quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Philokalia - São Gregório do Sinai - A escuridão da ignorância

A noite das paixões é a escuridão da ignorância. Ou, alternadamente, a noite é o estado que gera as paixões, onde o príncipe da escuridão governa e onde as bestas dos campos, os pássaros do ar e as criaturas rastejantes da terra têm sua morada, esses últimos sendo termos alegóricos para os espíritos errantes que visam apoderar-se de nós para nos devorar (Sal. 104:20).


Alguns pensamentos distrativos precedem a atividade das paixões e outros seguem-nas. Tais pensamentos precedem as fantasias, enquanto as paixões são subsequentes às fantasias. As paixões precedem os demônios, enquanto que os demônios seguem as paixões.


A causa e a origem das paixões é a má utilização das coisas. Tal má utilização resulta da perverção de nosso caráter. A perversão expressa a propensão da vontade e o estado de nossa vontade é testado pela provocação demoníaca. Dessa forma, os demônios são permitidos pela providência divina a demonstrar para nós o estado específico de nossa vontade.


O veneno mortal da picada do pecado é o estado carregado de paixões da alma. Pois se por sua própria livre escolha, você se permite ser dominado pelas paixões, você desenvolverá uma propensão firme e imutável para o pecado.


As paixões são nomeadas de diversas maneiras. Elas são divididas entre aquelas que pertencem ao corpo e aquelas que pertencem à alma. As paixões corpóreas são subdivididas entre aquelas que envolvem sofrimento e aquelas que são pecaminosas. As paixões que induzem o sofrimento são ainda subdivididas entre aquelas que estão conectadas com doenças e aquelas conectadas com a disciplina corretiva. As paixões pertencentes à alma são divididas de acordo com se elas afetam o aspecto apetitivo, inflamatório ou inteligente da alma. Aquelas conectadas com a inteligência são subdivididas naquelas que afetam a imaginação e aquelas que afetam a compreensão. Dessas, algumas são o resultado do mal uso deliberado das coisas, outras sofremos contra nossa vontade, por necessidade, e por essas não temos culpa.


As paixões que pertencem ao corpo diferem daquelas que pertencem à alma; aquelas que afetam a faculdade apetitiva diferem das que afetam a faculdade inflamatória, e as da inteligência diferem daquelas do intelecto e da razão. Mas todas se intercomunicam e colaboram entre si, as paixões corpóreas com as da faculdade apetitiva, as paixões da alma com as da faculdade inflamatória, as paixões da inteligência com aquelas do intelecto, e as paixões do intelecto com aquelas da razão e da memória.


As paixões da faculdade inflamatória são a raiva, a animosidade, os gritos, o mal temperamento, a auto-afirmação, o menosprezo, a jactância e assim por diante. As paixões da faculdade apetitiva são a avidez, a devassidão, a libertinagem, a insaciedade, a auto-indulgência, a avareza e o amor-próprio, que é o pior de todos. As paixões da carne são a impudicícia, o adultério, a sujeira, a depravação, a injustiça, a glutonia, a indiferença, a ostentação, o auto-adornamento, a covardice, e assim por diante. As paixões da inteligência são a falta de fé, a blasfêmia, a malícia, a astúcia, a indiscrição, a duplicidade, o abuso, o bater boca, a tendência de censurar, a caluniação, a conversa fiada, a hipocrisia, a mentira, o falar mal, o papo furado, a falsidade, o sarcasmo, o pavonear-se, o amor pela popularidade, o sonhar acordado, o perjúrio, a fofoca e assim por diante. As paixões do intelecto são a auto-presunção, a pomposidade, a arrogância, a querela, a inveja, a auto-satisfação, a contenciosidade, a desatenção, a fantasia, a fabricação, a fanfarronice, a vanglória e o orgulho, o início e o fim de todos os vícios. As paixões da razão são o estremecimento, a distração, a fascinação, o obscurecimento, a cegueira a abdução, a provocação, a conivência no pecado, o preconceito, a perversão , a instabilidade da mente e coisas similares. Em suma, todos os vícios não-naturais que misturam-se com as três faculdades da alma, assim como todas as virtudes naturalmente coexistem dentro dela.

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Quão eloquente é Davi quando ele fala para Deus em êxtase: “Teu Conhecimento é maravilhoso de mais para mim, eu não posso alcançá-lo” (Sal.139:6), pois ele excede meu conhecimento débil e minhas forças débeis. Quão incompreensível é, de fato, até mesmo esta carne na maneira como foi constituída: ela também é triádica em cada detalhe e ainda assim uma harmonia única abrange seus membros e partes.