sábado, 30 de novembro de 2013

G. I. Gurdjieff - Instruções Variadas

 

 

Nova Iorque, 29 de dezembro de 1932

O homem não tem energia para atingir metas voluntárias porque toda a força que ele adiquire à noite durante o seu estado passivo é usada em suas manifestações negativas. Essas são suas manifestações automáticas, o oposto de suas manifestações positivas ou decididas por ele voluntariamente.
Para ganhar energia há um exercício para aqueles que já estão aptos a lembrar automaticamente e com frequência de sua meta, mas que não possuem a força para realizá-la. - Sente-se por um periodo de pelo menos uma hora. Deixe todos os músculos relaxados. Permita que as associações prossigam, mas não seja absorvido por elas. Diga para elas: "se vocês deixarem eu fazer o meu trabalho agora, eu concederei todos os seus desejos depois". Olhe para as associações como se elas fossem um outro ser para não se identificar com elas. Ao final de uma hora pegue um papel e escreva a sua meta nele. Torne esse papel o seu "deus". Todo o resto não tem valor. Pegue o papel do seu bolso e leia constantemente todos os dias. Dessa maneira ela se torna parte de você. Primeiro teoricamente, depois de fato.
Para ganhar energia pratique esse exercício de sentar-se quieto e deixar os seus músculos mortos. apenas quando tudo em você estiver quieto por uma hora tome sua decisão sobre a sua meta. Não deixe as associações lhe absorverem.  
 
 
 
Nova Iorque, 9 de dezembro de 1932

Os movimentos agitados e nervosos que uma pessoa realiza, fazem com que todos, consciente ou inconscientemente, percebam que ela não tem autoridade, que ela é estúpida. Com esses movimentos inquietos ela não poder ser nada. A primeira coisa para essa pessoa fazer é parar esses movimentos. Ela deve tornar essa a sua meta, o seu "deus". Deve até mesmo pedir ajuda aos seus familiars. Apenas depois disso talvez ela possa adquirir atenção. Esse é um exemplo de "fazer".
Outro exemplo, um aprendiz de piano não pode aprender senão pouco a pouco. Se você quiser tocar melodias logo de início sem praticar, você não poderá tocar melodias reais e as melodias que você tocar serão cacofônicas e farão as pessoas sofrerem e odiarem você. Também é assim na vida com as coisas psicológicas. Para adquirir algo real uma longa prática é necessária.
Tente realizer coisas bem pequenas no início. Se você objetivar coisas grandes de início você jamais será coisa alguma. Suas ações atuarão cacofonicamente como melodias ruins em todos e farão com que eles lhe odeiem.



O homem tem duas substâncias em si, a substância dos elementos ativos do corpo físico e as substâncias compostas dos elementos ativos da material astral. Essas duas formam uma terceira substância pela combinação das duas. Essa terceira substância é uma "substância mista" ou combinada, ela se acumula em algumas partes de uma pessoa e forma também uma atmosfera ao redor dela assim como ocorre num planeta. As atmosferas planetárias estão continuamente ganhando ou perdendo substâncias por causa dos outros planetas. As pessoas são rodeadas de outras pessoas assim como os planetas são rodeados de outros planetas. Quando dentro de certos limites duas atmosferas se encontram, e se essas atmosferas são "compatíveis", uma conexão é estabelecida entre elas e resultados legítimos ocorrem. Algo flui. A quantidade de atmosfera permanence a mesma, mas a qualidade muda. A pessoa pode controlar sua atmosfera.
É como a eletricidade - a parte positiva e a parte negativa. Uma parte pode ser aumentada e ser feita fluir como uma corrente. Tudo tem uma eletricidade positiva e negativa. Em um homem as atrações e repulsões são positivas e negativas. A matéria astral sempre se opôe à matéria física.
Na antiguidade os Padres podiam curar doenças ao abençoar com as mãos. Alguns padres tinham apenas que colocar suas mãos na pessoa doente. Alguns podiam curar de pequenas distâncias, alguns de distâncias maiores. Um padre era um homem que tinha "substância mista" e assim podia usá-la para curar os outros. Um padre era um magnetizador. Jesus Cristo era um magnetizador.
As pessoas doentes não têm suficiente "substância mista", "magnetismo" ou "vida"
Essa "substância mista" pode ser vista se estiver concentrada. Uma aura ou um halo eram algo real e podiam ser vistos em lugares sagrados e em algumas igrejas.
Mesmer redescobriu o uso dessa substância. Para poder usá-la você deve primeiro TER essa substância.
É o mesmo com a atenção - ela é adquirida apenas através de labores conscientes e sofrimentos voluntarios - ao fazer pequenas coisas voluntariamente.
Torne alguma meta pequena o seu "deus" e assim adquira magnetismo. O magnetismo, assim como a eletrecidade, pode ser concentrado e ser feito fluir pela mente.   


Nova Iorque, 9 de dezembro de 1932

Existem dois tipos de fazer. O fazer automático e o fazer de acordo com a vontade.
Pegue algo que você gostaria de fazer, que você não consegue fazer e torne isso o seu "deus". Não deixe nada interferir. Objetive apenas isso. Então, se você conseguir fazer isso eu poderei lhe dar uma tarefa maior. Hoje em dia você tem um apetite por fazer coisas grandes demais para você. Esse é um apetite anormal. Você não consegue fazer essas coisas nunca e esse apetite o impede de fazer coisas menores que você poderia fazer. Destrua esse apetite, esqueça as coisas grandes. Estabeleça a meta de quebrar algum hábito pequeno.
Se você "deseja" pode "pode". Sem "desejar" você jamais "poderá". Desejar é a coisa mais poderosa do mundo. Com o desejo consciente todas as coisas vêm.


Suportar as manifestações desagradáveis dos outros é algo muito grande. É uma das últimas coisas para um homem. Apenas um homem perfeito pode faze-lo. Comece por tornar a sua "meta", ou o seu "deus" ter a habilidade de suportar uma manifestação de uma pessoa que você agora não pode aguentar sem nervosismo. Assumir uma meta volutária e atingí-la cria magnitismo e a habilidade de "fazer"



Nova Iorque, 6 de fevereiro de 1932

Existem duas partes do ar, a parte involutiva e a evolutiva. Apenas a parte involutiva tem o poder de vivificação do "Eu". Apenas o suficiente para o processo trogo-auto-ego-crático* é assimilado dessa parte. Enquanto não tiver um desejo consciente você não poderá assimilar mais dessa parte boa do ar. Essa parte involutiva vem da Fonte Primordial. O segredo de tornar-se apto a assimilar a parte involutiva do ar está em tentar perceber sua própria insignificância e a insignificância dos outros à sua volta. Você é mortal e irá morrer algum dia. A pessoa cuja sua atenção repousa é seu semelhante. Ela também morrerá. Vocês são ambos nulidades. Atualmente a maioria do seu sofrimento é "sofrimento em vão" proveniente de um sentimento de raiva ou ciúmes perante os outros. Se você obter dados para perceber sempre a inevitabilidade da morte deles e da sua própria morte, você sentirá sempre pena dos outros e será justo, pois a maioria das manifestações deles que desagradam a você só causam isso porque alguém pisa nos "calos" deles ou também por causa da sensibilidade dos seus "calos", mas você não consegue ver isso. Coloque-se na posição dos outros. Eles têm o mesmo valor que você. Eles irão morrem assim como você. Eles sofrem assim como você.
Apenas se você conseguir sentir essa insignificância; até que isso se torne um hábito quando quer que você veja alguém, apenas então, você estará apto a assimilar a parte boa do ar  e ter um "Eu" real. 
Todas as pessoas têm desejos e coisas que lhe são queridas, as quais ela irá perder quando morrer. Ao olhar para os seus semelhantes e perceber a sua insignificância, ao perceber que eles irão morrer, pena e compaixão surgirão em você por eles e por fim você irá amá-los.

 
 
Na minha opinião, a essência de todas as qualidades espirituais existentes exclusivamente no homem, são engendrados para o seu future desenvolvimento da força e pelo grau de seu amor por seus pais. Não é à toa que num dos ensinamentos filosóficos antigos é dito:
 
"Acima de tudo na Terra, até mesmo acima de Deus, está o amor pelos nosso pais, especialmente aos pais ainda vivos.
Enquanto os pais ainda estão vivos, deus Deus deve ser considerado apenas um futuro substituto no coraçao do homem para o lugar deixado vazio pela morte deles. E é por isso que Deus ama apenas aqueles que amam seus pais, porque esse homem certamente torna-se o future receptáculo para Ele."   


* Para a compreesão do termo Trogoautoegocrático e das leis de criação e manutenção do universo é recomendada a leitura do livro "Relatos de Belzebu a Seu Neto"

quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Philokalia - São Gregório Pálamas - A oração interior

 
Que ninguém pense, meus queridos Cristãos, que apenas os monges e os padres precisam orar sem cessar e que os leigos não. De modo algum, não: todo Cristão sem exceção deve residir sempre na oração. Gregório, o Teólogo, ensina a todos os Cristãos que o Nome de Deus deve ser lembrado em oração tão frequentemente quanto inalamos o ar.

Quando o Apóstolo nos ordena: “Orai sem cessar” (1 Thess v. 17), ele quer dizer que devemos orar internamente com nossa mente; e isso é algo que podemos fazer sempre. Pois quando estamos engajados em algum trabalho manual, quando andamos ou estamos sentados, quando comemos ou quando bebemos, internamente podemos sempre orar e praticar a prece interior da mente, a verdadeira oração que agrada a Deus. Vamos, portanto, trabalhar com nossos corpos e orar com nossa alma. Que nosso homem exterior realize o trabalho físico e nosso homem interior esteja concentrado total e completamente no serviço de Deus e que nunca enfraqueçamos o trabalho espiritual da oração interior. Isso é também ordenado por Jesus, o Deus-homem, quando Ele diz no Santo Evangelho: “Tu, porém, quando orardes, entra no teu quarto e, fechando tua porta, ora a teu Pai, que vê em segredo” (Mat. 6:6). O quarto da alma é o corpo, as postas são os cinco sentidos. A alma entra no seu quarto quando a mente não vagueia aqui e ali sobre as coisas mundanas, mas permanece dentro do nosso coração. Nossos sentidos são fechados e permanecem assim quando não permitimos que eles se apeguem a coisas visíveis e externas, dessa forma nossa mente fica livre de todo apego mundano e através de sua oração secreta e interna é unida a Deus nosso Pai.
Você se lembra da afirmação de São Paulo: “nosso corpo é o templo de Espírito Santo dentro de nós” (1Cor.6:9) e: “somos a casa de Deus” (Ref. Heb.3:6), como o próprio Deus confirma quando diz: “Eu habitarei e caminharei neles e serei Seu Deus”(2Cor. 6:16). Portanto, uma vez que o corpo é a morada de Deus, que pessoa sã iria se opor a manter seu intelecto nele? E como foi que de início Deus estabeleceu o intelecto no corpo? Ele fez isso de maneira errada?

Quando lutamos com uma sobriedade diligente para guardar vigília sobre nossas faculdades racionais, para controlar e corrigi-las, de que maneira podemos ter êxito nessa tarefa a não ser ao coletar nossa mente que está dispersa por aí através dos sentidos e trazê-la de volta para o mundo interno, para o próprio coração, que é o armazém de todos os pensamentos?

Quando a oração de Jesus está ausente, somos atacados por todas as sortes de coisas danosas, não sobrando espaço para nenhuma coisa boa na alma. Mas quando nosso Senhor está presente na oração, tudo o que é estrangeiro é banido.

‘Fica atento a ti mesmo’, disse Moisés (Deut.15:9) – isto é, à totalidade de ti mesmo, não apenas a poucas coisas que pertencem a você, negligenciando o resto. De que maneira? Indubitavelmente, com o intelecto. Esteja em guarda, portanto, vigiando sua alma e seu corpo, pois assim você prontamente irá se livrar das paixões malignas do corpo e da alma. Desse modo, assuma o controle sobre si, fique atento a si mesmo, analise-se minuciosamente, ou melhor, guarde, observe e teste a si mesmo, pois dessa maneira você irá subjugar seu ser rebelde e não regenerado ao Espírito, e assim jamais haverá ‘alguma iniquidade em seu coração’ (Deut.15:9). Se, por acaso, o Pregador (o espírito que governa os demônios e paixões do mal) se erguer contra você, não deserte seu posto (ref. Ecl.10:4) – ou seja, não deixe nenhuma parte da sua alma ou do seu corpo sem ser vigiada. Dessa forma você dominará os espíritos do mal que lhe assaltam e irá audaciosamente apresentar-se Àquele que examina os corações e as mentes (ref. Sal.7:9) e Ele não irá examiná-lo minuciosamente porque você já o fez. Como disse São Paulo: ‘Se examinássemos a nós mesmos, não seríamos julgados’ (1Cor.11:31).
Então você experimentará a bênção que Davi experimentou e dirá para Deus: ‘A escuridão não será escuridão junto a Ti, e a noite será clara como o dia para mim, pois tomaste posse de minha mente’ (Sal.139:12:13). É como se Davi estivesse dizendo que Deus não apenas tornou-se o único objeto de desejo de sua alma, mas também que qualquer fagulha desse desejo em seu corpo retornou para a alma que produziu esse desejo, e através da alma elevou-se a Deus, juntando e unindo-se a Ele. Pois da mesma forma que aqueles que se unem aos prazeres perecíveis dos sentidos expandem todos os desejos da alma ao satisfazerem suas propensões carnais, assim tornando-se tão completamente materialistas que o Espirito de Deus não pode habitar neles (ref.Gen.6:3), também, no caso daqueles que elevaram o intelecto a Deus e que através do anseio divino anexaram sua alma a Ele, a carne também é transformada, é exaltada juntamente com a alma e comunga com a alma no Divino tornando-se posse e morada de Deus, não abrigando mais nenhum inimigo Dele ou quaisquer desejos que sejam contrários ao Espírito (ref.Gal.5:17).

domingo, 22 de setembro de 2013

Hazrat Inayat Khan - O Impulso Divino


Meu tema esta noite é o impulso divino. A primeira pergunta a ser considerada no que se refere a esse assunto é: De onde é que todo impulso vem? Cada movimento, cada vibração, cada onda tem uma única fonte. Vemos uma referência na Bíblia sobre esse assunto, quando é dito: "E o Verbo era Deus" (João 1:1). O verbo significa vibração e vibração significa movimento. Entre os hindús no Vedanta, Nada Brahma significa Deus o som. A vibração foi o aspecto primeiro ou original de Brahma, o Criador.
No Alcorão Ele disse Seja, e tudo se tornou. Cada impulso, cada ação em qualquer plano de existência tem sua origem em uma única fonte. Vou citar outra Sura do Alcorão onde é dito: "Deus é todo poder. Não há nenhum outro poder além de Deus." Todas as coisas que são feitas são feitas com o Seu poder. E agora vem a pergunta: Se todas as escrituras dizem isso, onde é que Satanás entra? Qual é o significado por trás do poder de Satanás? Outro poder é sugerido além do poder de Deus e às vezes o poder atribuido a Satanás parece mais forte do que o poder atribuido a Deus. Esse é um enigma para muitos que se perguntam: Onde é que a ação de Satanás entra?
A explicação encontra-se no entendimento da metafísica e das leis da natureza. Existe uma lei chamada de lei natural e tudo o que vem dirigido pela lei da natureza é harmonioso. Os jardins que o homem pode fazer parecem por um momento melhorar as florestas, mas no final ao examinarmos o jardim com suas estruturas artificiais ele prova ser limitado em beleza e harmonia. A inspiração que obtemos nas florestas, nos desertos, etc, é muito maior do que num jardim feito pelo homem, pois aqui o homem tornou a inspiração limitada, pois a vida que ele irradia é limitada.
 O homem faz uma lei e descobre que não pode obedecê-la, então ele faz uma outra lei e nunca fica satisfeito, pois ele não leva em conta a lei da natureza, da paz e da harmonia. Os homens dizem que a natureza é cruel, sim, mas o homem é muito mais cruel do que os animais. Os animais nunca destruiram tantas vidas quanto os homens têm feito. A natureza com toda a sua crueldade aparente não pode comparar-se com a crueldade, a ignorância e a injustiça do homem.
Jesus Cristo disse: "Seja feita a Vossa vontade" (Mat. 6:10). Há muito para aprendermos nesse dizer. O homem cria um outro mundo no qual vive, diferente do plano de Deus, das leis da natureza e dessa forma não é feita a vontade de Deus. A oração ensina ao homem que ele deve descobrir qual é a vontade de Deus. Não é necessário para os animais e as aves descobrirem a vontade de Deus, pois eles são dirigidos pelo impulso da natureza, eles estão mais perto da natureza do que o homem. A vida do homem é tão distante da vida da natureza e desse modo cada movimento é difícil. Nós não vemos isso agora. Com todo o nosso conhecimento tornarnos a vida cada vez mais complicada e assim o conflito torna-se cada vez maior. Para cada pessoa, jovem ou velha, rica ou pobre, a vida é uma luta difícil, pois nós nos afastamos cada vez mais do impulso que vem direto da fonte da qual todo impulso vem.
Do ponto de vista metafísico, existem diferentes ritmos que descrevem a condição do homem, falados no Vedanta como Sattva, Rajas e Tamas. Sattva refere-se a um ritmo harmonioso, Rajas é um ritmo que não está em perfeita harmonia com a natureza e Tamas é um ritmo que é caótico e destrutivo por natureza, e cada impulso que vem ao homem enquanto nesse ritmo caótico é seguido por resultados destrutivos. Qualquer impulso que vem quando a pessoa está no impulso proveniente de Rajas é realizado, mas o impulso que vem quando ele está no ritmo de sattva é inspirado e está em harmonia com o ritmo do universo.
A vida ativa do homem dá pouco tempo para a concentração e para colocar a mente e o corpo numa condição em que ele possa experimentar o ritmo que dá inspiração e que vá de encontro com a vontade de Deus. Essa experiência vem em resposta à oração de Cristo: "Seja feita a Vossa vontade assim na terra como no Céu." Ao produzir essa condição da mente e do corpo, a pessoa sintoniza-se com a um certo tom que é harmonioso e celestial e no qual a vontade divina é feita facilmente, como é feita no céu. É nesse ritmo apenas que a vontade de Deus pode ser feita.
Não foi nenhum preconceito contra o mundo que fez os grandes sábios abandonarem o mundo e irem para as florestas e cavernas. Eles foram a fim de sintonizarem-se com esse ritmo no qual eles pudessem experimentar o céu. O céu não é um país ou um continente, é um estado, uma condição dentro de nós mesmos, somente experimentada quando o ritmo está em perfeita ordem de operação. Se sabemos disso, percebemos que a felicidade é uma propriedade do próprio homem. O homem é o seu próprio inimigo, ele busca a felicidade na direção errada e nunca encontra. É uma ilusão contínua. O homem pensa: Se eu tivesse isso ou aquilo eu seria feliz para sempre e ele nunca chega a isso, porque persegue uma ilusão em vez da verdade. A felicidade só pode ser encontrada dentro, e quando o homem sintoniza-se ele encontra tudo o que sua alma anseia dentro de si mesmo.
A natureza de cada impulso é tal que ele passa por três fases e após o processo de três fases ele se realiza como um resultado. Seja ele certo ou errado, traga benefícios ou desvantagens, assim que o impulso surge de dentro ele passa por três fases. Não há impulso que no seu início seja errado ou sem propósito ou desarmonioso, pois na soma total de todas as coisas, todos os impulsos tem a sua finalidade. É nossa visão limitada que julga. A justiça por trás é tão grande que no resultado final tudo se encaixa em seu devido lugar. Mas no processo através do qual o impulso passa, ele torna-se certo ou errado, não no início ou no fim, pois o início tem um propósito e o fim responde à demanda.
Essa é uma questão da metafísica e é preciso estudá-la a partir de diferentes pontos de vista ou a pessoa ficará muito confusa. O homem com seu conhecimento limitado está pronto para condenar ou admirar e milhares de vezes ele falha em julgar corretamente. Todas as grandes almas que tiveram a Realização perceberam isso. Cristo disse: "Não julgueis, e não sereis julgados" (Mat. 7:1). Então a tolerância vem e quando percebemos o que está por trás do impulso, dizemos muito pouco.
O primeiro processo por meio do qual o impulso surge está na região do sentimento, e, nessa região, o impulso é reforçado ou destruído. O sentimento pode ser amor, ódio, bondade, justiça, etc, mas qualquer que seja o sentimento, quando o impulso surge, ele pode ganhar força para seguir em frente ou ele é destruído. Por exemplo, uma pessoa pode ter um grande sentimento de bondade, então em algum momento o impulso de vingança pode aparecer, mas ele é destruído. Outra pessoa tem um grande sentimento de amargura predominante, mas se o impulso de perdoar surgir, ele será destruído antes de sequer tocar a razão.
Ou a pessoa tem um grande sentimento de amargura e o impulso de fazer um serviço de bondade vem, ele será destruído antes de atingir o reino do pensamento, ou se o impulso eleva-se até atingir a região do pensamento, a pessoa pensa: Por que eu deveria ajudar, por que eu deveria servir? Será que ele merece, ele vai se beneficiar com isso, isso é certo? Todos estes problemas são resolvidos nessa região.
Em seguida, vem o terceiro, o reino da ação. Se a mente consume o impulso, ele não vai mais longe, mas se a mente permite que ele prossiga, ele vem para a região de ação e é realizado como um resultado.
E agora a pergunta é: como sábios e pensadores distinguiram o impulso divino entre os diferentes impulsos que surgem no coração do homem. Primeiro temos que entender o que significa a palavra divino. Divino em um estado de perfeição. Esse estado é experimentado por Deus através do homem, em outras palavras, quando o homem elevou-se para o estágio de desenvolvimento onde ele pode ser o instrumento perfeito de Deus, quando nada de seu próprio ser fica no caminho contra o impulso direto que vem de dentro, aquele espírito pode ser chamado de perfeito. A coisa mais preciosa, que é o propósito da vida do homem, é chegar a esse estado de perfeição no qual ele pode ser o instrumento perfeito de Deus. Uma vez que um homem tenha alcançado esse estágio, ele primeiro começa a dar-se conta disso em alguns momentos, então, conforme ele se desenvolve, por tempos maiores; e aqueles que se desenvolvem ainda mais, passam a maior parte de seu tempo nessa realização, em seguida, o sentimento e o pensamento já não atrapalham mais o impulso divino, pois eles surgem livremente e resultam em um propósito divino.
A mensagem dos profetas e mestres de todos os tempos tem sido ensinar ao homem como fazer as pazes com Deus. O cumprimento do propósito da vida está em harmonizar-se com Deus e isso é feito ao distinguir o impulso divino.
A pergunta: Como se pode distinguir o impulso divino, é respondida que é assim como na música pode-se distinguir uma nota verdadeira de uma falsa, o acorde harmonioso do acorde discordante. É apenas uma questão de treinamento auditivo. Quando o ouvido é treinado pode-se descobrir a menor discordância, quanto maior o músico, mais capaz ele é de descobrir a harmonia e a discórdia, a nota verdadeira e a nota falsa.
Muitos pensam que o que chamamos de certo ou errado, bom ou ruim, é algo que aprendemos ou adquirimos. Isso é verdade quando trata-se de um certo e errado criado pelo homem, mas do certo ou errado da natureza toda criança pequena tem um sentido. A criança sente uma vibração errada de imediato. A criança sente se os seus arredores são harmoniosos ou desarmoniosos. Mas o homem confunde-se de modo que ele não pode mais distinguir com clareza. Para o homem aprender a saber por si mesmo é um grande avanço no caminho espiritual. Quando o homem tem clareza quanto ao sentimento que ele recebe de cada impulso, ele avançou muito. Há alguns que dizem após o resultado: “eu sinto muit.”. Mas aí é tarde demais. Não houve um verdadeiro treinamento do ouvido.
O impulso divino é um impulso cheio de amor, ele traz felicidade, é criador de paz. A dificuldade é que o homem não observa o início do impulso, apenas observa o resultado. Ele é como alguém intoxicado e com o tempo, assim como acontece com um homem embriagado, ele fica confuso e deprimido, há luta e contenda, mas o homem não nasceu para isso. Ele nasceu para a felicidade. A paz, o amor, a bondade e a harmonia são partes do seu próprio ser; e quando uma pessoa está infeliz isso significa que ela se perdeu, ela não sabe onde ela está.
Os homens estão procurando por fenômenos, querem milagres, comunicação com fantasmas ou espíritos. Procuram por algo complexo e ainda a coisa mais simples e mais valiosa na vida é encontrar o nosso verdadeiro Ser.  

domingo, 11 de agosto de 2013

Bernard de Clairvaux - Sobre o Cântico dos cânticos


As várias formas de ver Deus
 
"Diga-me, amado de minha alma, onde levas seu rebanho pastar, onde o faz descansar ao meio-dia?" (Cânt.1:7) A Palavra, a qual é o Noivo, muitas vezes se faz conhecido sob mais de uma forma para aqueles que são fervorosos. Por que isso? Sem dúvida, porque Ele não pode ser visto ainda como Ele é. Essa visão é imutável, pois a forma na qual Ele será então visto é imutável; pois ele é e não pode sofrer nenhuma mudança determinada pelo presente, passado ou futuro. Elimine o passado e o futuro, onde então pode haver alteração ou qualquer sombra de mudança? Pois tudo o que evolui do passado e não cessa de se mover na direção do desenvolvimento futuro atravessa o instante que é o presente, mas não se pode dizer: isso é. Como podemos dizer: isso é, quando isso nunca permanece no mesmo estado?
Só é verdadeiramente aquilo que não é alterado de seu modo passado de ser, nem destruído por um modo futuro. "É", é predicado Dele apenas, inexpugnável  e imutavelmente e Ele continua a ser o que é. Nenhuma referência ao passado pode negar que Ele é desde toda a eternidade, nem qualquer referência ao futuro que Ele é para toda a eternidade. Dessa forma, isso prova que Ele realmente é, ou seja, é não-criado, interminável, imutável. Portanto, quando Aquele que existe dessa forma – o qual não pode ser ora de uma jeito ora de outro – é visto apenas como Ele é, essa visão perdura, como eu disse, uma vez que nenhuma alteração pode interrompe-la. Este é o momento quando aquele denário mencionado no evangelho é dado na visão que é oferecida a todos que vêem. Pois Aquele que é visto é imutável em Si mesmo, Ele está presente imutavelmente a todos que contemplam-No; para eles não existe nada mais desejável a ser visto, nada mais sedutor que pudessem ver.
Pode, então, seu apetite voraz se cansar, ou aquela doçura afastar-se, ou essa verdade provar ser enganosa ou essa eternidade chegar ao fim? E se a capacidade e a vontade de contemplar forem prolongadas eternamente, o que estará faltando para a felicidade total? Aqueles que O contemplam sem cessar não carecem de nada, aqueles cuja vontade está fixada Nele não têm mais nada a desejar.
Mas essa visão não é para a vida presente; está reservada para a próxima, pelo menos para aqueles que podem dizer: "Sabemos que quando Ele se manifestar seremos semelhantes a Ele, porque o veremos como Ele é." (1 João 3:2-3). Mesmo agora Ele aparece a quem lhe apraz, mas como Lhe agrada, não como Ele é. Nem sábio nem Santo nem profeta pode ou poderia vê-Lo como Ele é, enquanto ainda está neste corpo mortal. Mas sim quem for considerado digno será capaz de fazê-lo quando o corpo tornar-se imortal. Portanto, embora Ele seja visto aqui abaixo, é na forma que parece boa para Ele, não como Ele é.
Por exemplo, considere esta poderosa fonte de luz, falo deste sol que você vê todos os dias; mesmo assim você não o vê como ele é, mas de acordo como ele ilumina o ar, ou uma montanha ou uma parede. Você não seria capaz de ver nem mesmo nessa medida, se a luz de seu corpo, o olho, devido à sua natural firmeza e clareza, não tivesse algum grau de semelhança com essa luz nos céus. Sendo que todos os outros membros do corpo carecem dessa semelhança, eles são incapazes de ver a luz. Até mesmo o olho em si, quando sofre de alguma perturbação, não pode aproximar-se da luz por ter perdido essa semelhança.
Assim como o olho com problemas não pode olhar o sol sereno por causa de sua falta de semelhança, o olho sadio pode contemplá-lo com alguma eficácia por causa de uma certa semelhança. Se de fato fosse totalmente igual a ele em pureza, com uma visão completamente clara ele o veria como ele é, por causa da semelhança completa.
E assim, quando você é iluminado, até mesmo agora pode ver o Sol da Justiça que "ilumina todo homem que vem a este mundo," de acordo com o grau de luz  que Ele concede, através do qual você é tornado numa certa medida como Ele; mas vê-Lo como Ele é você não pode, por ainda não ser perfeitamente como Ele. É por isso que o salmista diz: "Contemplai-o e sereis iluminado, vosso rosto nunca ficará envergonhado."(Sal. 34-5) Isso é muito verdadeiro, desde que sejamos iluminados como precisamos, para que "com nossa face desvelada, contemplemos como num espelho a glória do Senhor, sendo transfigurados nessa mesma imagem, cada vez mais resplandecente, pela ação do Senhor, que é Espírito." (2 Cor. 3-18). Observe que devemos nos aproximar suavemente e não nos intrometer com Ele, para que o buscador irreverente da Majestade não seja arrebatado pela Glória.
Esta abordagem não é um movimento de lugar para lugar, mas de brilho para brilho, não no corpo, mas no espírito pelo Espírito do Senhor. Evidentemente pelo Espírito do Senhor, não pelo nosso, embora no nosso. Quanto mais brilhante nos tornamos, mais próximo é o fim; e, ser absolutamente claro e brilhante significa ter chegado. Para aqueles que assim chegaram à Sua presença, vê-Lo como Ele é significa ser como Ele é e não ser colocado sob vergonha por qualquer forma falta de semelhança. Mas, como eu já disse, isso é para a próxima vida. Enquanto isso, esta imensa variedade de formas, estas inúmeras espécies de criaturas, o que são senão raios emanando da Divindade, mostrando Aquele de quem elas vêm realmente é, mas não explicando totalmente o que Ele é. Portanto, o que você vê é o que emana Dele, não Ele mesmo. No entanto, embora não veja Ele mesmo, mas o que vem Dele, você é cientificado além de toda dúvida de que Ele existe e que Você deve procurá-Lo. A Graça não vai ser insuficiente para o buscador, nem a ignorância vai desculpar o negligente. Todos têm acesso a esse tipo de visão. De acordo com o apóstolo Paulo, é comum a todos que utilizam a razão: "os atributos invisíveis de Deus tem sido claramente percebidos nas coisas que foram feitas".
Outro tipo de visão é aquela através da qual em épocas passadas os Patriarcas muitas vezes eram graciosamente admitidos na doce comunhão com Deus, que tornava-se presente a eles, embora eles não o vissem como Ele é, mas apenas na forma que Ele achava apropriada assumir. E Ele também não aparece para todos de maneira parecida, mas como diz o Apóstolo: "em muitas e diferentes maneiras," ainda permanecendo um em Si mesmo, de acordo com a Sua palavra a Israel: "O Senhor teu Deus é um Deus." Essa manifestação, embora não aparente para todos, realizou-se exteriormente e consistiu de imagens ou palavra falada.                           
Mas há uma outra forma de contemplação divina, muito diferente da anterior, porque ela ocorre no interior, quando o próprio Deus agrada-se em visitar a alma que busca por Ele, desde que ela esteja comprometida em buscá-lo com todo o seu desejo e amor. É dito qual é o sinal de tal visita por uma pessoa que a experimentou: "O fogo avança à sua frente devorando seus adversários ao redor." (Sal. 97-3). O fogo do desejo santo deve preceder o Seu advento a cada alma que Ele visitará, para queimar a ferrugem dos maus hábitos e então preparar um lugar para o Senhor. A alma saberá que o Senhor está perto, quando perceber-se estar inflamada com esse fogo e puder dizer como fez o Profeta: "Ele enviou um fogo do alto até os meus ossos e me iluminou;" e outra vez: "meu coração se tornou quente dentro de mim e o fogo de minha meditação irrompeu."
Quando o Amado que é dessa forma procurado faz uma visita em seu amor misericordioso a alma que está cheia de anseio, que reza frequentemente, até mesmo sem pausa, que humilha-se no ardor de seu desejo, aquela alma apropriadamente pode dizer como São Jeremias: "Tu és bom, Senhor, para aqueles que esperam em Ti, para a alma que Vos procura." E aquele anjo da alma, um dos amigos do Noivo e por ele comissionado para ser o ministro e testemunha dessa troca secreta e mútua - aquele anjo, digo, deve estar dançando de alegria! Não participa ele de sua alegria e felicidade e virando-se para o Senhor dizendo: "Eu Vos agradeço, Senhor da Majestade, porque 'Você concedeu-lhe o desejo do seu coração, não negou-lhe o que seus lábios suplicaram"? Ele é em todos lugares o atendente incansável da alma, nunca deixando de atraí-la e orientá-la com inspirações constantes, conforme sussurra: "põe tua alegria no Senhor e Ele realizará o desejo do teu coração;" e outra vez: "Espera o Senhor e guarda o Seu caminho." Ou: "Se ele parece lento, espere-o; Ele certamente virá, Ele não tardará". Voltando-se para o Senhor, ele diz: "como um cervo anseia por águas correntes, assim minha alma brame por Ti, Ó Deus.'(sal. 42-2) Ela tem ansiado por Ti no meio da noite e seu Espírito dentro dela olhou para Ti da manhã em diante." E novamente: "o dia todo esta alma vai na Tua direção; conceda o que ela deseja, pois ela está gritando atrás de você; ceda um pouco e mostre Sua misericórdia. Olhe para baixo do céu e visite este espírito desolado." Este padrinho leal, sem inveja, observando esse intercâmbio de amor, busca a glória do Senhor ao invés de sua própria; Ele é o elo entre o amante e seu Amado, tornando conhecidos os desejos de um, transportando os presentes do outro. Ele estimula a afeição da alma, ele concilia o Noivo. Às vezes também, embora raramente, leva-os à presença um do outro, levando-a até Ele ou trazendo-O até ela: pois ele é um membro da família, uma figura familiar no palácio, alguém que não tem medo de ser rejeitado, que diariamente vê o rosto do Pai.                                                                  
Tenha cuidado, contudo, de não concluir que vemos uma coisa corpórea ou perceptível aos sentidos nessa união entre a Palavra e a alma. Minha opinião é a mesma que a do Apóstolo que disse: "aquele que está unido ao Senhor torna-se um espírito com Ele." Eu tento expressar com as palavras mais apropriadas que consigo reunir a ascensão extática da mente purificada para Deus e a descida amorosa de Deus sobre a alma, entregando as verdades espirituais aos homens espirituais. Portanto, que essa União seja no espírito, porque "Deus é um espírito", que amorosamente é atraído pela beleza daquela alma que Ele percebe ser guiada pelo espírito e que é desprovida de qualquer desejo de submeter-se aos ditames da carne, especialmente se Ele vê que ela arde de amor por Ele.                
Aquele que possui tal disposição e é assim amado não ficará de forma alguma contente com essa manifestação do Noivo dada a muitos no mundo das criaturas, ou a poucos em visões e sonhos. Por um privilégio especial ela quer recebê-lo do céu no lugar mais íntimo do seu coração, em seu mais profundo amor. Ela quer ter de presente para si Aquele que ela deseja, não em forma corporal, mas através de uma infusão interna; não ao aparecer externamente, mas esperando-a internamente. É inquestionável que a visão é mais maravilhosa quanto mais interna ela é e não externa. É a Palavra, que penetra sem som que é eficaz embora não se pronuncie, que ganha os afetos sem soar aos ouvidos. Sua face, embora sem forma, é a fonte da forma. Ela não deslumbra os olhos do corpo, mas alegra o coração vigilante; seu prazer está no dom do amor e não na cor do amante.
Eu ainda não cheguei a dizer que Ele apareceu como Ele é, embora nessa visão interna Ele não se revele totalmente diferente do que Ele é. E também Ele não faz com que Sua presença seja continuamente sentida, nem mesmo para os Seus mais fervorosos amantes e nem da mesma forma para todos. Para os vários desejos da alma é essencial que o gosto da presença de Deus seja variado também; e que o sabor infundido do deleite divino deve excitar de múltiplas maneiras o paladar da alma que O busca. Você já deve ter notado quantas vezes Ele muda seu semblante no decurso deste Seu cântico de amor, como Ele se deleita em transformar-se de um disfarce encantador para outro na presença da amada: em um momento como um Noivo tímido arrumando meios para conseguir de maneira oculta os abraços de Sua amante sagrada, a bem-aventurança dos seus beijos; num outro momento vindo como um médico com óleo e pomadas, porque as almas fracas e tenras ainda precisam de remédios e medicamentos desse tipo, que é motivo delas serem chamadas delicadamente de donzelas.
Ninguém deve achar isso uma falha, saibam que "não é o saudável quem precisa do médico, mas os doentes." Às vezes, também, Ele junta-se com a noiva e as donzelas que acompanham-na como um viajante na estrada e clareia as dificuldades da viagem para todos com Sua conversa fascinante, de modo que quando Ele parte elas perguntam: "Não estavam nossos corações queimando dentro de nós conforme ele falava conosco na estrada?" Um companheiro persuasivo que pelo feitiço de suas palavras e boas maneiras convence a todos a segui-lo, como que numa nuvem de doce fragrância vinda das pomadas. Portanto, elas dizem: "Vamos correr atrás do aroma de suas pomadas."
Em outro momento Ele vem encontrá-las como um rico pai de família "com pão suficiente e de sobra" em sua casa; ou novamente como um rei poderoso e magnífico, dando coragem a Sua noiva pobre e tímida, aguçando o seu desejo ao mostrar para ela os ornamentos de Sua glória, as riquezas de Suas prensas de vinho e armazém, os produtos de Seus jardins e campos e, finalmente, apresentando a ela Seus apartamentos particulares. Pois "o coração do seu marido tem confiança nela", e dentre todos os Seus bens não há nada que Ele ache que deva ser oculto dessa a quem Ele redimiu da indigência, cuja fidelidade Ele comprovou, cuja atratividade ganha Seus abraços. Assim, Ele nunca cessa, de uma maneira ou de outra, de revelar-Se aos olhos interiores daqueles que O buscam, cumprindo assim a promessa que Ele fez: "tenha certeza de que estou sempre com você, até o fim dos tempos.”
Em todas essas ocasiões Ele é simpático e gentil, cheio de amor misericordioso. Em Seus beijos Ele mostra que é amoroso e encantador; com o óleo e as pomadas mostra que é infinitamente atencioso, compassivo e misericordioso; na viagem Ele é alegre, cortês, sempre gracioso e pronto para ajudar; na exibição de Suas riquezas e posses, Ele revela uma liberalidade real, uma generosidade beneficente na outorga de recompensas. Através de todo o contexto desse cântico você encontrará imagens dessa natureza para delinear a Palavra. Portanto, sinto que o Profeta estava pensando nessas linhas quando disse: "Cristo, o Senhor, é um espírito diante de nossa face; sob sua sombra viveremos entre as nações," porque agora vemos em espelho obscuramente e ainda não face a face.
Assim será enquanto vivermos entre as nações; entre os anjos será diferente. Pois então deveremos apreciar a mesma felicidade que eles; até mesmo O veremos como Ele é, sob a forma de Deus, não mais na sombra. Assim como dizemos que os nossos antepassados possuíam apenas sombras e imagens, enquanto que a verdade propriamente dita brilha em nós pela graça de Cristo presente na carne, também ninguém negará que em relação ao mundo vindouro nós ainda vivemos na sombra da verdade, a menos que Ele deseje negar o que afirma o Apóstolo: "o nosso conhecimento é imperfeito e nossa profecia é imperfeita;" ou quando ele diz: "não acredito que eu tenha conseguido me apossar disso ainda". Por que não haveria uma distinção entre aquele que caminha pela fé e aquele que caminha pela visão? Portanto, se o homem justo vive pela fé, o abençoado alegra-se na visão; a pessoa santa aqui abaixo vive na sombra de Cristo, o santo anjo acima é glorificado no esplendor de Sua face brilhante.                               
É uma bênção que a fé esteja relacionada com a sombra, ela tempera a luz para a fraqueza dos olhos e prepara os olhos para a luz; Pois está escrito: "Eles limparam seus corações através da fé." A fé, portanto, não extingui a luz, mas protege-a. O que quer que seja que o anjo vê, isso é preservado para mim pela sombra da fé, armazenado em seu seio fiel, até que seja revelado no seu devido tempo. Se você ainda não pode compreender a verdade nua e crua, não vale a pena possuí-la envolta num véu? A própria mãe do nosso Senhor viveu à sombra da fé, pois lhe foi dito: "Bem-aventurados aquele que acreditaram." Até mesmo o corpo de Cristo era uma sombra para ela, como está implícito nas palavras: "o poder do Altíssimo te cobrirá com sua sombra."                       
Aquilo que é formado pelo poder do Altíssimo de maneira nenhuma é sombra. Certamente havia poder na carne de Cristo que ofuscou a Virgem, uma vez que por meio do invólucro de Seu corpo vivificante ela foi capaz de suportar sua presença majestosa e suportar a luz inacessível, uma coisa impossível para a mulher mortal. Esse era o poder, de fato, pelo qual todas as forças opostas foram superadas. Tanto o poder quanto a sombra mandaram os demônios para longe e tornaram-se um abrigo para os homens: um poder revigorante com certeza, uma sombra irradiando frescor.
Nós, portanto, que caminhamos pela fé vivemos na sombra de Cristo; somos alimentados com sua carne como a fonte de nossa vida. Pois a carne de Cristo é a comida verdadeira. E talvez por isso Ele é agora descrito aparecendo sob o disfarce de um pastor, quando a noiva trata-o como se fosse um dos pastores: "Diga-me, onde levas seu rebanho pastar, onde o faz descansar ao meio-dia." O Bom Pastor, que abdica-se de Sua vida por suas ovelhas! Ele lhes dá a sua vida, a sua carne; Sua vida é o resgate deles, Sua carne a comida deles. Que maravilhoso! Ele é seu pastor, sua comida, sua redenção. Mas este sermão está ficando muito longo, o assunto é extenso e contém grandes verdades que não podem ser explicadas em poucas palavras. Isso exige que nós interrompamos ao invés de terminarmos esse assunto. Sendo que o assunto está meramente suspenso, devemos mantê-lo vivo em nossas memórias, a fim de retomar em breve de onde paramos e continuá-lo com a ajuda de nosso Senhor Jesus Cristo, Noivo da Igreja, que é Deus bendito para sempre. Amém.

quinta-feira, 30 de maio de 2013

Farid-Ud-Din Attar - Poemas Místicos


O sol só pode ser visto pela própria luz do sol.
Quanto mais uma pessoa sabe, maior a perplexidade,
quanto mais perto o sol, maior o deslumbramento.
Até que um ponto é atingido onde a pessoa já não é.

Um místico sabe sem conhecimento, sem intuição
ou informação, sem contemplação, descrição ou revelação.
Os Místicos não são eles mesmos. Eles não existem em si mesmos.
Eles se movem conforme são movidos,
falam conforme as palavras surgem,
vêem com as cenas que entram em seus olhos.

Certa vez conheci uma mulher e perguntei-lhe
onde o amor a tinha levado. Ela respondeu:

"Tolo, não há destino para se chegar.
O amado, o amante e amor são infinitos.”

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O peregrino não vê nenhuma forma além da Dele
e sabe que Ele subsiste sob todos os shows passageiros -
O peregrino vem Daquele através do qual ele pode ver,
vive Nele, com Ele e além de todos os três.


Perca-se no espaço inclusivo da Unidade.
Ou você é humano, mas ainda não um homem.
Quem quer que viva, os maus e os bem-aventurados,
contém um sol escondido dentro do peito.

Sua luz deve alvorecer;
As nuvens que nublam-na devem ser mandadas embora -
Aquele que alcança seu sol escondido
ultrapassa o bem e o mal e conhece o Uno. 

O bem e o mal estão aqui enquanto você está aqui;
Supere a si mesmo e eles desaparecerão.



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Vou agarrar a saia da alma com minhas mãos
e carimbar a cabeça do mundo com o meu pé.

Vou pisotear a matéria e o espaço com o meu cavalo,
e para além de todo o Ser darei um grande grito,
e nesse momento quando estiver sozinho com Ele,
 vou sussurrar segredos para toda a humanidade.

Uma vez que não tenho nem sinal nem nome,
 vou falar apenas de coisas sem nome e sem sinal.

Não se iluda que de um coração queimado
 discursarei com palato e língua.
O corpo é impuro, vou lançá-lo longe
e pronunciar estas palavras puras apenas com a alma.

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Olhe - eu não faço nada, Ele executa todas as ações.
E Ele suporta a dor quando meu coração sangra.

Quando Ele se aproximar e lhe conceder uma audiência
 deveria você hesitar numa embaraçada timidez?

Quando é que o seu coração cauteloso irá
 além dos limites ordinários que você conhece?

Ó escravo, se Ele mostrar o Seu amor a você,
amor esse que Seus atos renovam perpetuamente,
 você não será nada, você vai desaparecer-

Deixe tudo para Aquele que age e não tenha medo.
Se houver algum "você", se qualquer sombra de si persistir,
você desviou-se da nossa fé.

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Não você mas Eu tenho visto, tenho sido e tenho feito.
Quem em sua fração de Mim vê a Mim
dentro do espelho que seguro para ver a Mim mesmo?
Cada parte de Mim que vê a si mesma,
mesmo que afogada, verá para sempre.

Venham, átomos perdidos, atraírem-se para o seu centro,
e sejam o Espelho Eterno em que vocês viram.
Esse é o grande retorno dos raios
que vagaram para a escuridão
indo de volta para o sol.


terça-feira, 30 de abril de 2013

Ramesh S. Balsekar - a Consciência é a base de tudo



 
Ramesh: O ponto central do que estou dizendo é que há uma única fonte imutável e eterna - ela pode ser chamada de Consciência, pode ser chamada de energia, de Deus. Mas meu ponto fundamental é que há uma fonte de onde surgiu esta totalidade da manifestação que pode ser percebida pelos nossos sentidos. E a manifestação não é senão a totalidade dos objetos e, portanto, o ser humano essencialmente não pode ser outra coisa senão um objeto. Um ser humano é um objeto programado de forma única, através do qual a Fonte ou Deus opera e traz certas ações que eram supostas de acontecer segundo a Sua vontade ou de acordo com uma lei cósmica.
Em outras palavras, o que estou dizendo é que em qualquer momento que seja, as palavras da Bíblia, "seja feita a vossa vontade ', é o conceito básico e essencial da vida. Seja feita a vossa vontade. O significado é muito simplesmente que nada pode acontecer a menos que seja a vontade de Deus. Dessa forma, se alguma coisa aconteceu, seja o que for (o ser humano pode decidir se é bom, ruim ou indiferente), mas se algo aconteceu, isso não poderia ter acontecido a menos que fosse a vontade de Deus. Essa é a base do que estou dizendo.
Paula: No sono profundo, o sentido de individualidade se vai e só a consciência impessoal permanece. Por que não consigo experimentar esta consciência impessoal em sono profundo?
R: Porque no sono profundo não existe dualidade. A manifestação existe na dualidade. A dualidade existe apenas na manifestação. Portanto, no sono profundo, a consciência impessoal exclui toda dualidade. A consciência impessoal significa ausência de dualidade.

P: Mas eu ouvi dizer que um jnani no sono profundo está ciente do sono profundo e eu não entendo por que é assim.
R: Eu também não. Sono profundo é sono profundo. E mesmo no caso de um sábio, a identificação com o nome e a forma como um 'eu' ainda está lá. E isso é o que vem à tona quando ele acorda.
P: Então mesmo se um jnani estiver em sono profundo e alguém chamar seu nome, ele vai acordar?
R: Certamente. Portanto, a identificação com o nome e a forma está lá.
P: Então, como é que o sono profundo difere de estar acordado no estado de vigília?
R: Estar acordado no estado de vigília - esse é um ponto importante. Para o sábio, estar acordado no estado de vigília não significa o abandono da identificação com o nome e a forma. O sábio ainda tem que viver sua vida no mundo; Portanto, ocorre a identificação com o nome e a forma física na forma de uma entidade individual separada do resto do mundo. Assim, o sábio não perdeu sua separação do resto do mundo como uma entidade individual. Ele perdeu a separação com o resto do mundo com esta compreensão que seu próprio organismo corpo-mente e todos os outros organismos corpo-mente separados são meramente objetos através dos quais a mesma energia da consciência opera. Dessa maneira, quando há o entendimento de que é a mesma Consciência ou energia ou Deus que opera através de meu organismo corpo-mente e o organismo corpo- mente da Paula, quando a compreensão é absolutamente profunda, isso significa que não existe nenhuma separação. Mas há separação no que diz respeito à aparência e aos objetos.
P: Eu tenho confundido o sentido de ser autor das ações com identificação, mas eles são diferentes.
R: Certo. Sendo assim, o sábio é chamado pelo nome. ele responde, obque pressupõe a identificação com um nome e um corpo particular. Assim também faz o homem comum. Se o sábio responde ao seu nome sendo chamado e um homem comum também responde ao seu nome sendo chamado, onde está a diferença? A diferença reside no fato de que, no caso de um homem comum, além da identificação com o nome e a forma, há o sentimento profundo de autoria das ações, algo que é obliterado no sábio. No caso de um sábio, ocorre a total aceitação de que não há nenhuma fazedor individual, que tudo o que acontece com todos os mecanismos corpo-mente é criado por Deus. O sentido de ação pessoal é removido do ego, então o que resta do ego após a compreensão é uma mera identificação com o nome e a forma para permitir que esse organismo corpo-mente individual viva o resto de sua vida no mundo.
P: Então se você não estivesse identificado com seu corpo, seu nome e forma, você não sentiria a necessidade de alimentar-se, de vestir-se, ou de qualquer coisa assim. É a identificação com seu corpo que faz você cuidar dele para que você continue a viver.
R: Sim e viver e fazer tudo o que o corpo é suposto fazer com o entendimento de que o que eu acho que eu faço não sou eu que estou fazendo, que eu não estou fazendo nada. Desse modo, colocando em palavras diferentes, o sábio, bem como o homem comum, participa plenamente neste filme da vida. Se há algo de trágico, poderá haver lágrimas nos olhos do sábio, como nas pessoas comuns. Se há humor, ele vai rir plenamente como o homem comum. Mas a única diferença é, enquanto o homem comum vê a vida como real conforme ela acontece, o sábio nunca deixa de estar ciente da tela da realidade da
Consciência na qual o filme irreal da vida está sendo mostrado. Assim, enquanto o sábio participa na vida, ele jamais esquece da tela de Consciência ou da Consciência impessoal por trás na qual este filme acontece.
 
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Paula: O que eu realmente quero lhe perguntar é: Qual é a verdade final?
Ramesh: A verdade final é só uma coisa: na ausência de Consciência não existe nem você e nem eu, nem ele e nem ela. Portanto, a Consciência é a base de tudo. Na ausência da Consciência, não existe a manifestação e nem o funcionamento da manifestação, portanto, não existe a vida. A própria manifestação depende da existência da Consciência. Essa é a primeira verdade.
P: Por que filosofia ocidental sai por uma tangente tão diferente?
R: A filosofia ocidental tem dado muita importância para a obtenção de provas.“Penso, logo, existo.” Aqui, dizemos, 'existo, logo, penso.' O Ocidente diz, 'eu acredito se eu ver'. Na filosofia oriental, acredite e, então, você verá!
P: Os professores que conheci, por exemplo, você e Wayne Liquorman, falam sobre o ensinamento de uma forma muito precisa e conceitual. Mas há professores que vêm de Papaji, por exemplo, que dizem que devemos esquecer os conceitos e apenas estarmos aqui agora.
R: Mas o que eles querem dizer com 'estar aqui e agora'? Se é apenas 'estar aqui agora', então não há a questão de nenhuma conversa, nenhum dialogo. Qualquer coisa que alguém disse ou vai dizer, obrigatóriamente será um conceito, pois algumas pessoas irão aceitar aquilo e algumas pessoas não. A única verdade é a consciência impessoal do 'Eu sou', não na forma de ‘eu sou Paula’ ou Ramesh ou tal e tal. Eu sou esta consciência (awareness) impessoal é a única verdade. E quando você está nesta consciência impessoal, nada acontece. Assim, o “seja como você é” acontece quando não há nenhum pensamento. Isso é tudo o que existe. 'Seja como você é' significa simplesmente que não há nada a ser feito; não pense, não faça nada, seja como você é.
Mas na vida você tem que pensar, você tem que tomar decisões, você vê? As decisões têm de ser tomadas como se você fosse uma entidade individual com vontade própria. O que acontece na vida é que você está tomando decisões o tempo todo. E qual é a nossa experiência, a experiência de todos? Nossa experiência é que tomamos uma decisão, às vezes ela se transforma em uma ação, um acontecimento, às vezes não. Se uma decisão se transformará em uma ação ou não não está no nosso controle. Essa é a experiência de todos. Mas ainda assim dizemos: 'eu estou no controle da minha vida.'
P: Eu consigo entender que não existe livre arbítrio, que tudo é a vontade de Deus, eu consigo aceitar isso. Mas para chegar ao entendimento de que não sou quem realiza as ações, também dependerá da vontade de Deus essa compreensão chegar?
R: Se você será capaz de aceitar que você não é o realizador das ações e que ninguém o é, também depende da vontade de Deus.
P: Mas eu li que Ramana Maharshi disse que a única escolha que temos é de nos voltarmos para dentro, e isso implica uma forma de escolha por parte do indivíduo.
R: Sim, implica mesmo! Então, a pergunta seria: aqueles que não se voltam para dentro, foram eles que decidiram não fazer essa inquirição? Você vê o que quero dizer? O que estou dizendo é que, ou eles estão interessados, ou não estão interessados. Para aqueles que estão interessados é pedido para que descubram quem quer saber, quem sou eu? Aqueles que não estão interessados não estão preocupados porque não são programados para ter qualquer interesse nesta busca espiritual. Dessa forma, a questão de fazer uma escolha não entra aqui. Ao mencionar 'escolha', o que Ramana Maharshi provavelmente quer dizer é que você tem a opção de seguir por qualquer caminho e você irá por esse caminho, o qual é indicado por sua programação. Então você está livre para fazer a escolha de qual caminho você vai seguir; Se você vai pela auto investigação ou se você vai pelo bhakti, repetindo o nome de Deus, ou fazendo trabalho social, como Madre Teresa, você tem a escolha, mas essa aparente escolha, após investigação, mostra-se estar baseaada em sua programação.
P: Então é uma aparente escolha esse voltar-se para dentro.
R: Uma aparente escolha. Por isso, a escolha que supõe-se que você tenha - qual caminho você irá tomar - é apenas uma escolha aparente porque essa escolha baseia-se invariavelmente na sua programação, seus genes e seu condicionamento.
P: Algo que tenho lutado no ensinamento é com o paradoxo de que no nível dos fenomenos, eu existo, mas no nível do sujeito, eu não existo.
R: Você não pode saber no nível do sujeito, esse é o ponto. No nível do sujeito você é a consciência apenas. A nível do sujeito não há nada diferente de consciência. Assim, tudo o que você estiver pensando só é possível no nível fenomenal. É por isso que, se você lembrar, eu sempre pergunto: por que você quer a auto-realização?
Por que você quer a auto-realização, Paula?
P: Porque eu acho que é uma boa coisa para se ter!
R: A razão de eu estar perguntando é que quando acontece a auto-realização, o 'eu' querendo a auto-realização como uma entidade individual, com um senso de ser o realizador das ações, não permanece. Então, é por isso que meu ponto é - quando você quer a auto-realização é porque você espera que a realização irá torná-lo feliz ou lhe dará paz e felicidade na vida.
Esse é todo o problema, você vê. A auto-realização significa ausência do 'eu' querendo a auto-realização. O 'eu' como o autor, como uma entidade individual, com uma sensação de ser o realizador das ações. Quando isso desaparece totalmente, aquilo que resta é apenas a identificação com o organismo de corpo-mente para permitir que esse organismo corpo-mente funcione na vida, sabendo que em tudo o que acontece na vida, não há ninguém fazendo nada. A compreensão básica da auto-realização, da iluminação, de acordo com meu conceito, é que não há nenhum fazedor individual. Não há nenhuma ação que é feita por uma entidade individual. Toda ação é um acontecimento porque vem a ser a vontade de Deus, ou se você não gostar das palavras vontade de Deus - e algumas pessoas não gostam - vamos dizer, nada pode acontecer a menos que esteja de acordo com uma lei cósmica. E essa lei cósmica nenhum indivíduo pode jamais conhecer.
P: Por fim Ramesh, quem sou eu?
R: O 'eu' de que você está falando é realmente o 'eu', não é? Você vê? A Paula é simplesmente o nome dado a um organismo corpo-mente, que é um instrumento programado através do qual o 'eu', sendo a fonte, opera. O 'eu' é o nome dado a um instrumento programado de forma única através do qual o 'Eu', ou a fonte ou Deus, opera e traz certas ações estão destinadas a acontecer de acordo com a lei cósmica.

domingo, 31 de março de 2013

Siddharameshwar Maharaj - 13 de outubro de 1935

Brahman é o Ser, o Atman e “Atman” significa o nosso “Ser” apenas.  As dez experiências dos dez órgãos sensoriais não são dez sensações diferentes, são todas a ação única do Ser uno. Há uma história que diz que vários órgãos entraram em greve não querendo mais fazer seu trabalho. O Ser é o rei e é para Ele que os órgãos trabalham. Ele apenas é o Maior de todos. A identificação com o corpo é a natureza do Jiva, o indivíduo. Até mesmo o senso de “eu sou Brahman  também é dissolvido no caso daquele que tornou-se Brahman. “Aquele” é o estado onde não existe “eu” e não existe “você”. Não está existindo nem não existindo, é algo além de ambos. O orgulho de que “eu sou o Ser” também não está presente no Ser. Não há algo como “é” e “não é”. A onda do mar é apenas “Mar”, mas em vez de estar separada ela deve aquietar-se. A explicação de que Aquilo não é “algo” é que Tudo o que tem aparência não é “Aquilo”. Todas as diferenças são percebidas em relação à ilusão. No que diz respeito à Verdade não há graus como mau, melhor, médio, inferior, etc. Foi perguntado a um homem de Sabedoria, um Jnani, “quem é você” e ele permaneceu em silêncio, porque a Realidade não pode ser descrita. Ele apenas disse: “os Vedas (as escrituras) nos dizem para ficarmos em silêncio.
O sábio Pippalaian disse: ” Vou descrever o que Maya é. Ela não é. E é isso o que vou descrever. Vou contar como muitos navios naufragaram nas águas da miragem.”     
Há algo em nós que responde a um chamado dizendo “O”. Esse que responde é o “Om”. As três sílabas “A U M” formam esse OM. Sattva, Rajas e Tamas * estão respectivamente relacionados a essas letras. Om é o poder de “conhecer”, o qual é a Consciência, o princípio “Mahat”, também chamado de “poder de ação” e o “poder da matéria”. Dizer “Eu Sou” é Brahman, mas se você quer dizer “eu sou o corpo” então você não é Brahman, você é apenas um indivíduo, o Jiva. O “Tesouro” está dentro de nós e tem valor imensurável. É Brahman, a própria divindade. Se ele passa a orgulhar-se na forma física sua perfeição é diminuída e sofre grande pesar. Entretanto, se abandona esse orgulho mesquinho do corpo, esse tesouro é Deus. Nós nunca esquecemos que nós somos, mas nunca dizemos: “eu sou”. A experiência do nosso ser existindo está aí sem dizer nada a respeito. É como é e isso é Brahman.
Quando vem para este mundo o Jiva chega chorando. Todos chegam chorando e vêm para chorar apenas. O único objetivo de vir para este mundo é para chorar. O destino da pessoa que nasce é chorar. Todos seguem em frente chorando. Ninguém olha para trás, se a pessoa olhasse para trás (para  a Fonte) não haveria nenhum motivo para chorar. Aquilo que é muito natural é Brahman. O que você está estudando? Todo estudo não é nada além de choro. Deixe tudo o que é ser como é, não diga nada e será como é. As escrituras (os Vedas) dizem que você não é nada, então por que você está chamando-se de alguém à força?
Você deve ficar em silêncio, assim como um homem morto. Estar em silêncio como Deus é ser Deus. Brahman é silêncio. Nossos conceitos são nossos inimigos. Não importa o quão grandiosas e ricas sejam suas conquistas, no fim você será insignificante. Todas as suas conquistas não terão utilidade no fim, sendo que você irá morrer com o conceito de que você é um mesquinho indivíduo. Você não pode obter grandeza real sendo um indivíduo. O que quer que você tenha ganhado será destruído na sua frente ou posteriormente e você morrerá como um Jiva mesquinho. Portanto, na realidade você não obtém nada. Mesmo que o Jiva seja realmente uma parte de Deus, mesmo um Deus morre como um Jiva insignificante, pagando as dívidas de suas ações a cada momento com medo em seu coração e sem a realização de sua divindade. Todas as riquezas provam ser inúteis. O que quer que aconteça é ilusão e o que é como é sem se tornar coisa alguma é Brahman. Repetidamente as pessoas viram presas da grande ilusão, tentando fazer algo ou tornar-se algo. O que quer que você possa se tornar é tornar-se algo “diferente” e o diferente é sempre mesquinho. O silêncio é a qualidade dos grandes homens. O que quer que você dê um nome significa um rebaixamento da Realidade, portanto não tente ser alguém.    
Não há autoridade maior do que Brahman. Não toque nada “diferente”. Assim que você toca algo (assume como sendo verdadeiro) isso estraga e você é manchado. Porque você profere palavras dizendo que você é “tal e tal”, Brahman é chamado de um indivíduo. Do que quer que você chame a si mesmo você será chamado pelas pessoas. Você pode chamar-se do que quiser, mas fazer isso significa descender, vir para baixo. É apenas o ouro que é chamado pelo nome de bracelete. Ao dar ênfase ao nome você esqueceu-se da “coisa original”. O ouro jamais tornou-se o ornamento, foi sempre Ouro o tempo todo. Devido ao nome, a coisa original vai para trás de uma cortina, é coberta por um rótulo. A coisa original se torna invisível. O nome é usado e a coisa original é eclipsada. É como se ela ficasse fora de vista e em alguma outra parte. Pelo orgulho do nome ele torna-se importante e seu império se espalha. A coisa original fica encoberta. A ilusão é assim, não existe cabelo na língua, dizer que existe é ilusão. Os objetos dos sentidos dão como frutos dor e pesar e um pouco de prazer. O indivíduo pensa que os objetos são reais e assim sofre dor e prazer. Embora ele seja o Ser, pela força dos desejos e da luxúria torna-se um pequeno indivíduo.
Os três poderes, o de Conhecimento, de Ação e de Matéria são um na totalidade de Brahman. Somente Brahman é aquele que "É" desde o início. Os cinco elementos são todos apenas Brahman. Dentre tudo há apenas Um sozinho. Neste corpo também, é Ele apenas que está aí. Tudo é Ele. Brahman é o Único. 
Se uma jaca é feita de açúcar, todas as suas partes como a casca, os gomos, os caroços são simplesmente açúcar. Similarmente, isso que é chamado de “este mundo” em suas formas numerosas é apenas Brahman. A forma do corpo cresce através do poder de Brahman, é Brahman apenas. Como uma boneca feita de pano, nela, tudo é apenas pano. Similarmente, o corpo é todo apenas o Auto Poderoso Brahman. Ele está em toda a manifestação e é natural. De maneira alguma é perturbado por nenhuma aparência e jamais foi corrompido. O Ghee (a manteiga clarificada) estando no estado sólido ou no estado líquido é sempre apenas Ghee. O ignorante pensa que eles são diferentes; para o sábio o Ghee é o mesmo, seja sólido ou liquido. Entender a nossa “Existência” não corrompida dessa maneira significa conhecer Brahman, o qual permanece puro não poluído por coisa alguma. Se há um cheque de mil rúpias e se há mil moedas de uma rúpia cada, o valor não muda. O desenho e a forma são uma distorção do valor que está por trás. Estar sólido é uma distorção do Ghee. A forma sólida é um resultado cumulativo, um processo de armazenamento.
A “Existência” básica é Brahman apenas. Aquele que diz que Brahman passou por alguma mudança é um estúpido. Brahman não tem pais, não pode ser diminuído e nem aumentado. Ateísmo e Teísmo não têm lugar nele, Ele é sempre como é. Apenas o que é criado tem crescimento e modificação. Se você toma banho nas águas de um rio, o rio não perde nada. A água retorna para o mesmo rio. Os estados de infância, juventude e a velhice são experimentados apenas pelo corpo. Brahman não se torna uma criança, um jovem ou um velho. A pessoa não é nem homem nem mulher, embora esteja no corpo, sua existência é diferente dos estados do corpo. Saiba que você é Paramatman. Mas lembre-se bem que é Ele que está aí e não “você”. Quando isso é confirmado o objetivo é alcançado.     

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Nisargadatta Maharaj - 2, 3 e 6 de outubro de 1979


2 de outubro de 1979

Pergunta: O que é a testemunha? É a mente ou é algo além da mente?
Maharaj: É o conhecedor da mente.
P: Se digo “eu sou”, isso vem da mente?
M: O sentido de ser (beingness) expressa-se através da mente com as palavras “eu sou”.
P: Nos livros dos seus discursos traduzidos para o inglês as palavras destino e justiça são usadas. Elas são o mesmo que o Karma?
M: Justiça é a decisão dada. Destino é o depósito de impressões do qual toda esta manifestação flui. É o princípio do qual você emanou. É algo como o negativo de um filme; a consciência já está presente naquela fonte da qual você emanou e dessa forma o filme está sendo projetado. O que será projetado já está gravado. Assim, quaisquer atividades que aconteçam através desse sentido de ser– o qual é você – são o seu destino. Cada ação ou cada passo que esse sentido de ser irá tomar já estará registrado no filme.
P: São as estrelas que apresentam esse negativo, como dizem alguns astrólogos?
M: Isso é um perjúrio. Nove meses antes de seu nascimento o destino foi criado.
P: Por quem?
M: Ninguém, simplesmente acontece.
P: O negativo existe antes do destino começar? Onde esse negativo é impresso?
M: Esse é um atributo de Mula-Maya (a ilusão primordial).
P: Muitas pessoas acreditam que elas colhem o que plantam, dessa forma em algum momento anterior elas plantaram a estrutura negativa.
M: É apenas boato isso. Você tem alguma evidência disso?
P: Não.
M: Maya é a fonte primária da ilusão. Naquele momento o amor por Ser inicia-se. O “eu sou”, o amor por existir. Sua expressão é toda esta manifestação.
P: Por que algumas pessoas têm mais amor por esse falso ser do que outras?
M: Não é o caso de uma pessoa amar mais do que a outra, o estado de amor está presente e você tem que desfrutar ou sofrer dele. Mesmo quando sofremos nós amamos esse sentido de ser.
P: Quando praticamos o testemunhar isso ocorre conscientemente?
M: O que você quer dizer com praticar o testemunhar? O que você está tentando fazer é intensificar seu próprio sentido de ser. O testemunhar acontecerá automaticamente, mas o Ser deve abrir-se. Ainda antes do testemunhar você é.
P: Maharaj pediu-me para aquietar-me, mas meu estilo de vida dificulta que isso aconteça, meu trabalho tem um monte de pressão e atividade. Você recomendaria que eu mudasse de trabalho?
M: Eu não falo faça isso faça aquilo. Faça o que quiser, saiba apenas que você não é o ator, as coisas simplesmente acontecem. O destino que veio à existência no primeiro dia da concepção está desenrolando-se. Não há nenhuma ação que você possa alegar autoria. Uma vez que você sabe quem você é, esse destino não lhe limita mais.
P: O que as pessoas que morrem fazem para perceber que elas não têm corpo?
M: Nada aconteece, ninguém morre. Os textos sagrados dizem que aqueles que morrem com conceitos indissolvidos irão renascer.
P: Quando renascem eles têm escolha de corpos diferentes ou de ir para a família A ou B?
M: Por que você se preocupa com assuntos alheios a você assim? Concentre em converser a si mesmo que você não é o corpo. Este corpo é feito dos cinco elementos e é realmente um corpo comida, você não tem parte nisso. Este corpo-comida não se refere a você. A força vital, a respiração e o sentido de ser dependem de comida e água. Sem comida e água o sentido de “eu sou” (I amness) fica ausente.
P: Mas o sentido de “eu sou” retorna posteriormente então?
M: Você não é nenhuma dessas coisas. Não há a questão de renascimento.
P: Parece que algo com o nome de comida está pairando no ar. Você pode constituir um corpo a partir disso e se você tiver conceitos errados você aterriza naquele corpo. Na verdade, me parece que está implícito no ensinamento que não existe tal coisa como a comida e o corpo-comida, eles são apenas um conceito.
M: De que nível você está falando agora? Como você entende que o corpo não está aí, que ele vem da mente?
P: Estou compreendendo isso a partir do que Maharaj diz no livro.
M: Você teve essa realização?
P: Se tivesse realizado teria me tornado um Jnani.
M: Exatamente. Até que isso ocorra o corpo nasce da maneira como todos os corpos nascem.
P: Da maneira que as coisas são para nós agora, temos um conceito de um corpo que deveríamos aceitar e não criar um outro conceito de que não existe o corpo?
M: Vá para a fonte. Quem sabe que existe o corpo? Algo é anterior à criação do corpo.
P: Todos os esforços que fazemos a esse respeito têm algum efeito em destruir o sentido de “eu sou”, ou isso é parte do filme? De modo que os esforços que as pessoas pensam que estão fazendo para alcançar o objetivo não têm efeito, está tudo contido naquele filme?
M: Esteja naquela fonte que é a luz por trás da consciência, entenda ela. O que está acontecendo naquele Mula-Maya.
A fita cassete grava o que estou falando, mas o que quer que esteja na fita não sou eu. Do mesmo modo que a voz original não está na fita também você está separado da química, do corpo, do sentido de eu sou, da consciência.
P: A realização está no filme?
M: Não pode estar no filme porque você é o conhecedor daquele filme. Agora pondere sobre o que você escutou e volte as cinco horas.
Essa mente é apenas um acúmulo de pensamentos que estão presentes na manifestação. Todas as suas atividades dependem da mente e a mente depende de todas as suas memórias e daquilo que você ouviu neste mundo.
Estamos absorvendo aquilo que acontece no mundo e estamos olhando para isso do nosso próprio ponto de vista, colocando nossos próprios conceitos nessas coisas. E por essa consciência corpo-mente absorver tudo o que acontece no mundo, nós vamos dando a essa consciência “eu sou”o crédito de ter outras vidas, nascimento, karma, etc. Você aceita certas coisas como virtuosas e boas e rejeita outras como pecaminos e más, mas esses são apenas conceitos que você adquiriu no mundo e não há base para distinção.
P: Ontem Maharaj falou sobre os chakras (centro de energia psíquica no corpo) e sobre brahma-randra. Questiono-me se devemos se devemos nos ater a essas coisas em nossa meditação.
M: Esqueça a respeito dos chakras. Atenha-se ao conhecimento “eu sou” e torne-se um com ele, isso é meditação.
P: Quem é que vai segurar-se no “eu sou”?
M: Quem está fazendo essa pergunta?
P: Estamos aptos a ir além de nossos pensamentos, ou no estado absoluto os pensamentos são apenas parte do filme? E se são, temos apenas que ter paciência com eles?
M: Quem quer ir além dos pensamentos? Quem é esse? Antes da consciência aparecer no estado de vigília, esse é o Absoluto, assim que a consciência aparece os pensamentos surgem. Você não tem que ter paciência com eles, nem descartá-los, apenas conheça-os.
P: Todas as outras coisas que determinam quem você chama de Original, elas não existem?
M: Mas isso é apenas quando você atinge o estado original, quando você é um Jnani.
P: Nós já somos isso.
M: Se fossem não haveriam questões e vocês não estariam aqui.
 

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3 de outubro de 1979

Pergunta: A respeito do filme que Maharaj estava falando ontem, fiquei me perguntado se quando questionamos “quem sou eu?” a resposta é a idéia daquilo que está se sucedendo no filme. Ou seja, “quem sou eu?” e “quem está fazendo isso?” estão conectados no filme. Isso é correto?
Maharaj: Desde que o sentido de ser (beingness) apareceu sobre você, o que quer que esteja sendo feito através desse conhecimento (beingness) é inteiramente o resultado dos cinco elementos operando através de você e através de qualquer conhecimento de “eu sou” que você tenha recebido desses elementos. O “eu sou” é anterior ao “conhecimento eu sou”, mas isso que está operando através do conhecimento no momento – essa personalidade que você assumiu para si – é o resultado da essência da comida que vem dos cinco elementos. A menos que você estiver absolutamente quieto e que se estabileze no “conhecimento eu sou” esse resultado das atividades mundanas irão separar-se do “eu sou”. Você deve estabilizar-se ali primeiramente.
P: A testemunha é uma parte do filme testemunhando parte do filme?
M: Assim que o “eu sou” aparece em você quando você desperta, ele é a testemunha, mas depois desse momento toda a manifestação vem dentro da visão do“eu sou” e ele testemunha toda a manifestação.
Depois do sono profundo, assim que a consciência do “eu sou” alvorece em você – essa é a testemunha. Antes daquele momento você não sabia que você era, não havia testemunha, nem conhecimento do “eu sou”.
Você teve evidência de que você é assim que a consciência apareceu em você, mas assim que a evidência foi recebida essa consciência apegou-se ao corpo. Assim que o “eu sou” apegou-se ao corpo ele teve de comportar-se de acordo com os pensamentos que estavam aparecendo nesta manifestação. Chamos isso de disposição ou mente.
P: O “eu sou” – o conceito primordial – é que está testemunhando ou esse testemunhar é um aspecto, como o testemunho impessoal?
M: A consciência é para mim ou para você um corpo individual. Eu digo que eu estou consciente, você diz que você está consciente; entretanto, separado dessa consciência há um princípio que está ciente dessa consciência.
P: Portanto, é o estado original que é a testemunha da consciência, mas isso não é algo pessoal. Na condição original Maharaj diz que testemunhar não requer esforço, acontece automaticamente.
M: O que quer que exista é a consciência, esse é todo o capital que temos. Uma vez que essa consciência é limpa de qualquer coisa, você atinge o estado original automaticamente. Mas se você quer saber o que esse estado é, todo esse conhecimento estará lá. Porque para saber qual é o seu estado original você deve compreender e você deve abandonar essa auto-identificação com o corpo.
Enquanto você se identificar com o corpo-mente você será condicionado. Uma vez que você se estabiliza no conhecimento “eu sou” incondicionalmente, você torna-se a “eu sou ência” (I amness) manifesta – não mais um indivíduo. Nos estado manifesto de “eu sou ência” (I amness) não existe a questão de você fazer, porque você não é mais um indivíduo. O que quer que aconteça, acontece na sua consciência.
O que quer que aconteça através disto, você também sabe que irá acontecer, mas não há a questão de fazer ou de ser coisa alguma.
Da água da chuva coisas boas e coisas ruins crescem, nenhum pecado é atribuído à água da chuva pelo crescimento de coisas ruins e nenhum mérito pelas coisas boas. Onde está a questão do renascimento para a água da chuva e onde está o pecado ou o mérito para a água da chuva?
P: O “eu” e o “eu sou” sem palavras não são o eu do qual pensamos?
M: Antes de nomeá-lo você já sabe que você é. Nesse estágio tudo é o seu Ser, incluindo a sujeira, o sol e a lua. Esse é o Ser. Tudo é manifestação sua, mas você está ainda além disso.
Um passo adiante agora: a consciência significa este mundo, esta manifestação, a “eu sou ência”, o sentido de ser, de existência (beingness). Esta consciência tem todas as cores, é ampla, repleta, infinita. Eu, o Absoluto, não sou a terra, o fogo, a água, o ar nem o espaço. Sou imaculado, não sou tocado por nada. Mas se considerarmos “Eu” como a “eu sou ência” – o sentido de existência – então toda esta manifestação sou eu e nesta “eu sou ência manifesta" também não sou tocado por nenhum pecado ou mérito.
P: Gostaria de saber por que a concepção é mais importante do que qualquer outro momento para determinar o futuro.
M: A concepção é o momento onde, inadvertida e espontaneamente, a fotografia dos pais é tirada, juntamente com a situação do mundo naquele momento.
P: O budismo tibetano afirma que é só talvez no terceiro ou quarto mês que a alma entra no últero.
M: O que é o útero?
P: A idéia não é minha. Estou apenas repetindo o que ouvi.
M: Todo este mundo manifesto é uma combinação dos cinco elementos. Estamos nos cinco elementos, fazemos parte dos cinco elementos, toda a peça desenrola-se nos cinco elementos.
P: Quando surgiram os cinco elementos?
M: Naquela ocasião não havia o tempo.
P: Não podemos vencer!
M: Não tente.
P: Quem concebeu os cinco elementos, seja dentro ou fora do tempo?
M: Aquele conceito primordial, Mula-Maya, a fonte da ilusão. Quem concebeu todas estas casas e prédios? O conceito mental.

Pergunta: A consciência e a testemunha são a mesma coisa?
Maharaj: Para qualquer coisa que seja visível a consciência é a testemunha. Porém existe um outro princípio que testemunha a consciência e esse princípio está além do mundo.
P: Como você testemunha a consciência?
M: Como você testemunha o fato de que você está sentado? É com esforço ou sem esforço?
P: Sem esforço.
M: Da mesma forma. Onde quer que você coloque esforço isso acontece do ponto de vista corporal. O conhecimento “eu sou” é a alma do mundo todo. A testemunha do conhecimento “eu sou” é anterior ao conhecimento “eu sou”.Tente entender-se a si mesmo como você é, não adicione nenhuma qualificação. Você quer fazer algo do mesmo modo que você prepara seus alimenos com vários ingredientes. O testemunhar ou esse awareness é assim como você observa o seu sono profundo. Igual.
P: Eu não entendo.
M: Isso não é compreensível. Você deve contemplar a si mesmo. O que quer que surja na tela de sua contemplação certamente desaparecerá. O contemplador permanece.

 
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6 de outubro de 1979
 
Pergunta: Como sabemos qual é o primeiro filme?
Maharaj: O primeiro filme é quando a faculdade de conhecer (de estar ciente) aparece em você. Naquele conhecimento ‘eu sou’ tudo está contido.
P: Mas o que quero dizer é que nós nascemos e depois morremos. Quero saber agora se teremos a memória disso?
M: De acordo com sua própria experiência essa faculdade de conhecer, esse sentido de eu sou, foi o primeiro a aparecer ou apareceu depois de algo?
P: Para mim ele é o primeiro.
M: Isso é tudo que você tem que tomar como garantido. Jogue fora tudo que você escutou ou ouviu. Diga-me apenas o que for da sua própria experiência.
Certa vez, uma pessoa me disse que me conhecia já há onze vidas. Eu disse a ela: “Esse é um conceito seu. Eu não lhe conheço.” Eu não tenho fé em nada a menos que eu tenha experimentado aquilo por mim mesmo.
P: Existe violência por toda a parte, guerras e todos os tipos de horrores. Ansiamos por nos separar disso e ao mesmo tempo estamos unidos a isso.
M: Ninguém foi capaz de mudar Maya. Apenas observe, sem aceitar ou rejeitar. A solução poderá existir quando você residir no seu Ser. Investigue como você veio a existir.
P: Porque fui criado pelos meus pais.
M: Isso apenas nesse filme; no momento quando o filme começou a conhecer a si mesmo, o “eu sou”; foi aí que você veio a conhecer tudo isso. Você conhecia alguma coisa anteriormente?
P: Não havia nada.
M: Exatamente. Isso o que você tem de entender. Dirija sua questão para o “quem sou eu?” e “o que sou eu?”
Havia um homem que tinha o hábito de beber chá todas as manhãs as cinco horas. Infelizmente, aquele princípio abandonou seu corpo as três. Aquele corpo morto vai querer chá as cinco? Vocês não tocam em áreas que deveriam ponderar, mas querem saber tudo sobre as outras áreas que são apenas uma fase passageira.
P: Não deveríamos mudar para podermos estar aptos a obter esse conhecimento?
M: Você não é aquele que muda. O que muda é a sua mente, seu intelecto e seu corpo. Quando você vem aqui e escuta, você é inspirado a pensar internamente, posteriormente sua natureza muda. O mais importante é escutar e ao escutar essas palavras sábias, gradualmente a mente irá mudar.
Aquele conhecimento “eu sou” é nascido do amor, mas a ilusão apoderou-se dele tanto que o amor pelo sentido de ser (I am-ness) foi para o pano de fundo. Permanecer com ele ficou cada vez mais difícil. Antes do sugimento da manifestação o amor era total.
P: O “eu sou” é identico à consciência?
M: Sim, mas esse “sentido de eu sou”(I am-ness) estará presente apenas enquanto o combustivel durar.
P: O combustivel, em ultima instância, deve ser o amor.
M: Sim. Esse amor permeia a tudo. Estas flores são uma expressão do meu amor. O desabrochar das flores não é uma expressão de amor do individuo, mas uma expressão universal de amor.
P: Como o movmento se iniciou?
M: Não há motivo, causa, propósito. Está acontecendo espontaneamente.
P: Maya é do ponto de vista do primeiro movimento ou do ponto onde as formas são criadas?
M: Tudo está contido dentro desta consciência, o show todo.
P: Até mesmo a aparição da própria ilusão?
M: Sim, tudo é ilusão. Sua convicção de que você nasceu é uma ilusão.
P: Quem é a vítima da ilusão e quem será libertado dela?
M: O conhecimento de que você é, é a vítima e é ele que será libertado.
Um fazendeiro semeia e colhe a produção. Ele cria e ele consome. Ilusão, Maya ou Brahma são todos nomes seus. Quem é libertado e que é aprisionado? Você apenas.