segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Bernard de Clairvaux - Dignidade, Conhecimento e Virtude

Você deve procurar por bens superiores na parte superior de você mesmo, isto é, na alma. Esses bens superiores são a dignidade, o conhecimento e a virtude. A dignidade de um homem é seu livre arbítrio, que é o dom através do qual ele é superior aos animais e que o faz até mesmo dominá-los. O conhecimento do homem é aquilo através do qual ele reconhece que possui essa dignidade, mas que ela não se origina nele mesmo. Sua virtude é aquilo através do qual ele busca avidamente por seu criador e, quando O encontra, mantém-se com ele com toda a sua força.

Cada um desses bens têm dois aspectos. A dignidade não é apenas um privilégio natural, é também o poder de dominação, pois todas as coisas vivas na Terra podem ser vistas como temendo os homens. O conhecimento também é duplo, pois tanto sabemos que possuímos essa dignidade e o que quer que tenhamos que é bom e sabemos que isso não se origina em nós mesmos. A virtude também pode ser vista como tendo dois aspectos. Através dela buscamos nosso Criador e quando o encontramos nos agarramos a Ele para que não possamos ser separados.
A dignidade não é nada sem o conhecimento e o conhecimento pode até mesmo ser uma pedra no caminho sem a virtude. Essa é a razão para ambas as coisas. Que glória é ter aquilo que você não sabe que tem? E saber o que você tem, mas não saber que isso não se origina com você é ter glória, mas não perante a Deus. Para aquele que glorifica a si mesmo o Apóstolo diz: “O que você tem que não tenha sido recebido? E se foi recebido, por que se vangloriar como se não houvesse sido recebido? (1 Cor. 4:7) Ele não diz simplesmente: “Por que se vangloriar?” Ele adiciona: “como se não houvesse recebido”, de modo a enfatizar que a culpa reside não em vangloriar-se de algo, mas em fazer isso como se aquilo não tivesse sido um dom que foi recebido. Esse tipo de coisa é corretamente chamada de vanglória, pois não repousa numa fundação sólida da verdade. São Paulo aponta a diferença entre a verdade: “Aquele que se vangloria vanglorie-se no Senhor”, isto é, na verdade. Pois o próprio Senhor é a Verdade.
Há duas coisas que você deveria saber: primeiro, o que você é; segundo, que você não é o que é por seu próprio poder. Então você irá vangloriar-se, mas não em vão. É dito que se você não conhece a si mesmo, você deveria ir e seguir os rebanhos de seus companheiros. Isso é o que de fato acontece. Quando um homem tem um alta honra atribuída a si, mas não a aprecia, ele é merecidamente comparado com as bestas, com as quais ele compartilha sua presente mortalidade e seu estado de corrupção.
Isso acontece também: quando um homem não aprecia o dom da razão e passa seu tempo com rebanhos de bestas irracionais; quando ele ignora a glória que está dentro dele e molda-se nas coisas externas que sua essência percebe; e quando ele é carregado de tal maneira pela curiosidade que torna-se igual a qualquer outro animal, pois ele não vê que recebeu nada mais do que os animais receberam.

Desse modo, deveríamos temer grandemente a ignorância que nos faz pensar menos de nós mesmos do que deveríamos. Mas não menos, e de fato muito mais, deveríamos temer a ignorância que nos faz pensar que somos melhores do que somos. Isso é o que ocorre quando somos enganados em pesar que algum bem em nós origina-se com nós mesmos.

Mas você deveria evitar e detestar ainda mais do que esses dois aquela presunção através da qual, totalmente ciente e deliberadamente, você ousa buscar sua própria glória em coisas boas que não são suas e que você sabe perfeitamente bem que não são suas por nenhum poder pertencente a você. Então, sem sentir vergonha, você rouba a glória de outrem. Pois a primeira ignorância não tem glória, a segunda tem uma glória, mas não aos olhos de Deus; mas esse terceiro mal que é cometido conscientemente é um ato de traição contra Deus.

Essa arrogância nascida da última ignorância é pior e mais perigosa porque, embora o segundo tipo de ignorância faça com que ignoremos a Deus, esse nos leva a desprezá-Lo. E é pior e mais repugnante do que o primeiro, porque embora o primeiro nos torne companheiros das bestas, esse nos lança na companhia de demônios. É orgulho, o maior pecado, usar os dons que lhe foram dados como se você tivesse nascido com eles e arrogar para si mesmo a glória que pertence ao generoso Doador.
Junto com estes dois (a dignidade e o conhecimento), deve ir a virtude, a qual é fruto de ambos. Através da virtude buscamos e agarramo-nos ao Doador de todas as coisas boas e damos a Ele a glória que Ele merece por tudo que Ele tem dado. Contudo aquele que sabe como fazer o que é certo e não o faz receberá muitos açoites (Luc. 12:47). Por que? Porque “ele não quis entender como se comportar bem” (Sal. 36:3). Mais do que isso, “planejou a maldade em sua cama” (Sal. 36:4). Ele intenta como um servo mal roubar e levar embora a glória do Senhor para si, a glória responsável pelas boas qualidades que ele sabe certamente que não se originaram nele mesmo, pois Deus lhe deu esse conhecimento.

É perfeitamente óbvio então que sem conhecimento a dignidade é totalmente inútil e que o conhecimento sem virtude deve ser condenado. Verdadeiramente, o homem de virtude no qual o conhecimento não é para ser condenado e cuja dignidade não é infrutífera, clama a Deus e livremente confessa: “Não a nós, Senhor, mas sim ao Seu Nome seja a glória. (Sal. 115:1) Isto é, não creditamos a nós mesmos nenhum conhecimento ou dignidade, atribuímos tudo a Seu nome, pois isso vêm tudo de Você.”