sábado, 31 de outubro de 2009

Tukaram - A constante vigília de Deus

Algumas pessoas fazem inutilmente pouco caso do corpo em prol da realização espiritual. Vestem roupas marrons, mas um cão também é marrom; ficam com os cabelos emaranhados, mas um urso também tem seus pelos emaranhados. Eles vivem em cavernas, mas até os ratos vivem em cavernas. Essas pessoas fazem arrelia com o corpo por nada. O corpo é tanto bom quanto ruim. Deveríamos nos elevar acima do corpo e pensar em Deus. Se olharmos de um ponto de vista o corpo é um armazém de misérias, uma mina de doenças, o berço de imundices, o mais ímpio dos ímpios. De outro ponto de vista, o corpo é bom e lindo, uma fonte de felicidade e um meio de realização espiritual. Ainda assim, o corpo é meramente um produto coagulado do sangue menstrual, uma rede de desejos e paixões e uma presa da morte. De outro lado, é algo puro, o tesouro dos tesouros, o templo de Deus, o meio de se livrar da existência mundana. Não deveríamos dar nem alegria e nem tristeza para o corpo. O corpo não é bom nem mau. Deveríamos elevarmo-nos acima dele e pensar em Deus.


Se levarmos a cabo nossa prática espiritual regularmente, o que ela não poderá alcançar? A raiz úmida de uma planta quebra até grandes pedras. A prática pode alcançar toda e qualquer coisa. Nada pode impedir um esforço determinado. Uma corda pode cortar até uma pedra dura. Uma pessoa pode acostumar-se com veneno ao tomar doses gradativamente maiores. Uma criança esculpe um lugar para si no útero da mãe conforme o tempo transcorre. Uma pessoa pode pegar uma cobra venenosa em suas mãos, causando terror no coração daqueles que assistem. Através da prática até o impossível torna-se possível. Portanto, deveríamos ir para a solidão e fixar nossa mente em Deus, não deveríamos permitir que nossa mente ficasse vagando, deveríamos evitar todas as coisas frívolas, deveríamos estabelecer nosso coração na realidade e perfurá-la como uma flecha perfura o alvo. Deveríamos dizer adeus à indolência e ao sono e viver na constante vigília de Deus.

Meher Baba - Karma-Yoga Real

Na verdadeira karma-yoga, ou a vida de perfeita ação, há um ajuste apropriado entre os aspectos materiais e espirituais da vida. Nesse tipo de vida, a consciência não é dominada pelas coisas mundanas e materiais, mas, ao mesmo tempo, não é permitido que ela fuja da existência cotidiana. Não é permitido que a mente fique imersa na vida material das vontades corrosivas e nem que fique fundida em êxtase espiritual. Ela é usada para enfrentar e resolver os problemas da vida do ponto de vista da compreensão espiritual. O ajuste adequado entre os aspectos espirituais e materiais da vida não é garantido dando-se igual importância a eles. Não é garantido ao pegarmos algo de material e algo de espiritual e, em seguida, estabelecer um equilíbrio entre os dois. O espírito tem de ter e sempre terá primazia inviolável sobre a matéria; no entanto, a primazia não é expressada ao evitar ou rejeitar a matéria, mas sim usando-a como um veículo adequado para as manifestações do espírito. No ajuste inteligente a matéria tem de desempenhar o papel de um instrumento flexível para a auto-manifestação do espírito e não deve de modo algum tornar-se inoportuna em seu próprio direito. Assim como um instrumento musical é valioso apenas se dá expressão à música de um músico e se torna um empecilho se não render total subserviência, a matéria é importante se der expressão livre e adequada para o fluxo criativo da vida e torna-se um obstáculo se interferir nele.

Devido à multiplicidade de desejos da mente, a matéria tem uma tendência a assumir importância para si. Para o bêbado o vinho é tudo, para os gananciosos o acúmulo de dinheiro é muito importante e para o fanfarrão a caça por sensações é o fim supremo da vida. Esses são exemplos de como, através de diversos anseios da mente, a matéria torna-se demasiadamente intrusiva e perverte as expressões do espírito. A maneira de restaurar a dignidade do espírito não é rejeitar a matéria, mas usá-la para as reivindicações do espírito. Isso só é possível quando o espírito está livre de todos os anseios e plenamente consciente do seu próprio e verdadeiro status. Quando isso é alcançado, um indivíduo pode ter bens materiais mas não ficará aprisionado neles. Quando necessário, poderá usá-los como meios para a vida do espírito, mas ele não é seduzido por eles nem perde a paz por conta deles. Ele percebe que, por si só, eles não constituem o verdadeiro significado da vida. Ele habita no meio material e social, sem qualquer anseio por eles e, estando desapegado, é capaz de convertê-los para a vida espiritual.
Quando um verdadeiro ajustamento entre espírito e matéria é garantido, não há qualquer fase da vida que não possa ser utilizada para a expressão da divindade. Já não há qualquer necessidade de fugir da vida cotidiana e seus emaranhados. A liberdade do espírito que é procurada ao se evitar o contato com o mundo ou ao nos retirarmos para uma caverna ou para as montanhas é uma liberdade negativa. Quando tal reclusão for temporária e servir para digerir as experiências mundanas e desenvolver o desapego, ela terá suas vantagens. Ela dá um tempo para respirar na corrida da vida. Mas, quando tal reclusão estiver baseada no medo do mundo ou na falta de confiança no espírito, ela está longe de ser útil na realização da liberdade real. A verdadeira liberdade é essencialmente positiva e deve expressar-se através de um domínio sem entraves do espírito sobre a matéria. Esta é a verdadeira vida do espírito.

A vida do espírito é a expressão do Infinito e, como tal, não conhece limites artificiais. A verdadeira espiritualidade não deve ser confundida com um entusiasmo exclusivo por alguns modismos. Ela não está preocupada com qualquer "ismo".
Quando as pessoas buscam a espiritualidade aparte da vida, como se não tivesse nada a ver com o mundo material, sua busca é inútil. Todos os credos e cultos têm uma tendência a enfatizar algum aspecto fragmentário da vida, mas a verdadeira espiritualidade é total no seu panorama. A essência da espiritualidade não consiste num interesse especializado ou restrito em alguma parte imaginada da vida, mas numa certa atitude iluminada em relação a todas as diversas situações com as quais nos defrontamos na vida. Ela cobre e inclui a totalidade da vida. Todas as coisas materiais deste mundo podem ser subservientes para o jogo divino, e quando são dessa maneira subordinadas, tornam-se auxiliares à auto-afirmação do espírito.
O valor das coisas materiais depende do papel que elas desempenham na vida do espírito. Em si mesmas não são nem boas nem más. Elas se tornam boas ou más de acordo com o quanto ajudam ou atrapalham a manifestação da divindade através delas. Tomemos, por exemplo, o lugar do corpo físico na vida do espírito. É um erro criar uma antítese entre "carne" e "espírito". Tal contraste quase inevitavelmente termina numa condenação sem reservas ao corpo. O corpo impede a realização espiritual somente se for mimado ao fazer reivindicações em seu próprio favor. Sua função adequada é justamente entendida como acessório para fins espirituais.
O cavaleiro precisa de um cavalo se ele tem que lutar uma batalha, embora o cavalo possa se tornar um empecilho se ele se recusar a ser totalmente submisso à vontade do cavaleiro. Da mesma forma, o espírito tem de ser revestido com a matéria se quiser adquirir plena posse de suas próprias possibilidades, embora o corpo às vezes possa se tornar um impedimento se recusar-se a ser compatível com as exigências do espírito. Se o corpo rende-se às reivindicações do espírito como deveria, ele é fundamental para trazer o Reino do Céu à terra. Ele se torna um veículo para a liberação da vida divina e quando ele subserve esse fim, pode ser apropriadamente chamado de o templo de Deus na Terra.

Uma vez que o corpo físico e as outras coisas materiais podem ser usados para a vida do espírito, a verdadeira espiritualidade não toma qualquer atitude hostil em relação a elas, mas procura expressão nelas e através delas. Assim, uma pessoa aperfeiçoada não ignora o belo ou as obras de arte, as conquistas da ciência e as realizações da política. O belo pode ser degradado e se tornar objeto de desejo ou de ciúmes e possessividade exclusiva; obras de arte, muitas vezes podem ser usadas para aumentar e explorar o egoísmo e outras fraquezas humanas. As realizações da ciência podem ser usadas para a destruição mútua, como nas guerras modernas; o entusiasmo político sem discernimento espiritual, pode perpetuar o caos social e internacional. Mas tudo isso também pode ser corretamente manuseado e espiritualizado. O belo pode se tornar fonte de pureza, felicidade e inspiração; obras de arte podem enobrecer e elevar a consciência das pessoas. As conquistas da ciência podem redimir a humanidade do sofrimento desnecessário e das desvantagens; a ação política pode ser determinante no estabelecimento de uma fraternidade real na humanidade. A vida do espírito não consiste em afastar-se das esferas mundanas da existência, mas em recuperá-las pelo propósito divino, que é trazer amor, paz, felicidade, beleza e Perfeição espiritual ao alcance de todos. No entanto, aqueles que vivem a vida do espírito devem permanecer desapegados em meio às coisas do mundo, sem se tornarem frios ou indiferentes a elas. Desapego não deve ser entendido como falta de apreço. Não é apenas compatível com a verdadeira avaliação das coisas, mas é a sua própria condição. Os anseios criam ilusão e impedem a percepção correta. Eles nutrem obsessões e sustentam o sentimento de dependência em relação aos objetos externos. O desapego promove a compreensão correta e facilita a percepção do verdadeiro valor das coisas sem tornar a consciência dependente dos objetos externos.

Ver as coisas como elas são, significa capturar sua verdadeira significância como sendo parte da manifestação da Vida Una, e ver através do véu da sua aparente multiplicidade significa estar livre da obsessão insistente por qualquer coisa em seu imaginado isolamento e exclusividade. A vida do espírito pode ser encontrada na compreensão, que é livre de apego e na apreciação, que está livre de aprisionamento. É uma vida de liberdade positiva em que o Espírito infunde-se à matéria e brilha através dela sem submeter-se a qualquer redução das próprias reivindicações dela.
As coisas e os acontecimentos desta vida mundana são vistos como estranhos apenas até serem tragados pelo avanço da maré da espiritualidade compreensiva. Uma vez que encontrem o seu lugar certo no esquema da vida, cada um deles é visto como participando da sinfonia da criação. Então, a espiritualidade não requer uma expressão separada ou exclusiva, ela não se torna degradada ao se estar preocupado com as necessidades ordinárias - físicas, intelectuais e emocionais das pessoas. A vida do espírito é uma existência unificada e integral, que não admite compartimentos exclusivos ou independentes.
A vida do espírito é uma manifestação incessante do amor divino e da compreensão espiritual e esses dois aspectos da divindade são irrestritos em sua universalidade e imutáveis na sua inclusividade. Assim, o amor divino não requer qualquer tipo especial de contexto para se fazer sentir. Não precisa esperar alguns raros momentos para sua expressão, nem está à procura de situações sombrias que mostrem sinais de santidade especial. Ele descobre sua expressão em todos os incidentes e situações que possam passar despercebidos por uma pessoa ignorante como sendo insignificantes demais para merecer atenção.

O amor humano comum é liberado somente sob condições adequadas. É uma resposta a certos tipos de situações e é relativo a elas. Mas o amor divino, que brota da fonte interior, é independente de estímulos. É liberado, portanto, mesmo em circunstâncias que seriam encaradas como desfavoráveis por aqueles que têm provado apenas o amor humano. Se há falta de felicidade, beleza ou bondade naqueles por quem um mestre perfeito é cercado, essas próprias coisas tornam-se para ele a oportunidade de despejar seu amor divino sobre eles e resgatá-los do estado de pobreza material ou espiritual. Suas respostas diárias ao seu ambiente mundano tornam-se expressões da divindade dinâmica e criativa que se espalha e espiritualiza em tudo o que ele coloca a sua mente.
Compreensão espiritual, que é o aspecto complementar da vida do espírito, deve ser distinguida da sabedoria mundana, que é a quintessência das convenções do mundo. Sabedoria espiritual não consiste na aceitação incondicional das condutas do mundo. As condutas do mundo são quase sempre o efeito coletivo das ações de pessoas materialmente inclinadas. Pessoas mundanas consideram algo ser correto e tornam-no assim para pessoas de inclinação semelhante.
Portanto, seguir cegamente as convenções não assegura necessariamente uma ação sábia. A vida do espírito não pode ser uma vida de imitação acrítica; ela deve ter suas bases na sua verdadeira compreensão dos valores.