quinta-feira, 28 de abril de 2011

Bernard de Clairvaux - Cuide de domar a besta selvagem

Aquele cujo pecado da carne ainda reina não pode esperar por este reino, portanto devemos notar o que se segue: “Abençoados são os mansos”

Sendo que não pode haver acesso ao reino de Deus sem os primeiros frutos do reino, e que aquele ao qual não é dado governar seus próprios membros não pode esperar pelo reino do céu, segue-se: “Abençoados os mansos, pois herdarão a terra” (Mat. 5:5). Colocando mais claramente: “Examine os movimentos não domesticados da vontade e cuide de domar a besta selvagem. Você está cativo. Lute arduamente para desatar o que você não pode jamais quebrar. Essa vontade é a sua Eva. Você não vai triunfar contra ela usando a força”.
Não pode haver atraso. O homem, respirando novamente junto a essas palavras e pensando novamente que sua tarefa não é impossível, envergonhadamente aproxima-se da víbora da raiva e tenta dominá-la. Ele fala das tentações da carne e denuncia as consolações mundanas como sendo vaidades, triviais e sem valor, de vida curta e perigosas para todos aqueles que as amam.



Como colocar um fim nas idas e vindas da luxúria e da glutonia, da vaidade da curiosidade e do amor pelas riquezas.

“Por essa razão,” ele diz: “chame-se de um servo mau e inútil” (Mat. 25:30; Luc. 19:22). Você não pode negar que você nunca foi capaz de satisfazer essas demandas, mesmo que moderadamente. Os prazeres da garganta, que são tão altamente estimados hoje em dia, têm no máximo dois dedos de largura; e o pequeno desfrute desse pequeno fragmento é preparado com tamanha aflição e gera tanta ansiedade! Através disso as partes superior e inferior do corpo são dilatadas e o estomago inchado não é tão engordado quanto é emprenhado pela destruição; e quando os ossos não podem suportar o peso da carne, várias doenças se seguem.
Com que labor e a custo do que (às vezes da boa reputação e da honra e mesmo causando perigo para a vida) é agitado o sedutor turbilhão da luxúria, de modo que os vapores sulfúricos, embora brilhem muito pouco, conduzem suas vítimas enlouquecidas com as incitações e tratam seus corações intoxicados como abelhas, que primeiro derramam o mel e depois picam. Esse é o homem cujo coração está despedaçado, cujos desejos estão cheios de ansiedade e desapontamento, cujos atos são de abominação e infâmia, cujo destino de remorso e vergonha é por fim plenamente reconhecido pelo que é.
Em quê esses espetáculos beneficiam o corpo ou o que parecem conferir à alma? Pois você não encontrará uma terceira parte no homem que se beneficiará da curiosidade. Frívola, vã e vazia é a consolação, e eu não conheço fado mais difícil que pudesse ser trazido para uma pessoa, do que ela sempre ter o que deseja, ela que quando afugenta a doce paz deleita-se na curiosidade inquieta. É muito claro que apenas a passagem de todos esses “deleites” é uma felicidade. Além do mais, é óbvio por seu próprio nome, que a “vaidade das vaidades” não é nada (Ecl. 1:2). Vão de fato é o trabalho que é desempenhado a partir do zelo pela vaidade. “Ó glória, glória”, diz o sábio homem, “dentre os milhares de mortais, você não é nada além de um sopro nos ouvidos!”. E ainda assim, quanta infelicidade você acha que isso produz? (que não é tanto vaidade feliz quanto felicidade vã). Pois ela causa cegueira do coração, como está escrito: “Meu povo, aqueles que vos chamam de abençoados vos enganam” (Isa. 3:12). Isso produz a fúria persistente da animosidade, o ansioso trabalho da desconfiança, a tormenta cruel da frustração e a desgraça da inveja, que recebe mais miséria do que pena.
Assim, o amor insaciável pelas riquezas é um desejo que traz muito mais tormenta para a alma do que o seu desfrute traz descanso. Pois a aquisição de riquezas mostra-se ser labor máximo, sua posse temor máximo e sua perda pesar máximo. Desse modo: “onde há muitas riquezas, há muitos que as consomem” (Ecl. 5:10), e de fato a utilização que as outras pessoas fazem de suas riquezas deixa para o rico apenas a reputação pela riqueza e as precauções da riqueza. E tudo isso por algo tão insignificante. Não pensar nada sobre a glória que o olho não viu e nem o ouvido ouviu, nem entrou no coração do homem, a glória que Deus preparou para aqueles que O amam, parece ser mais do que sem sentido, é uma falta de fé.



Sobre a escravidão indigna aos vícios, a incerteza de quando a morte virá e a infelicidade de juntar riquezas

Certamente é culpa delas mesmas que este mundo, o qual se encontra nas garras do Malvado, ilude com promessas vãs as almas que se esquecem de sua criação e sua dignidade, almas que não se envergonham de alimentar-se com os porcos, de fazer companhia aos suínos em seus desejos e que nem mesmo assim ficam satisfeitas com sua comida nojenta? Daí surge tal debilidade de propósito e degradação miserável que essa nobre criatura não se envergonha de viver numa escravidão a essa imundice dos sentidos do corpo, embora seja capaz de desfrutar de bem-aventurança eterna e da glória da grandeza de Deus. Deus criou-a através de seu próprio sopro, distinguiu-a ao fazê-la à sua imagem, redimiu-a através de seu sangue, deu-lhe fé, adotou-a através do Espírito. Quando a alma deserta tal Noivo e vai atrás de tais amantes, não é surpresa que ela não possa capturar a glória que está preparada para ela. É apropriado que ela anseie por cascas de frutos e que lhe sejam negadas, quando ela prefere alimentar-se com os porcos em vez de regalar-se na mesa do Pai (Luc. 15:16). É o trabalho da loucura alimentar aquele que é estéril e que não produz nada, não estar disposto a dar nada para a viúva, não se importar nada com o coração e dar à carne tudo o que ela deseja, engordar e acarinhar um corpo pútrido que está há muito destinado a ser o alimento dos vermes. Pois quem não sabe que adorar o dinheiro, servir a avareza (que significa servir a ídolos) ou perseguir avidamente a vaidade é uma clara evidência de uma alma degenerada?