sábado, 7 de agosto de 2010

Jalaluddin Rumi - Sete Discursos


Burhan Sayed al-Din estava ensinando, quando um tolo o interrompeu para dizer: "Precisamos de algumas palavras sem comparações ou semelhanças." O Sayed respondeu: "Quem não tiver semelhança venha ouvir palavras sem semelhança!"
Afinal, você é uma semelhança de si mesmo. Você não é este corpo. A existência aqui é apenas uma sombra de você. Se alguém morre, as pessoas dizem: "Fulano partiu." Se fossem apenas esse corpo, então, aonde teriam ido? Assim, sua forma externa é uma analogia de seu ser interno e a partir de sua forma externa os outros podem julgar sua realidade interna.
Tudo é visível por causa da densidade. Assim, a respiração no tempo quente não pode ser vista, mas quando está frio torna-se visível devido à densidade. Era o dever do Profeta manifestar o poder de Deus e pregar para despertar os outros.
Não era seu trabalho, no entanto, trazer as pessoas ao nível de estarem prontas para receber a verdade de Deus, isso é trabalho de Deus. Deus tem dois atributos: a ira e a bondade amorosa. Os profetas são teatros para ambos. Para os crentes eles são um teatro do amor de Deus e para os incrédulos eles se tornam um teatro para a ira de Deus.
Aqueles que reconhecem a verdade vêem a si mesmos no Profeta, escutam sua própria voz vindo dele, e sentem seu próprio perfume em sua presença. Ninguém nega a realidade de seu próprio ser. Por isso os profetas dizem para a comunidade: "Nós somos vocês e vocês somos nós, não há nenhuma estranheza entre nós." Alguém diz: "Esta é a minha mão." Ninguém lhe pede por uma prova, uma vez que sua mão é uma parte sua. Mas a pessoa diz: "Aquele é o meu filho", então uma prova é exigida, pois trata-se de algo separado dela mesma.


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Alguns dizem que o amor é a causa do serviço, mas isso não é verdade. Pelo contrário, o desejo do Amado é a verdadeira fonte do serviço. Se o Amado deseja que o amante ajude, então o amante fornece a ajuda. Se o Amado não quer, então o amante desiste disso. Abandonar o serviço não é abandonar o amor. Não, pelo contrário, mesmo se o amante não realizar nenhum serviço, o amor continua a operar através do coração do amante. Portanto, a raiz da questão é o amor e o serviço é o galho.
Quando a luva se move, isso ocorre porque a mão se move. Mas isso não significa que a luva segue sempre a mão. Por exemplo, uma pessoa tem um vestido tão grande que quando ela se move, o vestido não se move. Nós todos vimos isso. Mas o que não é possível é que o vestido se mova sem a pessoa se mover.
Algumas pessoas têm confundido o vestido com a pessoa, tem considerado a luva como mão e imaginado uma bota como pé. No entanto, essa mão e pé são a luva e a bota de outra mão e pé.
Eles dizem: "Fulano está sob os pés de Ciclano" e "Beltrano tem uma mão em muitas coisas." Certamente, quando falamos de tais mãos e pés não significa essa mão e pé.
Aquele Príncipe veio e nos reuniu e depois partiu. Da mesma forma, a abelha une a cera com o mel e, em seguida, voa para longe. Isso acontece porque nossa criação foi uma condição, mas, afinal, a eternidade de Deus não é uma condição. Nossos pais e mães são como abelhas, unindo o buscador com o buscado, e reunindo o amante e o amado. Então, de repente, um dia eles voam para longe. Deus fez-lhes como um meio de unir a cera e o mel e então eles voam para longe, enquanto que a cera e o mel permanecem. Mas eles não voam para fora do jardim. Este não é o tipo de jardim que é possível de abandonar. Em vez disso, eles vão de um canto do jardim para o outro. Nosso corpo é como uma colméia montada a partir da cera e do mel do amor de Deus. Embora as abelhas, nossos pais e mães, tenham unido esse mel e essa cera, ainda assim eles também são cuidados pelo jardineiro, e, portanto, também é o jardineiro que faz a colméia. Deus dá àquelas abelhas uma forma adequada para o trabalho que estão fazendo, mas quando elas partem para o outro mundo mudam de trajes, pois lá um trabalho diferente acontece. Ainda assim, essas pessoas são iguais ao que eram no primeiro lugar.

Por exemplo: um homem vai para a batalha, coloca seu uniforme, veda a armadura e coloca um capacete em sua cabeça para se preparar para o combate. Mas quando ele chega em casa para o banquete, retira os trajes uma vez que o alimento e a família são outro negócio. Ainda assim, ele é a mesma pessoa. Entretanto, se você o ver pela última vez com aqueles trajes, sempre que pensar nele, vai retratá-lo naquela forma e naquelas vestes, mesmo que ele tenha mudado de roupas uma centena de vezes.
Uma mulher perde um anel em um determinado lugar. Embora o anel tenha sido removido de lá, ainda assim ela fica rodeando aquele ponto, concluindo: "Foi aqui que eu o perdi." Da mesma forma, um homem de luto circula ao redor da sepultura, ignorante, rodeando o local e beijando a terra, o que implica: "Eu perdi esse anel aqui", mas como poderia ainda estar ali?
Deus faz tantas maravilhas para mostrar sua onipotência. É aqui, por causa da sabedoria divina, que Ele reúne o espírito e o corpo por um dia ou dois.

As pessoas têm medo da morte. Elas pensam que ao sentar com um cadáver em um túmulo, mesmo que por um momento, poderão enlouquecer. Por que, então, uma vez que são liberadas da armadilha da forma e do túmulo do corpo, continuariam por perto?
Deus designou a visão de um túmulo para causar medo em nossos corações como um símbolo para renovar o medo da morte repetidamente. Da mesma forma, quando uma caravana foi emboscada em um determinado lugar na estrada, duas ou três pedras são colocadas juntas ali para agir como um sinal no caminho, dizendo: "Aqui é um lugar de perigo". Os túmulos também são sinais visíveis no caminho mostrando um lugar de perigo. O medo deixa a sua marca em você, mesmo que nem sempre seja percebido. Por exemplo, se as pessoas lhe dizem, "Fulano tem medo de você", uma afeição manifesta imediatamente em direção a eles. Se, pelo contrário, disserem: "Ciclano não tem o mínimo medo de você", e "Eles não se preocupam de maneira nenhuma com você," simplesmente por causa dessas palavras um ira aparecerá em seu coração.

Esta correria na vida é o efeito do medo. Todo o mundo está correndo, mas cada ser corre de uma maneira diferente. Aquilo que o ser humano persegue ou do qual ele foge é de um tipo, a busca e as aversões de uma planta não são as mesmos, e assim também a corrida do espírito é totalmente diferente. Por exemplo, a corrida do espírito é sem passo ou sinal visível. Considere as uvas verdes, o quanto elas perseguem a doçura até atingirem a escuridão da uva madura. Essa corrida é invisível e imperceptível, mas quando a uva chega nesse estágio, ela percebe o que é que ela estava perseguindo há tanto tempo. Da mesma forma, alguém entra na água sem ser visto por ninguém, mas quando a cabeça da pessoa de repente sobressai no meio da água, então todos percebem o quanto a pessoa nadou para atingir aquele ponto.


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Entre o ser humano e Deus são apenas dois véus – a saúde e a riqueza - todos os outros véus vêm desses. Aqueles que são saudáveis não olham para Deus e não O vêm, mas logo que a dor os atinge eles clamam: "Ó Deus! Ó Deus!" chamado e se rendendo a Deus. Portanto, a saúde é o seu véu e Deus está escondido em sua dor. Enquanto as pessoas têm riqueza, elas satisfazem seus desejos e estão preocupadas dia e noite com prazeres. Assim que a pobreza aparece, seus espíritos são enfraquecidos e elas se voltam para Deus.


Embriaguez e pobreza O trouxeram a mim,
Eu sou o escravo de Sua embriaguez e carência!


Deus concedeu ao Faraó quatrocentos anos de vida, realeza e divertimento. Tudo isso era um véu que o manteve longe da presença de Deus. Ele não experimentou desagrado e dor nem sequer um único dia, de modo que se esqueceu completamente de Deus. Deus disse: "Continue estando preocupado com seu próprio desejo e nem mesmo pense em mim. Boa noite! "

O rei Salomão se cansou de seu reinado,
Mas Jó jamais ficou saciado de sua dor.


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Perguntaram para Jesus: "Qual é a coisa mais difícil neste mundo e no próximo?" Ele disse: "A ira de Deus." Eles perguntaram: "E o que pode nos salvar disso?" Ele respondeu: "Domine sua própria ira e sua própria raiva em relação aos outros."
Quando a mente quer reclamar, faça o contrário, agradeça. Exagere o assunto a tal ponto que você encontre dentro de si mesmo um amor pelo que o repele. Fingir gratidão é uma forma de buscar o amor de Deus.
Nosso Mestre, Shams, disse: "Reclamar da criação é reclamar do Criador." Ele também disse: "O ódio e a raiva permanecem escondidos no seu inconsciente. Se você ver uma faísca saltar desse fogo, apague-a para que ela volte a não-existência de onde veio. Se você insistir em corresponder a raiva com a ira e promover a chama da raiva, ele saltará mais e mais rápido de seu inconsciente e se tornará cada vez mais difícil de apagar".
Afugente o mal com alguma coisa boa e você triunfará sobre o inimigo de duas maneiras. Uma maneira é esta: seu inimigo não é a carne e a pele de outra pessoa, é a contagiosidade do seu ódio.
Quando ele for expulso de você através de uma abundância de agradecimento, ele também irá inevitavelmente ser expulso de seu inimigo, porque todos instintivamente respondem à bondade, e você deixou o seu adversário sem nada para lutar contra. É como com as crianças, quando elas gritam nomes para alguém e essa pessoa grita nomes feios de volta, todas elas ficam mais incentivadas, pensando: "Nossas palavras tiveram um efeito." Mas se o inimigo vê suas palavras não trazendo nenhuma mudança, ele perde o interesse.
O segundo benefício é o seguinte: Quando o atributo do perdão surge em você, as outras pessoas percebem que não lhe têm visto como você realmente é. Então passam a saber que elas é que devem ser censuradas, não você, e nenhuma prova deixa os adversários mais envergonhados do que isso. Assim, louvando e dando graças aos detratores você está administrando um antídoto para aquele ódio neles, pois, embora eles tenham lhe mostrado sua deficiência, você mostrou-lhes sua perfeição. Aqueles que são amados por Deus dificilmente podem ser imperfeitos. Desse modo, vamos louvar aqueles que nos criticam, assim seus amigos vão pensar: "São os nossos amigos que estão em desacordo com os Sufis, pois os Sufis sempre falam bem de nossos amigos."

Embora eles sejam poderosos,
Arrancam suas barbas educadamente.
Firmemente quebram seus pescoços,
Embora sejam grandes e poderosos.
Que Deus nos ajude nisso!

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Algumas pessoas dizem que na alma humana há um mal não encontrado em animais e feras, mas isso não significa que as pessoas são piores do que animais. Pelo contrário, este personagem mal e as trevas da alma do ser humano escondem um elemento essencial secreto. Quanto mais precioso e nobre é esse elemento, maior é o véu para escondê-lo, e os véus não podem ser removidos sem grandes esforços. Essas lutas são de vários tipos. A maior é passar tempo com amigos que voltaram seus rostos para Deus e viraram as costas para este mundo. Não há luta mais difícil do que essa, pois a própria visão deles dissolve o nosso ego e os desejos mundanos. É por isso que se diz que se uma cobra não foi vista por nenhum ser humano durante quarenta anos ela torna-se um dragão, uma vez que ela não viu ninguém que pudesse parar o crescimento de sua própria natureza do mal.
Sempre que os homens ou as mulheres colocam um grande cadeado, isso é um sinal de algo precioso e valioso. Assim como a serpente que guarda um tesouro, não considere a feiúra de uma pessoa, mas em vez disso olhe para a preciosidade de seu tesouro.


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Ouvir algo de novo e de novo de muitas pessoas carrega a mesma autoridade que ver por si mesmo.
Por exemplo, foi-lhe dito que você nasceu de seu pai e sua mãe. Você nunca viu isso com seus próprios olhos, mas depois de ouvir isso muitas vezes de pessoas diferentes, você aceita isso como a verdade. Se lhe dissessem que eles não são seus pais, você não daria ouvidos. Da mesma forma, você já ouviu várias vezes de pessoas de confiança que Bagdá e Meca existem. Se todas essas pessoas fizessem agora um juramento de que essas cidades não existem, você não acreditaria. Portanto, quando o ouvido ouviu a mesma coisa várias vezes de muitas fontes diferentes, isso carrega a mesma autoridade do que o olho.
Da mesma forma, se alguém faz uma afirmação que é um conhecido ditado proferido geração após geração, essa não é uma afirmação única, mas é como uma centena de milhares. O que é tão surpreendente nisso? Um rei exerce a autoridade de cem mil, embora ele seja apenas um; se cem mil falassem, nada aconteceria, mas quando ele fala isso acontece imediatamente. Embora essa seja a forma do mundo externo, isso é ainda mais verdadeiro com relação ao mundo espiritual.
Você pode ter visto todo este mundo, mas sendo que você não o viu com Deus em mente, deve fazer a viagem novamente. "Essa viagem não foi por Minha causa, era por causa do alho e das cebolas. Uma vez que você não foi por Minha causa, mas por outra finalidade, então essa outra finalidade tornou-se um véu para você não permitindo que você visse a Mim." É o mesmo que procurar sinceramente por uma pessoa no bazar, você não vê mais ninguém, ou se você vê, são apenas sombras. Ou quando você está caçando a solução de um problema em um livro, seus ouvidos, olhos e mente estão repletos desse problema. Você vira as páginas, mas não vê nada mais. Uma vez que você tinha uma intenção e objeto em mente, onde quer que tenha ido, você estava preenchido desse objetivo.


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Na época de Umar, havia um certo homem que tinha envelhecido tanto que sua filha lhe dava leite e cuidava dele como uma criança. Umar disse para essa filha: "Não há viva hoje nenhuma filha que se compare a você em sua atenciosidade com seu pai." Ela respondeu: "O que você diz é verdade, mas há uma diferença entre o que ofereço e o que meu pai me ofereceu. Posso não faltar com o serviço a meu pai, mas quando meu pai me criou e me serviu ele costumava estremecer por minha segurança e com coisas relacionadas a mim, enquanto que eu sirvo meu pai e dia e noite rogo pedindo a Deus que ele morra para que o distúrbio que ele me causa chegue ao fim. Se sirvo meu pai, onde posso obter esse estremecimento que ele tinha por mim?" Umar disse: "Esta mulher é mais sábia do que Umar." Ele quis dizer: "Eu julguei pelas aparências, enquanto que ela fala do âmago."
Aqueles que são verdadeiramente sábios penetram o âmago de uma coisa e diagnosticam a verdade dela. Deus impediu que Umar não fosse informado da verdade e dos segredos das coisas, mas foi assim com os Companheiros que criticaram a si mesmos e elogiaram os outros. Há muitos que não têm a força para a "presença." Eles acham a "ausência" mais agradável.
Da mesma forma, o brilho vem do sol e ilumina o mundo, mas se as pessoas olharem a orbe do sol o dia todo isso não lhes fará bem e seus olhos ficarão cegos. Seria melhor para elas se envolver em alguma outra tarefa e deixar a presença da orbe do sol. Da mesma forma, fazer menção a pratos saborosos na presença de pessoas doentes as encoraja a ganhar força e apetite, mas o real consumo desses pratos poderia lhes fazer mal. Portanto, o estremecimento e o amor apaixonado são necessários na busca por Deus. Quem não estremece deve aguardar pelos que estremecem. Nenhuma fruta jamais cresce no tronco de uma árvore, pois os troncos não estremecem. As pontas dos ramos tremulam e o tronco suporta as pontas dos ramos e os frutos de forma segura, mesmo que contra o golpe de um machado. Sendo que o tremor do tronco da árvore seriria desastroso, é melhor para o tronco não tremer. É adequado para o tronco ficar parado para melhor servir os que tremulam. Uma vez que o nome de Amir é Mu'in al-Din, ele não é "Ain al-Din" ("A essência da Fé "), por causa do "M" acrescentado a “Ai”. “Qualquer acréscimo à perfeição é uma diminuição”. A adição desse "M" é uma diminuição. Da mesma forma, apesar de um sexto dedo ser uma adição, ainda assim é uma diminuição. Ahad ("Um") é a perfeição, e Ahmad ainda não está no estado de perfeição. Quando esse "M" é removido, torna-se a perfeição completa. Em outras palavras, Deus compreende tudo, o que quer que você adicionar a Deus é uma diminuição. O número um está contido em todos os números e sem ele nenhum número poderia existir.