terça-feira, 16 de março de 2010

Meher Baba - A Remoção dos Sanskaras - Parte II

No fim da Parte I, estão explicados os métodos de remover os Sanskaras que dependem principalmente do princípio de negar os Sanskaras positivos, que também velam a Verdade da consciência e impedem a Auto-iluminação - por causa da qual toda criação veio a existir. Todos esses métodos de negar os Sanskaras positivos estão fundamentalmente baseados no controle do corpo e da mente. O controle das tendências habituais da mente é muito mais difícil do que controlar as ações físicas. Os pensamentos e desejos evasivos e passageiros da mente podem ser dominados somente com grande paciência e através de prática persistente. Mas a restrição dos processos mentais e das reações é necessária para reprimir a formação de novos Sanskaras e para desgastar e exaurir os Sanskaras antigos dos quais eles são expressão. Embora o controle possa ser difícil no início, através de sinceros esforços torna-se gradualmente natural e fácil de alcançar.

O controle é deliberado e envolve esforços enquanto a mente está tentando ‘descondicionar-se’ através da remoção dos Sanskaras. Mas depois que a mente é liberada dos Sanskaras, o controle torna-se espontâneo porque a mente está então funcionando com liberdade e compreensão. Tal controle é nascido da força de caráter e saúde da mente e ele invariavelmente traz consigo liberdade do medo e imensa paz e calma. A mente, que parece fraca quando está desenfreada e descontrolada no seu funcionamento, torna-se uma fonte de grande força quando é controlada. O controle é indispensável para a conservação da energia mental e o uso econômico do pensamento, para propósitos criativos.

Entretanto, se o controle é puramente mecânico e sem objetivo, ele derrota seu próprio propósito, que é tornar possível o funcionamento livre e não condicionado da mente. O controle que tem valor espiritual real não consiste na repressão mecânica dos pensamentos e desejos, mas é a restrição natural exercitada pela percepção dos valores positivos descobertos durante o processo da experiência. Controle verdadeiro, portanto, não é meramente negativo. Quando alguns valores positivos entram dentro do foco da consciência, seus clamores por serem expressados em vida geram respostas mentais que finalmente removem todas as tendências que obstruem uma expressão livre e completa desses valores. Assim, tendências por luxúria, avidez, e raiva são removidas através de um reconhecimento apreciativo do valor de uma vida de pureza, generosidade e gentileza. A mente, tornando-se acostumada a certos hábitos de pensamento e resposta, não acha fácil ajustar-se a esses novos clamores de suas próprias percepções, devido à inércia causada pelas impressões dos modos anteriores de pensamento e conduta. Esse processo de reajuste sob a luz de valores verdadeiros toma a forma daquilo que chamamos de - controlar a mente. Esse controle não é um confinamento mecânico ou forçado da mente. É um esforço da mente para superar sua própria inércia. É fundamentalmente criativo e não negativo em seu propósito, pois é uma tentativa da mente de chegar a um auto-ajuste a fim de liberar a expressão dos valores reais da vida.

O controle criativo torna-se possível porque a fonte de luz está dentro de todos; e embora a Auto-iluminação (ou Iluminação do Ser) esteja impedida pelo véu dos Sanskaras, não é tudo escuridão, mesmo dentro dos limites da consciência humana ordinária. O raio de luz consiste em uma sensibilidade por valores verdadeiros e guia o homem para diante com vários graus de claridade, de acordo com a espessura do véu dos sanskaras. O processo de negação dos Sanskaras é ao mesmo tempo o processo de compreender valores verdadeiros. O progresso espiritual é caracterizado, portanto, pelo aspecto dual de renunciar os falsos valores dos Sanskaras em favor dos valores verdadeiros da compreensão. O processo de substituir valores inferiores por valores mais elevados é o processo de sublimação, que consiste em desviar a energia mental encerrada nos velhos Sanskaras para fins criativos e espirituais. Quando essa energia presa nos Sanskaras é assim desviada, eles são desgastados e esgotados.

O método de sublimação é o método mais natural e eficaz de romper as rotinas dos velhos sanskaras e tem a vantagem especial de ser muito interessante para o aspirante em todos os estágios. O método da mera negação sem nenhuma substituição pode às vezes ser enfadonho e parecer conduzir à vacuidade. Mas o método de sublimação consiste em substituir valores mais baixos por outros mais elevados e é consequentemente cheio de atrativos interessantes em todos os estágios, trazendo um sentido crescente de realização. A energia mental pode ser sublimada em canais espirituais através (1) da meditação, (2) do serviço altruísta para a humanidade e (3) da devoção.

A meditação é concentração profunda e constante sobre um objeto ideal. Em tal concentração sobre de um objeto ideal, a pessoa fica consciente somente do objeto da meditação, esquecendo completamente a mente, bem como o corpo. Dessa forma, não são formados novos Sanskaras e os antigos são desgastados e esgotados através da atividade mental de permanecer no objeto da concentração. Finalmente, quando os Sanskaras desaparecem completamente, a alma individualizada é dissolvida na intensidade da concentração fundindo-se no objeto ideal.

Existem muitas formas de meditação de acordo com a aptidão das diferentes pessoas. A capacidade imaginativa das pessoas que têm de trabalhar duro, frequentemente fica esgotada devido ao trabalho demasiado. Para tais pessoas, a forma de meditação mais apropriada consiste em desconectar-se de seus pensamentos e então olhar para esses mesmos pensamentos e para o corpo objetivamente. Depois que o aspirante é bem sucedido em considerar seus pensamentos e seu corpo com completa objetividade, ele tenta identificar-se com o ser cósmico através de sugestões construtivas tais como “eu sou o infinito”, “Eu estou em todas as coisas,” “Eu estou em todos.”

Aqueles que têm imaginações vívidas e ativas podem tentar a concentração intensiva em algum ponto, mas fixar a mente em algum ponto deve ser evitado por aqueles que não têm nenhum gosto por isso. Geralmente, a energia da mente é dispersada através de seus diversos pensamentos. A meditação em um ponto é muito salutar para que a mente recolha-se e estabilize-se, mas é um processo mecânico e consequentemente carece de experiências criativas e felizes. Entretanto, nos estágios iniciais, esta forma de meditação pode ser usada como uma preparação para outras formas de meditação mais bem sucedidas.

As formas de meditação mais profundas e bem sucedidas são precedidas por um pensar deliberado e construtivo a respeito de Deus, o Amado. A meditação em Deus é espiritualmente mais fértil. Deus pode transformar-se no objeto da meditação tanto em seu aspecto impessoal como no aspecto pessoal. A meditação no aspecto impessoal de Deus é apropriada somente para aqueles que têm uma aptidão especial para isso. Ela consiste em focar todos os pensamentos sobre a existência abstrata e não manifesta de Deus. De outro lado, a meditação no aspecto pessoal de Deus consiste em centrar todos os pensamentos sobre a forma e os atributos de Deus.

Após intensiva meditação, a mente pode querer estabelecer-se não no objeto da meditação, mas na uniformidade da paz expansiva experimentada durante a meditação. Tais momentos são resultado natural da fadiga da faculdade de imaginação e sem esforço devem ser incentivados. A meditação deve ser espontânea e não forçada. Nos momentos de surgimento de impulsos divinos, a imaginação deve ser deixada solta e permitida voar alto. O vôo da imaginação deveria ser controlado apenas pelo objetivo proposto de tornar-se um com o Infinito. Não deveria ser influenciado pelas correntes dos sentimentos diversos de luxúria, avidez ou de raiva.

O sucesso na concentração vem apenas gradualmente, e é provável que o aspirante seja desencorajado por não conseguir resultados satisfatórios no começo. Frequentemente, o desapontamento que ele experimenta é em si mesmo uma séria obstrução para iniciar a meditação do dia e persistir nela. Outros obstáculos como ociosidade e saúde debilitada, igualmente podem ser difíceis de superar, mas podem ser superados ao se colocarem horários fixos e regulares para a meditação e a prática firme. Durante o começo da manhã ou no por do sol a condição silenciosa da natureza é particularmente útil para a meditação mas ela pode ser empreendida a qualquer hora apropriada.

A solidão é uma das condições essenciais para alcançar o sucesso na meditação. No mundo dos pensamentos há uma constante mistura de formas e de cores. Algumas idéias poderosas tendem a reforçar a mente facilitando a integração; enquanto que alguns pensamentos frívolos são dissipadores. A mente é atraída ou repelida por esses pensamentos diversos no ambiente mental. É aconselhável evitar a influência desses pensamentos variados a fim de conseguir estabelecer-se em seus próprios pensamentos ideais. Com esse propósito a solidão tem imensas possibilidades. A solidão significa economia de energia mental e aumento do poder de concentração. Não tendo nada externo para atrair ou repelir a mente, você é atraído para dentro e aprende a arte de abrir-se para as correntes mais elevadas, que têm a potência de lhe dar força, felicidade e pacifica expansibilidade.

Enquanto a meditação nos aspectos pessoais e impessoais de Deus requer a retirada da consciência para o santuário do seu próprio coração, a concentração no aspecto universal de Deus é melhor alcançada através do serviço altruísta para a humanidade. Quando uma pessoa está absorvida completamente no serviço para a humanidade, ela abstrai-se completamente de seu próprio corpo, sua mente ou de suas funções, assim como na meditação; e consequentemente novos Sanskaras não são formados. Ademais, os Sanskaras antigos que aprisionam a mente são destruídos e dispersados. Uma vez que agora o indivíduo está centrando sua atenção e interesse não no seu próprio bem, mas no bem dos outros, o núcleo do ego é privado da energia que o nutre. O serviço altruísta é, portanto, um dos melhores métodos de desviar e de sublimar a energia encerrada nos Sanskaras limitadores.

O serviço altruísta dá-se quando não há o menor pensamento de recompensa ou de resultado e quando há completa negligência do próprio conforto ou conveniência da pessoa e não há a possibilidade de que o serviço possa ser mal-entendido. Quando você está totalmente ocupado com o bem-estar dos outros, você quase não pode pensar em si mesmo. Você não está preocupado com seu conforto e conveniência ou sua saúde e felicidade. Ao contrário, você está disposto a sacrificar tudo para o bem estar dos outros. O conforto deles é a sua conveniência, a saúde deles é o seu prazer e a felicidade deles é sua alegria. Você encontra a sua vida ao perdê-la na vida deles. Você vive nos corações deles e seu coração transforma-se no abrigo deles. Quando há a união verdadeira dos corações, você se identifica completamente com a outra pessoa. Seu ato da ajuda ou palavra de conforto supre o que quer que possa estar faltando nas pessoas; e através dos pensamentos de gratidão e benevolência deles, você realmente recebe mais do que dá.

Assim, ao viver pelos outros, sua própria vida encontra sua amplificação e expansão. A pessoa que leva uma vida de serviço altruísta, consequentemente, quase não está consciente de que está servindo. Ela não faz aqueles a quem ela serve terem a sensação de que estão de maneira alguma sob obrigação para com ela. Ao contrário, ela mesma sente-se obrigada por ter tido a chance de fazê-los felizes. Nem para se mostrar nem para ter nome e fama ela os serve. O serviço altruísta é alcançado completamente, somente quando um indivíduo deriva a mesma felicidade em servir aos outros da que deriva quando é servido. O serviço altruísta ideal livra a pessoa dos Sanskaras de anseios por poder e posses, de auto-piedade e de inveja, de más ações desempenhadas através do egoísmo.

O serviço altruísta e a meditação são espontâneos quando inspirados pelo amor. O amor é, portanto, corretamente considerado como sendo a avenida mais importante que conduz à realização do mais elevado. No amor a alma é absorvida completamente no Amado e fica, portanto, desapegada das ações do corpo ou da mente. Isso coloca um fim na formação de novos Sanskaras e resulta também na destruição dos Sanskaras antigos ao dar uma direção inteiramente nova para a vida. Em parte alguma o auto-esquecimento vem tão natural e completamente como na intensidade do amor. Por isso foi-lhe dado o primeiro lugar entre os métodos de assegurar a liberação da consciência da sujeição aos Sanskaras.

O amor compreende em si as diferentes vantagens que pertencem aos outros caminhos que conduzem à emancipação e é em si o caminho mais distinto e eficaz. Imediatamente é caracterizado pelo auto-sacrifício e pela felicidade. Seu caráter único reside no fato de que ele é acompanhado de uma entrega exclusiva e devotada ao Amado sem admitir as reivindicações de qualquer outro objeto. Assim, não há nenhum espaço para a dispersão da energia mental e a concentração é completa. No amor, as energias físicas, vitais e mentais do homem são todas reunidas e tornadas disponíveis para a causa do Amado, com o resultado de que este amor se transforma em um poder dinâmico. A tensão do amor verdadeiro é tão grande que todo o sentimento externo que possa intervir é imediatamente jogado fora. A eficácia expulsiva e purificadora do amor é incomparável.

Não há nada artificial ou que não seja natural sobre o amor. Ele existe desde o início da evolução. No estágio inorgânico é expresso cruamente sob a forma de coesão ou atração. É a afinidade natural que mantém as coisas juntas e as aproxima. A tração gravitacional exercida pelos corpos celestiais uns sobre os outros é uma expressão deste tipo de amor. No estágio orgânico o amor torna-se auto-iluminado e auto-apreciativo e exerce uma parte importante desde as formas mais inferiores como a ameba até a forma mais evoluída de seres humanos. Quando o amor é auto-iluminado, seu valor é intensificado por seu sacrifício consciente.

O sacrifício do amor é tão completo e de bom grado que ele tem tudo para dar sem esperar por nada. Quanto mais ele dá mais quer dar e menos está ciente de ter dado. A corrente do amor verdadeiro é sempre crescente e nunca falha. Sua simples expressão é sua simples entrega. As complexidades do Amado são um interesse de sua melhor atenção e cuidado. Infinitamente e sem remorso ele procura satisfazer o Amado de milhares de maneiras. Não hesita em dar boas-vindas ao sofrimento a fim de satisfazer apenas um desejo do Amado ou para aliviar o Amado da menor dor vinda da negligência ou da indiferença. O amante alegremente sofreria e pereceria por causa do Amado. Aflito e atormentado, o amor espera não atender ao próprio corpo que o abriga e nutre. Ele não quebra nenhuma promessa e o Amado é a preocupação de toda a vida do amante. O tabernáculo do amor rompe o desassossego incontrolável e dá nascimento às correntes do amor e da doçura suprema, até que o amante abra o caminho das suas limitações e se perca no ser do Amado.

Quando o amor é profundo e intenso, é chamado de bkakti, ou devoção. Em seus estágios iniciais a devoção é expressada através de adoração de símbolos, súplica diante das deidades, reverência e fidelidade às escrituras reveladas, ou pela busca do mais elevado através do pensamento abstrato. Nos seus estágios mais avançados a devoção expressa-se como interesse no bem-estar humano e em serviço para a humanidade, o amor e a reverência pelos Santos e a fidelidade e a obediência a um mestre espiritual. Esses estágios têm seus valores relativos e resultados relativos. O amor por um mestre perfeito vivo é um estágio único da devoção, pois eventualmente ele se transforma em para-bhakti, ou no amor divino.

Para-bhakti não é meramente o bhakti intensificado. Ele começa onde o bhakti termina. No estágio de para-bhakti, a devoção não é somente honesta, mas é acompanhada de um extremo desassossego do coração e de um anseio incessante de unir-se com o Amado. Isso é seguido por uma falta de interesse em seu próprio corpo e seu cuidado, por isolar-se de seu próprio meio e expressar desinteresse pelas aparências ou criticismo - quando os impulsos divinos de atração pelo Amado tornam-se mais frequentes do que nunca. Essa fase mais elevada de amor é a mais fértil, pois tem como seu objeto Aquele que é o amor encarnado e que pode, como o Amado supremo, responder ao amante da maneira mais completa. A pureza, a doçura e a eficácia do amor que o amante recebe do Mestre contribui ao insuperável valor espiritual desta fase mais elevada do amor.