sábado, 30 de outubro de 2010

Nisargadatta Maharaj - Março e Abril de 1981



29 de março de 1981


Pergunta: Se a consciência em todas as formas diferentes é idêntica, por que, então, os pensamentos e as ações diferem de um ser humano para o outro?

Maharaj: Os pensamentos e as ações pertencem ao corpo-mente e o corpo-mente é a essência dos cinco elementos. A natureza da forma depende dos vários graus dos cinco elementos e dos três gunas. Os pensamentos e as ações dependem do condicionamento recebido desde o momento que a consciência surgiu ali. Sem a consciência, haveria apenas formas mortas.

A consciência e o corpo são mantidos em funcionamento pelos alimentos e remédios que consumimos. Em cada forma os pensamentos, as palavras e as ações dependem não apenas do condicionamento que a forma recebeu depois que foi criada, mas também dependem até mesmo do condicionamento no momento da concepção. A consciência estava latente naquela química pré-natal.

Que incrível é o fato de a pessoa identifica-se com o corpo. A quanto tempo você vem seguindo a espiritualidade?

P: Há quarenta anos. Estive seguindo o “Quem sou eu?” do Ramana Maharshi e li o livro dos ensinamentos do Maharaj.

M: Até aí, muito bom. O que você entende do seu próprio Ser? O que você é?

P: A consciência.

M: O Definitivo é anterior a qualquer experiência. O “sentido de eu sou” (I amness) é o início da experiência. No Definitivo apareceu o “sentido de conhecer” (knowingness) e a questão surgiu: “Quem, ou o que, sou eu?” Esse sentimento de ser não é colorido por forma. É apenas um sentimento de “eu sou”. Essa foi a primeira experiência.

P: Isso é Maya.

M: Por que você não obtém uma resposta para “quem sou eu”, você dá a resposta que isso é Maya. Você não pode capturar isso através de uma resposta. Com o que você se identifica?

P: Eu sou o Brahman.

M: Essa não é a sua experiência direta. Você está apenas repetindo o que leu e ouviu. O que você pensa que você é?

P: Eu experimentei …

M: A experiência pode ocorrer quando o “sentido de eu sou” está aí, mas antes dessa experiência “eu sou”, qual era o estado?

P: Eu não sei.

M: Estou falando para você porque você tem a sabedoria para entender.

P: Eu posso parar esse “sentido de eu sou” e estar antes do “sentido de eu sou”?

M: Que processo natural você pode parar? Tudo é espontâneo. Atualmente você está na consciência, que está ativa, vibrante. Não pense que você é algo separado dessa consciência ativa e vibrante. Você, a consciência, é o produto da comida consumida.

No nível da consciência ativa, que é o Ser e que é atividade, não pode haver identidade de um corpo.

P: Como posso ser convencido disso?

M: Quando você permanece quieto em seu Ser, você recebe a convicção. Você permanece em quietude.



6 de abril de 1981


Pergunta: Quando sento-me aqui fazendo perguntas para você, sinto-me em paz. Isso não é um sinal que mostra progresso?

Maharaj: Do que você esta falando? Você está falando coisas do nível do jardim da infância. Não vou me dirigir a você como um estudante da classe mumuksha, vou dirigir-me para a classe do sadhaka. Há quanto tempo você pratica a espiritualidade?

P: Desde a infância, pois minha família vem praticando espiritualidade já há gerações, portanto tenho a espiritualidade como um hobby.

M: Muito bom. No entanto, você ainda está no nível do jardim da infância. A única solução para você é abandonar sua identidade com o corpo-mente.

P: Sei de tudo isso intelectualmente, mas não experimento assim, por isso venho para o satsang.

M: O que você quer dizer com satsang? Isso é apenas um jargão espiritual convencional. Agora você sai daqui com a idéia “eu sou Brahman, sem nenhuma forma ou desenho e sem nenhuma inclinação mental. Eu sou a consciência manifesta.” Quando perceber que você é sem forma, não haverá casta ou credo para você, não sobrarão conceitos.

O mumukshu está no jardim da infância, ele é inclinado espiritualmente mas está identificado com o corpo-mente. O sadhaka é aquele que desidentificou-se do corpo-mente. O Siddha é aquele que estabilizou-se no conhecimento “eu sou” e nesse processo transcendeu-o. Nesta jornada você sabe muito bem onde você está.


[Falando para outra pessoa] A mãe deste jovem estava em seu leito de morte, mas eu disse com convicção que ela não iria morrer. Isso aconteceu anos atrás e hoje ela ainda está viva. A mãe dele estava tão convencida de que iria morrer que comprou algumas flores específicas que ela gostava para o seu funeral. Eu ordenei que ela levantasse que fosse preparar um chá para mim.

Naquela época, minha atitude era “eu sou o Brahman”, hoje em dia essa atitude foi descartada. Naquela época eu tinha uma firme convicção que qualquer coisa que eu coloca-se a mão tomaria forma, o que eu quisesse aconteceria.

Neste mesmo local muitas coisas aconteceram. Os Bhajans têm acontecido aqui desde 1932. Eu fui o primeiro inquilino no prédio Vanmali.


[Houveram mais conversas sobre outros milagres que aconteceram ali. Muitos milagres aconteceram em torno de Maharaj, mas ele nunca se ocupava em falar do passado ou do futuro]


M: As pessoas vinham aqui esperando resolver seus problemas e quando eu perguntava por que elas tinham vindo, elas simplesmente relatavam seus problemas. Eu lhes dizia: “O próprio fato de você ter vindo aqui significa que seu problema está fadado a se resolver. Você pode ir.” Agora todos vocês estão vindo aqui, quem os está atraindo para cá? É o seu próprio sentido de ser (beingness). Vocês são atraídos para este lugar por causa de uma certa qualidade em vocês. Você estão se estabilizando no estado mais elevado. Não é uma atração mundana que os traz aqui. Nem vocês nem ninguém mais sabe nada sobre essa atração. A atração para vocês é por estar em sua morada eterna, esse é o lar de vocês. Quando essa atração surge, vocês vêm aqui.


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22 de abril de 1981

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Maharaj: O universo inteiro é experimentado na consciência "eu sou". Se isso não estiver aí, o que mais pode existir? Essa consciência está tocando um tambor, todos são levados pelo som do tambor. Quem procura pelo tamborileiro? Que está batendo e tocando o tabor? É tão incrível que ninguem nem mesmo olhe de relance para essa centelha de consciência.

Pergunta: Quando me estabilizo na consciência, isso é meditação?

M: Quem está estabilizando? Não é a própria consciência?

Esta moça compreendeu sua natureza. Tudo se deve à fé dela no Guru. Qualquer coisa que se refira a mim é sagrado para ela. A menos que você tenha uma fé assim no Guru você não alcançará a fé no seu Ser. Algumas pessoas vão de um swami a outro, para quê? Para lamber suas sobras. Se elas lambessem suas próprias sobras, quão melhor seria.

Firme-se à sua própria consciência, permaneça nela. Todo o fardo de seus conceitos você deveria fundir em sua consciência, mas não use sua consciência para construir edifícios de conceitos.

P: Os hábitos são uma grande força que nos fazem nos perder, não são?

M: O hábito de considerar o Ser como sendo o corpo influenciou a todos demasiadamente. O conhecimento 'eu sou' é o seu Guru, esteja nele.

Quem é esse que canta o bhajan? É o intelecto desse Guru - quem é você, um intruso? É claro, a ação de todo mundo depende desse intelecto, mas quando esse intelecto atinge o seu ápice, ele funde-se em Parabrahman.

Vocês todos continuam a escrever um diário de seus prórpios conceitos - eu lhes digo, finalmente, é totalmente inútil. Isso servirá apenas como um instrumento de aprisionamento.

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7 de março de 1981



Pergunta: Ao seguir o que Maharaj diz, o resultado pode ser um tipo de comportamento que será considerado peculiar no mundo.

Maharaj: O comportamento de quem? E considerado peculiar por quem? Tudo o que existe é a essência dos cinco elementos. Através dessa apercepção, a natureza dos cinco elementos não vai mudar. A essência dos cinco elementos é esse sentido de presença momentâneo, enquanto comparado com a eternidade.

Você vem aqui com um sentimento de amor com relação a mim e você vai se beneficiar na medida em como você me perceber. Se continuar a me ver como um indivíduo, essa será a medida do seu benefício. Se você me ver como eu vejo a mim mesmo e como vejo você, essa será a medida ulterior de seu benefício. O estado real é aquele estado que era anterior ao aparecimento da consciência. Muito poucos irão chagar a esse estado. A maioria de vocês não irá querer ir além da identificação com uma entidade ou um corpo.

Essa identificação que vem mudando desde a infância até o seu presente estado e que continuará mudando no curso do tempo, é puramente sazonal.

Você se identifica com o corpo por força de boatos. Seus pais lhe falaram que você nasceu numa certa data e que este corpo é o que você é. Então, baseado em boatos você formou sua identidade com uma certa imagem. Você pode pensar que agora você se tornou um jnani e que conhecerá sua identidade muito bem, mas muito frequentemente isso é um caso de engano sensorial. Qualquer que seja sua imagem de si mesmo não será nada além de um conceito.

Apenas compreenda o que você é e prossiga sua vida cotidiana da melhor maneira que puder.

P: A devoção diária (puja) é observada aqui?

M: Sim. Aqui o adorador é a consciência e o objeto da adoração é também a consciência.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Bhagavan Ramana Maharshi - Anubhava & Arudha (experiência e aquisição)


Anubhava (Experiência)


1. O que é a luz da consciência?
É a existência-consciência auto-luminosa que revela àquele que vê, o mundo dos nomes e formas, tanto dentro quanto fora. A existência dessa existência-consciência pode ser deduzida pelos objetos iluminados por ela. Ela não se torna o objeto da consciência.
2. O que é conhecimento (vijnana)?
É aquele estado tranquilo de existência-consciência que é experimentado pelo aspirante e que é como o oceano sem ondas ou o éter imóvel.
3. O que é graça?
É a experiência de alegria (ou paz) no estado de vijnana, livre de todas as atividades e semelhante ao sono profundo. Também é chamada de estado de kevala nirvikalpa (permanecer sem conceitos).
4. Qual é o estado além da graça?
É o estado de incessantes paz de espírito que é encontrado num estado de absoluta tranquilidade, Jagrat-sushupti (literalmente, dormir com consciência) que se assemelha a um sono profundo inativo. Nesse estado, apesar da atividade do corpo e dos sentidos, não há consciência externa, como uma criança imersa no sono (que não está consciente do alimento que lhe é dado por sua mãe). Um yogi que está neste estado está inativo mesmo quando engajado em atividades. Isso também é chamado de Sahaja nirvikalpa samadhi (estado natural de absorção em si mesmo sem conceitos).
5. Que autoridade há para dizer que todos os mundos, móveis e imóveis dependem de nós mesmos (de nosso ser)?
O Ser significa o ser encarnado. É só depois que a energia, que estava latente no estado de sono profundo, emerge com a idéia de "eu" que todos os objetos são experimentados. O Ser está presente em todas as percepções como o percebedor. Não existem objetos a serem observados quando o "eu" está ausente. Por todas essas razões, pode-se dizer sem dúvida que tudo sai do Ser e volta para o Ser.
6. Uma vez que os corpos e os seres que os animam estão em toda parte sendo de fato observados como sendo inúmeros, como pode-se dizer que o Ser é apenas um?
Se a idéia "eu sou o corpo" é aceita, os seres são múltiplos. O estado no qual essa idéia desaparece é o Ser, pois nesse estado não há outros objetos. É por essa razão que o Ser é considerado como apenas um.
7. Qual é a autoridade para dizer que Brahman pode ser apreendido pela mente e ao mesmo tempo que não pode ser apreendido pela mente?
Ele não pode ser apreendido pela mente impura, mas pode ser apreendido pela mente pura.
8. O que é mente pura e mente impura?
Quando o poder indefinível de Brahman separa-se de Brahman e, em união com o reflexo da consciência (Chidabhasa) assume várias formas, ele é chamado de mente impura. Quando ele se torna livre da reflexão da consciência (abhasa), através da discriminação, é chamado de mente pura. Seu estado de união com Brahman é a sua apreensão do Brahman. A energia que é acompanhada pela reflexão da consciência é chamada de mente impura e seu estado de separação de Brahman é a sua não apreensão de Brahman.
9. É possível superar, mesmo enquanto o corpo existe, o karma (prarabdha) que é dito durar até o fim do corpo?
Sim. Se o agente (o fazedor) do qual o karma depende, ou seja, o ego, que passou a existir entre o corpo e o Ser, se fundir em sua fonte e perder sua forma, poderá o karma que depende somente dele sobreviver? Portanto, quando não há 'eu' não existe karma.
10. Sendo que o Ser é a existência e a consciência, qual é a razão de descrevê-lo como diferente do existente e do inexistente, do sensciente e insensciente?
Embora o Ser seja real, uma vez que engloba tudo, não dá espaço para perguntas envolvendo dualidade sobre a sua realidade ou irrealidade. Por isso, Ele é dito ser diferente do real e do irreal. Da mesma forma, mesmo que Ele seja a consciência, sendo que não há nada para ele conhecer ou fazer-se ser conhecido, diz-se que Ele é diferente do sensciente e do insensciente.



Arudha (Aquisição)

1. O que é o estado de aquisição do conhecimento?
É a permanência firme e sem eforço no Ser onde a mente que se tornou um com o Ser não mais emerge subsequentemente em nenhum momento. Ou seja, assim como todas as pessoas normal e naturalmente têm a idéia: 'Eu não sou uma cabra, nem uma vaca, nem qualquer outro animal, mas sou um ser humano', quando a pessoa pensa a respeito do seu corpo, assim também quando tem a idéia: 'Eu não sou os princípios (Tattwas) que começam com o corpo e terminam com o som (nada), mas sou o Ser que é consciência, existência, e graça, a autoconsciência inata (atma prajna)', é dito que ela atingiu firme conhecimento.
2. A qual dos sete estágios de conhecimento (jnana bhoomikas*) pertence o sábio (jnani)?
Ele pertence ao quarto estágio.
* Os sete bhoomikas jnana são: (I). subheccha (o desejo pela iluminação); (Ii). vicharana (inquirição); (Iii). tanumanasa (mente tênue); (Iv). satwapatti (autorealização); (V). asamsakti (desapego); (Vi). padarthabhavana (não-percepção dos objetos); (Vii). turyaga (transcendência);
Aqueles que atingiram os quatro últimos bhoomikas são chamados brahmavid, brahmavidvariya brahmavidvara e brahmavidvaristha respectivamente.
3. Se é assim, porque há três fases superiores à essa?
As marcas do quarto ao sétimo estágio baseam-se na experiência da pessoa realizada (jivanmukta). Não são estados de conhecimento e de liberação. No que diz respeito ao conhecimento e à liberação nenhuma distinção é feita nesses quatro estágios.
4. Se a liberação é comum a todos, porque somente o varistha (o mais excelente) é execivamente louvado?
A experiência comum de grça do varistha é exaltada somente por causa do mérito especial adquirido por ele em seus nascimentos anteriores, que são a causa disso.
5. Como não há ninguém que não deseje experimentar constante bem-aventurança, por que todos os sábios (jnanis) não atingem o estado de varistha?
Não é um estado para ser atingido por mero desejo ou esforço. O karma (prarabdha) é a sua causa. Uma vez que o ego morre junto com sua causa mesmo no quarto estágio (bhoomika), que agente estará lá além desse estágio para desejar algo ou fazer esforços? Enquanto fizerem esforços não serão sábios (jnanis). Os textos sagrados (srutis) que especialmente mencionam o varistha dizem que os outros três são pessoas não iluminadas?
6. Se alguns textos sagrados dizem que o estado supremo é aquele no qual os órgãos dos sentidos e da mente são completamente destruídos, como é possível que esse estado seja compatível com a experiência do corpo e com os sentidos?
Se assim fosse não haveria qualquer diferença entre esse estado e o estado de sono profundo. Além disso, como pode-se dizer que ele é o estado natural quando existe em um momento e não em outro? Isso acontece, como foi dito antes, para algumas pessoas de acordo com seu karma (prarabdha) por algum tempo ou até a morte. Não pode ser considerado propriamente como o estado final. Se pudesse, isso significaria que todas as grandes almas e o Senhor, que foram os autores dos trabalhos do Vedanta (jnana granthas) e os Vedas, eram pessoas não-iluminadas. Se o estado supremo é aquele em que nem os sentidos nem a mente existem e não o estado em que eles existem, como poderia ser o estado perfeito (paripurnam)? Como o karma é o único responsável pela atividade ou pela inatividade dos sábios, as grandes almas têm declarado apenas o estado de Sahaja nirvikalpa (o estado natural sem conceitos) como sendo o estado final.
7. Qual é a diferença entre o sono profundo normal e o sono profundo desperto (Jagrat sushupti)?
No sono ordinário não apenas não há pensamentos como também nenhuma consciência. No sono profundo acordado há apenas a consciência. É por isso que é chamado de despertar enquanto dorme, ou seja, o sono em que há consciência.
8. Porque o Ser é descrito como o quarto estado (turiya) e também além do quarto estado (turiyatita)?
Turiya significa aquilo que é o quarto. Os experimentadores (jivas) dos três estados de vigília, sonho e sono profundo, conhecidos como Taijasa, visva e prajna, que vagueiam sucessivamente nesses três estados, não são o Ser. É com o objetivo de tornar isso claro, ou seja, que o Ser é aquilo que é diferente deles e que é a testemunha desses estados, que ele é chamado de o quarto (turiya). Quando isso é conhecido, as três experiências desaparecem e a idéia de que o Ser é uma testemunha, de que é o quarto, também desaparece. É por isso que o Ser é descrito como além do quarto estado (turiyatita).
9. Que benefício o sábio obtém dos livros sagrados (srutis)?
O sábio que é a personificação das verdades mencionadas nas escrituras não tem nenhuma necessidade delas.
10. Existe alguma ligação entre a obtenção de poderes sobrenaturais (siddhis) e a liberação (mukti)?
Apenas a inquirição iluminada conduz à libertação. Os poderes sobrenaturais são todos aparências ilusórias criadas pelo poder de maya (mayashakti). A autorealização que é permanente é a única aquisição verdadeira (siddhi). Aquisições que aparecem e desaparecem, sendo o efeito de maya, não podem ser reais. São adquiridas com o objetivo de desfrutar de fama, prazeres, etc E vêm sem serem requisitados para algumas pessoas através do seu karma. Saiba que a união com Brahman é o objetivo real de todas as aquisições. Esse é também o estado de liberação (aikya mukti), conhecido como união (sayujya).
11. Se essa é a natureza da libertação (moksha) porque é que algumas escrituras conectam-na com o corpo e dizem que a alma individual pode alcançar a liberação somente enquanto ela estiver no corpo?
É somente se o aprisionamento é real que a liberação e a natureza de suas experiências têm de ser consideradas. O Ser (Purusha) não tem realmente aprisionamento em nenhum dos quatro estados. Sendo o aprisionamento apenas uma suposição verbal de acordo com a proclamação enfática do sistema de Vedanta, como a questão da liberação, que depende da questão do aprisionamento, pode surgir quando não existe aprisionamento? Sem conhecer essa verdade, investigar a natureza da escravidão e da libertação, é como inquirir sobre uma altura ou uma cor inexistente, ou sobre o filho de uma mulher estéril ou os chifres de uma lebre.
12. Se assim é, as descrições da escravidão e libertação encontradas nas escrituras não tornam-se irrelevantes e irreais?
Não. Pelo contrário, a ilusão do aprisionamento fabricada pela ignorância desde tempos imemoriais só pode ser removida pelo conhecimento, e por isso o termo "liberação" (mukti) tem sido geralmente aceito. Isso é tudo. O fato de as características da liberação serem descritas de diferentes formas prova que são imaginárias.
13. Se esse é o caso, não são todos os esforços, como o estudar, ouvir os ensinamentos, refletir, etc, inúteis?
Não, eles não são. A firme convicção de que não há aprisionamento e nem liberação é o propósito supremo de todos os esforços. Como esse propósito de ver descaradamente, através da experiência direta, que o aprisionamento e a liberação não existem, não pode ser alcançado, exceto com o auxílio das práticas citadas, esses esforços são úteis.
14. Existe alguma autoridade para dizer que não há aprisionamento e nem liberação?
Isto é decidido por força da experiência e não apenas por força das escrituras.
15. Se isso é experimentado, como fazemos para experimentar?
"Liberação" e "aprisionamento" são meros termos linguísticos. Eles não têm realidade própria. Portanto, não podem funcionar por conta própria. É necessário aceitar a existência de alguma coisa básica da qual eles são modificações. Se alguém pergunta: 'para quem existe aprisionamento e liberação?' Verá que: 'são para mim'. Se a pessoa pergunta: 'Quem sou eu? ', verá que não há tal coisa como o 'eu'. Será, então, tão claro como um fruto amalaka em sua mão que o que resta é o seu Ser real. Como essa verdade será natural e claramente experimentada por aqueles que deixarem de lado meras discussões verbais e inquirirem para dentro de si mesmos, não há dúvida de que todas as pessoas realizadas, uniformemente não vêem nem escravidão nem liberação para o Ser verdadeiro.
16. Se realmente não há escravidão nem a libertação qual é a razão para a experiência real de alegrias e tristezas?
Eles parecem ser reais somente quando a pessoa se desvia da sua natureza real. Elas realmente não existem.
17. É possível para todos conhecermos diretamente, sem dúvida, o que é exatamente a nossa verdadeira natureza?
Sem dúvida é possível.
18. Como?
A experiência de todas as pessoas é que mesmo nos estados de sono profundo, desmaio, etc - quando o universo inteiro, móvel e imóvel, começando com a Terra e terminando com o não-manifesto (prakriti), desaparece, - ela mesma não desaparece. Portanto, o estado de puro ser que é comum a todos e que é sempre experimentado diretamente por todos é nossa verdadeira natureza. A conclusão é que todas as experiências no estado iluminado, bem como no estado ignorante, que podem ser descritas por palavras e mais palavras, são opostas à nossa natureza real.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Philokalia - São Gregório Palamas - A Ciência Natural e Teológica


A ausência das paixões e a posse das virtudes constituem o amor por Deus, pois a aversão ao mal que resulta na ausência das paixões introduz no seu lugar o desejo pela aquisição de bênçãos espirituais. Como poderia o amante e possuidor de tais bênçãos não amar a Deus acima de tudo, o Mestre que é a própria Benedição, o único provedor e guardião de tudo o que bom? Pois de uma maneira especial tal pessoa está em Deus e por meio do amor ela também carrega Deus dentro de si, de acordo com as palavras: “Aquele que habita no amor habita em Deus e Deus habita nele” (1João4:16). Desse modo podemos ver que o amor por Deus é gerado das virtudes e que as virtudes são nascidas do amor. Por essa razão o Senhor disse em um ponto do Evangelho: “Aquele que possui Meus mandamentos e os guarda é aquele que ama a Mim” (João 14:21), e em outro ponto: “Aquele que Me ama guardará Meus mandamentos”(14:23). Mas sem o amor os trabalhos das virtudes não são louváveis e lucrativos para o homem que os pratica e o mesmo é verdade do amor sem os trabalhos. São Paulo deixa isso plenamente claro com referência aos trabalhos quando escreve nos Coríntios: “Se faço isso e aquilo mas não tenho amor, não me vale de nada” (I Cor.13:1); e com referência ao amor o discípulo especialmente amado por Cristo escreve: “Não amemos em palavra ou língua mas em ação e verdade” (I João 3:8).

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O sublime e venerável Pai é o Pai da própria Verdade, ou seja, do Único Filho gerado; e o Espírito Santo é um Espírito da verdade, como o Logos da verdade proclamou (João 14:17). Aqueles que adoram o Pai 'em Espírito e Verdade' e que crêem adequadamente, são ativados por Eles. Como diz São Paulo: “é através do Espírito que adoramos e oramos” (Rom.8:26), enquanto que o Único Filho gerado de Deus diz: “Ninguém vem ao Pai exceto através de Mim” (João 14:6). Dessa forma aqueles que adoram o Pai supremo 'em Espírito e Verdade' são os verdadeiros adoradores.

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'Deus é espírito e aqueles que O adoram devem adorá-Lo em espírito e em verdade' (João 4:24) – isto é, ao conceber o incorpóreo incorporeamente. Pois assim irão verdadeiramente contemplá-Lo em toda parte em Seu espírito e Sua verdade. Uma vez que Deus é espírito Ele é incorpóreo. Aquilo que é incorpóreo não está situado em um lugar, nem é circunscrito por fronteiras espaciais. Portanto aquele que clama que Deus deve ser adorado em alguns lugares restritos dentro da plenitude do céu e da Terra não fala e nem adora verdadeiramente. Sendo incorpóreo, Deus não está em nenhuma parte, como Deus Ele está em todo lugar. Pois se houvesse uma montanha, um lugar ou uma criatura em que Deus não estivesse, Ele seria circunscrito por algo. Portanto, Ele está em toda parte, uma vez que não tem limites. Mas como Deus pode estar em toda parte? É por estar englobado não pela parte mas pelo todo? Certamente não, senão mais uma vez Ele seria um corpo. Portanto, uma vez que Ele sustenta e abarca todas as coisas, em Si mesmo Ele está em toda parte e também além de todas as coisas, e é adorado por seus adoradores verdadeiros em Seu Espírito e Sua Verdade (Joaõ 4:23).

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Sendo que os anjos e as almas são seres incorpóreos, eles não estão em um lugar particular, ainda assim também não estão em toda parte. Eles não sustentam todas as coisas e são eles mesmos dependentes Daquele que os sustenta. Assim, eles também estão Naquele que sustenta e abarca todas as coisas e são apropriadamente delimitados por Ele. A alma, uma vez que sustenta o corpo com o qual ela é criada, está em toda parte no corpo, ainda assim não num sentido de estar localizada em um determinado lugar ou delimitada, mas ela mesma sustenta, engloba e vivifica o corpo, pela virtude do fato de que ela existe à imagem de Deus.

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O homem é criado mais perfeitamente à imagem de Deus do que os anjos, por possuir em si um poder sustentador e vivificante e porque ele tem a capacidade para a soberania. Existe dentro da natureza de nossa alma uma faculdade regente e reguladora e há também aquilo que é subserviente e obediente, isto é, a vontade, o apetite, as percepções sensoriais e em geral tudo o que é subsequente ao intelecto e que foi criado por Deus junto com o intelecto. E essas coisas podem ser chamadas de subservientes mesmo que, incitados por uma disposição que é amante dos pecados, nos rebelemos não apenas contra o Deus Todo-Dominante mas também contra o poder regente inerente em nossa natureza. Assim, Deus, por virtude da nossa capacidade de soberania, deu-nos senhoria sobre toda a Terra. Mas os anjos não tem um corpo unido a eles e sujeito à seu intelecto. Os anjos que caíram adquiriram uma volição inata que é perpetuamente má, enquanto que os anjos bons possuem uma volição que é perpetuamente boa, e em ambos os casos não têm a necessidade de um cabresto.

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Aonde podemos aprender algo certo e verdadeiro sobre Deus, sobre o mundo como um todo e sobre nós mesmos? Não é no ensinamento do Espírito Santo? Pois esse ensinamento nos mostrou que Deus é o único Ser que realmente é – o único Ser eterno e imutável – que não recebe ser do não-ser e nem retorna ao não-ser; que é tri-hipostático e Todo Poderoso e que através de Seu Logos trouxe todas as coisas da não-existência (do não-ser) em seis dias, ou, como Moisés afirma, criou-as instantaneamente. Pois ouvimos ele dizer: “Em primeiro lugar Deus criou o Céu e a Terra” (Gen.1:1). E Ele não os criou totalmente vazios ou sem alguns corpos intermediários. Pois a terra foi misturada com água e cada uma delas foi engravidada com o ar e com as várias espécies de plantas e animais, enquanto que os céus engravidaram com várias luzes e fogo, e assim com os Céus e a Terra todas as coisas receberam sua existência. Portanto, primeiro de tudo Deus criou os Céus e a Terra como um tipo de substância material todo-abrangente com a potencialidade de dar a luz a todas as coisas.

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Para um homem conhecer a Deus e conhecer a si mesmo e a sua classificação apropriada, um conhecimento possuído por Cristãos que são considerados incultos é superior à ciência natural, à astronomia e toda a filosofia relacionada a tais assuntos. Ademais, nosso intelecto saber sobre sua própria enfermidade e buscar uma cura para isso, é incomparavelmente superior do que saber e procurar pela magnitude das estrelas, dos princípios da natureza, a geração das coisas terrestres e os circuitos dos corpos celestes, seus solstícios e ascensões, estações e retrogressões, separações e conjunções e, resumindo, todas as multiformes relações que surgem dos diferentes movimentos nos céus. Pois o intelecto que reconhece sua própria enfermidade descobriu aonde entrar a fim de encontrar a salvação e como se aproximar da luz do conhecimento e receber a sabedoria verdadeira que não termina com o presente mundo.

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Cada natureza espiritual e noética, seja angélica ou humana, possui vida como sua essência, por meio da qual continua imortal em sua existência e não admite dissolução. Mas a natureza espiritual e noética em nós tem a vida não apenas como sua essência mas também como sua atividade, sendo que ela vivifica o corpo unido a ela. Por essa razão ela também é chamada de - a vida do corpo. E quando é chamada de vida do corpo, é chamada de vida com referência a algo diferente e é uma atividade de nossa natureza, pois quando relativo a algo diferente, não pode nunca ser chamada de uma essência em si mesma. A natureza noética dos anjos, entretanto, não possui a vida como uma atividade desse tipo, pois ela não recebeu de Deus um corpo terreno e não foi unida a ele de tal maneira a ter um poder vivificante relacionado a si. No entanto a natureza deles pode admitir opostos, isto é, bem e mal. Isso é confirmado pelo fato de anjos do mal terem caído por causa de seu orgulho. Assim, os anjos são de certa maneira compostos, sendo formados de suas essências e de uma dessas qualidades contrárias de virtude ou vício. Desse modo, é evidente que mesmo os anjos não têm a bondade como sua essência.

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A alma de cada animal não imbuído de inteligência é a vida do corpo que ela anima, ela não possui vida como como essência mas como atividade, uma vez que aqui vida é relativo e não algo em si mesmo. De fato, a alma dos animais consiste de nada além daquilo que é estimulado pelo corpo. Desse modo, quando o corpo dissolve, a alma inevitavelmente dissolve também. Sua alma não é menos mortal do que o corpo, sendo que tudo o que ela é, relaciona-se e refere-se ao que é mortal. Então quando o corpo morre a alma também morre.

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A alma de cada homem é também a vida do corpo que ela anima, e possui uma atividade vivificante em relação a algo mais, ou seja, ao corpo que ela vivifica. Ainda assim, a alma tem a vida não apenas como uma atividade mas também como sua essência, uma vez que é auto-existente, pois ela possui uma vida espiritual e noética que é evidentemente diferente da vida do corpo e daquilo que é estimulado pelo corpo. Assim, quando o corpo dissolve a alma humana não perece com ele, e não apenas não perece mas continua a existir imortalmente, sendo que ela não é manifesta apenas em relação a algo mais, mas possui sua própria vida como sua essência.

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A alma espiritual e noética possui vida como sua essência, ainda assim pode admitir contrários, quer dizer, bem e mal. Portanto, é evidente que ela não tem a bondade como sua essência e nem o mal também, ambos existem como qualidades e quando algum deles está presente é porque a alma o escolheu. Eles estão presentes não com respeito ao lugar, mas quando quer que a alma noética, tendo recebido livre arbítrio de seu Criador, inclina-se para um ou para o outro e deseja viver de acordo com ele. Desse modo, a alma noética e espiritual é de certa forma composta, mas não por conta da atividade mencionada acima, pois essa atividade está relacionada a outra coisa, isto é, ao corpo e dessa forma não produz por natureza o que é composto. A alma é composta por conta de sua própria essência e a presença nela de uma das duas qualidades contrárias – bem e mal – das quais acabamos de falar.

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O Intelecto supremo, o Bem extremo, a Natureza que transcende a vida e a divindade, sendo totalmente incapaz de admitir oposto de maneira alguma, claramente possui bondade não como uma qualidade mas como essência. Assim, tudo o que podemos conceber como bom é para ser encontrado Nele, ou ainda, o Intelecto supremo tanto é esse bem quanto ultrapassa a bondade. E tudo o que podemos conceber como estando no Intelecto é bom, ou, de preferência é a bondade e uma Bondade que transcende a bondade. A vida também é encontrada Nele, ou melhor, o Intelecto é vida, pois a vida é algo bom e a vida que está no Intelecto é bondade. E a Sabedoria está nele, ou melhor, o Intelecto é Sabedoria, pois a Sabedoria é algo bom e a Sabedoria que está no Intelecto é bondade. E é o mesmo com a eternidade, a bem-aventurança e tudo o que pudermos conceber como bom. Não há distinção entre vida, sabedoria, bondade e assim por diante, pois essa Bondade abarca todas essas coisas compreensivamente, unitivamente com extrema simplicidade, e concebemos e chamamos Ele de Bondade por possuir a virtude de englobar toda forma de bondade. Qualquer bondade que pudermos conceber e atribuir a Ele é uma e verdadeira. Ainda assim, essa Bondade não é apenas aquilo que é verdadeiramente concebido por aqueles que percebem com um intelecto imbuído com Sabedoria divina e que falam de Deus com uma língua movida pelo Espírito; ela é também inefável, incompreensível e transcende essas coisas e não é inferior à simplicidade unitiva e supranatural, pois a Bondade absoluta e transcendente é uma. É apenas por isso, ou seja, que Ele é Bondade absoluta e transcendente, possuindo a bondade como Sua essência, que o Criador e Senhor da Criação é intelectualmente percebido e descrito, e isso somente nas bases de Suas energias que são direcionadas para a criação. Assim, o que Deus admite de maneira nenhuma é contrário à bondade, sendo que não há nada contrário no que concerne à essência.

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A Bondade que flui por meio da geração da Fonte da bondade noética é o Logos. Mas nenhuma pessoa inteligente poderia conceber um Logos ou uma porção de Inteligência que é sem vida ou sem espírito. Portanto, o Logos, Deus vindo de Deus, possui o Espírito Santo que brota junto Consigo do Pai. O Espírito do Logos supremo é um tipo de anseio inefável e intenso, ou eros, experimentado pelo Procriador pelo Logos nascido inefavelmente Dele, um anseio experimentado também pelo amado Logos e Filho do Pai por seu Progenitor, mas o Logos possui esse amor pela virtude do fato de que ele provém do Pai no próprio ato através do qual Ele povém do Pai e Ele reside co-naturalmente Nele. É por meio do discurso do Log0s conosco através de Sua encarnação que aprendemos qual é o nome do modo distinto do Espírito vir a ser do Pai e que o Espírito não apenas pertence ao Pai mas também ao Logos. Pois Ele diz: 'O Espírito da Verdade, que procede do Pai' (João 15:26), de modo que podemos saber que do Pai vem não somente o Logos - que é gerado do Pai - mas também o Espírito que procede do Pai. Ainda assim, o Espírito pertence também ao Filho, que O recebe do Pai como o Espírito da Verdade, Sabedoria e Logos. Pois Verdade e Sabedoria constituem um Logos que convém a seu Criador, um Logos que regozija-se com o Pai como o Pai regozija-se com Ele. Isso está de acordo com o que Ele disse através de Salomão: 'Eu era Ela que regojizou-se juntamente com Ele' (Prov.8:30). Salomão não disse 'regozijou-se' simplemente mas 'regozijou-se juntamente com'. Esse regozijo pré-eterno do Pai e do Filho é o Espirito Santo que, como foi dito, é comum a ambos, o que explica o porque Dele ser enviado de ambos àqueles que são dignos. Ainda assim, o Espírito obtém Sua existência do Pai apenas, e assim, no que diz respeito à Sua existência Ele procede apenas do Pai.

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Nosso intelecto, por ser criado à imagem de Deus, possui igualmente a imagem desse Eros sublime, ou, esse anseio intenso, uma imagem expressada no amor experimentado pelo intelecto pelo conhecimento espiritual que origina dele e continuamente reside nele. Esse amor é do intelecto, está no intelecto e brota dele juntamente com sua inteligência mais íntima ou seu logos. Isso é mostrado claramente pelo fato que mesmo aqueles que não são capazes de perceber o que reside profundamente dentro de si mesmos possuem um desejo insaciável por conhecimento espiritual. Ainda assim, nessa Bondade absoluta e transcendentalmente perfeita, onde não há nada imperfeito, o Eros divino é indistinguivelmente o que quer que essa Bondade seja, exceto pelo fato dele ser derivado dela. Assim, esse desejo intenso é, e é chamado de, o Espírito Santo e o Consolador (João 14:16), sendo que Ele acompanha o Logos. Dessa forma, sabemos que Ele é perfeito numa hipóstase perfeita e individual, de maneira nenhuma inferior à essência do Pai, mas indistinguivelmente idêntica ao Filho e ao Pai, embora não de acordo com a hipóstase, pois Sua distinção como hipóstase é manifestada no fato que Ele procede de Deus de uma maneira divinamente adequada. Assim, adoramos Deus verdadeiro e perfeito em três hipóstases verdadeiras e perfeitas – certamente não um Deus triplo mas um que é simples. Pois a Bondade não é algo triplo, nem uma tríade de Bondade. A Bondade mais sublime é uma Trindade sagrada, espantosa e venerável fluindo de Si mesma para Si mesma, imutável e estabelecida divinamente em Si mesma antes das eras. A trindade é sem limites e é limitada apenas por Si mesma, Ela limita todas as coisas, transcende tudo e não permite que nenhum ser esteja fora de Si mesma.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Hazrat Inayat Khan - O Objetivo Principal

O objetivo principal da vida não pode ser senão um único objetivo, já no que diz respeito ao objetivo externo da vida, há tantos objetivos quanto há seres. E há somente um objetivo da vida pela razão de que há uma única vida. A despeito das aparentemente muitas vidas que aparecem exteriormente, existe uma vida única. É nesse pensamento que podemos reunir e é a partir deste pensamento que a verdadeira sabedoria é aprendida. Não há dúvida de que o objetivo principal da vida não possa ser entendido de imediato e, portanto, a melhor coisa para cada pessoa é perseguir seu objetivo particular na vida em primeiro lugar, e no processo de realizar seus objetivos pessoais, algum dia ela chegará a realizar esse objetivo interno.
Quando o homem não entende isso ele acha que há algo mais para realizar em tudo o que está diante dele que não foi realizado e, portanto, ele permanece num tipo de fracasso. A pessoa que não é definida sobre seu objetivo ainda não começou sua jornada no caminho da vida. Portanto, a primeira coisa a ser feita é determinar definitivamente o seu objetivo diante de si. Não importa o quanto aquele objetivo seja pequeno, uma vez a que pessoa determinou-o ela começou sua vida.
Encontramos exemplos na vida de muitas pessoas, por vezes, durante toda a sua vida elas não encontram sua vocação e o que acontece?
No final, consideram a sua vida um fracasso.
Durante toda a vida seguem de uma coisa a outra, ainda assim, não sabendo o objetivo de sua vida, podem realizar muito pouco.
Quando as pessoas dizem: 'Por que não tenho êxito?' Em resposta sempre digo: 'Porque você ainda não encontrou seu objetivo.' Assim que a pessoa encontra o objetivo de sua vida ela começa a sentir-se em casa neste mundo. Antes disso ela se sente em um mundo estranho. Tão logo encontra seu caminho, ela se mostra afortunada, pois todas as coisas que ela deseja realizar, vêm a ela por si mesmas. Ela adquire tal poder que mesmo se o mundo inteiro estivesse contra, ela poderia menter-se em seu objetivo. Adquire uma paciência tamanha, que não disanima diantede de nenhuma desventura que apareça em seu caminho. Sem dúvida, enquanto não tiver encontrado seu objetivo, a pessoa vai de coisa em coisa e acha que a vida está contra ela. Então, ela começa a achar defeitos nos indivíduos, nas condições, nos planos, no clima, em todas as coisas. Portanto, o que é chamado de sorte, o que é chamado de sucesso, é ter o objetivo correto.

Quando uma pessoa não está usando as roupas feitas para si, ela diz que estão largas ou muito curtas. Quando são suas roupas ela se sente confortável, pois são suas. A coisa real, portanto, é dar liberdade a cada alma para escolher o seu objetivo na vida e se ela sentir-se em casa em seu objetivo, saberá que está no caminho certo. Quando uma pessoa está no caminho, também há certas coisas que devem ser consideradas.

Quando uma pessoa tem um nó para desatar, para soltar, ao mesmo tempo alguém dá a ela uma faca para cortá-lo. Se não usá-la, ela perderá muita coisa em sua vida por causa disso. É uma coisa pequena, mas se não realizar isso a pessoa volta para trás. É como dar um passo para trás. Este é um pequeno exemplo que dei, mas em tudo o que fazemos, se não tivermos a paciência e a confiança para seguir em frente, perdemos muito. Não importa o quão pequeno é o trabalho que a pessoa se comprometeu, se ela o realiza, consegue uma grande coisa. Não é qual trabalho que uma pessoa fez, mas é o próprio fato de concluí-lo que lhe dá força.

E agora indo para a questão desse objetivo, que é o objetivo de cada alma, ele pode ser chamado de Realização Espiritual. Uma pessoa pode passar toda a sua vida sem ele, mas vai chegar um momento que, mesmo ela não admitindo, ela vai começar a procurá-lo. Isso porque a realização espiritual não é apenas um conhecimento adquirido, é o apetite inato da alma. E haverá algum dia na vida em que uma pessoa irá sentir o apetite da alma mais do que qualquer apetite. Sem dúvida, cada alma tem um desejo inconsciente de satisfazer esse apetite, mas ao mesmo tempo sua absorção na vida cotidiana mantém-na tão ocupada que ela não tem tempo para isso, para que preste atenção nesse apetite da alma.
O destino da Realização Espiritual pode ser encontrado ao estudar a natureza humana, pois a natureza do homem é uma e a mesma, seja ele espiritual ou material. Há cinco coisas pelas quais o homem anseia: vida, conhecimento, poder, felicidade e paz. O apetite contínuo que é formado no ser mais profundo anseia por uma ou outra dessas cinco coisas. Agora, para atender seu apetite, o que o homem faz? A fim de atender a vontade de viver, ele come, bebe e se protege de todos os perigos da vida. E ainda assim, esse apetite não é totalmente saciado porque de todos os perigos ele pode escapar, mas do último perigo ele não pode escapar, o qual o homem chama de morte.
Para atender o próximo anseio, que se chama poder, um homem faz tudo para ganhar força física, influência, status, todo tipo de poder ele procura a fim de tornar-se poderoso. E sempre se defronta com decepções, porque sempre vê que se há um poder de dez graus, haverá um outro de vinte graus para confrontá-lo.
Basta pensar nas grandes nações cujos poderes militares uma vez foram tão grandiosos; não poderiamos ter pensado que de um momento para o outro elas cairíam. Poderíamos pensar que se elas fossem cair isso levaria milhares de anos para acontecer de tão grande que era seu poder. Nem precisamos procurar exemplos na história, acabamos de ver nesses últimos poucos anos, temos apenas de olhar no mapa.
O terceiro tipo de apetite é a felicidade. Homem tenta atendê-lo através dos prazeres, não sabendo que os prazeres deste mundo não respondem àquela felicidade que sua alma procura realmente. Suas tentativas são em vão. Ele descobre no final que todo o esforço que fez pelo prazer, lhe gerou perda maior do que ganho. Além do que não é duradouro, aquilo que não é real em sua natureza, não é satisfatório.
Em seguida há esse desejo por conhecimento. Esse conhecimento cria uma tendência de estudar. E a humanidade estuda e estuda durante toda sua vida. Se a pessoa ler todas as grandes bibliotecas, todos os livros, ainda permanecerá a pergunta: "por que?"
Esse "por que" não será respondido pelos livros que ela estuda, ao explorar os fatos que estão fora da vida. Em primeiro lugar, a profundidade da natureza é tão grande que a vida limitada do homem não é longa o suficiente para possibilitá-lo de sondar as profundezas da vida. Sim, comparativamente ou relativamente você pode dizer que uma pessoa é mais instruída que outra, mas ninguém pelo estudo exterior de vida chega à satisfação da vida.
E por fim, há o apetite pela paz. A fim de encontrar a paz a pessoa deixa os ambientes que a incomodam. Quer ir para longe das pessoas. Quer sentar-se calma e descansar. Mas uma pessoa que não está pronta para a paz, mesmo se fosse para as cavernas no Himalaia, para longe do mundo inteiro, não iria encontrar a paz. Pela explicação desses cinco aspectos de apetites, no que diz respeito ao apetite mais profundo do homem, descobre-se que todos os esforços feitos para satisfazer esses apetites parecem ser em vão. E como esses cinco desejos serão saciados? Eles podem ser saciados pela realização espiritual, pois essa é a única coisa que responde a esses cinco diferentes apetites.
Para explicar como esses cinco apetites são respondidos pela realização espiritual, analizaremos cada um. O desejo de viver, só pode ser satisfeito quando a alma percebe sua vida eterna, pois a mortalidade existe mais na concepção do que na realidade de um ponto de vista espiritual. A mortalidade, é a falta de compreensão da alma do seu próprio Ser. Por exemplo, uma pessoa que sempre pensou que seu casaco era ela mesma, viveu toda sua vida nessa concepção, quando esse casaco foi rasgado, ela pensou que ela mesma tinha morrido. O mesmo se experimenta na vida. É uma espécie de ilusão que a alma recebe deste corpo físico e se identifica com este ser mortal. É como nos identificarmos com nosso casaco, e ao perdermos o casaco pensamos: 'Estou perdido.' No entanto, um conhecimento intelectual disso é de pouca utilidade, q
uando o ser interior se identificou com o corpo e quando em imaginação a pessoa pensar: 'Não, o corpo é apenas meu casaco', não mudará sua situação.
É por isso que as meditações são feitas pelos sábios de todos os tempos, a fim de dar uma chance para a alma encontrar a si mesma independente do corpo físico. Uma vez que a alma começa a sentir-se, a sentir sua própria vida independentemente de sua roupagem exterior, ela está começando a ter a confiança em sua vida, ela começa a não ter mais medo do que é chamado de morte. Tão logo este fenômeno é concedido, ela já não chama a morte de uma morte, chama de uma mudança.
E agora indo para a idéia de poder, o verdadeiro poder não está em tentar ganhar poder. O verdadeiro poder está em se tornar poder. Mas como se tornar poder? Isso exige uma tentativa de fazer uma mudança definida em si mesmo e essa mudança é uma espécie de luta com um falso ser, é quando esse falso ser é crucificado que o verdadeiro Ser é ressuscitado. Aparentemente, para o mundo, esta crucificação é a falta de poder, na verdade, todo o poder é alcançado por essa ressurreição.
Quanto ao conhecimento, há dois aspectos. Um conhecimento é o que se aprende ao conhecer os nomes e as formas da vida, o que chamamos de saber. Ele não pode ser a resposta para esse apetite. Esse é apenas um ponto de partida para que aquele apetite mas não pode satisfazê-lo. Esse conhecimento exterior ajuda a pessoa chegar ao conhecimento interior, mas o conhecimento interior é bastante diferente do exterior; e como ele é obtido? É aprendido ao estudar a si mesmo. A pessoa descobre que todo o conhecimento que ela se esforça para aprender e que tudo o que existe para se estudar, está tudo nela mesma. Portanto, ela encontra uma espécie de universo em si mesma e pelo estudo de si ela chega àquele conhecimento espiritual que é o apetite da alma.
E então vem a questão da felicidade. Pensamos assim: 'Se o meu amigo for muito bom para mim, então eu serei feliz; quando as pessoas me corresponderem, ou quando receber dinheiro, serei feliz.' Mas esse não é o caminho para tornar-se e para ser feliz. É um erro, porque a falta de felicidade faz a pessoa culpar os outros, faz pensar que os outros estão impedindo o caminho para essa pessoa ser feliz. Mas na realidade não é assim. A verdadeira felicidade não se ganha, ela é descoberta. O caminho do homem em si é a felicidade. É por isso que ele anseia pela felicidade. O que mantém a felicidade fora de nossa vida é o fechamento das portas do coração. Quando o coração não está ativo, a felicidade não está morando lá. Às vezes o coração não está totalmente vivo, mas um pouco vivo. E ele espera que a vida que falta venha de outro coração. Mas a vida real do coração é viver de forma independente na sua própria felicidade. E isso é obtido através da realização espiritual. A pessoa que encontrou sua paz dentro de si, pode estar em uma caverna da montanha ou no meio da multidão, em cada lugar ela vai experimentar a sua paz.
A questão é: como essas cinco coisas podem ser adquiridas? Como eu disse, a primeira coisa necessária é realizar o objetivo que está imediatamente diante de você. Não importa o quão pequeno. É ao realizá-lo que se ganha a força. Conforme avançar por esse caminho nesta vida, sempre buscando o real, você vai chegar à Realidade. A Verdade é atingida pelo amor a verdade.
A verdade foge daquele que foge da verdade. A verdade é mais próxima da pessoa do que aquilo que é sem verdade. Não há nada mais precioso na vida do que a própria verdade, e ao amar a verdade e alcançar a verdade a pessoa atinge aquela religião que é a religião de todos os povos e de todas as igrejas. Não importa então a qual igreja ela pertença, que religião ela professe, que raça ou nação ela pertença, uma vez que percebeu a verdade ela é todos porque ela está com todos. Se há discordância e mal-entendido, é antes da pessoa alcançar a Verdade. Uma vez que tenha atingido a verdade, não há mal-entendido. As disputas surgem entre aqueles que aprenderam o conhecimento exterior. Os que atingiram a verdade, sejam eles do pólo norte ou o pólo sul, qualquer país, não importa. Quando compreenderam a verdade, eles tornam-se reparação. E é esse objetivo que devemos manter diante de nós, a fim de unir as seções divididas da humanidade. Pois a verdadeira felicidade da humanidade está naquela unidade que pode ser adquirida ao se elevar acima das barreiras que dividem o homem.
Pergunta: Você acredita na imortalidade da alma?
Resposta: Bem, minha palestra foi toda sobre esse assunto.
Pergunta: Em que base está fundamentada sua crença na imortalidade da alma?
Resposta: Não pode haver melhor base do que a própria realização da pessoa.
Pergunta: Eu estou acreditando, mas eu quero ser fortificado em minhas idéias. Eu gostaria de saber a razão para a imortalidade da alma.
Resposta: O que eu quero dizer é que todas as religiões do mundo apóiam esta ideia. Portanto, para alguém que crê, há tudo para apoiar essa crença.
Pergunta: Ela existe em sua instrução do Sufismo? O que pode fortalecer essa crença?
Resposta: Sim, toda a nossa instrução é para perceber isso, não apenas para fortalecer. Nosso trabalho, o trabalho da filosofia Sufi, não é apenas reforçar a crença de uma pessoa, mas tornar sua crença uma convicção. Portanto, não ensinamos às pessoas qualquer crença.
Pergunta: Como o Murshid propõe a percepção do conhecimento de si mesmo?
Resposta: Existem quatro caminhos pelos quais chega-se à realização do autoconhecimento: pelo caminho do conhecimento, pelo caminho da boa ação, pelo caminho da meditação e pelo caminho da devoção.
Qualquer que seja o temperamento, quando uma dessas quatro coisas estiver próxima de sua natureza, entre nesse caminho e no final você encontrará a resposta de sua alma.
Pergunta: A meditação é o principal, eu acho. Os outros três são interessantes, mas, por favor, dê uma explicação do quarto.
Resposta: A devoção é a natureza original do homem. Porque como diz a Bíblia: "Deus é amor" (João 4:8) e, portanto, na pessoa que há amor, há Deus.
Pergunta: Se porventura um ateu tem devoção, amor, como se pode conciliar isso?
Resposta: Ele não pode ser em lugar algum um ateu, quando ele tem devoção ou amor, é porque este princípio do amor em desenvolvimento vai fazê-lo acreditar. Se não em Deus, então numa pessoa que ele ama. E se uma pessoa ama verdadeiramente alguém, ela deve no final amar todas as pessoas. Quando uma pessoa diz: 'Eu amo essa pessoa mas odeio aquela outra', ela ainda não sabe o que é amor. Porque o amor não é limitado, ele é divino e é ilimitado. Ao abrirmos o elemento do amor em nós mesmos, abrimos o elemento divino em nós mesmos.
E quando a fonte divina começar a brotar do coração, todas as realizações que são divinas se elevarão como uma fonte. Os grandes santos que tinham amor, mesmo pelos mais pequenos insetos e seres vivos, obtiveram a realização divina sem grande estudo ou meditações, somente o amor ensinou-lhes isso.
Pergunta: Como conceber o elemento divino?
Resposta: O amor é divino desde seu início, em todos os seus aspectos. O grande poeta da Pérsia, Rumi, diz: "Se você ama uma pessoa humana ou se você ama a Deus, se você viaja por todo o caminho do amor, no final você chegará na presença do soberano do amor".
Pergunta: A realização do conhecimento do nosso ser é a realização do espírito ou da alma?
Resposta: O Ser é a alma. Por isso, é a realização da alma, bem como do corpo e da mente de todo o ser. Mesmo na realização do Ser, a realização de Deus vem.
Pergunta: Todos na vida têm de ter um objetivo, cada um tem de encontrar seu caminho. Existe um meio de encontrar nosso caminho na vida?
Resposta: Sim, se viver uma vida correta, uma vida natural, intuitivamente você encontrará o caminho direto a ser seguido. Além disso, quando a pessoa encontrou seu objetivo, ela se sente em casa. Sente que tudo lhe ajuda, ela se sente esperançosa e corajosa.
Pergunta: Eu ainda não encontrei um objetivo na vida.
Resposta: É preciso desenvolver a intuição.
Pergunta: Como posso desenvolver a intuição se não possuo nenhuma?
Resposta: Tenha autoconfiança. Em primeiro lugar deve-se estar pronto para arriscar de cometer erros. Porque você pode não ter sempre a intuição certa e se não acreditar na intuição não a terá jamais.
Pergunta: Então é um grande risco?
Resposta: Nada é atingido sem um risco. Quando as pessoas dizem que há um risco em algo, muitas vezes eu lhes digo que em não assumir um risco há um risco maior ainda.

Pergunta: A crença hindu admite a reencarnação?
Resposta: Certamente. Não só aceita a reencarnação, mas foi a crença hindu que deu ao mundo essa crença.
Pergunta: Mas a reencarnação sem distinção de raças?
Resposta: As almas devem ter a liberdade para reencarnar.
Pergunta: A intuição é superior à inteligência?
Resposta: Superioridade e inferioridade são termos relativos. Naturalmente, a intuição, por vezes, vem de uma fonte mais profunda do que o intelecto. Mas além disso, é difícil de traduzir na língua inglesa a diferença entre o intelecto e a inteligência. Porque se eu fosse explicar o que quero dizer com inteligência, quero apenas dizer a capacidade de conhecer, e por intelecto quero dizer o que se conhece. Inteligência é a capacidade e o intelecto é o conhecimento. Portanto, a inteligência é uma substância pura, algo muito puro. E, portanto, a inteligência é a substância divina que podemos traçar em nós mesmos. Se houver qualquer sinal de alma em uma pessoa, é a inteligência. Portanto, para mim, quanto mais inteligente é uma pessoa, mais brilhante é a alma que ela possui. Mas por isso eu não quero dizer que uma pessoa intelectual é inteligente.
Pergunta: A vontade não é o mais próxima da divindade?
Resposta: Sim, se eu fosse dar uma definição de vontade eu a chamaria de amor. Eu Vou fazer isso, significa que amo fazer isso. É poético.
Pergunta: Eu tenho feito muitas coisas que gostaria de não fazer.
Resposta: Então você não tem vontade de fazê-lo. Você é uma máquina. Então não há vontade aí. Quando uma pessoa quer fazer, então ela ama fazer. Para mim a força de vontade e a força do amor são a mesma coisa.

Pergunta: Mas é uma forma de desenvolver a vontade fazer aquilo que não gostamos de fazer?
Resposta: Sim, desenvolvemos nossa força ao fazê-lo. Desenvolvemos um poder sobre uma parte do nosso ser que não está disposta. Isso significa apenas que uma parte de nosso ser é relutante e uma parte de nosso ser ama fazê-lo. E, portanto, a parte que conquista-a chamamos de vontade.
Pergunta: Se eu troco o bem pelo mal, o primeiro impulso é para não fazer isso.
Resposta: Eu chamaria isso de amor, amor na forma de perdão, de tolerância.
Se você não estiver disposto a fazê-lo, é outra coisa. É preferível um homem amar agir de acordo com uma certa virtude ou então não fazê-lo. Mas fazer sem vontade não é bom. Por exemplo, se alguém veio visitar uma pessoa e a visita ao sair disse: 'Você me empresta sua capa de chuva?' E a pessoa diz: 'Tudo bem.'
Mas em seguida ela tem que sair também, e então se diz: 'Que um homem chato, ele pegou minha capa de chuva. Eu teria preferido não ter dado a ele'. Seria melhor ter dito: 'Sinto muito, eu não posso empresta-la, senhor.' Cada boa ação que fazemos, se vem através do nosso amor, então só tem a sua virtude. Se não, é uma ação morta. Não é viva.

Pergunta: A filosofia Sufi em sua essência acredita em reencarnação?
Resposta: A filosofia dos Sufis não oferece qualquer crença e não se opõe a qualquer crença. O que ele faz é interpretar da melhor maneira toda a crença do jeito mais favorável para o seguidor dessa crença. Por exemplo, se uma pessoa faz uma pergunta sobre Buda a um sufi, sobre o Bramanismo ou a religião Cristã, o Sufi permanece para essa pessoa como se estivesse no tribunal, dando seu argumento perante a lei. Mas o Sufismo não oferece qualquer crença, por sua própria convicção. E, portanto, talvez haja um Sufi que acredite em uma doutrina, o outro apenas não a compreende agora. Para se tornar Sufi, não é preciso ter essa ou aquela crença, essa ou aquela doutrina. A única maneira que um Sufi ajuda é a pessoa a se elevar acima das coisas e olhar para a vida a partir de um ponto de vista superior.
O Sufismo segue exatamente esta idéia que está na Bíblia: "Buscai o reino de Deus em primeiro lugar e todas estas coisas vos serão acrescentadas" (Mat. 06:33). Em vez de preocupar-se com essa crença da reencarnação, o Sufi quer em primeiro lugar ir direto à idéia central e quando está lá, ele vê a verdade de todas as coisas.
Porque o mistério da vida é que quando a lanterna divina é levada nas mãos, onde quer que você leve essa lanterna todas as coisas se tornarão claras para você. Portanto, o Sufismo dá liberdade a cada membro de crer por si mesmo e descobrir as coisas por si mesmo.
Agora, para terminar a reunião eu gostaria de dizer uma última frase: A maior necessidade da nossa vida é Deus. E às vezes, para nossa grande decepção, descobrimos esse próprio ideal se perder. Quer se trate de um ganho espiritual ou um ganho material, toda a inspiração e o poder está no amor de Deus, no conhecimento de Deus e na compreensão da relação entre o Ser e Deus.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Jalaluddin Rumi - Cinco Poemas


Husam demanda que comecemos o Livro V,

Ziya-Haqq, a radiância da verdade,

Husamuddin,

mestre dos mestres puros,

se minha garganta humana não fosse tão estreita,

eu o louvaria como você deveria ser louvado,

em alguma língua diferente dessa linguagem das palavras,

mas uma ave doméstica não é um falcão.

Devemos misturar o verniz que temos

e pincelá-lo.


Não estou falando para os materialistas. Quando menciono Husam,

falo apenas para aqueles que conhecem os segredos espirituais.

O louvor significa apenas puxar a cortina

para deixar as qualidades dele entrarem.

O sol,

permanece aparte

do que digo, é claro.


O que aquele que profere o louvor realmente está louvando

é ele mesmo, ao dizer implicitamente:

“Minha visão está clara.”


Do mesmo modo, alguém que critica está criticando

a si mesmo, dizendo implicitamente: “não consigo ver muito bem

com meus olhos tão inflamados.”


Jamais lamente por alguém

que quer ser o sol, aquele outro sol,

o que torna frescas as coisas podres.


E jamais inveje alguém

que quer ser este mundo.


Husam é o sol do qual falo.

Ele não pode ser entendido com a mente, ou dito,

Mas nós vamos tropeçar e cambalear tentando fazê-lo.

O fato de você não conseguir beber toda a água chuva que cai

não significa que você tenha de desistir de beber as gotas.

Se a noz do mistério não pode ser possuída

ao menos deixe-me tocar a casca.


Husam, refresque minhas palavras, suas palavras.

Minhas palavras são apenas uma casquinha do seu saber,

uma atmosfera terrestre para seus enormes espaços.


O que digo tem apenas o objetivo de apontar para aquilo, para você,

de modo que quem alguma vez escute essas palavras não se aflija

por nunca ter tido a chance de olhar.


Sua presença me atrai para longe da vaidade,

da imaginação e da opinião.

A reverência é o remédio

que irá curar nossa visão.

E alerta, escutando constantemente.

Fique a céu aberto como uma tamareira

erguendo seus braços. Não cave buracos de rato

no solo, discutindo algum labirinto doutrinal.


Essa trama e urdidura intelectual mantém-no enrolado

na cegueira. E quatro outras características

impedem-no de amar. O Alcorão as chama de

quatro pássaros. Diz Bismillah: “Em nome de Deus,”

e parte as cabeças desses pássaros funestos.


O galo da luxúria, o pavão do querer

se tornar famoso, o corvo da possessividade e o pato

da urgência, mate-os e reviva-os

em outra forma, mudados e inofensivos.


Há um pato dentro de você.

Seu bico nunca está quieto, procura tanto no seco quanto

no molhado, como um ladrão numa casa vazia

abarrotando de objetos seu saco, pérolas, grão de bico,

qualquer coisa. Sempre pensando: “Não há tempo!

"Não terei outra chance!"

Uma Pessoa Verdadeira é mais calma e deliberada

Ela não se preocupa a respeito de interrupções.


Mas esse pato tem tanto medo de perder

que ele perdeu toda generosidade e assustadamente expandiu

sua capacidade de ingerir comida.


Um grande número de incrédulos

uma vez veio ver Maomé,

sabendo que ele os alimentaria.


Maomé disse a seus amigos:

“Dividam esses convidados entre vocês e sirvam-nos.

Sendo que vocês estão todos preenchidos de mim,

seria como se eu fosse o anfitrião.”


Cada amigo de Maomé escolheu um convidado

mas uma pessoa enorme ficou para trás.

Ele sentou na entrada da mesquita

como uma borra espessa em uma taça.


Então Maomé convidou o homem para vir a sua própria casa,

onde o enorme filho de um turco Ghuzz comeu tudo,

o leite de sete cabras e comida o bastante

para alimentar dezoito pessoas!


As outras pessoas da casa ficaram furiosas.

Quando o homem foi dormir, a empregada bateu a porta

do quarto dele e por infâmia e ressentimento,

trancou-a com uma corrente. Por volta da meia noite, o homem

sentiu fortes necessidades.

Mas a porta! Ele tentou manejá-la,

colocou uma lâmina pela fresta. E nada.

A urgência aumentava. O quarto ficava apertado.

Ele caiu num sono confuso e sonhou

com um lugar desolador, sendo que ele mesmo era

esse lugar desolador.


Assim, sonhando que estava sozinho

ele evacuou uma enorme quantidade,

e outra enorme quantidade.


Mas logo ele tornou-se consciente o bastante para

saber que as cobertas que ele tinha à sua volta

estavam cheias de fezes. Ele tremeu com espasmos da vergonha

que geralmente impede os homens de fazerem tais coisas.


Ele pensou: “Meu sono é pior que minha vigília.

Minha vigília é cheia de comida.

Meu sono é todo assim.”


Em seguida chorou amargamente envergonhado,

esperando o amanhecer e o barulho da porta se abrindo,

esperando que pudesse sair

sem que ninguém visse como ele se encontrava.


Resumindo. A porta se abriu. Ele foi salvo.

Maomé veio no alvorecer, abriu a porta

e ficou invisível para que o homem não se sentisse envergonhado,

de modo que ele pôde escapar e se lavar

não tendo que enfrentar aquele que abriu a porta.


Alguém completamente absorvido em Alá como Maomé

pode fazer isso. Maomé tinha visto tudo que se passou

durante a noite, mas refreou de deixar o homem sair,

até que tudo aconteceu como tinha de acontecer.


Muitas ações que parecem cruéis

são de uma profunda amizade.

Muitas demolições são renovações.


Mais tarde, a empregada intrometida

trouxe as roupas de cama para Maomé.

“Olha o que o seu convidado fez!”


Maomé sorriu, sendo ele um distribuidor de piedade a todos os seres,

“Traga-me um balde de água.”


Todos pularam a frente: “Não! Deixe-nos cuidar disso.

Vivemos para serví-lo e esse é o tipo de trabalho braçal

que podemos fazer. O seu é o trabalho interior do coração.”


“Sei disso, mas essa é uma ocasião extraordinária.”


Uma voz dentro dele estava dizendo: “Há uma grande sabedoria

em lavar essas roupas de cama. Lave-as.”


Enquanto isso, o homem que sujou os lençóis e sumiu

estava retornando à casa de Maomé. Ele havia esquecido

um amuleto que sempre carregava consigo.


Ele entrou e viu as mãos de Deus

lavando seu lençol incrivelmente sujo.


Ele esqueceu o amuleto. Um grande amor invadiu-o subitamente.

Ele rasgou sua camisa. Começou a bater a cabeça contra o muro e contra a porta.

Sangue jorrava de seu nariz.


As pessoas vieram das outras partes da casa.

Ele gritava: “ Fiquem longe!”

Batia a cabeça: “Eu não tenho discernimento!”

Ele se prostrou perante Maomé.


“Você é o todo. Eu sou um desprezível, minúsculo,

pedaço sem sentido. Não posso olhar para você.”

Ele ficou quieto e estremecido de remorso.


Maomé abaixou-se, segurou-lhe, acariciou-lhe

e abriu sua compreensão interior.


A nuvem chora e então o jardim floresce.

O bebê chora e o leite da mãe flui.


A ama da criação disse: deixe-os chorar abundantemente.


Esse chorar da chuva e queimar do sol se entrelaçam

para nos fazer crescer. Mantenha sua inteligência incandescente

e sua aflição cintilante, fazendo com que sua vida fique fresca.

Chore fácil como uma criança pequena.


Diminua as necessidades do corpo e aumente as decisões da alma.

Diminua o que você dá a seu ser físico.

Seu olho espiritual começará a abrir.


Quando o corpo esvazia e permanece vazio,

Deus o preenche com almíscar e madrepérola.

Dessa forma um homem dá seu estrume e recebe pureza.


Escute os profetas, não algum garoto adolescente.

As fundações e os muros da vida espiritual

são feitos de auto-negações e disciplinas.


Fique com amigos que o apóiem nisso.

Fale com eles sobre os textos sagrados

e como você tem procedido e como eles têm procedido

e mantenham suas práticas unidas.

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Você perde o jardim,

porque quer um pequeno figo de uma árvore qualquer.

Você não encontra a linda mulher.

Está brincando com uma velha mulher.

Faz-me querer chorar o quanto ela lhe detém,

a boca mal cheirosa, uma centena de garras,

colocando sua cabeça na beira do telhado para chamá-lo,

figo sem gosto, vezes e mais vezes, vazio

como um alho vazio apodrecido.


Ela tem você preso pelo cinto,

mesmo não havendo flor e nem leite

dentro de seu corpo.

A morte abrirá os seus olhos

para o que a face dela é: a coluna de couro

de um lagarto negro. Chega de conselhos.


Que você seja silenciosamente puxado

pela atração mais forte do que você realmente ama.

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Você está sentado aqui conosco, mas também está lá fora caminhando

no campo ao amanhecer. Você mesmo é

o animal que caçamos quando você veio conosco na caçada.

Você está no seu corpo assim como uma planta está firme no solo,

ainda assim você é o vento. Você é a roupa do mergulhador

vazia deixada na praia. Você é o peixe.


No oceano há muitos cordões brilhantes

e muitos cordões escuros como veias que são vistas

quando uma asa é levantada.

Seu ser oculto é o sangue correndo nelas, essas veias

são as cordas do alaúde que fazem a música do oceano,

não a triste crista da arrebentação, mas o som de nenhuma margem.

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Meu pior hábito é que me canso do inverno,

torno-me uma tortura para aqueles com quem estou.


Se você não está aqui, nada cresce.

Falta-me claridade. Minhas palavras se confundem, dão um nó.


Como curar água ruim? Mande-a de volta para o rio.

Como curar maus hábitos? Mande-me de volta para você.


Quando a água ficar presa em poças habituais,

cave uma saída para o fundo o oceano. Há um remédio secreto

dado apenas para aqueles que se machucam tanto

que perdem a esperança.


Os esperançosos sentiriam levemente isso se soubessem.


Olhe o quanto puder para o amigo que você ama,

não importa se esse amigo está se afastando de você

ou vindo de volta em sua direção.

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Chega de vinho para mim!

Estou mais que encantado no denso vermelho

e no branco resplandescente.


Estou sedento pelo meu próprio sangue

conforme ele se move no campo de ação.


Traga a lâmina mais afiada que você tem

e golpeie, até que a cabeça role

pelo corpo.


Faça uma montanha de crânios como essa.

Despedace-me.


Não dê ouvidos!

Não escute nada que digo.

Tenho de entrar no centro do fogo.


Por que há estalos e fumaça?

Porque as lenhas e a chama estão ainda falando:

“Você é densa demais. Vá embora!”

“Você é muito irresoluta. Eu tenho forma sólida.”


No negrume essas duas amigas continuam discutindo.

Como um errante sem face.

Como o pássaro mais poderoso na existência sentado

em seu galho, recusando-se a se mover.


O que posso dizer para alguém tão enroscado com o desejo,

tão constringido em seu amor?


Quebre seu jarro contra uma pedra.

Não precisamos mais

arrastar por aí pedaços do oceano.


Precisamos submergir, longe do heroísmo

e descrições de heroísmo.


Como um espírito puro deitado, puxando

seu corpo sobre si, assim como uma noiva puxa seu marido

como uma coberta para aquecê-la.