real e sério na vida. Essa concentração plena e interesse real é necessariamente excluída quando a mente se torna escrava do hábito de correr pela tangente e vagar entre muitos possíveis objetos de experiência semelhante.
Na vida conjugal o alcance da experiência a ser experimentada em companhia do parceiro é tão grande que as sugestões da luxúria não são necessariamente as primeiras a se apresentar à mente. Há, portanto, uma real oportunidade para os aspirantes de reconhecer e anular os fatores limitantes na experiência. Através da eliminação gradual da luxúria e da progressão através de uma série de experiências cada vez mais ricas de amor e sacrifício, eles podem finalmente chegar à Infinidade.




A Santificação da Vida Conjugal


A maioria das pessoas entra na vida conjugal como uma coisa natural, mas o casamento vai se tornar uma ajuda ou um obstáculo de acordo com a maneira pela qual ele é tratado. Não há dúvida de que algumas possibilidades espirituais imensas são acessíveis através de vida conjugal, mas tudo isso depende de ter a atitude certa. Do ponto de vista espiritual, a vida conjugal será um sucesso somente se for completamente determinada pela visão da Verdade. Ela não poderá oferecer muito se basear-se em nada aléms do que os motivos limitados de mero sexo, ou se for inspirada por considerações que normalmente prevalecem em uma parceria de negócios. Ela tem de ser assumida como uma empreitada realmente espiritual, que está destinada a descobrir o que a vida pode ser no seu melhor. Quando os dois parceiros lançam-se juntos na aventura espiritual de explorar as possibilidades mais elevadas do espírito, eles não podem começar por limitar a sua experiência por nenhum cálculo interessante relativo à natureza e à quantidade de ganho individual.
A vida de casado quase sempre faz muitas exigências aos dois parceiros de adaptação e compreensão mútua e cria muitos problemas que não eram originalmente esperados. Embora isso possa ser verdadeiro em um sentido na vida em geral, é particularmente verdadeiro na vida conjugal. Na vida de casado as duas almas ficam ligadas de muitas maneiras, com o resultado que elas são chamadas a resolver todo o problema complexo da personalidade em vez de qualquer problema simples criado por algum desejo isolado. É precisamente por isso que a vida conjugal é totalmente diferente das relações sexuais promíscuas.

O sexo promíscuo tenta separar o problema do sexo das outras necessidades da personalidade em desenvolvimento e procura resolvê-lo de uma forma isolada delas. Embora este tipo de solução possa parecer fácil, acaba por ser muito superficial e tem a desvantagem adicional de desviar o aspirante de tentar a solução real. Os valores relativos das várias facetas da personalidade limitada podem ser melhor apreciados quando se entrelaçam e aparecem em variadas situações e perspectivas. É difícil discriminar entre elas se aparecem intermitentemente em uma série desconexa. Na vida conjugal existe um amplo espaço para a experiência variada, com o resultado de que as diferentes tendências latentes na mente começam a se organizar em torno do esquema cristalizado da vida de casado.
Essa organização de fins diversos, não só oferece um campo ilimitado para a discriminação entre os valores superiores e inferiores, mas também cria entre eles uma tensão necessária, que requer e exige a sublimação eficaz e inteligente.

Em certo sentido, a vida conjugal pode ser encarada como a intensificação da maioria dos problemas humanos. Como tal, torna-se o terreno para mobilizar as forças de escravidão, bem como as forças da liberdade, os fatores de ignorância, bem como os fatores de luz. Como a vida de casado de pessoas comuns é determinada por diversas motivações e considerações, ela inevitavelmente convida uma intransigente oposição entre o ser superior e o ser inferior. Essa oposição é necessária para o desgaste do ser inferior e o alvorecer do verdadeiro Ser Divino. A vida de casado desenvolve tantos pontos de contato entre duas almas que o rompimento de toda a conexão significaria o desajuste e o desarranjo de praticamente todo o curso da vida. Uma vez que essa dificuldade de rompimento um do outro convida e precipita um reajuste interior, o casamento é realmente uma oportunidade disfarçada para as almas estabelecerem um entendimento real e duradouro que pode lidar com as situações mais complexas e delicadas. O valor espiritual da vida de casado está diretamente relacionado com a natureza dos fatores preponderantes que determinam a sua conduta diária. Se estiver baseado em considerações superficiais, pode deteriorar-se em uma parceria no egoísmo dirigida contra o resto do mundo. Se é inspirado pelo idealismo elevado, pode elevar-se para uma fraternidade que não apenas exige e requer sacrifícios cada vez maiores um pelo outro, mas na verdade se torna um meio através do qual as duas almas podem oferecer o seu amor unificado e seus serviços para toda a família da humanidade. Quando a vida de casado é assim alinhada diretamente com o plano divino para a evolução dos indivíduos, torna-se uma bênção pura para as crianças que são o fruto do casamento. Pois elas têm a vantagem de absorver uma atmosfera espiritual desde o início da sua carreira terrena. Embora as crianças sejam, portanto, os beneficiários da vida conjugal dos pais, a vida conjugal dos pais é por sua vez enriquecida pela presença dos filhos. As crianças dão aos pais uma oportunidade para expressarem e desenvolverem um amor verdadeiro e espontâneo no qual o sacrifício torna-se fácil e delicioso. E o papel desempenhado pelas crianças na vida dos pais é de grande importância para o progresso espiritual dos próprios pais. Desa forma, quando as crianças fazem sua aparição na vida conjugal, devem ser recebidas calorosamente pelos pais.

Tendo em vista as reivindicações que as crianças têm sobre a vida de casado, o controle de natalidade merece uma atenção cuidadosa e um exame crítico. A questão não deve ser considerada do ponto de vista de nenhum interesse especial ou limitado, mas do ponto de vista do máximo bem-estar dos indivíduos e da sociedade. O parecer correto a esse respeito, como a respeito de todas as coisas, deve acima de tudo basear-se em considerações espirituais. A atitude que a maioria das pessoas tem em relação ao controle de natalidade é oscilante e confuso, pois contém uma mistura de bons e maus elementos. Enquanto o controle de natalidade está certo no seu objetivo de garantir a regulação da população, é desastrosamente infeliz na escolha dos seus meios.
Não há dúvida de que a regulação da gravidez é sempre desejável por razões pessoais e sociais. A reprodução descontrolada intensifica a luta pela existência e pode levar a uma ordem social em que a concorrência impiedosa torne-se inevitável. Além de criar uma responsabilidade para os pais, que podem ser incapazes de cumprí-las adequadamente, torna-se uma causa indireta e contributiva de crime, guerra e pobreza. Embora considerações humanitárias e racionais demandem e justifiquem todas as tentativas sérias para regular o nascimento dos filhos, o uso de meios físicos para a obtenção deste objetivo continua a ser fundamentalmente insustentável e injustificável. Os meios puramente físicos, geralmente defendidos pelos defensores do controle de natalidade são mais censuráveis do ponto de vista espiritual.

Embora os meios físicos de controle de natalidade sejam defendidos por razões humanitárias, eles são quase sempre utilizados pela generalidade das pessoas para servir a seus próprios fins egoístas e evitar a responsabilidade de sustentar e educar os filhos. Uma vez que as consequências físicas de ceder à luxúria pode de maneira efetiva ser evitada através da utilização desses meios, aqueles que não começaram a despertar para os valores mais elevados não têm qualquer incentivo para a moderação na gratificação das paixões. Eles tornam-se vítimas da indulgência excessiva e trazem ruína a sua própria integridade física, espiritual e moral por negligenciarem o controle mental e se tornarem escravos da paixão animal. A facilidade de uso de meios físicos obscurece o lado espiritual da questão e está longe de ser positivo para o despertar dos indivíduos para a sua verdadeira dignidade e liberdade como seres espirituais.

A indulgência desmedida e descontrolada levará inevitavelmente à reação e à escravidão espiritual. Para os aspirantes espirituais em particular, mas também para todos os seres humanos (porque todos são potenciais aspirantes espirituais), é extremamente inoportuno contar com meios físicos para a regulação da procriação. Para tal regulação os indivíduos devem confiar em nada além do controle mental. O controle mental garante os fins humanitários que inspiram o controle da natalidade, mas se mantém limpo dos desastres espirituais decorrentes da utilização de meios físicos. O controle mental não só é útil para a regulação do número de filhos, mas é também indispensável para restaurar a humanidade a sua dignidade divina e bem-estar espiritual. Somente através do exercício sábio de controle mental é possível para a humanidade elevar-se da paixão para a paz, da escravidão para a liberdade e da animalidade para a pureza. Nas mentes de pessoas ponderadas o lado espiritual muito ignorado dessa questão deve assumir a importância que merece.

Sendo que a mulher tem de assumir o trabalho e a responsabilidade de sustentar e criar os filhos, ela pode parecer ser afetada mais seriamente por qualquer possível falha no controle mental do que o homem. Na verdade, isso não significa qualquer injustiça real para a mulher. Embora seja verdade que a mulher tem de realizar o trabalho e a responsabilidade de sustentar e criar os filhos, ela também tem a alegria recompensante de alimentá-los e aconchegá-los. Assim, a alegria da maternidade é muito maior do que a alegria da paternidade. Além disso, o homem também deve enfrentar e assumir as responsabilidades econômicas e educacionais para as crianças. Em um casamento devidamente ajustado não é preciso haver nenhuma injustiça na distribuição das responsabilidades dos pais a serem divididas entre o homem e a mulher. Se ambos estiverem verdadeiramente conscientes da sua responsabilidade mútua, a desconsideração dará lugar a um esforço ativo e cooperativo para atingir o controle mental completo. Em caso de haver alguma falha no controle mental, eles vão com alegria e boa vontade cumprir a responsabilidade conjunta da paternidade. Para aqueles que não estão preparados para assumir a responsabilidade das crianças, existe apenas uma direção que lhes resta.

Eles devem permanecer celibatários e praticar controle mental rigoroso, embora tal controle mental seja extremamente difícil de atingir, não é impossível. Do ponto de vista puramente espiritual, o celibato estrito é o melhor, mas já que é tão difícil, poucos podem praticá-lo. Para aqueles que não podem praticá-lo, o caminho mais próximo é o de se casar, em vez de tornar-se presa da promiscuidade. Dentro de uma vida de casado pode-se aprender a controlar a paixão animal. Esse obrigatóriamente será um processo gradual, e em caso de falha ao praticar o controle, o casal deve permitir que a natureza siga seu próprio curso, em vez de interferir com ela através de meios artificiais. Eles devem alegremente dar boas-vindas às consequências e estarem preparados para assumir a responsabilidade de educar os filhos. Do ponto de vista espiritual, o controle da natalidade deve ser essencialmente efetuado através do controle mental e nada mais. Os meios físicos não são aconselháveis em nenhuma circunstância, mesmo quando os parceiros recorrem a eles para usá-los apenas como uma ajuda provisória e secundária, sem a intenção de ignorar o ideal de desenvolver o controle mental. Utilizando os meios físicos eles não poderão nunca chegar a um controle mental real, mesmo que realmente queriram sinceramente alcançá-lo. Pelo contrário, eles se tornam dependentes do uso de meios físicos e até começam a justificá-los.

Para explicar mais claramente o que acontece no uso de meios físicos é que, enquanto os indivíduos pensam que estão usando-os apenas como um passo preliminar antes que o controle mental seja plenamente desenvolvido, eles realmente ficam viciados em seu uso e tornam-se escravos do hábito. Embora possam permanecer por algum tempo sob a ilusão de que estão tentando desenvolver um controle mental (lado a lado com o uso de meios físicos), eles estão realmente perdendo-o gradualmente. Em suma, o poder mental é necessariamente neutralizado por meio desse apoio nos meios físicos. Assim, o uso de meios físicos é prejudicial ao desenvolvimento do autocontrole e é positivamente desastroso para o avanço espiritual. É, portanto, totalmente desaconselhável, mesmo pelos melhores dos motivos.
No início da vida conjugal os parceiros são atraídos um pelo outro pela luxúria e bem como pelo amor, mas com a cooperação consciente e deliberada, eles podem diminuir gradualmente o elemento de luxúria e aumentar o elemento do amor. Através desse processo de sublimação, por fim a luxúria dá lugar ao amor profundo. Pela partilha mútua de alegrias e tristezas os parceiros marcham de um triunfo espiritual para outro, do profundo amor para um amor sempre mais profundo - até que o amor possessivo e ciumento do período inicial é totalmente substituído por um amor expansivo e auto-doador. Na verdade, ao lidar de maneira inteligente com o casamento eles podem atravessar tanto do caminho espiritual que será preciso apenas um toque de um Mestre Perfeito para elevá-los para dentro do santuário da Vida Eterna.

*Pesquisar no blog sobre as esferas grosseira, sutil e mental

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Rodney Collin - A Teoria da Influência Celestial


... A todos os que buscam um conhecimento mais profundo do Quarto Caminho, este livro torna-se imediatamente uma referência. Da sua leitura e estudo poderão derivar aquilo que Rodney Collin tentou inspirar em cada uma das linhas que escreveu – a tentativa de “reconstrução” do sistema de Gurdjieff e Ouspensky, ou para usar já o seu próprio ensinamento, a tentativa de regenerar o conhecimento em si mesmo. Nesta época em que vivemos, com tantas possibilidades e aberturas, a leitura deste livro dará aos leitores uma sensação de alvorecer, de algo muito novo e fresco. Algo difícil de definir com palavras, mas que pode ser percebido por qualquer um que trabalha para atingir um nível de consciência superior.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Nisargadatta Maharaj - Seis Reuniões do Livro "I Am That"


P: O que é felicidade?
M: A harmonia entre o interior e o exterior é felicidade. Por outro lado, a auto-identificação com as causas externas é sofrimento.
P: Como é que a auto-identificação acontece?
M: O Ser por sua natureza conhece a si mesmo apenas. Por falta de experiência, o que quer que ele percebe ele toma como sendo ele mesmo. Maltratado, ele aprende a olhar para fora (viveka) e viver sozinho (vairagya). Quando o comportamento correto (uparati), torna-se normal, um poderoso impulso interno (mukmukshutva) o faz procurar a sua fonte. A vela do corpo é iluminada e tudo se torna claro e brilhante (atmaprakash).
P: Qual é a verdadeira causa do sofrimento?
M: A auto-identificação com o limitado (vyaktitva). As sensações por si mesmas, por mais fortes que sejam, não causam sofrimento. É a mente, confusa com idéias erradas, viciada em pensar: "Eu sou isso". "Eu sou aquilo ", que teme a perda e anseia pelo ganho e sofre quando é frustrada.
P: Um amigo meu costumava ter sonhos horríveis noite após noite. Ir dormir o aterrorizava. Nada podia ajudá-lo.
M: Companhia verdadeiramente boa (satsang) iria ajudá-lo.
P: A própria vida é um pesadelo.
M: Amizade nobre (satsang) é o remédio supremo para todos os males, físicos e mentais.
P: Geralmente não é possível encontrar tal amizade.
M: Procure dentro de si. Seu próprio ser é o seu melhor amigo.
P: Por que a vida é tão cheia de contradições?
M: Isso serve para quebrar o orgulho mental. Devemos perceber o quão pobres e impotentes somos. Enquanto nos iludimos com aquilo que imaginamos ser, saber, ter, fazer, estamos em uma situação realmente triste. Só numa completa auto-negação há uma chance de descobrir o nosso verdadeiro ser.
P: Por que tanta ênfase na negação de si mesmo?
M: Tanto quanto na realização de si (auto-realização). O falso ser deve ser abandonado antes do verdadeiro ser poder ser encontrado.

P: O ser que vcê opta por chamar de falso é para mim angustiantemente muito real. O que você chama de ser real é um mero conceito, uma maneira de falar, uma criação da mente, um fantasma atraente. Meu ser do dia a dia não é uma beleza, eu admito, mas é meu mesmo e é meu único ser. Você diz que eu sou, ou tenho, um outro eu. Você o vê - é uma realidade para você, ou você quer que eu acredite no que o senhor não vê?
M: Não tire conclusões precipitadamente. O concreto não precisa ser real, o concebido não precisa ser falso. Percepções baseadas em sensações e moldadas pela memória implicam um percebedor, cuja natureza você nunca se importou em examinar. Dê-lhe total atenção, examine-o com carinho e você vai descobrir alturas e profundidades do ser que você jamais sonhou absorto como você está na insignificante imagem de si mesmo.
P: Eu devo estar na disposição de ânimo correta para me examinar de modo proveitoso.
M: Você deve ser sério, ter intenção, estar verdadeiramente interessado. Você deve estar cheio de boa vontade por si mesmo.
P: Eu sou egoísta, tudo certo.
M: Você não é. Você está o tempo todo destruindo a si mesmo, a si próprio, servindo a deuses estranhos, hostis e falsos. De todo modo seja egoísta – da maneira certa. Desejo o bem para si mesmo, trabalhe com o que for bom para você. Destrua tudo o que se interpõe entre você e a felicidade. Seja tudo - ame tudo - seja feliz - faça feliz. Nenhuma felicidade é maior.
P: Por que há tanto sofrimento no amor?
M: Todo sofrimento nasce do desejo. O verdadeiro amor nunca é frustrado. Como pode o sentimento de unidade ser frustrado? O que pode ser frustrado é o desejo por expressão. Tal desejo é da mente. Como com todas as coisas mentais, a frustração é inevitável.
P: Qual é o lugar do sexo no amor?
M: O amor é um estado de ser. Sexo é energia. O amor é sábio, o sexo é cego. Uma vez que a verdadeira natureza do amor e do sexo for entendida não haverá conflito ou confusão.
P: Há tanto sexo sem amor.
M: Sem amor tudo é mau. A própria vida sem amor é má.
P: O que pode me fazer amar?
M: Você é o próprio amor - quando você não está com medo.


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Pergunta: Sou um médico por profissão. Comecei com cirurgia, continuei com psiquiatria e também escrevi alguns livros sobre saúde mental e cura pela fé. Vim até você para aprender as leis da saúde espiritual.
Maharaj: Quando você está tentando curar um paciente, o que exatamente você está tentando curar? O que é cura? Quando você pode dizer que um homem está curado?
P: Eu procuro curar o corpo, bem como melhorar a ligação entre o corpo e a mente. Eu também procuro ajustar a mente.
M: Você investigou a relação entre a mente e o corpo? Em que ponto eles estão relacionados?
P: Entre o corpo e a consciência interior encontra-se a mente.
M: O corpo não é feito de alimentos? E pode haver mente sem comida?
P: O corpo é construído e mantido pelos alimentos. Sem comida a mente geralmente enfraquece. Mas a mente não é simplesmente comida. Há um fator de transformação que cria uma mente no corpo. Qual é o fator transformador?
M: Assim como a madeira produz o fogo, o qual não é de madeira, do mesmo modo o corpo produz a mente a qual não é o corpo. Mas para quem a mente aparece? Quem é o percebedor dos pensamentos e dos sentimentos que você chama de mente? Há a madeira, há o fogo e há aquele que desfruta do fogo. Quem desfruta da mente? O desfrutar também é um resultado da comida ou ele é independente?

P: O percebedor é independente.
M: Como você sabe? Fale de sua própria experiência. Você não é o corpo nem a mente. É o que você diz. Como você sabe?
P: Eu realmente não sei. Acho que sim.
M: A verdade é permanente. O real é imutável. O que muda não é real, o que é real não muda. Agora, o que é isso em você que não muda? Enquanto há comida, há o corpo e a mente. Quando o alimento cessa, o corpo morre e a mente se dissolve. Mas o observador perece?
P: Eu acho que não. Mas eu não tenho nenhuma prova.
M: Você mesmo é a prova. Você não tem e nem pode ter qualquer outra prova. Você é você mesmo, você conhece a si mesmo, você ama a si mesmo. O que quer que a mente faça, ela faz pelo amor do seu próprio ser. A própria natureza do ser é o amor. Ele é amado, ama e é amável. É o ser que torna o corpo e a mente tão interessantes, tão queridos. A própria atenção dada a eles vem do ser.
P: Se o ser não é o corpo e nem a mente, ele pode existir sem o corpo e a mente?
M: Sim, pode. É de fato uma questão de experiência que o ser tem sido independente da mente e do corpo. Ele é o ser - a consciência – a graça. O estado de estar ciente de ser é graça.
P: Pode ser uma questão de experiência real para você, mas não é meu caso. Como posso chegar à mesma experiência? Quais são as práticas a serem seguidas, quais os exercícios para fazer?
M: Para saber que você não é nem o corpo e nem a mente, observe-se constantemente e viva sem ser afetado pelo seu corpo e mente, completamente indiferente, como se estivesse morto. Isso significa que você não tem interesses investidos nem no corpo nem na mente.
P: Perigoso!

M: Eu não estou pedindo que você a cometer suicídio. Nem você pode. Você só pode matar o corpo, você não pode parar o processo mental, você nem pode pôr fim na pessoa que você pensa que é. Apenas permaneça não afetado. Este distanciamento completo, uma despreocupação com o corpo e a mente é a melhor prova de que no cerne de seu ser, você não é nem a mente nem o corpo. O que acontece com o corpo e a mente pode não estar dentro de seu poder de mudar, mas você sempre pode colocar um fim à sua imaginação de ser o corpo e a mente. O que quer que aconteça, lembre-se de que só o seu corpo e sua mente são afetados, não você. Quanto mais sério você é em lembrar do que precisa ser lembrado, mais cedo você vai estar consciente de si mesmo como você é, pois a memória vai se tornar experiência. A sinceridade e a seriedade revelam o ser. O que é imaginado e desejado se torna realidade - aqui reside o perigo bem como a saída.
Diga-me, que medidas você tomou para separar o seu verdadeiro ser, isso em você o que é imutável, de seu corpo e mente?
P: Eu sou um médico, tenho estudado muito, impus sobre mim mesmo uma disciplina rigorosa na forma de exercícios e jejuns periódicos e sou vegetariano.
M: Mas no fundo do seu coração o que é que você quer?
P: Eu quero encontrar a realidade.
M: Qual o preço que está disposto a pagar pela realidade? Qualquer preço?
P: Embora em teoria eu esteja pronto para pagar qualquer preço, na vida real repetidaemtne sou solicitado a comportar-me de maneiras que se colocam entre mim e a realidade. Os desejos me levam para longe.
M: Aumente e alargue seus desejos até que nada além da realidade possa atendê-los. Não é o desejo que está errado, mas a sua mesquinhez e pequenez. O desejo é devoção. De toda maneira seja dedicado ao real, ao infinito, ao eterno coração do ser. Transforme o desejo em amor. Tudo o que você quer é ser feliz. Todos os seus desejos, sejam eles quais forem, são expressões do seu desejo por felicidade. Basicamente, você deseja o bem para si mesmo.

P: Eu sei que eu não deveria ...
M: Espere! Quem lhe disse que você não deve? O que está errado em querer ser feliz?
P: O ser precisa ir, eu sei.
M: Mas o ser está lá. Seus desejos estão lá. Seu desejo de ser feliz é lá. Por quê? Porque você ama a si mesmo. Por todos os meios ame a si mesmo - com sabedoria. O que está errado é amar a si mesmo estupidamente, de modo a fazer-se sofrer. Ame-se sabiamente. Tanto a indulgência quanto a austeridade têm o mesmo objetivo em vista - fazer você feliz. Indulgência é a maneira estúpida, a austeridade é a maneira sábia.
P: O que é austeridade?
M: Depois de ter passado por uma experiência, não passar por ela novamente é austeridade. Evitar o desnecessário é austeridade. Não antecipar o prazer ou a dor é austeridade. Ter as coisas sob controle em todos os momentos é austeridade. O desejo por si só não é errado. É a própria vida, o desejo de crescer em conhecimento e experiência.
São as escolhas que você faz que estão erradas. Imaginar que alguma coisa pequena - comida, sexo, poder, fama – irão torná-lo feliz é enganar-se. Somente algo tão vasto e profundo como o seu verdadeiro ser pode torná-lo duradoura e verdadeiramente feliz.
P: Sendo que basicamente não há nada de errado no desejo como uma expressão do amor do ser, como deveríamos lidar com o desejo?
M: Viva sua vida de forma inteligente, com os interesses do seu ser mais profundo sempre em mente. Afinal, o que você realmente quer? Não é perfeição, você já é perfeito. O que você busca é expressar em ação o que você é. Para isso você tem um corpo e uma mente. Assuma o controle e faça-os lhe servir.
P: Quem é o operador aqui? Quem é que tem de controlar o corpo-mente?
M: A mente purificada é o servo fiel do ser. Ela toma cuidado dos instrumentos, interiores e exteriores, e os faz servirem os seus propósitos.

P: E qual é o propósito deles?
M: O Ser é universal e seus objetivos são universais. Não há nada pessoal com relação ao Ser. Viva uma vida regrada, mas não faça disso uma meta por si só. Esse deveria ser o ponto de partida para uma aventura maior.
P: Você me aconselha a vir para a Índia várias vezes?
M: Se você é sério, não precisa ficar se movendo. Você é você mesmo onde quer que você esteja e você cria seu próprio clima. Locomoção e transporte não lhe darão a salvação. Você não é o corpo, e arrastar o corpo de um lugar para o outro não o levará a lugar algum. Sua mente está livre para vagar pelos três mundos - faça pleno uso disso.
P: Se sou livre, porque estou em um corpo?
M: Você não está no corpo, o corpo está em você! A mente está em você. Eles acontecem a você. Eles estão aí porque você os acha interessantes. Sua própria natureza tem a capacidade infinita de desfrutar. É cheia de entusiasmo e afeto. Ela lança sua radiância em tudo o que vem dentro de seu foco de consciência e nada é excluído. Ela não conhece o mal nem a feiúra, ela tem esperança, ela confia, ela ama. Vocês não sabem o quanto perdem por não conhecerem o seu verdadeiro Ser. Você não é nem o corpo nem a mente, nem o combustível nem o fogo. Eles aparecem e desaparecem de acordo com suas próprias leis.
Aquilo que você é, seu verdadeiro Ser, você ama-o e tudo o que você faz, você faz por sua própria felicidade. Encontrá-lo, conhecê-lo, estimá-lo são o seu impulso básico. Desde tempos imemoriais você amou a si mesmo, mas nunca com sabedoria. Use o seu corpo e sua mente com sabedoria, a serviço do Ser, isso é tudo. Seja verdadero com seu próprio Ser, ame-o absolutamente. Não finja que você ama os outros como a si mesmo. A menos que você tenha percebido-os como sendo um com você mesmo, você não poderá amá-los. Não finja ser o que você não é, não se recuse ser o que você é. Seu amor ao próximo é o resultado do auto-conhecimento, não sua causa. Sem a auto-realização, nenhuma virtude é genuína. Quando você souber além de toda dúvida que a mesma vida flui através de tudo o que existe e que você é essa vida, você vai amar a todos de forma natural e espontânea. Quando você perceber a profundidade e a plenitude do seu amor por Si mesmo, você saberá que todos os seres vivos e o universo inteiro estão incluídos na sua afeição. Mas quando olha para alguma coisa como separada de você, você não pode amá-la pois você tem medo dela. A alienação causa o medo e o medo aprofunda a alienação. É um círculo vicioso. Somente a auto-realização pode quebrá-lo. Vá com firmeza em busca disso.

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Pergunta: Em nossa busca pelo essencial, logo percebemos nossa inadequação e a necessidade de um guia ou de um professor. Isso implica uma certa disciplina, pois é esperado que confiemos em nosso guia e sigamos implicitamente seus conselhos e instruções. No entanto, as urgências sociais e as pressões são tão grandes, os desejos e medos pessoais tão poderosos, que a simplicidade de espírito e vontade, essenciais na obediência, ficam distantes. Como encontrar um equilíbrio entre a necessidade de um guru e à dificuldade de obedecê-lo implicitamente?
Maharaj: O que é feito sob a pressão da sociedade e das circunstâncias não importa muito, pois é na maior parte mecânico, apenas reação aos impactos. É o suficiente observar-se desapaixonadamente, se isolar completamente do que está acontecendo. O que foi feito sem se importar, cegamente, pode acrescentar ao karma (destino) da pessoa, caso contrário, isso pouco importa. O Guru exige uma única coisa: clareza e intensidade de propósito, um sentido de responsabilidade por si mesmo. A própria realidade do mundo deve ser questionada. Quem é o Guru, afinal? Aquele que conhece o estado em que não há nem o mundo nem o pensamento dele, ele é o Mestre Supremo. Encontrá-lo significa atingir o estado em que a imaginação não é mais tomada como a realidade. Por favor, entenda que o Guru representa a realidade, a verdade, o que
é
. Ele é um realista no sentido mais elevado do termo. Ele não pode e não deve chegar a termos com a mente e suas ilusões. Ele vem para levá-lo para o real, não espere que ele faça qualquer outra coisa.
O Guru que você tem em mente, aquele que lhe dá informações e instruções, não é o verdadeiro Guru. O verdadeiro Guru é aquele que conhece o real, além do glamour das aparências. Para ele, suas perguntas sobre obediência e disciplina não fazem sentido, pois aos olhos dele a pessoa que você considera-se ser não existe. Suas perguntas são sobre uma pessoa não-existente. O que existe para você não existe para ele. O que você toma por garantido, ele nega absolutamente. Ele quer que você se veja como ele o vê. Então você não vai precisar de um Guru para obedecer e seguir, pois você irá obedecer e seguir sua própria realidade. Perceba que tudo o que você pensa ser é apenas uma corrente de acontecimentos, que enquanto tudo acontece, vai e vem, apenas você é, o imutável entre o mutável, o auto-evidente entre o suposto. Separe o observado do observador e abandone as falsas identificações.

P: A fim de encontrar a realidade, deveríamos rejeitar tudo o que fica no caminho. Por outro lado, a necessidade de sobreviver dentro de uma dada sociedade obriga a pessoa a fazer e a suportar muitas coisas. Será que prisamos abandonar nossa profissão e posição social, para descobrir a realidade?
M: Faça seu trabalho. Quando você tiver um momento livre, olhe para dentro. O importante é não perder a oportunidade quando ela se apresenta. Se você for sério você vai usar plenamente o seu tempo vago. Isso é o suficiente.
P: Em minha busca pelo essencial e tentativa de descartar o supérfluo, há alguma possibilidade de uma vida criativa? Por exemplo, eu adoro pintar. Irá ajudar se eu dedicar minhas horas de lazer à pintura?

M: O que quer que você tenha que fazer, observe a sua mente. Você também deve ter momentos de paz e quietude interior completa, quando sua mente está absolutamente imóvel. Se você perder isso, você perde a coisa toda. Se não perder, o silêncio da mente dissolverá e absorverá tudo mais.
Sua dificuldade reside em seu desejo pela realidade e de ter medo dela ao mesmo tempo. Você tem medo dela porque você não a conhece. As coisas familiares são conhecidas, você se sente seguro com elas. O desconhecido é incerto e, portanto, perigoso. Porém, conhecer a realidade é estar em harmonia com ela. E na harmonia não há lugar para o medo.
Uma criança conhece o seu corpo, mas não as distinções baseadas no corpo. Está apenas consciente e feliz. Afinal, foi esse o propósito pelo qual ela nasceu. O prazer de ser é a forma mais simples de amor-próprio, que mais tarde se transforma em amor do Ser. Seja como uma criança com nada se colocando entre o corpo e o Ser. O constante barulho da vida psíquica está ausente. Em silêncio profundo o Ser contempla o corpo. É como o papel branco no qual nada foi escrito ainda. Seja como aquela criança, ao invés de tentar ser isto ou aquilo, seja feliz por ser (por estar, por existir). Você será uma testemunha completamente desperta do campo da consciência. Mas não deve haver sentimentos e idéias para se interporem entre você e o campo.
P: Estar contente meramente com ser, parece ser uma maneira muito egoísta da passar o tempo.
M: A maneira mais digna de ser egoísta! De qualquer maneira seja egoísta, renunciando tudo menos o Ser. Quando você ama o Ser e nada mais, você vai além do altruísmo e do egoísmo. Todas as distinções perdem o seu significado. O amor de um e o amor de todos se fundem no amor puro e simples, dirigida a nenhuma pessoa, negado a ninguém. Fique nesse amor, vá cada vez mais fundo nele, investigue a si mesmo e ame a investigação e você vai resolver não apenas os seus próprios problemas, mas também os problemas da humanidade. Você saberá o que fazer. Não faça perguntas superficiais; aplique-se aos fundamentos, às próprias raízes do seu ser.

P: Existe alguma maneira para eu acelerar minha auto-realização?
M: Claro que há.
P: Quem vai acelerá-la? Você pode fazer isso por mim?
M: Nem você vai fazer isso, nem eu. Isso simplesmente vai acontecer.
P: Minha própria vinda aqui provou isso. Essa aceleração é devido à companhia santa? Quando eu parti a última vez, eu esperava voltar. E eu fiz! Agora estou desesperado porque em breve tenho que partir para a Inglaterra.
M: Você é como uma criança recém-nascida. Ela estava lá antes, mas não estava consciente do seu ser. No seu nascimento um mundo surgiu nela, e com ele a consciência de ser. Agora você tem apenas de crescer em consciência, isso é tudo. A criança é o rei do mundo, quando crescer, ela assume o cargo de seu reino. Imagine que na sua infância ela ficou seriamente doente e o médico curou-a. Isso significa que o jovem rei deve o seu reino ao médico? Talvez apenas como um dos fatores contribuintes. Haviam tantos outros, todos contribuíram. Mas o fator principal, o mais crucial, foi o fato de ter nascido o filho de um rei. Da mesma forma, o Guru pode ajudar. Mas a principal coisa que ajuda é ter a realidade internamente. Ela vai afirmar-se. Sua vinda aqui definitivamente ajudou-o. Não é a única coisa que vai ajudá-lo. A principal coisa é o seu próprio ser. Sua própria seriedade atesta isso.

P: O fato de eu tentar encontrar uma vocação nega a minha sinceridade?
M: Eu já lhe disse. Contanto que você se permita uma abundância de momentos de paz, com segurança você pode exercer a sua profissão mais honrosa. Esses momentos de silêncio interior irão queimar todos os obstáculos, sem falhar. Não duvide da sua eficácia. Tente fazer isso.
P: Mas, eu tentei!
M: Nunca fielmente, nunca de forma constante. Caso contrário você não estaria fazendo tais perguntas. Você está perguntando porque você não está seguro de si mesmo. E você não está seguro de si mesmo, porque nunca prestou atenção a você mesmo, apenas às suas experiências. Esteja interessado em si mesmo além de todas as experiências, esteja com você mesmo, ame a si mesmo, a segurança máxima é encontrada apenas no auto-conhecimento. A principal coisa é a seriedade e a sinceridade. Seja honesto com você mesmo e nada irá traí-lo. Virtudes e poderes são meros símbolos para as crianças brincarem. Eles são úteis no mundo, mas não se considere a partir deles. Para ir além, você precisa de imobilidade alerta, atenção silenciosa.

P: O que se torna então nosso ser físico?
M: Enquanto você estiver saudável, você viverá.
P: Essa vida de imobilidade interior, não afetará a nossa saúde?
M: Seu corpo é alimento transformado. Conforme for a sua comida, densa e sutil, será a sua saúde.
P: E o que acontece com o instinto sexual? Como ele pode ser controlado?
M: O sexo é um hábito adquirido. Vá além. Enquanto o seu foco estiver sobre o corpo, você permanecerá nas garras da comida e do sexo, do medo e da morte. Encontre a Si mesmo e seja livre.

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Pergunta: Você me disse que posso ser considerado sob três aspectos: o pessoal (vyakti), o supra-pessoal (vyakta) e o impessoal (avyakta). O Avyakta é o Eu universal puro e verdadeiro, o Vyakta é o seu reflexo na consciência na forma de "eu sou", e o Vyakti é a totalidade dos processos físicos e vitais. Dentro dos estreitos limites do momento presente, o supra-pessoal está consciente da pessoa, tanto no espaço e no tempo, não só de uma pessoa, mas de uma longa série de pessoas amarradas no cordão do karma. É essencialmente a testemunha, bem como o resíduo das experiências acumuladas, a sede da memória, o elo de ligação (sutratma). Ele é o caráter do homem que a vida constrói e molda de nascimento em nascimento. O universal está além de todo nome e forma, além da consciência e do caráter, o puro ser sem autoconsciência. Será que coloquei seus pontos de vista corretamente?
Maharaj: No nível da mente - sim. Para além do nível mental nenhuma palavra se aplica.
P: Eu posso entender que a pessoa é uma construção mental, um substantivo coletivo para um conjunto de memórias e hábitos. Mas aquele para quem a pessoa acontece, o centro que testemunha, é mental também?

M: O pessoal precisa de uma base, um corpo com o qual se identificar, assim como uma cor precisa de uma superfície na qual aparecer. A visão da cor é independente da cor - é a mesma qualquer que seja a cor. É preciso de um olho para ver uma cor. As cores são muitas, o olho é único. O pessoal é como a luz na cor e também no olho, contudo é simples, único, indivisível e não-perceptível, exceto em suas manifestações. Não é inconhecível, mas é imperceptível, não-objetivo, inseparável. Nem material nem mental, nem objetivo nem subjetivo, é a raiz da matéria e a fonte da consciência. Além do mero viver e morrer, ele é o todo-inclusivo, todo-exclusivo. A vida, na qual o nascimento é a morte e a morte é o nascimento.
P: O Absoluto ou a vida de que você fala é real ou é uma mera teoria para encobrir a nossa ignorância?
M: Os dois. Para a mente, uma teoria, em si mesmo - uma realidade. É a realidade em sua rejeição total e espontânea do falso. Assim como a luz destrói a escuridão através de sua própria presença, também o absoluto destrói a imaginação. Ver que todo conhecimento é uma forma de ignorância em si é um movimento da realidade. A testemunha não é uma pessoa. A pessoa passa a existir quando existe uma base para ela, um organismo, um corpo. Nele, o absoluto é refletido como a consciência. O estado de estar ciente, de pura consciência se torna auto-consciência (consciência do ser). Quando há um ser, a auto-consciência é a testemunha. Quando não há ser para testemunhar, não há qualquer testemunho também. É tudo muito simples, é a presença da pessoa que complica. Veja que não existe tal coisa como uma pessoa permanentemente separada e tudo se tornará claro. A consciência - a mente – a matéria - são uma realidade em seus dois aspectos, como imóvel e móvel, e os três atributos da energia, inércia e harmonia.

P: O que vem primeiro a ciência (awarenss) o a consciência (conciousness)?

M: A ciência (awareness) se torna a consciência quando se tem um objeto. O objeto muda o tempo todo. Na consciência há movimento, a ciência em si é imóvel e atemporal, aqui e agora.
P: Há sofrimento e derramamento de sangue no leste do Paquistão atualmente. Como você olha para isso? Como isso parece para você, como você reage a isso?
M: Na pura consciência nunca acontece nada.
P: Por favor, desça destas alturas metafísicas! De que serve para um homem que sofre ser dito que ninguém está ciente de seu sofrimento a não ser ele mesmo? Relegar tudo a ilusão é insulto acrescentado à injúria. O bengali do Paquistão Oriental é um fato e seu sofrimento é um fato. Por favor, não analise-os de fora da existência! Você lê jornais, ouve as pessoas falando sobre isso. Você não pode alegar ignorância. Agora, qual é a sua atitude em relação ao que está acontecendo?
M: Nenhuma atitude. Nada está acontecendo.
P: Qualquer dia pode haver um certo tumulto na sua frente, talvez as pessoas matando umas as outras. Certamente você não poderá dizer: não está acontecendo nada e permanecer indiferente.
M: Eu nunca falei de ficar indiferente. Você poderia também me ver entrando numa briga para salvar alguém e ser morto. No entanto, para mim não aconteceu nada.
Imagine um grande prédio em colapso. Alguns quartos estão em ruínas, alguns estão intactos. Mas você pode falar do espaço como arruinado ou intacto? É apenas a estrutura que sofreu e as pessoas que viviam nele. Nada aconteceu com o próprio espaço. Do mesmo modo, nada acontece à vida quando as formas se quebram e nomes são eliminados. O ourives derrete os velhos ornamentos para fazer novos. Às vezes, um bom pedaço vai com um ruim. Ele não liga para isso pois sabe que nenhum ouro é perdido.
P: Não é contra morte que me rebelo. É contra maneira de morrer.

M: A morte é natural, a maneira de morrer é feita pelo homem. A separação provoca medo e agressão, o que novamente causa da violência. Acabe com as separações criadas pelo homem e todo esse horror de pessoas matando uma as outras, certamente terminará. Mas na realidade não há matar e nem morrer. O real não morre, o irreal nunca viveu. Corrija a sua mente e tudo estará certo. Quando você sabe que o mundo é um, que a humanidade é uma, você vai agir em conformidade. Mas antes de tudo você deve cuidar da maneira como você sente, pensa e vive. A menos que haja ordem em você mesmo, não poderá haver ordem no mundo.
Na realidade não acontece nada. Na tela de sua mente o destino incessantemente projeta suas imagens, lembranças de projeções anteriores e, assim, a ilusão se renova constantemente. As imagens vêm e vão - a luz interceptada pela ignorância. Veja a luz e ignore a imagem.
P: Que maneira cruel de olhar as coisas! Pessoas estão matando e sendo mortas e aqui você fala de imagens.
M: De todo jeito vai e seja morto você mesmo - se é isso que você acha que deve fazer. Ou mesmo vá e mate, se você acha que esse é o seu dever. Mas esse não é o caminho para acabar com o mal. O mal é o cheiro fétido de uma mente que está doente. Cure a sua mente e ela deixará de projetar imagens feias e distorcidas.

P: O que você diz eu entendo, mas emocionalmente não posso aceitar isso. Essa visão meramente idealista da vida repele-me profundamente. Eu simplesmente não posso pensar que eu esteja permanentemente num estado de sonho.
M: Como você pode estar permanentemente em um estado causado por um corpo impermanente? O engano é baseado em sua idéia de que você é o corpo. Examine a idéia, veja suas contradições inerentes, perceba que sua existência presente é como uma chuva de faíscas, cada faísca durando um segundo e a chuva, um ou dois minutos. Certamente alguma coisa na qual o começo é o fim, não pode ter meio. Respeite seus tempos. A realidade não pode ser momentânea. Ela é atemporal, mas a intemporalidade não é duração.
P: Eu admito que o mundo em que vivo não é o mundo real. Mas existe um mundo real, do qual eu vejo uma imagem distorcida. A distorção pode dever-se a algum defeito no meu corpo ou mente. Mas quando você diz que não existe um mundo real, apenas um mundo de sonho em minha mente, eu não posso aceitar. Eu queria poder acreditar que todos os horrores da existência são devidos a eu ter um corpo. O suicídio seria a saída.
M: Enquanto você prestar atenção a idéias, suas próprios ou as dos outros, você estará em apuros. Mas se você ignorar todos os ensinamentos, todos os livros, qualquer coisa colocada em palavras e mergulhar profundamente dentro de si e encontrar a Si mesmo, isso somente irá resolver todos seus problemas e deixá-lo em pleno domínio de cada situação, porque você não vai ser dominado por suas idéias sobre a situação. Tomemos um exemplo. Você está na companhia de uma mulher atraente. Você tem idéias sobre ela e isso cria uma situação sexual. Um problema é criado e você começar a procurar livros sobre a continência, ou o desfrute. Quando você era um bebê, ambos poderiam estar nus e juntos, sem que qualquer problema surgisse. Apenas parem de pensar que vocês são corpos e os problemas do amor e do sexo vão perder o seu significado. Com todo o senso de limitação para trás, o medo, a dor e a busca do prazer - tudo cessa. Somente a consciência (awareness) permanece.

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Pergunta: Quem é o Guru e quem é o supremo Guru?
Maharaj: Tudo o que acontece em sua consciência (consciousness) é o seu guru. E pura ciência (awareness) além da consciência é o supremo guru.
P: Meu Guru é Sri Babaji. Qual é a sua opinião sobre ele?
M: Que pergunta para se fazer! O espaço em Mumbai é perguntado qual é sua opinião sobre o espaço em Puna. Os nomes são diferentes mas não o espaço. A palavra "Babaji" é apenas um endereço. Quem vive sob o endereço? Você faz perguntas quando você está em apuros. Investigue quem está causando problema e para quem.
P: Eu entendo que todos têm a obrigação de atingir a realização. É nosso dever ou é o nosso destino?
M: A Realização é o fato de que você não é uma pessoa. Por conseguinte, não pode ser o dever da pessoa cujo destino é desaparecer. O destino dela é o dever daquele que se imagina ser a pessoa. Descubra quem ele é e a pessoa imaginada se dissolverá. A liberdade é de algo. É para você se libertar do que? Obviamente, você deve se libertar da pessoa que você se considera ser, porque é a idéia que você tem de si mesmo que o mantém aprisionado.
P: Como a pessoa é removida?
M: Através de determinação. Entenda que ela deve ir e deseje que ele vá - ela deverá ir se você for sério a esse respeito. Alguém, qualquer pessoa, vai dizer que você é a pura consciência e não um corpo-mente. Aceite isso como uma possibilidade e investigue com seriedade. Você poderá descobrir que não é como você pensa, que você não é uma pessoa limitada no espaço e no tempo. Pense na diferença que faria!
P: Se eu não sou uma pessoa, então o que sou eu?
M: Um pano molhado parece diferente, sentimos ele diferente, ele tem um cheiro diferente, enquanto ele estiver molhado. Quando seca, ele é novamente o pano normal. A água o deixou e quem poderá saber que ele estava molhado? Sua natureza real não é como você parece ser. Abandone a idéia de ser uma pessoa, isso é tudo. De qualquer maneira, você não precisa tornar-se o que você é. Existe a identidade do que você é e há a pessoa sobreposta a ela. Tudo o que você conhece é a pessoa, a identidade - que não é uma pessoa - você não conhece, pois você nunca duvidou, nunca se perguntou a pergunta crucial: "Quem sou eu?". A identidade é a testemunha da pessoa e o sadhana consiste no deslocamento da ênfase da pessoa superficial e mutável para a testemunha imutável e sempre presente.

P: Por que a pergunta "Quem sou eu" me atrai tão pouco? Eu prefiro passar meu tempo na doce companhia dos santos.
M: Permanecer em seu próprio ser é também companhia santa. Se você não tiver nenhum problema de sofrimento e libertação do sofrimento, você não irá encontrar a energia e a persistência necessárias para a auto-investigação. Você não pode fabricar uma crise. Ela deve ser genuína.

P: Como uma crise genuína acontece?
M: Acontece a todo momento, mas você não está suficientemente alerta. Um traço no rosto do seu vizinho, a tristeza imensa e toda-penetrante da existência é um fator constante em sua vida, mas você se recusa a tomar conhecimento. Você sofre e vê os outros sofrerem, mas você não responde.
P: O que você diz é verdade, mas o que posso fazer a esse respeito? De fato essa é a situação. Minha impotência e apatia são uma parte disso.
M: Bom o bastante. Olhe para si mesmo de forma constante - isso é o suficiente. A porta que tranca você dentro, é também a porta que permite que você saia. O "eu sou" é a porta. Fique nela até que ela se abra. Na realidade, ela está aberta, apenas você não está nela. Você está esperando em portas pintadas inexistentes, que jamais se abrirão.
P: Muitos de nós estivemos tomando drogas em algum momento, e em certa medida. As pessoas nos disseram para tomar drogas a fim de atravessar para níveis superiores de consciência. Outros nos aconselharam a praticar sexo em abundância para a mesma finalidade. Qual é a sua opinião sobre o assunto?
M: Sem dúvida, uma droga que pode afetar o seu cérebro também pode afetar a sua mente e dar-lhe todas as estranhas experiências prometidas. Mas o que são todas as drogas comparadas à droga que lhe deu essa experiência mais incomum de ter nascido e de viver na tristeza e no medo, em busca da felicidade que não vem ou que não dura. Você deve investigar a natureza dessa droga e encontrar um antídoto.
Nascimento, vida, morte – são todos um. Descubra o que os causou. Antes de você nascer você já estava drogado. Que tipo de droga era essa? Você pode curar-se de todas as doenças, mas se você ainda estiver sob a influência da droga primordial, para que servem as curas superficiais?
P: Não é o Karma que causa o renascimento?

M: Você pode mudar o nome, mas o fato permanece. O que é a droga que você chama de karma ou de destino? Ela fez-lhe acreditar você ser o que você não é. O que é isso e você pode ser livre disso? Antes de avançar, você deve aceitar, pelo menos como uma teoria de trabalho, que você não é o que você parece ser, que você está sob a influência de uma droga. Só então você terá a vontade e a paciência para analisar os sintomas e procurar a sua causa comum. Tudo o que um guru pode lhe dizer é: "Meu caro senhor, você está muito enganado sobre si mesmo. Você não é a pessoa que você pensa ser." Não confie em ninguém, nem mesmo em si mesmo. Busque, descobra, remova e rejeite qualquer hipótese até que você atina as águas da vida e as rochas de verdade. Até que você esteja livre da droga, todas suas religiões e as ciências, orações e Yogas não são de nenhum utilidade para você, pois com base em um erro, elas o fortalecem. Mas se você ficar com a idéia de que você não é o corpo nem a mente, nem mesmo a testemunha deles, mas completamente além, sua mente irá crescer em clareza, seus desejos - em pureza, suas ações - em caridade e essa destilação interna o levará para outro mundo, um mundo de verdade e de amor sem medo. Resista aos seus velhos hábitos de sentimento e pensamento, continue dizendo a si mesmo: "Não, não é assim, não pode ser assim, eu não sou assim, eu não preciso disso, eu não quero isso ', e um dia certamente virá quando toda a estrutura de erro e desespero entrará em colapso e o solo estará livre para uma nova vida. Afinal, você deve se lembrar, que todas as suas preocupações consigo mesmo são apenas durante as horas de vigília e em parte em seus sonhos, no sono tudo é posto de lado e esquecido. Isso mostra o quão pouco importante é a sua vida de vigília até mesmo para você, que apenas deitar e fechar os olhos pode acabar com ela. Cada vez que você vai dormir você faz isso sem a menor certeza de que irá acordar e ainda assim você aceitar o risco.
P: Quando você dorme, você está consciente ou inconsciente?
M: Eu permaneço consciente, mas não consciente de ser uma pessoa em particular.
P: Você pode nos dar o gosto da experiência da auto-realização?
M: Tome ela toda! Ela está aqui para você pedir. Mas você não pede. Mesmo quando você pede, você não pega. Descubra o que o impede de pegar.
P: Eu sei o que me impede - meu ego.
M: Então se ocupe com o seu ego - deixe-me em paz. Enquanto você estiver trancado dentro de sua mente, meu estado está fora de seu alcance.
P: Eu acho que não tenho mais perguntas a fazer.
M: Se você realmente estivesse em guerra com o seu ego, você teria colocado muito mais questões. Você tem poucas perguntas, porque você não está realmente interessado. Atualmente você é movido pelo princípio prazer-dor, o qual é o ego. Você está indo junto com o ego, você não está lutando contra ele. Você não está nem mesmo ciente de como você é influenciado totalmente por considerações pessoais. Um homem deveria estar sempre em revolta contra si mesmo, pois o ego, como um espelho torto, estreita e distorce. É o pior de todos os tiranos, ele o domina absolutamente.

P: Quando não há 'eu', quem é livre?
M: O mundo está livre de um poderoso incômodo. É bom o bastante.
P: Bom para quem?
M: Bom para todos. É como uma corda esticada atravessando a rua, ela congestiona o tráfego. Enrolada, ela está lá, como mera identidade, útil quando necessária. A liberdade do ser-ego é o fruto de auto-investigação.
P: Houve um tempo em que eu estava muito descontente comigo mesmo.
Agora eu encontrei meu Guru e estou em paz, depois de ter entreguado-me a ele completamente.
M: Se você observar o seu dia a dia você vai ver que você não entregou nada. Você apenas acrescentou a palavra"entrega" ao seu vocabulário e fez do seu Guru um cabide para pendurar os seus problemas. A entrega real significa não fazer nada, a menos que seja solicitado pelo Guru. Você sai da frente, por assim dizer, e deixa o seu Guru viver a sua vida. Você apenas assiste e admira o quão facilmente ele resolve os problemas que lhe pareciam insolúveis.
P: Ao sentar aqui, vejo a sala, as pessoas. Vejo você também. Como é que isso se passa do seu ponto de vista? O que você vê?
M: Nada. Eu olho, mas eu não vejo, no sentido de criar imagens vestidas de julgamentos. Eu não descrevo nem avalio. Eu olho. Eu vejo você, mas nem atitudes, nem opiniões anuviam minha visão. E quando afasto meus olhos, minha mente não permite que a memória se prolongue, mas ao mesmo tempo está livre e fresca para a impressão seguinte.
P: Conforme estou aqui, olhando pra você, eu não consigo localizar o evento no espaço e no tempo. Há algo de eterno e universal sobre a transmissão de sabedoria que está ocorrendo. Dez mil anos antes, ou depois, não fazem diferença - o próprio evento é atemporal.
M: O homem não muda muito ao longo das eras. Os problemas humanos permanecem os mesmos e pedem pelas mesmas respostas. O fato de você estar consciente do que você chama de transmissão de sabedoria mostra que a sabedoria ainda não foi transmitida. Quando a tiver, você não estará mais consciente disso. Daquilo que é realmente seu, você não está consciente. Aquilo do qual você está consciente não é você e nem seu. Seu é o poder de percepção, não o que você percebe. É um erro considerar o consciente como sendo o todo do homem. O homem é o inconsciente, o consciente e o supra-consciente, mas você não é o homem. Sua é a tela de cinema, a luz, bem como o poder de ver, mas a imagem não é você.

P: Devo procurar o Guru, ou devo ficar com quem eu encontrei?
M: A própria pergunta mostra que você ainda não encontrou um. Enquanto você não tiver realizado, você vai passar de Guru em Guru, mas quando você tiver encontrado a Si mesmo, a busca terminará. Um Guru é um marco. Quando você estiver em movimento, você passa por tantos marcos. Quando você tiver chegado ao seu destino, é apenas o último que importava. Na realidade todos tinham importância em seu próprio momento e nenhum importa agora.
P: Você parece não dar importância para o Guru. Ele é apenas um incidente dentre outros.
M: Todos os incidentes contribuem, mas nenhum deles é crucial. Na estrada cada passo o ajuda a chegar ao seu destino, e cada um é tão importante quanto o outro, pois cada passo deve ser dado, você não pode pulá-lo. Se você se recusar a dar aquele passo, você ficará emperrado!
P: Todo mundo canta as glórias do Guru, enquanto você compara-o a um marco. Não precisamos de um Guru?
M: Não precisamos de um marco? Sim e não. Sim, se estamos incertos, não se conhecemos o nosso caminho. Uma vez que estamos certos em nós mesmos, o Guru não é mais necessário, exceto em um sentido técnico. Sua mente é um instrumento afinal, e você deve saber como usá-la. Assim como lhe são ensinado os usos de seu corpo, também você deve saber como usar sua mente.

P: O que eu ganho, aprendendo a usar a minha mente?
M: Você ganha liberdade de desejo e do medo, que são inteiramente devidos ao mau uso da mente. Mero conhecimento mental não é suficiente. O conhecido é acidental, o desconhecido é o lar do real. Viver no conhecido é aprisionamento, viver no desconhecido é libertação.
P: Eu tenho entendido que toda prática espiritual consiste na eliminação do ser pessoal. Tal prática demanda uma determinação de ferro e uma aplicação implacável. Onde encontrar a integridade e a energia para tal trabalho?
M: Você as encontra na companhia dos sábios.
P: Como eu sei quem é sábio e quem é apenas inteligente?
M: Se seus motivos são puros, se você busca a verdade e nada mais, você vai encontrar as pessoas certas. Encontrá-las é fácil, o difícil é confiar nelas e tirar total vantagem de seus conselhos e orientações.
P: O estado de vigília é mais importantes para a prática espiritual do que o sono?
M: Em geral damos muita importância para o estado de vigília. Sem o sono, a vigília seria impossível, sem dormir a pessoa fica louca ou morre, por que dar tanta importância para a consciência no estado de vigília, que é, obviamente, dependente da inconsciência? Não só o consciente mas também o inconsciente deve ser cuidado em nossa prática espiritual.
P: Como é que alguém cuida do inconsciente?

M: Mantenha o "eu sou" no foco da consciência, lembre-se que você é, observe-se incessantemente e o inconsciente fluirá no consciente sem qualquer esforço especial de sua parte. Desejos e medos equivocados, falsas idéias, inibições sociais estão bloqueando e impedindo o inconsciente de uma livre interacção com o consciente. Uma vez que estiverm livres para se misturarem, os dois se tornarão um e o um se tornará tudo. A pessoa se funde com a testemunha, a testemunha na ciência (awareness), a ciência no puro ser, ainda assim a identidade não se perde, apenas as suas limitações são perdidas. Ela se transfigura e se torna o verdadeiro Ser, o Sadguru, o eterno amigo e guia. Você não pode abordá-lo através de adoração. Nenhuma atividade externa pode chegar ao Ser interior, as adorações e as orações permanecem apenas na superfície, para aprofundar a meditação é essencial, o esforço para ir além dos estados de sonho, sono e vigília. No início as tentativas são irregulares, então, elas recorrem mais frequentemente, tornam-se regulares, em seguida, intensas e contínuas, até que todos os obstáculos são vencidos.
P: Obstáculos para o que?
M: Para o auto-esquecimento.
P: Se a adoração e as orações são ineficazes por que você realiza adorações diárias, com canções e música, à imagem de seu Guru!
M: Aqueles que querem fazer, façam. Não vejo nenhum propósito em interferir.
P: Mas você tomar parte nisso.
M: Sim, parece que sim. Mas por ficar tão preocupado comigo? Dê toda a sua atenção para a questão: "O que é isso que me torna consciente?", até que sua mente se torne a própria questão e não possa pensar em outra coisa.
P: Todo mundo está pedindo-me para meditar. Eu não vejo graça na meditação, mas estou interessado em muitas outras coisas, algumas que eu quero muito e minha mente vai para elas, as minhas tentativas de meditação são tão vagas, o que devo fazer?
M: Pergunte a si mesmo: "para quem tudo acontece?" Use tudo como uma oportunidade de ir para dentro. Iluminar seu caminho ao queimar os obstáculos na intensidade da consciência (awareness). Quando acontecer de você desejar ou ter medo, não é o desejo ou o medo que estão errados e que devem ir, mas a pessoa que deseja e que tem medo. Não há nenhum ponto na luta contra os desejos e medos que podem ser perfeitamente naturais e justificados, é a pessoa que é influenciada por eles, que é a causa dos erros do passado e do futuro. Essa pessoa deveria ser cuidadosamente examinada e sua falsidade deveria se vista, então o poder dela sobre você vai acabar. Afinal, ela retrocede toda vez que você vai dormir. No sono profundo você não é uma pessoa auto-consciente e ainda assim você está vivo. Quando você está vivo e consciente, mas não mais auto-consciente, você não é mais uma pessoa. Durante as horas de vigília você está, como se no palco, atuando um papel, mas o que você é quando a peça acaba? Você é o que você é, o que você era antes da peça ter começado você permanecerá quando ela terminar. Olhe para si mesmo como atuando no palco da vida. A performance pode ser esplendida ou desajeitada, mas você não está nela, você simplesmente a assiste, com interesse e simpatia é claro, mas tendo em mente o tempo todo que você está apenas assistindo, enquanto a peça - a vida - está acontecendo.
P: Você está sempre enfatizando o aspecto da cognição da realidade. Você quase nunca menciona a afeição e a vontade?
M: A vontade, a afeição, a alegria, o esforço e desfrute estão tão profundamente contaminados com o pessoal, que não podem ser confiáveis. A clarificação e a purificação necessárias bem no início da viagem, só a consciência (awareness) pode dar. O amor e a vontade terão a sua vez, mas o terreno deve ser preparado. O sol da consciência deve erguer-se em primeiro lugar - todo o resto se seguirá.

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Pergunta: Certo dia estávamos discutindo a pessoa, a testemunha e o absoluto (vyakti, vyakta e avyakta). Até onde me lembro, você disse que apenas o absoluto é real e a testemunha é absoluta apenas num dado ponto no espaço e no tempo. A pessoa é o organismo, grosseiro e sutil, iluminada pela presença da testemunha. Pereço não estar compreendendo a questão claramente, poderíamos discutir novamente? Você também usa os termos Mahadakash, chidakash e paramakash. Como eles se relacionam com a pessoa, a testemunha e o absoluto?

Maharaj: Mahadakash é a natureza, o oceano das existências, o espaço físico com tudo o que pode ser descrito com os sentidos. Chidakash é a extensão da consciência, o espaço mental do tempo, da percepção e da cognição. Paramakash é a realidade sem tempo e sem espaço, sem mente, indiferenciada; é a potencialidade infinita, a fonte e a origem, a substância e a essência, a matéria e a consciência, e, contudo, está além de ambos. Não pode ser percebida, mas pode ser experimentada como sempre testemunhando a testemunha, percebendo o percebedor; a origem e o fim de toda a manifestação, a raiz do tempo e o espaço, a causa principal em toda corrente de causas.
Pegunta: Qual é a diferença entre o Vyakta (o manifesto) e o Avyakta
(o não-manifesto)?
Maharaj: Não há nenhuma diferença. É como a luz e a luz do dia. O Universo está cheio de luz que você não vê; mas a mesma luz você vê na forma de luz do dia. E o que a luz do dia revela é o Vyakti. A pessoa é sempre o objeto, a testemunha é o sujeito, e sua relação de dependência mútua é um reflexo da identidade absoluta deles. Você imagina que são estados distintos e separados. Não são. São a mesma consciência - em repouso e em movimento, cada estado consciente um do outro. Em Chit (consciência universal) o homem conhece Deus e Deus conhece o homem. Em Chit o homem dá forma ao mundo e o mundo dá forma ao homem. Chit é a ligação, a ponte entre extremos, o fator de equilíbrio e de união em cada experiência. A totalidade de tudo o que é percebido é o que você chama de matéria. A totalidade de todos os percebedores é o que você chama de mente universal. A identidade dos dois, manifestando-se como a perceptibilidade e percepção, harmonia e inteligência, amorosidade e amor, reafirma-se eternamente.

P: Os três Gunas (sattva - rajas - tamas) estão apenas na matéria ou também estão na mente?
M: Em ambos, é claro, porque os dois não estão separados. É apenas o absoluto que está além dos gunas. Na verdade, esses são apenas pontos de vista, formas de olhar. Eles só existem na mente. Além da mente todas as distinções cessam.
P: O Universo é um produto dos sentidos?
M: Assim como você recria o mundo ao acordar, também o universo é desenrolado. A mente, com seus cinco órgãos de percepção, cinco órgãos de ação e cinco veículos de consciência aparece como memória, pensamento, razão e sentido de individualidade.
P: As ciências fizeram grandes progressos. Conhecemos o corpo e a mente muito melhor do que nossos antepassados. Sua maneira tradicional de descrever e analisar a mente e a matéria, não é mais válida.
M: Mas onde estão os seus cientistas com suas ciências? Eles não são mais uma vez imagens em sua própria mente?
P: Aqui reside a diferença básica! Para mim, eles não são minhas próprias projeções. Eles existiam antes de eu nascer e estarão aí quando eu morrer.
M: Claro que sim. Uma vez que você aceita o tempo e o espaço como reais, você se considera pequeno e de curta duração. Mas eles são reais? Eles dependem de você ou você deles? Enquanto corpo, você está no espaço. Enquanto mente, você está no tempo. Mas você é meramente um corpo com uma mente nele? Alguma vez você já investigou?
P: Eu não tinha nem o motivo nem o método.
M: Eu estou sugerindo ambos. Mas o trabalho de discernimento e desprendimento (viveka-vairagya) é seu.
P: O único motivo que posso perceber é a minha própria felicidade sem causa e atemporal. E qual é o método?

M: A felicidade é acidental. O motivo verdadeiro e eficaz é o amor. Você vê as pessoas sofrerem e você procura pela melhor maneira de ajudá-las. A resposta é óbvia - em primeiro lugar coloque-se além da necessidade de ajuda. Certifique-se de sua atitude é proveniente de pura boa vontade, livre da expectativa de qualquer tipo.
Aqueles que buscam meramente a felicidade podem acabar numa indiferênça sublime, enquanto que o amor nunca vai descansar.
Quanto ao método, há apenas um - você tem de vir a conhecer a si mesmo - tanto o que você parece ser e o que você é. A clareza e a caridade caminham juntas - uma precisa da outra e reforça a outra.
P: A compaixão implica a existência de um mundo objetivo, cheio de tristezas evitáveis.
M: O mundo não é objetivo e a tristeza dele não é evitável. Compaixão é apenas outra palavra para a recusa de sofrer por razões imaginárias.
P: Se as razões são imaginárias, porque o sofrimento deveria ser inevitável?
M: É sempre o falso que o faz sofrer, os falsos desejos e medos, os falsos valores e idéias, as falsas relações entre as pessoas. Abandone o falso e você estará livre da dor, a verdade faz feliz, a verdade liberta.

P: A verdade é que sou uma mente aprisionada num corpo e essa é uma verdade muito infeliz.
M: Você não é o corpo e nem está no corpo - não há tal coisa como o corpo. Você confundiu-se gravemente; para compreender corretamente - investigue.
P: Mas eu nasci como um corpo, em um corpo e morrerei com o corpo, como um corpo.
M: Este é o seu equívoco. Inquira, investigue, duvide de si mesmo e dos outros. Para encontrar a verdade, você não deve se apegar às suas convicções, se você tem certeza do imediato, você nunca vai chegar ao definitivo. Sua idéia de que você nasceu e que você vai morrer é absurda: tanto a lógica quanto a experiência contradizem-na.
P: Tudo bem, não vou insistir que eu sou o corpo. Você tem um ponto aqui. Mas aqui e agora, conforme falo com você, estou em meu corpo obviamente. O corpo pode não ser eu, mas é meu.
M: O universo inteiro contribui incessantemente para sua existência. Assim, o universo inteiro é o seu corpo. Nesse sentido - eu concordo.
P: Meu corpo me influencia profundamente. Em mais de uma maneira meu corpo é meu destino. Meu caráter, meus humorers, a natureza das minhas reações, meus desejos e medos - inatos ou adquiridos - estão todos baseados no corpo. Um pouco de álcool, alguma droga ou outra e tudo muda. Até que o efeito da droga desapareça torno-me um outro homem.
M: Tudo isso acontece porque você pensa-se ser o corpo. Realize o seu Ser verdadeiro e até mesmo as drogas não terão nenhum poder sobre você.

P: Você fuma?
M: Meu corpo manteve alguns hábitos que podem também continuar até que ele morra. Não há nenhum mal neles.
P: Você come carne?
M: Eu nasci entre pessoas que comem carne e os meus filhos comem carne. Eu como muito pouco - e não faço nenhum alvoroço.
P: Comer carne implica em matar.
M: Claro. Eu não faço nenhuma reivindicação de coerência. Você acha que a coerência absoluta é possível; prove-a pelo exemplo. Não pregue o que você não pratica.
Voltando à idéia de ter nascido. Você está preso ao que seus pais lhe disseram: tudo sobre a concepção, a gravidez e o nascimento, as fases bebê, criança, jovem, adolescente, e assim por diante. Agora, dispa-se da idéia de que você é o corpo com a ajuda da idéia contrária de que você não é o corpo. É também uma idéia, sem dúvida, trate-a como algo a ser abandonado quando o seu trabalho tiver sido feito. A idéia de que eu não sou o corpo dá realidade ao corpo, quando na verdade, não existe tal coisa como o corpo, ele é apenas um estado da mente. Você pode ter tantos corpos e tão diversos quanto você quiser, apenas lembre constantemente o que você quer e rejeite os incompatíveis.
P: Eu sou como uma caixa dentro de uma caixa, dentro de outra caixa, a caixa externa que atua como o corpo e a próxima a ela - como a alma que habita. Ao abstrair da caixa exterior a próxima se torna o corpo e a próxima a ela a alma. É uma série infinita, uma infinita abertura de caixas, a última é a alma definitiva?
M: Se você tem um corpo, você deve ter uma alma; aqui sua metáfora de um ninho de caixas se aplica. Mas aqui e agora, através de todos os seus corpos e almas, brilha a consciência (awareness), a pura luz do chit. Segure-se a ela resolutamente. Sem a consciência, o corpo não duraria um segundo. Há no corpo uma corrente de afeição, energia e inteligência, que orienta, sustenta e energiza o corpo. Descubra essa corrente e fique com ela.
Naturalmente, todas essas são maneiras de falar. As palavras são tanto uma barreira como uma ponte. Encontre a centelha da vida que tece os tecidos de seu corpo e fique com ela. Essa é a única realidade que o corpo tem.
P: O que acontece com essa centelha da vida após a morte?
M: Ela está além do tempo. Nascimento e morte são apenas pontos no tempo. A vida eternamente tece suas muitas teias. A tecelagem é no tempo, mas a própria vida é atemporal. Qualquer que seja o nome e a forma que você dê às suas expressões, ela é como o oceano - nunca muda e está sempre mudando.
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P: Tudo o que você diz soa maravilhosamente convincente, mas a minha sensação de ser apenas uma pessoa em um mundo estranho e estrangeiro, muitas vezes hostil e perigoso, não cessa. Sendo uma pessoa, limitada no espaço e no tempo, como posso realizar-me como o oposto; uma consciência despersonalizada, universalizada de nada em particular?
M: Você afirma-se ser o que não é e nega ser o que você é. Você omite o elemento da pura cognição, da consciência livre de todas as distorções pessoais. A menos que você admita a realidade de chit, você nunca conhecerá a si mesmo.
P: O que devo fazer? Eu não me vejo como você me vê. Talvez você esteja certo e eu errado, mas como posso deixar de ser o que eu sinto que eu sou?
M: Um príncipe que acredita-se ser um mendigo pode ser convencido de forma conclusiva de uma única maneira: ele deve se comportar como um príncipe e ver o que acontece. Comporte-se como se o que eu digo fosse verdade e julgue por aquilo que realmente acontecer. Tudo o que eu peço é a pequena fé necessária para dar o primeiro passo. Com a experiência virá a confiança e você não vai precisar mais de mim. Eu sei o que você é e eu estou lhe dizendo. Confie em mim por um tempo.
P: Para estar aqui e agora, eu preciso do meu corpo e dos seus sentidos. Para compreender, preciso de uma mente.
M: O corpo e a mente são apenas sintomas da ignorância, do mal-entendido. Comporte-se como se você fosse a pura consciência, sem corpo e sem mente, sem espaço e sem tempo, além de 'onde' , 'quando' e 'como'. Resida nela, pense sobre ela, aprenda a aceitar a sua realidade. Não se oponha a ela negando-a o tempo todo. Mantenha a mente aberta, pelo menos. Yoga é dobrar o exterior para o interior. Faça a sua mente e o seu corpo expressarem o real, que é tudo e além de tudo. Ao fazê-lo você tem sucesso, não ao discutir.
P: Por favor, permita-me voltar à minha primeira pergunta. Como o erro de ser uma pessoa se origina?
M: O absoluto precede o tempo. A consciência vem em primeiro lugar. Um feixe de memórias e hábitos mentais atrai a atenção, a consciência fica focalizada e uma pessoa aparece de repente. Remova a luz da consciência, vá dormir ou desmaie – e a pessoa desaparece. A pessoa (vyakti) cintila, a consciência (vyakta) contém todo o espaço e o tempo, o absoluto (avyakta) É.