sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

G. I. Gurdjieff - Duas reuniões em Paris, 1944


Gilles: Tenho pouco conhecimento de mim mesmo, especialmente de minha essência. Nunca sei como estar certo de mim mesmo. Que meio de investigação posso utilizar para saber se uma coisa vem de mim ou não?

Gurdjieff: Agora você está filosofando. É necessário começar de algo real. Agora isso é vazio para mim porque você é vazio. Você ainda não iniciou no caminho de um homem real. Isso é a edução. Sete fatores estiveram ausentes na sua formação. Posso lhe falar o primeiro. Você não foi ensinado que para você seu pai é seu Deus. Para cada homem, até uma certa idade seu pai deve ser seu Deus. Deus ama aquele que estima seu pai. Quando seu pai morre, então há um lugar no qual Deus pode entrar. Você não tem essa relação com seu pai e sua questão vem disso. Agora assuma como tarefa suprimir todos esses fatores em você que o entravam; estabeleça uma relação real com seu pai.

Sra. Debuau: Mas e se o pai for indigno, baixo?

Gurdjieff: Mesmo se ele for o pior criminoso, se ele for uma merda, o mais baixo dos homens, você deve reconhecer sua obrigação. Você não sabe porque ele se tornou assim. Aqui é uma lei. Ele criou você. Você deve sua existência a ele. E ele é responsável por sua vida em outro mundo. Se ele é o mais baixo dos homens aos olhos de todos, que assim seja, mas internamente você deve sentir sua obrigação. Você tem de restituí-lo por sua existência.

Gilles: Mas para estabelecer uma relação correta com alguém, temos que estar certos do que nós mesmos somos.

Gurdjieff: Você divide a si mesmo em duas partes. Internamente você deve não se identificar, externamente você atua um papel. Tome todas as coisas como seu guia. Sua tarefa agora é adquirir liberdade interior. Esse é o ponto de partida para ir adiante. E para isso você tem que fazer o que eu lhe disse. O que significa atuar um papel? Tente entender isso num sentido mais amplo. Faça tudo que dá prazer a ele. Se ele gosta que você senta à sua direita, sente à sua direta. Se num outro momento ele prefere o oposto, faça assim. Um papel subjetivo. Com cada pessoa o papel é diferente. Você se acostuma a cumprir obrigações. Esse é um dos aspectos do futuro de um homem livre. Não é necessário filosofar. Depois, sim. Primeiro prepare o terreno. O tereno tem sete aspectos. Depois disso, você segue como quiser. No futuro, com cada homem você deve atuar um papel, por seu egoísmo. Para fazer cada pessoa seu escravo. Você não faz o que você gosta, mas o que ela gosta.

Sra. D.: Para com nosso pai, é uma obrigação interna ou externa?

Gurdjieff: Eu disse que internamente você tem obrigações objetivas. Mas ao mesmo tempo você atua um papel com ele externamente, como com todo mundo. Isso é difícil no início, mas posteriormente você verá como tudo muda. Talvez mais tarde seu pai se tornará seu escravo, até mesmo Deus pode se tornar seu escravo.

Denise: Então atualmente não devemos fazer o que gostamos.

Gurdjieff: Você não tem tempo para satisfazer suas fraquezas. Você deve matá-las. Se você trabalhar, você não deve perder tempo com suas fraquezas. Você deve ser impiedosa.

Denise: Mesmo se o objeto for para confortar outra pessoa?

Gurdjieff: Estamos falando de nós mesmo neste momento.

Denise: Por exemplo, vivo com pessoas que falam sempre sobre devoção e ajuda mútua. Essa costumava ser a minha meta também. Agora percebo que podemos fazer muito pouco pelos outros.

Gurdjieff: É verdade, essa é uma idéia fantástica. Antes você não podia fazer nada de bom para ninguém. Agora você dá a sua palavra de não fazer nada exceto para si mesma, para colocar-se sobre suas pernas, preparar seu futuro.

Denise: Agora as pessoas consideram-me indiferente.

Gurdjieff: Então você não atuou um papel. Caso contrário elas não teriam percebido a mudança. Você está aberta. As outras pessoas não podem ver o que está acontecendo dentro de você.

Denise: São pessoas que estão sempre ao meu redor.

Gurdjieff: É exatamente com essas pessoas.

Denise: É difícil.

Gurdjieff: Coisas ruins são fáceis.

Sra. D: Quando conto para alguém algo que aconteceu comigo, sinto que o que eu disse perde a força para mim. Sinto que eu afeto os outros ao tirar coisas ruins do meu peito.

Gurdjieff: Então você atua mal seu papel.

Sra. D.: Sim, mas isso tira a força do que é ruim em mim.

Gurdjieff: Hoje você deve sacrificar tudo em prol do futuro. Todos os seus prazeres atuais. Não podemos entrar no Reino dos Céus e ao mesmo tempo comer bolos. Estabeleça boas relações com todos e aprenda a nunca se identificar. Esse será um bom instrumento para mudar a si mesma. Ao mesmo tempo isso criará em você uma certa energia que lhe permitirá trabalhar melhor. Coisas que são fáceis nunca dão energia.

Pomereu: Gostaria de saber se há alguma maneira melhor de usar a energia física do que ao fazer esportes.

Gurdjieff: Exercícios com números, nomes e assim por diante. Para fazê-los bem é necessário ter cinco vezes mais energia do que você tem.

Pomereu: Mas não fizemos esses ainda.

Gurdjieff: Bem, faça aquele que foi dado no domingo. Em meia hora eu posso bombear em você dez vezes mais energia do que você tem. Se você se sente como diz, isso mostra que você não entendeu.

Sra. D: Por um longo tempo eu não trabalhei porque achava que eu não estava fazendo o exercício de preencher o corpo da maneira correta. Então comecei outra vez.

Gurdjieff: Continue tentando. Isso vem pouco a pouco. Dez vezes pode não vir mas na décima primeira vez … você tem de fazer e fazer todos os exercícios. Primeiro você tem de ter um gosto deles e então se tornam fáceis. Siga as regras cuidadosamente, relaxe-se, e assim por diante, e isso irá ajudá-la. Mais cedo ou mais tarde você vai conseguir. Mas não devemos nos poupar.

Denise: Eu não tive realmente a sensação de preencher o corpo, mas uma sensação geral.

Gurdjieff: No início você pode usar isso.

Gerbeau: Podemos ter um conhecimento mais sutil de nossa essência? Minhas sensações misturam-se com um tipo de imaginação e com sensações muito diferentes, geralmente totalmente opostas. Como posso fazer para realizar isso melhor?

Gurdjieff: Você tem um exercício.

Gerbeau: Não consigo fazê-lo bem de modo algum.

Gurdjieff: Talvez porque você esteja pensando em outras coisas, filosofia, fantasia – você não tem nenhuma essência ainda. Você é um cãozinho, um pedacinho de cocô de um cachorro.

Gerbeau: É porque minha atenção é atraída naturalmente para coisas sutis.

Gurdjieff: Atenha-se ao dois mais dois são quatro. Você vai longe demais. Daí os mal entendidos.

A: Ainda assim de muitas maneiras permaneço no mesmo lugar.

Gurdjieff: É porque você vai à frente.

A: Relacionado ao exercício de domingo, será que não é uma questão relacionada ao sexo que me impede de fazê-lo bem?

Gurdjieff: Não filosofe. Para você especialmente, dou um exercício. Cada vez que você sentir o início de uma fraqueza, relaxe e então pense seriamente: “Desejo que o resultado de minha fraqueza torne-se minha própria força.” Isso irá acumular em você para seu trabalho futuro. Cada homem sabe que fraquezas ele tem em si. Cada vez que essa fraqueza aparecer em você, pare e faça esse exercício. É um exercício muito necessário para você. Você falará sobre isso de maneira sincera com a Madame de Salzmann um dia.

Horande: Tenho uma garotinha de quatro anos. Que papel eu deveria atuar com ela?

Gurdjieff: O papel de pai.

Horande: Mas sinto que não sou um pai real.

Gurdjieff: Seja um bom pai. Não encoraje, critique tudo, de modo que a criança não tenha imaginação. Mas internamente, você ama a criança. Dessa maneira seu amor real virá a ser.

Horande: Há momentos que eu sinto que é necessário ser severo. Em outros momentos deixo minha afeição se mostrar.

Gurdjieff: Não se deve mostra-la. Ela deve ser justa. Se você mostrar sua afeição uma vez, sua autoridade estará acabada. Você nunca deve mostrar para a criança seu ser interior. Sua fraqueza – amar, cuidar e assim por diante – deixe para todas as outras pessoas. Não você. A autoridade de um pai é algo muito importante. E dessa maneira você será um pai real.

Hignette: Não há o risco de deixar a criança muito tímida e sufocar sua personalidade?

Gurdjieff: Se ele fizer como eu expliquei, a criança não ficará assustada. Terá respeito. É uma outra qualidade de medo. Você não deve assustá-la.


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Hignette: Tenho uma turma na escola que trabalho na qual posso acompanhar os alunos bem individualmente. Alguns deles praticam o onanismo (masturbação). Como posso falar de maneira contundente para eles pararem?

Gurdjieff: Existem muitos livros nos quais essa calamidade é explicada. Encontre esses livros e leia-os para eles. Você pode reuni-los fora da sala de aula e dizer que aquele se permite fazer isso jamais será um homem real, nem um marido real. Leia para eles e advirta-os a pensar seriamente sobre isso. Sugira e prove para eles o quanto isso é danoso. Se houverem alguns que já estão habituados a isso, que não puderem ser convencidos, que não podem mais ser parados, traga-os para mim e em duas semanas eu os tiro disso – contanto que eles tenham um talão de cheques gordo.


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Gurdjieff: Quem tem alguma pergunta para fazer sobre o trabalho?

Dr. Blano: Quando faço o trabalho tenho a impressão do completo desaparecimento do meu corpo físico. Sinto duas coisas distintas, uma que é mais vasta do que minhas proporções usuais e da qual eu não conheço limites. A outra mais interna, mais limitada, capaz de me dirigir e que não tem uma forma precisa, embora seja comparável a meu corpo.
Gurdjieff: Isso que você explica agora não se parece com nosso trabalho. Se você continuar, você tem uma boa chance de logo ser um candidato para o asilo de loucos. É um estado que os espiritualistas e os teosofistas conhecem. Pare imediatamente. Você não deve esquecer que você é um corpo. Você deve sempre lembrar do seu corpo. Você ainda não possui um “eu”, nenhum “eu”. Não se esqueça disso. Apenas assim você poderá ter um futuro. Mais tarde seu corpo terá de ter um “eu” real; “eu” como qualquer homem normal deveria ter. Agora você sente a ausência do corpo, não é?
Dr. Blano: Sim.

Gurdjieff: Bem, você deve sentir seu corpo dez vezes mais. Não é necessário deixar o seu corpo. É necesário fortalecê-lo. Muitas pessoas existem como você, elas são psicopatas.
Dr. Blano: Como posso intensificar a sensação do meu corpo quando eu sentir que ele está partindo?
Gurdjieff: Lave a cabeça com água gelada. Faça uma ginástica difícil. Por exemplo, segure os braços esticados paralelos ao chão por quinze, vinte minutos, meia hora, enquanto pensa “eu sou”, “eu quero ser.” Pense isso com o corpo. Sinta o corpo. Mande embora todas as associações psicopáticas, elas são doenças, fraquezas.
Yahne: Parece-me que estou cada vez mais física. Minha única consciência é essa das minhas sensações. Na minha vida ordinária e nos meus exercícios, experimento o desconforto de estar colada às minhas funções e de não conseguir me separar delas. Como posso atingir uma vida mais espiritual?
Gurdjieff: Yahne, o que você pergunta, o que você quer, eu entendo. Você não tem o psiquismo interno do sentimento. Você quer fortalecer isso. Vou dar-lhe dois exercícios que são apenas para você, para ninguém mais. É necessário separar suas funções orgânicas de sua individualidade. Atualmente, quando você está trabalhando, quando você lembra-se de si, você tem um estado diferente do usual. É necessário separar esse dois estados. Para isso há um exercício, até mesmo toda uma série de exercícios. Aqui está o primeiro: você o realiza sentada, recostada confortavelmente numa poltrona ou num sofá. Há um ponto onde os braços estão conectados ao corpo (a região dos ombros), e um ponto onde as pernas estão conectadas ao corpo (a articulação do quadril), sinta e controle esses quatro pontos o tempo todo. Toda a sua atenção deve estar concentrada ali. Mande tudo mais para o diabo. Quando você disser “eu sou” imagine que esses quatro pontos são como quatro pilares sobre os quais está sendo suportado seu “eu sou.” Foque sua atenção, não nas extremidades nem interior do corpo. Toda a sua concentração está fixada nesses quatro locais. Faça isso por seu futuro “eu”. Para começar, aprenda a conhecer esse estado, é como uma medida, uma indicação. Você vai lembrar-se de si quando você puder sentir em esses quatro locais. Abandone todo o resto. Viva sua vida como antes. Esse é o seu único exercício, mas faça-o muito seriamente de modo que todos os momentos mais concentrados do seu trabalho estejam baseados nesses locais. Depois, você será intitulada para uma individualidade real. Essas coisas só poderiam servir de barreira entre a sua individualidade e suas ex-funções. Digo “ex” porque você deve ter uma nova qualidade de funções. O mundo todo deve ter uma nova qualidade de funções – por causa de uma vida anormal no passado. É necessário criar uma barreira. Para você, será o resultado desse exercício. Quando você sentir e estiver consciente dessa barreira, seu terreno estará preparado para um novo exercício; então você estará apta a ter um novo interior, independente, e um novo exterior, independente. Você terá um corpo normal e um psiquismo normal, sem as ex-funções anormais. Isso é apenas para ela e para ninguém mais. Não tentem fazer de curiosidade. É algo muito perigoso.
Hignette: Eu gostaria de perguntar como eu posso ter certeza de que estou lembrando de mim e de que estou trabalhando com meus três centros. Entendi, teoricamente, a necessidade dessa operação, mas gostaria de saber se existe um critério para isso.
[Pausa]
Na verdade não era bem uma questão mas uma dúvida, nem sei se valia perguntar.
Gurdjieff: Você entendeu que foi uma coisa ingênua que você perguntou? Jamais leia livros espiritualistas. Isso leva a psicopatia, a asilos de loucos. Quem tem perguntas?
Sra. Dubeau: Depois de cada vez que eu trabalho, tenho uma grande revolta e ao mesmo tempo fico muito cansada em meu corpo. O físico leva junto o psíquico e eu não consigo emergir disso.
Gurdjieff: Isso é falta de água gelada. Você não gosta de fazer isso. É uma razão importante para trazer um conflito. O organismo não gosta disso. A cabeça apenas, talvez, pede isso. Essa é a verdadeira razão para a sua revolta. Ele não sabia disso talvez, mas é assim. A cabeça procura por explicações, por razões … O corpo é muito mimado, muito indolente. Agora você tem cada dia um estado psíquico diferente. Continue por uma semana e agora com a água mais gelada.
Sra. Dubeau: E abandonei tudo dois dias atrás.
Gurdjieff: Esqueça agora que você não fez nos últimos dois dias. Seu corpo tem de pedir desculpas para seu espírito. Se ele perdoar, eu também perdoarei. Aja como se você tivesse estado doente esses dois dias. Agora eu aconselho uma coisa nova: compre todo dia, por cinco francos, um pouco de gelo e coloque na água.
Sra. Dubeau: Mas, Sr. Gurdjieff, parece-me que tudo isso que estou fazendo, toda a instrução depende da vontade da cabeça. Ela vai ficando fraca e de um momento para o outro tudo se rompe.
Gurdjieff: Sua cabeça não pode querer por muito tempo. Quando o acumulador estiver descarregado, pare. Apenas decida: eu não quero que esse animal me domine. Perdão, é seu animal indolente, é como um gato, um cachorro, um rato. Agora você sabe que você não pode estar em si mesma por um longo tempo. Tudo o que é dignificado no homem é submisso a esse animal.
Sra. Dubeau: Ainda assim, encontro boas razões para me revoltar contra o trabalho. Eu perco todas as minhas ilusões e não tenho nada tangível em troca.
Gurdjieff: O mundo todo se submete a ele. Você é parte do seu banquinho e você ainda não está sentada em outro. Sentimos muito por isso. É um estado muito ruim estar entre duas cadeiras. Confie em mim. Compre um espelho; depois disso, depois dessa, outra vida começará e outra ilusão.
Sra. Dubeau: Na vida, quando as pessoas nos causam danos, devemos dizer para nós mesmos: “eu não ligo, não é prejudicial”, ou devemos nos defender delas?
Gurdjieff: Um bom conselho: olhe para cada uma dessas ocasiões como uma maneira de trabalhar para aumentar a sua vontade. É muito fácil. Você sabe que relações você costumava ter antes, automaticamente. Hoje, responda conscientemente, se imponha conscientemente.
Sra. Dubeau: Mas da mesma maneira?
Gurdjieff: Como quiser. Bom, mau, isso não existe. Isso resultará em carregar o seu acumulador para a próxima demonstração. Quanto mais conscientemente você fizer isso, mais energia você terá e aquilo que parecia impossível para você parecerá melhor do que o esperado.
Boussique: De fato, essas últimas vezes eu tentei isso. Constatei que naquele momento eu não tinha mais identificações ou emoções negativas, que eu tinha fechado impressões de outro tipo e que eu estava me acusando..
Gurdjieff: Primeiro você deve sentir mais claramente e parar sua “idiotice”. Então você aumentará a energia no seu acumulador.
Sra. Dupré: Todos podemos fazer esse exercício?
Gurdjieff: Essa é uma boa questão. Estou feliz que você percebeu. Controle cada ato. Se você conseguir fazer conscientemente e não automaticamente, você terá um resultado bem diferente.
Aboulker: Gostaria de perguntar sobre o remorso. É muito difícil para mim sentir remorso. Por exemplo: agente imagina que ama nossos pais. O trabalho nos mostra nosso egoísmo e isso ajuda a incitar o remorso, mas para mim, não tenho tido ilusões sobre mim mesmo à um longo tempo, talvez desde os quatorze ou quinze anos. O trabalho mostrou-me que haviam coisas que eu acreditava serem totalmente egoísticas, serem algo diferente do egoísmo.
Gurdjieff: Você não pode ter o futuro que você quer sem restaurar o passado. Se você permanecer como você é, você não poderá ter futuro. Por exemplo, você diz que o trabalho mostrou-lhe uma parte em você que não é absolutamente egoística.
Aboulker: Eu não sinto, hoje, um pingo de amor por meus semelhantes.
Gurdjieff: Ah, isso e outra questão. Tome outra coisa diferente do egoísmo.
Abouker: Não tendo tido ilusões sobre os valores de meus sentimentos como filho, como irmão, essas constatações não me dão o impulso para avivar o remorso.
Gurdjieff: Você tem olhado aqui apenas para coisas grandes. É necessário olhar agora para as coisas pequenas. Sua nulidade está ligada a coisas pequenas. Algumas pequenas coisas positivas, por graus. Devemos criar um início, o egoísmo é algo muito grande.
Aboulker: Eu não quero me aventurar de uma maneira banal. É por isso que peço ajuda.
Gurdjieff: Eu entendi, doutor, eu sinceramente entendi sua necessidade. Quando você muda, quando você se torna diferente, você não pode ver isso. Quando você diz 'eu não consegui ver', quem não consegue, qual deles? Você é muitos, em você não há uma mas muitas pessoas. Tente fazer algumas estatísticas. Você é quatro pessoas. Qual pode ver, qual não pode? Quando?
Aboulker: Na grande maioria dos casos, é o eu habitual que vê o eu habitual.
Gurdjieff: O “eu habitual” não é sempre o mesmo; por exemplo, quando você comeu bem... Frequentemente falamos de três funções. Hoje lhe digo que você é quatro. Existem até mesmo sete delas ao todo. Em você, existe uma função: a do sexo. Quando uma é o chefe, quando ela dirige e governa tudo, como ela vê, ou não vê?
Aboulker: Não entendo muito bem ...
Gurdjieff: Reflita por dois dias. Não é necessário responder imediatamente. Até agora tenho falado de suas três funções, hoje falo da quarta que influencia você até mesmo mais do que a comida. A comida tem menos influência para o indivíduo do que essa quarta, do que o sexo. Hoje, seu poder está sob a subordinação dela. Você é uma função dessa coisa.
Aboulker: Como superamos isso? Não é ao “ver a nós mesmos”?
Gurdjieff: Eu lhe dei esse princípio. Talvez você tenha escolhido, para olhar em sua vida passada, uma linha em que essa qualidade de você mesmo ou de ego estava ausente. Agora eu aconselho você a convidá-la a entrar, leve-a em consideração também nas suas observações do passado. Mesmo nas suas relações com o seu pai.
Aboulker: Madame, eu não entendi totalmente o que é esse quarto fator?
Madame de Salzmann: O sexo.
Aboulker: Minha atitude com meus pacientes, a ausência de amor, o sentimento profissional. Uma vez no ano passado eu senti algo mais. Eu gostaria de encontrar isso.
Gurdjieff: Eu lhe dei uma chave para procurar no seu passado Você tem um estado sexual sempre diferente. Que resultados você tem em um estado? Que resultados em outro? Observe desse ponto de vista. Esses resultados lhe darão um valor diferente. Agora você entende?
Aboulker: Sim, senhor.
Gurdjieff: Aquele que tinha a iniciativa no passado era esse senhor. As observações irão revelar um segredo para você e esse segredo abrirá um buraco de onde irá sair o remorso de consciência.
Aboulker: Peço desculpas mas sempre temo de não ser compreendido.
Gurdjieff: Às vezes tenho a aparência de não ter entendido. É porque eu quero levar você a entender algo mais.
Aboulker: Temo que as pessoas estejam rindo de mim.
Gurdjieff: Eu não desferi nem um único golpe no seu corpo com meus pés. Doutor, quero fazê-lo ver na sua vida dois lados: um lado imundo, e o outro mais imundo ainda. O que me interessa é que você veja a si mesmo. Eu não desejo nem mesmo dar-lhe o impulso para isso. Ele deve vir de você, apenas de você. Até a próxima vez você deve pensar sobre essa nova idéia que lhe dei. Você colocará suas questões para mim novamente depois; talvez eu responderei a você à sós.
Sra. De Gaigeron: Eu gostaria de saber de onde vem essa voz interna que dita para nós o que devemos fazer e que é mais segura e estável que o instinto.
Gurdjieff: Philip, como vai? Você cresceu mais um pouco de novo. Três meses de ausência, agora você está totalmente mudado. Quando não vemos nossos filhos por um certo tempo, notamos que eles cresceram. Distinguo muitos filhos que se tornaram jovens mulheres, homens. Há alguns que até envelheceram.