quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Jalaluddin Rumi - Cinco Poemas


Husam demanda que comecemos o Livro V,

Ziya-Haqq, a radiância da verdade,

Husamuddin,

mestre dos mestres puros,

se minha garganta humana não fosse tão estreita,

eu o louvaria como você deveria ser louvado,

em alguma língua diferente dessa linguagem das palavras,

mas uma ave doméstica não é um falcão.

Devemos misturar o verniz que temos

e pincelá-lo.


Não estou falando para os materialistas. Quando menciono Husam,

falo apenas para aqueles que conhecem os segredos espirituais.

O louvor significa apenas puxar a cortina

para deixar as qualidades dele entrarem.

O sol,

permanece aparte

do que digo, é claro.


O que aquele que profere o louvor realmente está louvando

é ele mesmo, ao dizer implicitamente:

“Minha visão está clara.”


Do mesmo modo, alguém que critica está criticando

a si mesmo, dizendo implicitamente: “não consigo ver muito bem

com meus olhos tão inflamados.”


Jamais lamente por alguém

que quer ser o sol, aquele outro sol,

o que torna frescas as coisas podres.


E jamais inveje alguém

que quer ser este mundo.


Husam é o sol do qual falo.

Ele não pode ser entendido com a mente, ou dito,

Mas nós vamos tropeçar e cambalear tentando fazê-lo.

O fato de você não conseguir beber toda a água chuva que cai

não significa que você tenha de desistir de beber as gotas.

Se a noz do mistério não pode ser possuída

ao menos deixe-me tocar a casca.


Husam, refresque minhas palavras, suas palavras.

Minhas palavras são apenas uma casquinha do seu saber,

uma atmosfera terrestre para seus enormes espaços.


O que digo tem apenas o objetivo de apontar para aquilo, para você,

de modo que quem alguma vez escute essas palavras não se aflija

por nunca ter tido a chance de olhar.


Sua presença me atrai para longe da vaidade,

da imaginação e da opinião.

A reverência é o remédio

que irá curar nossa visão.

E alerta, escutando constantemente.

Fique a céu aberto como uma tamareira

erguendo seus braços. Não cave buracos de rato

no solo, discutindo algum labirinto doutrinal.


Essa trama e urdidura intelectual mantém-no enrolado

na cegueira. E quatro outras características

impedem-no de amar. O Alcorão as chama de

quatro pássaros. Diz Bismillah: “Em nome de Deus,”

e parte as cabeças desses pássaros funestos.


O galo da luxúria, o pavão do querer

se tornar famoso, o corvo da possessividade e o pato

da urgência, mate-os e reviva-os

em outra forma, mudados e inofensivos.


Há um pato dentro de você.

Seu bico nunca está quieto, procura tanto no seco quanto

no molhado, como um ladrão numa casa vazia

abarrotando de objetos seu saco, pérolas, grão de bico,

qualquer coisa. Sempre pensando: “Não há tempo!

"Não terei outra chance!"

Uma Pessoa Verdadeira é mais calma e deliberada

Ela não se preocupa a respeito de interrupções.


Mas esse pato tem tanto medo de perder

que ele perdeu toda generosidade e assustadamente expandiu

sua capacidade de ingerir comida.


Um grande número de incrédulos

uma vez veio ver Maomé,

sabendo que ele os alimentaria.


Maomé disse a seus amigos:

“Dividam esses convidados entre vocês e sirvam-nos.

Sendo que vocês estão todos preenchidos de mim,

seria como se eu fosse o anfitrião.”


Cada amigo de Maomé escolheu um convidado

mas uma pessoa enorme ficou para trás.

Ele sentou na entrada da mesquita

como uma borra espessa em uma taça.


Então Maomé convidou o homem para vir a sua própria casa,

onde o enorme filho de um turco Ghuzz comeu tudo,

o leite de sete cabras e comida o bastante

para alimentar dezoito pessoas!


As outras pessoas da casa ficaram furiosas.

Quando o homem foi dormir, a empregada bateu a porta

do quarto dele e por infâmia e ressentimento,

trancou-a com uma corrente. Por volta da meia noite, o homem

sentiu fortes necessidades.

Mas a porta! Ele tentou manejá-la,

colocou uma lâmina pela fresta. E nada.

A urgência aumentava. O quarto ficava apertado.

Ele caiu num sono confuso e sonhou

com um lugar desolador, sendo que ele mesmo era

esse lugar desolador.


Assim, sonhando que estava sozinho

ele evacuou uma enorme quantidade,

e outra enorme quantidade.


Mas logo ele tornou-se consciente o bastante para

saber que as cobertas que ele tinha à sua volta

estavam cheias de fezes. Ele tremeu com espasmos da vergonha

que geralmente impede os homens de fazerem tais coisas.


Ele pensou: “Meu sono é pior que minha vigília.

Minha vigília é cheia de comida.

Meu sono é todo assim.”


Em seguida chorou amargamente envergonhado,

esperando o amanhecer e o barulho da porta se abrindo,

esperando que pudesse sair

sem que ninguém visse como ele se encontrava.


Resumindo. A porta se abriu. Ele foi salvo.

Maomé veio no alvorecer, abriu a porta

e ficou invisível para que o homem não se sentisse envergonhado,

de modo que ele pôde escapar e se lavar

não tendo que enfrentar aquele que abriu a porta.


Alguém completamente absorvido em Alá como Maomé

pode fazer isso. Maomé tinha visto tudo que se passou

durante a noite, mas refreou de deixar o homem sair,

até que tudo aconteceu como tinha de acontecer.


Muitas ações que parecem cruéis

são de uma profunda amizade.

Muitas demolições são renovações.


Mais tarde, a empregada intrometida

trouxe as roupas de cama para Maomé.

“Olha o que o seu convidado fez!”


Maomé sorriu, sendo ele um distribuidor de piedade a todos os seres,

“Traga-me um balde de água.”


Todos pularam a frente: “Não! Deixe-nos cuidar disso.

Vivemos para serví-lo e esse é o tipo de trabalho braçal

que podemos fazer. O seu é o trabalho interior do coração.”


“Sei disso, mas essa é uma ocasião extraordinária.”


Uma voz dentro dele estava dizendo: “Há uma grande sabedoria

em lavar essas roupas de cama. Lave-as.”


Enquanto isso, o homem que sujou os lençóis e sumiu

estava retornando à casa de Maomé. Ele havia esquecido

um amuleto que sempre carregava consigo.


Ele entrou e viu as mãos de Deus

lavando seu lençol incrivelmente sujo.


Ele esqueceu o amuleto. Um grande amor invadiu-o subitamente.

Ele rasgou sua camisa. Começou a bater a cabeça contra o muro e contra a porta.

Sangue jorrava de seu nariz.


As pessoas vieram das outras partes da casa.

Ele gritava: “ Fiquem longe!”

Batia a cabeça: “Eu não tenho discernimento!”

Ele se prostrou perante Maomé.


“Você é o todo. Eu sou um desprezível, minúsculo,

pedaço sem sentido. Não posso olhar para você.”

Ele ficou quieto e estremecido de remorso.


Maomé abaixou-se, segurou-lhe, acariciou-lhe

e abriu sua compreensão interior.


A nuvem chora e então o jardim floresce.

O bebê chora e o leite da mãe flui.


A ama da criação disse: deixe-os chorar abundantemente.


Esse chorar da chuva e queimar do sol se entrelaçam

para nos fazer crescer. Mantenha sua inteligência incandescente

e sua aflição cintilante, fazendo com que sua vida fique fresca.

Chore fácil como uma criança pequena.


Diminua as necessidades do corpo e aumente as decisões da alma.

Diminua o que você dá a seu ser físico.

Seu olho espiritual começará a abrir.


Quando o corpo esvazia e permanece vazio,

Deus o preenche com almíscar e madrepérola.

Dessa forma um homem dá seu estrume e recebe pureza.


Escute os profetas, não algum garoto adolescente.

As fundações e os muros da vida espiritual

são feitos de auto-negações e disciplinas.


Fique com amigos que o apóiem nisso.

Fale com eles sobre os textos sagrados

e como você tem procedido e como eles têm procedido

e mantenham suas práticas unidas.

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Você perde o jardim,

porque quer um pequeno figo de uma árvore qualquer.

Você não encontra a linda mulher.

Está brincando com uma velha mulher.

Faz-me querer chorar o quanto ela lhe detém,

a boca mal cheirosa, uma centena de garras,

colocando sua cabeça na beira do telhado para chamá-lo,

figo sem gosto, vezes e mais vezes, vazio

como um alho vazio apodrecido.


Ela tem você preso pelo cinto,

mesmo não havendo flor e nem leite

dentro de seu corpo.

A morte abrirá os seus olhos

para o que a face dela é: a coluna de couro

de um lagarto negro. Chega de conselhos.


Que você seja silenciosamente puxado

pela atração mais forte do que você realmente ama.

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Você está sentado aqui conosco, mas também está lá fora caminhando

no campo ao amanhecer. Você mesmo é

o animal que caçamos quando você veio conosco na caçada.

Você está no seu corpo assim como uma planta está firme no solo,

ainda assim você é o vento. Você é a roupa do mergulhador

vazia deixada na praia. Você é o peixe.


No oceano há muitos cordões brilhantes

e muitos cordões escuros como veias que são vistas

quando uma asa é levantada.

Seu ser oculto é o sangue correndo nelas, essas veias

são as cordas do alaúde que fazem a música do oceano,

não a triste crista da arrebentação, mas o som de nenhuma margem.

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Meu pior hábito é que me canso do inverno,

torno-me uma tortura para aqueles com quem estou.


Se você não está aqui, nada cresce.

Falta-me claridade. Minhas palavras se confundem, dão um nó.


Como curar água ruim? Mande-a de volta para o rio.

Como curar maus hábitos? Mande-me de volta para você.


Quando a água ficar presa em poças habituais,

cave uma saída para o fundo o oceano. Há um remédio secreto

dado apenas para aqueles que se machucam tanto

que perdem a esperança.


Os esperançosos sentiriam levemente isso se soubessem.


Olhe o quanto puder para o amigo que você ama,

não importa se esse amigo está se afastando de você

ou vindo de volta em sua direção.

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Chega de vinho para mim!

Estou mais que encantado no denso vermelho

e no branco resplandescente.


Estou sedento pelo meu próprio sangue

conforme ele se move no campo de ação.


Traga a lâmina mais afiada que você tem

e golpeie, até que a cabeça role

pelo corpo.


Faça uma montanha de crânios como essa.

Despedace-me.


Não dê ouvidos!

Não escute nada que digo.

Tenho de entrar no centro do fogo.


Por que há estalos e fumaça?

Porque as lenhas e a chama estão ainda falando:

“Você é densa demais. Vá embora!”

“Você é muito irresoluta. Eu tenho forma sólida.”


No negrume essas duas amigas continuam discutindo.

Como um errante sem face.

Como o pássaro mais poderoso na existência sentado

em seu galho, recusando-se a se mover.


O que posso dizer para alguém tão enroscado com o desejo,

tão constringido em seu amor?


Quebre seu jarro contra uma pedra.

Não precisamos mais

arrastar por aí pedaços do oceano.


Precisamos submergir, longe do heroísmo

e descrições de heroísmo.


Como um espírito puro deitado, puxando

seu corpo sobre si, assim como uma noiva puxa seu marido

como uma coberta para aquecê-la.