sexta-feira, 10 de junho de 2011

Rodney Collin - Teoria da Harmonia Consciente (parte 2)

(Notas sobre o 'Trabalho sobre si', baseado na tradição do Quarto Caminho)

A coisa principal, a coisa mais difícil, é despertar o coração. De alguma forma temos de aprender a sermos capazes de viver no coração, de julgar a partir do coração, assim como normalmente vivemos na mente mecânica e julgamos dali. É a mudança do centro da atenção em nós mesmos. Pois os movimentos do coração são tão rápidos que apenas se pudermos aprender a viver lá por algum tempo, será possível capturá-los quando eles passarem e obedecê-los. Isso também significa que temos de aprender a alimentar o coração, tomar impressões emocionais diretamente de lá, assim como agora tomamos o conhecimento diretamente da mente.

Existem métodos para ajudar nesse sentido. Ouspensky disse: 'Faça grandes exigências sobre si mesmo'. Essa é a chave. Só que não devem ser apenas exigências de Faquir*, mas demandas de todos os tipos — particularmente exigências emocionais. E tudo isso deve sempre ser combinado com o esforço para a lembrança de si* — e nunca separar-se disso.

Fomos ensinados (e entendo isso melhor a cada dia) que a compreensão não é o produto de uma função no homem, mas é a resultante das várias funções trabalhando em harmonia. Por exemplo, se a pessoa aprecia algo com a mente, ela 'conhece'; se aprecia com as emoções, ela 'sente’; se aprecia com os órgãos físicos externos, ela 'tem a sensação’ de. Mas se simultaneamente aprecia com a mente, as emoções e os sentidos físicos, então ela realmente compreende aquilo. Como somos atualmente, isso é muito raro de ocorrer. Pode ser desenvolvido. Mas para fazê-lo, algo como a 'lembrança de si’ é necessário — ou seja, é preciso lembrar de todas as nossas funções e de suas relações com a coisa em questão.

A matemática moderna é uma ferramenta poderosa de pensamento, não só nas ciências físicas, mas também em relação à própria vida. Só que para isso, é preciso compreender a matemática não só com a mente, mas também com as emoções e com todo o organismo físico. A 'matemática emocional' pode resolver qualquer problema no universo. Afinal, o que mais é a ideia da Santíssima Trindade?

Através da compreensão tudo se torna simples. Vemos aquilo que é, objetivamente; onde estamos, objetivamente; o que podemos fazer, objetivamente. A compreensão previne atritos inúteis, lutas inúteis. Torna-nos constantes, tolerantes, gentis, 'compreensivos'. Dá-nos peso. Para chegar à real compreensão devemos estudar mais, muito mais, verificar em termos mundanos tudo o que foi dito ou sentido. É necessário estarmos abertos. Tudo está disponível, esperando por nós. Estamos sendo banhados em radiações cósmicas, temos toda ajuda. Mas temos de tornarmo-nos abertos. Abrir nossos poros. Pegar tudo. O que nos impede de estarmos abertos e de recebermos o que está acontecendo, é o fato de estarmos preocupados com nós mesmos, pensando em nós mesmos. Se nos esquecermos de nós mesmos, tudo virá a nós.
Polaridades: Sol - Terra, polo norte - polo sul, polo positivo - polo negativo, homem - mulher. Tudo real é criado pela intervenção de uma força invisível no campo de tensão entre dois polos. Os dois polos são reconciliados por alguma corrente superior, algo não reconhecido. Então, começa a criação. Se o terceiro elemento não está presente ou não é reconhecido, a polaridade pode transformar-se em hostilidade, violência, destruição, ódio. Os polos parecem "inimigos". Sempre que a terceira força é evocada, eles tornam-se complementos. Ver a reconciliação das polaridades pela terceira força é o começo da harmonia. Certa vez, há muito tempo, Ouspensky disse: ' há ideias que poderiam parar todas as brigas; uma delas é a ideia da lei de três.'*

Enormes quantidades de informações detalhadas sobre todos os ramos concebíveis do conhecimento estão disponíveis e sendo constantemente adicionadas pelo método dedutivo. Mas tudo isso só leva a mais confusão e divisão porque tal conhecimento não está unido por nenhum princípio. É claro que apenas princípios podem reunir os diferentes ramos do conhecimento e os diferentes lados da vida que se tornaram tão separados e antagônicos. É verdade que uma apresentação qualquer de princípios não será aceita pelos estudiosos e cientistas ordinários — mas apenas por aqueles que já tenham farejado a existência de certas leis universais* e que começaram a procurar por elas. Para os outros, essas ideias continuarão a ser invisíveis.

Certamente novas expressões de princípios vão ser mal interpretadas, tal como foram as religiosas, as alquímicas, mágicas e outras expressões. 'A má utilização' de princípios é outra coisa e só é possível, creio eu, depois que um indivíduo tenha tido algum treinamento e preparação consideráveis. Leitores ordinários não podem utilizar nem bem nem mal — só é possível ser influenciado por eles ou não conseguir vê-los.

Aqueles que foram capazes de assimilar todo o ensinamento em uma imagem mental coerente são muito afortunados — pois ele é um todo e nisso reside o seu poder milagroso. Fazer essa compreensão mental viver com nossa própria experiência e experimentação é uma outra coisa. Isso pode levar um tempo muito longo. Uma vida inteira ou mais. Mas isso virá. Num primeiro momento não reconhecemos a experiência que a vida traz como tendo algo a ver com a teoria que conhecemos tão bem. Só depois podemos ver a conexão, e quando o fazemos, isso nos permite digerir a experiência da vida de um modo muito especial. Isso transforma experiência em compreensão.

Ouvi Ouspensky por onze anos, em palestras, com amigos e sozinho. No final dessa época, quando em sua morte ele realmente realizou de fato o milagre da mudança, eu percebi que nem uma única coisa que ele disse foi irrelevante, que cada frase, pública ou privada, era designada para ajudar-nos a compreender os grandes mistérios quando estes viessem a cruzar nosso caminho.

Portanto, não podemos esquecer o 'conhecimento'. Apenas lutar para viver, para sermos sinceros, verdadeiros e honestos. Lembrarmos de nós mesmos (do nosso ser) e esquecer nossa auto importância - verdadeira e simplesmente - isso implica sermos. O resto virá com o tempo.

Toda pessoa precisa de companheiros. Se ela se junta a algum grupo formal daqueles que conheceram Ouspensky, Gurdjieff ou Nicoll é uma questão diferente. Mas da companhia daqueles que estão se esforçando para viajar pelo mesmo caminho, ela precisa. Pois essas verdades são demasiadamente difíceis para um único homem sozinho desvendar. Ele tem de encontrar outras pessoas com quem possa trocar experiências e compreensões e compartilhar experimentos. Então, se puderem colocar junto o que eles descobriram individualmente, poderão criar um campo suficientemente forte de compreensão para atrair atenção e ajuda. Desse modo, as pessoas devem manter seus olhos abertos para seus companheiros. Elas podem encontrá-los em lugares muito inesperados.

Evidentemente abrir mão da capacidade de compreensão é um pecado muito mais grave no caminho do desenvolvimento do que parece. E nenhuma quantidade de outros esforços pode neutralizá-lo. A razão é que a compreensão está muito estreitamente conectada com a consciência, e aquele que desiste da luta para compreender e simplesmente aceita, deve em um certo ponto sufocar sua própria consciência. E disso só se pode recuperar com um sofrimento muito grande. A compreensão dá força e confiança e a ausência de compreensão cria sofrimento e fraqueza — mesmo que o indivíduo lute duramente.

Neste contexto, é interessante as pessoas dizerem: 'Collin Smith vai ensinar, não vai ensinar'. Elas não entendem que estou aprendendo e esta é a única maneira que eu ou outra pessoa pode fazê-lo. Lembro-me muito claramente, sentado com Ouspensky em Longchamps, Nova York, em 1945, eu perguntando por que tudo parecia ter chegado a uma parada. Ele disse: 'você esquece de uma coisa; muitas pessoas esquecem — para aprender mais, você tem de ensinar.' Desde então, tenho visto como muitas pessoas que tinham chegado muito longe, começaram a compreender cada vez menos, porque elas não estavam dispostas a aceitar a responsabilidade de passar para os outros o que entendiam. A compreensão não pode permanecer estática — ela somente pode aumentar ou diminuir; e a maneira mais segura de aumentar sua compreensão é ajudar os outros a compreenderem. Na verdade isso se aplica a todos os níveis — embora naturalmente isso não possa ser dito até que a distinção entre compreensão e opinião esteja clara e até que as várias ilusões de auto importância sejam destruídas. Mas esse é um princípio geral.

Compreender mais, ver as coisas mais objetivamente, vem em primeiro lugar. Quando isso se aprofunda suficientemente, a pessoa começa a ser diferente, a agir de forma diferente. Não há nenhuma outra maneira.


Naqueles momentos quando a compreensão amplia repentinamente, dia a dia, mais e mais, devemos deixar traços de como a fenda que foi aberta permitiu a luz da nova compreensão entrar. Esses traços têm um sabor e força muito especiais, e um dia, por sua vez produzirão efeitos. Eles também ajudam a fixar a nova compreensão. Pois quando de repente, sem aviso, encontrarmo-nos no meio daquilo pelo qual estivemos procurando, devemos lembrar a necessidade de fixar o estado que nos foi dado, para que ele se torne permanentemente nosso.

Esses períodos de iluminação súbita e de compreensão são parte do aspecto mais misterioso e milagroso do Trabalho. Nós não podemos antecipá-los, não podemos merecê-los. 'Não sabemos o dia nem a hora...' como é dito nos evangelhos. Mas quando eles vêm, todos os valores são perturbados. E eles fixam a direção e o curso de toda a fase que se segue.
Em um estado altamente emocional somos inundados por emoções e visões. A onda de emoção inevitavelmente irá retroceder. Mas a tarefa é fixar a compreensão que isso traz, a fim de que essa compreensão possa permanecer mesmo quando a emoção que a trouxe tiver ido embora. Fixar uma nova atitude — com relação a nós mesmos, às outras pessoas, ao nosso professor e com relação a Deus — essa é a questão. A pessoa na qual novas atitudes são fixadas de maneira permanente, confiável, pode ser o instrumento das forças superiores.

Fico contente quando as pessoas me contam suas experiências e novas compreensões. Mas temos também de estar preparados para os dias magros. Devemos armazenar compreensões incompletas para digeri-las e nos nutrirmos com elas naqueles períodos em que não nos é dado mais daquele ‘pão consubstancial'. Há tanto para se fazer — temos de trabalhar para os maus momentos, bem como para os bons.

Destruir a falsa personalidade parece ser metade do trabalho todo. Algo que temos e não precisamos tem de morrer e algo que não temos, mas precisamos, tem de nascer. Todo o Trabalho é uma preparação para uma ou outra dessas duas coisas. Não acho que podemos 'destruir' a falsa personalidade nós mesmos, mas gradualmente podemos nos descolar dela, ficarmos menos comprometidos com ela, de modo que um dia quando exteriormente o choque certo vier sobre nós, ela vai desabar por si mesma e nós poderemos emergir livres. Enquanto isso, penso que temos de aprender a aceitar a nós mesmos, do mesmo modo que temos de aprender a aceitar os outros. Aceitar nossas próprias tolices, imposturas, falhas e seguir para um novo ponto de vista imparcial que fica para além delas. É difícil de descrever, mas tem que ser sem nenhuma violência, mesmo contra nós mesmos.

No ‘Fragmentos de um ensinamento desconhecido’, Ouspensky escreveu que ele chegou à realização de que nunca algo certo poderia ser alcançado por meios violentos. E eu sinto que isso se aplica até mesmo para o que é chamado de 'trabalho sobre si mesmo’. Assim como os nós das relações pessoais na vida não podem ser cortados, mas apenas unidos, eu acredito que o processo de mudança interna consiste em pacientemente, continuamente, afrouxar os laços da fascinação e substituir apegos, interesses e uma sensibilidade interna por influências superiores. A violência pode dar às vezes algum material interessante. Eu não creio que seja um método de construção permanente. Essa ideia é muito bem expressa no antigo problema Zen: 'há uma galinha viva em uma garrafa — como você pode tirá-la sem quebrar a garrafa ou matar a galinha?' Nada deve ser quebrado. E quase sempre a violência quebra as coisas.

Ninguém pode inventar a 'pressão' do trabalho. A pressão é produzida pelas condições da vida, ao vermos a vida como ela é. Todos nós temos nossos hábitos, físicos e mentais — que funcionam como amortecedores — para diminuir ou suavizar a pressão da vida. Ao libertarmo-nos desses hábitos, a pressão cresce por si só — a pressão da responsabilidade, dos compromissos, das investigações a serem feitas e objetivos a serem atingidos.

O nosso trabalho é realizarmos a harmonia consciente. Primeiro em nós mesmos individualmente. Em seguida, em nosso grupo. Então, gradualmente entre os grupos e então projetada para fora infinitamente no mundo. Individualmente, temos de alcançar a harmonia entre todas as nossas funções, todos os nossos interesses, todas as nossas tarefas, todos os lados de nossa vida — dedicando o todo harmonioso para Deus e para o Trabalho. É para isso que nossos estudos estão nos preparando. Eles não têm nenhuma outra finalidade. Cada pessoa tem de recriar todo o Sistema* intelectualmente para si mesma e em si mesma. Esta é a estrutura de sua nova criação. Ninguém mais pode fazer isso por ela, e o que ela descobre torna-se propriedade dela. Ao mesmo tempo, a construção do nosso próprio 'modelo do universo’ representa apenas a estrutura. Esse é o esqueleto. Um novo tipo de carne vivente deve crescer nele, um novo corpo. O que isso significa? Significa aprender a viver na alma e a partir da alma. Quando fazemos isso, toda a estrutura complexa de ideias que criamos resolve-se em algo muito simples, muito direto.

Todos os que vão longe neste Trabalho devem aprender a descansar. Caso contrário, as tensões que encontram serão fortes demais para eles. Na verdade, há apenas um tipo verdadeiro de descanso —  no pensamento de Deus, na lembrança de Deus, em Deus.

Existem duas visões do universo. E nós temos de aprender a cultivá-las alternadamente. Uma é a visão da hierarquia de seres, da escada ascendente que nós e todos os outros devemos lutar através de trabalho, sacrifício, serviço e compreensão. Este é o caminho de Escola. A outra é a visão direta de Deus, de uma vibração divina que permeia e sustenta todos os seres em todos os lugares, desde a pedra até Cristo, da Lua ao Sol. Essas duas visões são o dia e a noite do nosso Trabalho. Temos de trabalhar em uma e descansar na outra. Tem de ser assim. É por isso que a nossa Tradição não é um substituto para a religião. É o complemento dela. Todo homem precisa de uma religião e, provavelmente, de uma Igreja para sustentá-lo na visão de Deus.

Todos temos boas qualidades e todos temos características repulsivas. No nível das qualidades, boas ou ruins, nada pode ser feito. Mas nós temos um espírito que é imortal e todos os nossos esforços na lembrança de si são para criarmos uma conexão consciente com ele. Podemos pensar a respeito do corpo como sendo um instrumento lindo e maravilhosamente engenhoso — ou um velho saco de ossos, como quisermos. Em ambos os casos ele só terá significado se servir ao espírito, por intermédio da alma consciente que estamos tentando criar. Dessa forma, temos de olhar para o alto, elevar nosso anseio, sempre tentar sentir, no espaço. Quando obtivermos essa sensação nunca iremos perdê-la. E tudo o que é repulsivo permanecerá abaixo de nós.

*Para a melhor compreensão dos termos empregados é recomendada a leitura dos textos de P. D. Ouspensky que se encontram no Blog.