terça-feira, 25 de novembro de 2008

Jalaluddin Rumi - A hora da união

De toda a parte chega o segredo de Deus.
Eis que todos correm, desconcertados
Dele, porque em todas as almas sedentas, chega o grito do aguadeiro.
Todos bebem o leite da generosidade divina
E querem agora conhecer o seio de sua fonte.
Apartados, anseiam por ver o momento do encontro e da união.
A cada nascer do sol oram juntos: muçulmanos, cristãos, judeus.
Abençoado todo aquele em cujo coração ressoa o grito celeste que chama,
'Vem. Limpa bem teus ouvidos e recebe nítida essa voz'.
O som do céu chega como um sussurro.
Não manches teus olhos com a face dos homens.
Vê que chega o imperador da vida eterna.
Se te turvaram os olhos,
Lava-os com lágrimas, pois nelas encontrarás a cura de teus males.
Acaba de chegar do Egito uma caravana de Açúcar.
E já se ouvem os sinos e os passos cansados.
Silêncio. Eis que chega o rei que vai completar o poema.

Gurdjieff - Liberdade


Liberdade leva à liberdade. Isso é verdade. Não verdade entre aspas, mas no sentido real. A verdade não é apenas teoria, nem apenas palavras, ela pode ser realizada, percebida. A liberdade de que falo é o objetivo de todas as escolas, de todas as religiões de todos os tempos. É algo muito grande. Todos consciente ou inconscientemente querem liberdade. Existem dois tipos de liberdade: a maior e a menor. Você não pode atingir a liberdade maior até que tenha atingido a liberdade menor. A liberdade maior é a liberação de nós mesmos das influências externas e a menor, das influências internas.
Para nós iniciantes a liberdade menor é uma coisa muito grande; ela não está ligada à nossa dependência das influências externas. A escravidão interior vem de muitas fontes; depende de muitas coisas independentes; às vezes de uma coisa às vezes de outra. Existem tantas, que se tivéssemos que lutar contra cada uma separadamente para podermos nos livrar delas, metade da vida não seria suficiente. Portanto devemos encontrar meios, um método de trabalho, que nos capacite destruir simultaneamente o maior número possível de inimigos dentro de nós, dos quais vêm essas influências. Dentre esses inimigos, dois dos principais são a vaidade e o amor -próprio ou auto-orgulho. Num certo ensinamento eles são chamados de emissários ou representantes do demônio, e por uma razão ou outra são referidos como Madame Vaidade e Mister Amor-Próprio.

Meher Baba - A Prece do Arrependimento (8 de Novembro de 1952)



Nos arrependemos, ó mais piedoso Deus, por todos os nossos pecados;
Por cada pensamento que foi falso, injusto ou impuro;
Por cada palavra dita que não deveria ter sido dita;
Por cada ação feita que não deveria ter sido feita;
Nos arrependemos por cada ação, palavra e pensamento
Inspirados pelo egoísmo;
E por cada ação, palavra e pensamento inspirados pelo rancor.
Nos arrependemos mais especialmente por cada pensamento luxurioso,
Por cada ação luxuriosa; Por cada mentira, por toda hipocrisia;
Por cada promessa feita mas não cumprida;
E por toda calúnia e insulto.
Mais especialmente também, nos arrependemos por cada ação
Que tenha trazido ruína aos outros;
Por cada palavra e ação que tenha causado dor aos outros;
Ou por cada desejo que os outros sentissem dor.
Em sua piedade ilimitada, pedimos que nos perdoe, ó Deus,
Por todos esses pecados cometidos por nós;
E pedimos para nos perdoar por nossas constantes falhas
Em pensar, falar e agir de acordo com tua vontade.

Meher Baba - O Propósito da Criação

Consciente ou inconscientemente, cada criatura viva procura uma coisa. Nas formas inferiores de vida e nos seres humanos menos avançados, a busca é inconsciente; em seres humanos avançados, é consciente. O objeto da busca é chamado por muitos nomes: felicidade, paz, liberdade, verdade, perfeição, auto-realização, realização de Deus e união com Deus. Essencialmente, é uma busca por tudo isso, mas de uma maneira especial. Todos têm momentos de felicidade, lampejos da verdade, experiências fugazes de união com Deus; o que querem realmente é tornar isso permanente, estabelecer uma realidade imutável no meio da constante mudança. Esse é um desejo natural, baseado fundamentalmente em uma memória (que pode ser ofuscada ou clara, de maneira análoga à evolução da alma individual que pode ser elevada ou não elevada) de sua unidade essencial com Deus. Pois cada coisa viva é uma manifestação parcial de Deus, condicionada somente por sua falta de conhecimento de sua própria natureza verdadeira. O todo da evolução, de fato, é uma evolução da divindade inconsciente para a divindade consciente, em que Deus propriamente dito, essencialmente eterno e imutável, assume uma variedade infinita de formas, aprecia uma variedade infinita de experiências e transcende uma variedade infinita de limitações auto-impostas. A evolução do ponto de vista do criador é um esporte divino, no qual o incondicionado testa a infinitude de seu conhecimento, poder e contentamento absolutos no meio de todas as circunstâncias. Mas a evolução do ponto de vista da criatura, com seu conhecimento limitado, poder limitado, capacidade limitada para apreciar o contentamento, é um épico de descanso e esforço alternados, alegria e tristeza, amor e ódio - até que na pessoa aperfeiçoada Deus equilibra os pares de opostos, e a dualidade é transcendida. Então a criatura e o criador se reconhecem como um; a imutabilidade é estabelecida no meio da mudança e a eternidade é experimentada dentro do tempo. Deus conhece-se como Deus, imutável essencialmente, infinito na manifestação, sempre experimentando o contentamento supremo da auto-realização numa continua ciência fresca de si mesmo por si mesmo. Esta realização deve ocorrer e ocorre somente no meio da vida, pois somente no meio da vida é que a limitação pode ser experimentada e transcendida, e onde a liberdade subseqüente à limitação pode ser apreciada.

Meher Baba - Discursos - Deus e o Indivíduo

Deus é infinito. Ele está além dos opostos do bem e do mal, certo e errado, virtude e vício, nascimento e morte, prazer e sofrimento. Tais aspectos duais não pertencem a Deus. Se você toma Deus como uma entidade separada, Ele se torna um termo na existência das relações.
Assim como o bem é a contraparte do mal, Deus se torna a contraparte de Não-Deus; e o Infinito passa a ser olhado como o oposto do finito. Quando você fala do infinito e do finito, você está se referindo a eles como dois; e assim, o Infinito se torna a segunda parte da dualidade. Mas o infinito pertence à ordem não-dual de ser. Se o infinito é visto como a contraparte do finito, estritamente falando, ele já não é infinito, mas sim, uma espécie de finito; pois está fora do finito como seu oposto, tornando-se assim, limitado. Já que o infinito não pode ser a segunda parte do finito, a existência aparente do finito é falsa. Apenas o infinito existe. Deus não pode ser levado ao nível da dualidade. Há somente um ser na realidade, que é a Alma Universal. A existência do finito ou do limitado é somente aparente ou imaginária.
Você é infinito. Você está realmente em toda a parte. Mas você pensa que você é o corpo, e, portanto, considera-se limitado. Se pensa que é o corpo, você não conhece sua verdadeira natureza. Se olhasse para dentro de si e experimentasse sua própria alma em sua verdadeira natureza, você perceberia que você é infinito e além de toda criação. Entretanto, você se identifica com o corpo. Essa falsa identificação é devida à ignorância, que se torna efetiva por meio da sua mente. Uma pessoa comum pensa que ela é o corpo físico. Um indivíduo espiritualmente avançado pensa que ele é o corpo sutil. O Santo pensa que é o corpo mental. Porém, em nenhum deles a alma tem auto-conhecimento direto. Não é um caso de pensamento puro que está de todo isento de ilusão.
A alma enquanto alma é infinita –independente da mente ou do corpo– porém, devido à ignorância, a alma entra no domínio da mente e torna-se um “pensador”. Às vezes identifica-se com o corpo e às vezes com a mente. Do ponto de vista limitado de uma pessoa que não foi além do domínio de Maya, existem inúmeros indivíduos. Parece que existem tantos indivíduos quanto o número de mentes e corpos. De fato, existe apenas uma alma universal, mas o indivíduo pensa que ele é diferente dos outros indivíduos. A mesma e única alma está definitivamente por trás das mentes dos indivíduos aparentemente diferentes, e através deles, tem as várias experiências da dualidade. O Um dentro dos muitos passa a experimentar a Si mesmo como um dentre muitos. Isso deve-se à imaginação ou ao falso pensar. O pensamento torna-se falso por causa da interferência dos Sanskaras (impressões) acumulados durante o processo da evolução da consciência.

A função da consciência é pervertida pela operação dos Sanskaras, que se manifestam através dos desejos. Por muitas vidas, a consciência está continuamente sendo oprimida pelos efeitos posteriores das experiências. A percepção da alma é limitada por essas consequências.
O pensamento da alma não pode romper a barreira criada pelos sanskaras, e a consciência torna-se uma indefesa prisioneira das ilusões projetadas por seu próprio pensar falso. Essa falsificação do pensamento está presente não apenas em casos onde a consciência está parcialmente desenvolvida, mas também no homem, onde ela está completamente desenvolvida. A evolução progressiva da consciência desde o estágio de pedra culmina no homem. A história da evolução é a história do desenvolvimento gradual da consciência. O fruto da evolução é a consciência completa, que é característica do homem. Porém, mesmo essa consciência completa é como um espelho coberto de poeira. Devido às operações dos sanskaras, ela não fornece conhecimento claro e verdadeiro da natureza da alma. Embora totalmente desenvolvida, ela não produz a verdade, mas uma construção imaginativa, sendo que seu livre funcionamento está impedido pelo peso dos sanskaras. Ademais, ela não pode se estender além da gaiola criada pelos seus desejos, ficando portanto, limitada em seu campo de ação. As fronteiras nas quais a consciência pode mover-se é prescrita pelos sanskaras, e o funcionamento da consciência é também determinado pelos desejos. Como a meta dos desejos é a auto-satisfação, toda consciência torna-se auto-centrada e individualizada. A individualização da consciência pode num certo sentido ser entendida como o efeito do turbilhão de desejos. A alma é capturada pela rede dos desejos e não pode sair da individualidade circunscrita constituída por esses desejos. Ela imagina essas barreiras e torna-se auto-hipnotizada. Ela olha para si mesma como limitada e separada dos outros indivíduos. Fica enredada na existência dualística e imagina um mundo de diversa desunião composto de muitos indivíduos com suas respectivas mentes e corpos.

Quando os raios do sol são passados por um prisma eles se dispersam e tornam-se separados por causa da refração. Se cada um desses raios tivesse consciência, eles iriam considerar a si mesmos como separados dos outros raios, esquecendo inteiramente que na fonte e no outro lado do prisma eles não tinham existência separada. Da mesma maneira, o ser único descende ao domínio de Maya e assume uma multiplicidade que de fato não existe. A desunião dos indivíduos não existe na verdade, apenas na imaginação. A alma universal una imagina desunião em si mesma, e dessa divisão surge o pensamento de “eu” e “meu” como opostos a “você” e “seu.” Embora na verdade a alma seja uma unidade indivisível e absoluta, ela aparece como diversas, dividida devido ao trabalho da sua própria imaginação. Imaginação não é uma realidade. Mesmo no seu vôo mais alto, é um afastamento da verdade. A alma não é nada além da verdade. A experiência que ela acumula em termos do ego individualizado é tudo imaginação. É uma má compreensão da alma. Da imaginação da alma universal nascem muitos indivíduos. Isso é Maya, ou Ignorância. Lado a lado com o nascimento da individualidade limitada e separada, também vem à existência o universo objetivo. Como a individualidade tem uma existência separada não na realidade, mas, apenas na imaginação, o universo objetivo também não tem realidade separada e independente. É o ser universal aparecendo no segundo papel da manifestação através desses atributos.
Quando a alma descende ao domínio de Maya, ela toma para si as limitações da existência múltipla. Essa auto-limitação da alma pode ser vista como seu auto-sacrificio no altar da consciência. Embora ela eternamente permaneça o mesmo absoluto infinito, ela sofre um tipo de contração atemporal através da sua aparente descida ao mundo do tempo, da variedade, e da evolução. O que realmente evolui, entretanto, não é a própria alma, é apenas a consciência que, devido às suas limitações, dá origem à individualidade limitada.
A história da individualidade limitada é uma história do desenvolvimento de um embaraço triplo com a mente, a energia e a matéria (o corpo).
A dualidade prevalece em todos esses domínios e a alma fica presa nisso, embora, em sua essência ela seja além da dualidade. A dualidade implica a existência de opostos limitando-se e equilibrando-se um ao outro através de tensão mútua. Bem e mal, virtude e vício, são exemplos de tais opostos. A alma ignorante capturada na rede da dualidade está nas garras tanto do bem quanto do mal. A dualidade do bem e do mal surge devido à ignorância mas, uma vez presa nela, a alma fica sob seu controle. Durante a evolução de um embaraço triplo com a matéria (corpo), a energia e a mente, a alma ignorante está continuamente nas garras dos desejos. Ela quer o bom e o mau do mundo grosseiro, quer o bom e o mau do mundo sutil e quer o bom e o mau do mundo mental. E devido a essa distinção de bom e mau, o querer torna-se bom e mau. As vontades, portanto vêm a ser inevitavelmente limitadas pela perpétua tensão dos opostos. Isso faz surgir uma infindável oscilação de um estado a outro sem chegar ao estado ilimitado, que pode apenas ser descoberto no aspecto imutável e eterno da vida. O infinito é para ser visto além do domínio da dualidade. Isso se torna possível apenas quando a consciência pode emergir da individualidade limitada ao romper a barreira dos sanskaras.
Temos visto que o campo possível para a consciência é limitado pelos sanskaras. Essa limitação cria uma divisão da psique humana em duas partes. Uma parte cai no campo da consciência e a outra parte além dela. A parte inconsciente, em sua extensão total é idêntica ao poder que existe atrás da matéria. É referida como Deus pelas religiões ortodoxas. A realidade final, que é representada simbolicamente por tais conceitos, pode ser conhecida completamente somente trazendo o inconsciente para a consciência. Uma extensão da consciência consiste em estar consciente daquilo que era anteriormente uma parte do inconsciente. A conquista progressiva do inconsciente pelo consciente culmina na consciência consumada, que é ilimitada no seu campo de ação e livre em sua função. Entre esse estado mais elevado de consciência e a consciência limitada -embora completa- da média da humanidade, existem aproximadamente quarenta e nove graus de consciência iluminada. Eles marcam os estágios importantes da iluminação crescente. A distância entre a consciência nublada da média da humanidade e a consciência inteiramente iluminada de um mestre perfeito é criada pelos sanskaras que causam o egoísmo. Eles podem ser removidos por um caráter perfeito, pela devoção e pelo serviço altruísta, mas os melhores resultados nesse sentido, são alcançados com a ajuda de um mestre perfeito.
O avanço espiritual não consiste no desenvolvimento futuro da consciência (pois ela já está totalmente desenvolvida no homem) mas consiste na Emancipação da consciência das amarras dos sanskaras. Embora em sua essência a consciência seja a mesma em todos os diferentes estados da existência, ela nunca pode ser consumada a menos que reflita o conhecimento do infinito sem a menor sombra da ignorância, e também, que cubra toda a extensão da criação, iluminando desse modo as diferentes esferas da existência.
Toda vez que vai dormir, você fica inconscientemente unido com a realidade infinita. Essa unificação envolve a extensão da inconsciência sobre a consciência. Ela portanto, faz uma ponte sobre o abismo entre a inconsciência e a consciência. Porém, estando inconsciente dessa união,
você não tira nenhum benefício disso conscientemente. É por essa razão que você ao acordar novamente do sono profundo, fica ciente do mesmíssimo indivíduo banal e começa a agir e experimentar exatamente como agia e experimentava antes de dormir. Se sua união com a suprema realidade tivesse sido uma união consciente, você teria despertado dentro de uma vida completamente nova e infinitamente rica.
Um mestre perfeito está conscientemente unido com a realidade infinita. No caso dele, o abismo entre a consciência e a inconsciência é transposto, não por uma extensão da inconsciência sobre a consciência (como numa pessoa que aprecia o sono profundo), mas pela extensão da consciência sobre a inconsciência. O crescimento e a diminuição da consciência é aplicável apenas ao indivíduo limitado. No caso de um mestre perfeito, a conquista do inconsciente pelo consciente é final e permanente, e, portanto, seu estado de Auto-conhecimento é contínuo e inquebrantável e permanece o mesmo todo o tempo sem nenhuma diminuição. A partir daí você pode ver que o mestre perfeito nunca dorme no sentido ordinário da palavra. Quando descansa seu corpo ele não experimenta uma lacuna em sua consciência.

No estado de perfeição, a consciência total torna-se consumada pelo desaparecimento de todos os obstáculos à Iluminação. A conquista do inconsciente pelo consciente é completa, e a pessoa habita continuamente na plena chama da Iluminação ou como que unificada com a Iluminação.
Ela se torna a própria Iluminação. Enquanto uma pessoa permanece sob o domínio da dualidade e olha para as experiências diversas como sendo reais e finais, ela não atravessou o domínio da Ignorância. No estado de compreensão final, uma pessoa percebe que o Infinito, que é um sem um segundo, é a única Realidade. O Infinito penetra e inclui toda existência, não deixando nada como seu rival. Uma pessoa que tem tal realização atingiu o estado mais elevado de consciência. Nesse estado, a consciência total, que é o fruto da evolução, é retida; mas as limitações dos sanskaras e dos desejos são completamente transcendidas. A individualidade limitada, que é criação da Ignorância, é transformada na Individualidade divina, que é ilimitada. A ilimitável consciência da Alma Universal torna-se individualizada nesse foco sem gerar nenhuma forma de ilusão. A pessoa está livre de todos os desejos auto-centrados e torna-se o canal do fluir espontâneo da vontade suprema e universal, que expressa a divindade.
A Individualidade torna-se ilimitada através do desaparecimento da Ignorância. Uma vez que não está prejudicada pela separação de Maya e confundida em sua realidade, ela aprecia o estado de Liberação no qual há consciência sem objeto, Ser puro e uma alegria límpida. Tal pessoa não tem mais nenhuma das ilusões que deixam perplexos e desconcertados os homens. Num certo sentido ela está morta. O ego pessoal, que é a fonte do sentido de separação, foi aniquilado para sempre. Mas num outro sentido, ela está livre para sempre com amor insuperável e contentamento eterno. Tem poder e sabedoria infinitos e o universo inteiro para ela é um campo para seu trabalho espiritual de aperfeiçoar a humanidade.