segunda-feira, 11 de novembro de 2019

Isha Schwaller de Lubicz - A alma no antigo Egito




Quando consideramos a relação dos estados psíquicos e espirituais com as funções orgânicas, é importante ter em mente também as condições gerais em níveis mais sutis do que o físico.
O sopro vital (em egípcio, o Ba universal) é inalado pelos pulmões e individualizado pelo sangue na forma de uma força vital animal (em egípcio, o Ba animal), essa é a alma inferior ou sensível, o nefesh Hebreu. Ela corresponde ao pro chinês que é a energia vital inconsciente das células, dos órgãos, do sexo e ela reside nos pulmões.
O corpo astral ou etéreo, que corresponde a noção popular de um fantasma (linga-sharira entre os Hindus e em Egípcio a sombra, Khaibit) tem como lugar o baço. Está relacionada ao Akasha, o mundo ou o estado que contém os registros de todas a imagens e figuras no nosso universo e isso justifica a ideia de que o baço é o assento da imaginação.
A força vital individual que grava no fígado as características da personalidade e da hereditariedade paternal é o Ka intermediário ou pessoal dos egípcios. Os chineses chamam-no roun e situam-no no fígado e definem suas manifestações como “energia vital pessoal, necessidades e tendências vitais pessoais e necessidades sexuais conscientes.” Na realidade essa consciência pertence ao Ser automático, o ego mortal e em relação à consciência-ego é uma forma de subconsciente, enquanto a última (que também reage no fígado) não é despertada.
O estado mental (Manas em sânscrito) tem dois aspectos. O cérebro é o órgão de um deles e em suas diferentes localizações está conectado com todas as operações da mente inferior. O outro pertence a consciência imortal do homem e sua inteligência espiritual, e não possui um órgão físico, usando estações de transmissão adequadas aos seus diferentes modos de expressão.
O estado intuitivo (que no hinduísmo começa com buddhi) tem suas estações de transmissão na glândula pineal e na região do coração; está relacionado com o Chen chinês, traduzido como ‘consciência’ ou ‘centelha espiritual que relaciona o homem com o universo’. Essa estação localiza-se no coração de acordo com os Chineses e Egípcios.

As palavras ‘alma’ e ‘espírito’, da forma que são usadas em países cristãos são tão vagas que precisamos pedir para o leitor permitir a adoção de dois termos do antigo Egito: Ba e Ka, primeiro porque o significado metafísico dessas palavras é definido estritamente e segundo porque as noções filosóficas conectadas a elas tornará possível explicar seus diferentes aspectos melhor do que qualquer outra maneira. A seguinte descrição é uma citação dos comentários no Her-Bak (livro de Isha Swaller de lubicz – a face viva do antigo Egito).
Há uma boa razão para enfatizar a forma Egípcia desse ensinamento, pois os textos antigos, hieróglifos e imagens, permanecendo inalterados, são testemunhas de uma tradição imutável.

A alma no antigo Egito

Os diferentes constituintes da natureza humana recebem diferentes nomes em cada tradição religiosa e seu número e classificação podem variar de acordo com as escolas de uma única tradição, mas isso de forma nenhuma impugna a realidade do nosso conhecimento delas.
Os elementos ocultos da natureza humana são estágios ou modalidades da consciência que existem, de fato, independente da maneira que são classificados ou nomeados, e o conhecimento e experiência desses diversos estados consiste nos vários graus de maestria, independente de qualquer diferença de terminologia. Estudá-los em teoria, entretanto, requer um conhecimento dos termos a serem empregados.
A palavra ‘alma’ é vaga e muito inclusiva e cria ilusões quando a discriminação entre os diferentes estados de consciência não é possível devido à ignorância. No outro extremo uma análise muito detalhada torna-se intelectualmente irritante e também representa uma obstrução no caminho do autoconhecimento.
Os principais estados metafísicos do homem são mencionados pelos Egípcios, mas não são tão detalhadamente analisados como pelos Hindus. Tal análise era desnecessária pois os símbolos hieróglifos podem expressar os diferentes aspectos de um princípio singular de acordo com como eles são usados, em grupos ou separadamente e em tal método há menor risco de erro do que quando estudamos isoladamente constituintes que não podem ser separados.
A complexidade, porém, não é maior quando consideramos os diferentes significados ocultos de nossos constituintes espirituais. Não é difícil para a imaginação compreender as duas condições extremas da composição humana, a mais espiritual de um lado e do outro a mais próxima ao corpo, a Sombra ou Fantasma, o ‘corpo emocional”, que conserva nossa semelhança e carrega traços à nossa vida psíquica.
Mas é mais difícil definir os fatores intermediários que tem tanto algo da nossa natureza inferior quanto da nossa natureza mais elevada, tais como os diferentes aspectos do Ba e Ka, que às vezes são falados separadamente e às vezes tomados juntos sob um mesmo nome.
As definições desses dois devem sempre ser relativas umas às outras, uma vez que podem apenas referirem-se a um aspecto em suas relações ao outro.
Ba, em relação ao Ka, é o espírito vivificante. Ka, em relação ao Ba, é a individualização da consciência em estados mais ou menos grosseiros ou sutis de Ser e torna possível a estabilização do espírito vivificante.
Ba dá o sopro da vida, sua característica é não ser fixo por natureza e sempre necessita de suporte.
Ka é um princípio de firmeza, de fixação e atração, é o poder que pode atrair, estabilizar e transformar o princípio vital ou vivificante, Ba.
A palavra bka, significa a impregnação ou fecundação de uma fêmea, mostra como esses dois fatores devem ser trazidos juntos para que possa haver a concepção, que é a encarnação do Ka essencial e específico, dado pela semente e animado pela respiração vital do Ba.
Não devemos esquecer que tudo vem do Um e todos os fatores ou estados de ser são apenas manifestações do Um, a despeito dos diferentes nomes que lhes são dados para expressar Seus diferentes aspectos. Esses aspectos podem parecer intercambiáveis de acordo com seu modo mútuo de ação e reação em todas as tríades da ‘Manifestação’, a qual surgiu da trindade original. Assim, podem existir intercâmbio de nomes entre as diferentes funções.
Dessa forma com Ba e Ka há um contínuo intercâmbio cada um atuando ora como parte ativa ora como parte passiva.
Estando avisados sobre o erro de interpretá-los esquematicamente, podemos estudar as respectivas funções de Ba e Ka.
Ba é o aspecto impessoal da alma, pois é o aspecto universal, mas é condicionado pelas afinidades com Ka, e essas são determinadas pelas circunstâncias do nascimento.
No que diz respeito ao nosso surgimento, Ba e Ka são o segundo e o terceiro princípios ou estados manifestando a Trindade, a qual é primeiro criativa e depois formativa e regenerativa. O primeiro princípio não é akh, como a terminologia comum costuma fazer-nos supor, mas a, que contém virtualmente os dois aspectos (atividade, passividade, àa ou ia) da Fonte Original, a Palavra Criativa. Akh é o poder original gerado na escuridão da matéria e superando-a na sua qualidade de luz emergindo da escuridão.
O segundo fator, Ba, foi considerado no Egíto sob dois aspectos, como a Alma Universal, a Alma Natural e a Alma Humana, mas ele tem em si um caráter duplo.
Pois assim como na Trindade original o Dois têm um caráter dual, uma vez que compartilha na essência divina do Um do qual procede, mas também tem o caráter particular ou individual devido à sua parte na Natureza, que ele vai “causar” através da sua dualidade, Da mesma forma, Ba é tanto universal e particularizado no ser humano. Ainda assim, sendo que sua natureza é espiritual, permanece indivisível, isto é, se para de ser individualizada, retorna para a união com sua fonte.
Ba, assim como Ka, tem três aspectos:
1-      Ba, é a alma cósmica, o Espírito de Fogo, que dá vida ao mundo em todas as suas partes. Originalmente existe Ba e entre o início e o fim Ba está em todas as coisas, sendo o sopro que cria a vida. Portanto, o espírito de Ba está em todas as partes do mundo e na sua perfeição final.
2-      Ba é a Alma natural estabilizada na forma corpórea e seu personagem é Osiriano, ou seja, sujeito a renovações cíclicas. Esse aspecto é simbolizado pelo carneiro com dois chifres horizontais.
3-      Ba também é representado por um pássaro com uma cabeça humana e esse é o símbolo da alma humana, que vai e vem entre o céu e a terra, vagueando perto do seu corpo até que a purificação de seu Ka-djet, ou corpo glorioso indestrutível, que ela então pode assumir.  
Os três aspectos de Ka podem ser entendidos da seguinte maneira:
Em sua forma original, Ka, é o elemento formal que dá forma para a Substância e assim cria a Matéria. É o princípio da fixação que se torna a base para toda a Manifestação, a força motivadora das funções universais. Os Egípcios também o chamavam de “Pai dos pais dos Neters (princípios)”, pois Ka é o princípio que realiza (torna real) a continua criação, sem ele o Pai não teria poder efetivo, e através dele o Filho revela a face do seu Pai. Através dele todas as coisas recebem seus “nomes”.
Os Kas do sol, Ra, são propriedades ativas, os Kas de qualquer tipo de comida são suas qualidades vitalizantes. Pois Ka é a fonte de todos os apetites.
Todos os aspectos de Ka são encontrados no homem, mas nem todos estão sob seu controle. As qualidades superiores de Ka que se alimentam do fogo sutil do tutano, só se encorparam no homem quando ele tem conhecimento disso e domina-os.
Os Kas animais residem nos intestinos e os apetites dos quais eles são a encarnação permanecem por um certo tempo após a morte. É para esses kas que a comida funerária era oferecida. Mas o Ka superior de um homem é superior a esses Kas animais.
Podemos agora ver os três aspectos de Ka:
Primeiro o Ka original, criador de todos o outros, depois os kas da natureza, mineral, vegetal, e animal, e então o Ka individualizado do homem, que inclui seu caráter herdado e sua própria assinatura e que também determina seu destino.
No reino humano o Ka era também considerado pelos Egípcios sob três aspectos: no nível universal como a origem do homem, no rei como o microcosmo, tipo e símbolo do homem perfeito, e no homem ordinário ainda não aperfeiçoado.
Podemos agora falar do Ba humano da alma individual, que graças ao seu Ka torna-se uma Entidade.
Ba, como espírito puro e sem forma, deve sempre ter um suporte para que possa se manifestar, e esse suporte é a afinidade seletiva da coisa a qual ele deve animar, e essa afinidade é determinada e caracterizada pelo Ka.
São as características do Ka que fazem as escolhas das circunstâncias para a encarnação, bem como da nutrição e da atmosfera do entorno.
O Ka, que é o elemento estável no homem se distingue dos Kas dos outros homens pelas qualidades específicas da sua própria afinidade seletiva. O Ba universal está em constante contato com o homem ao qual ele anima e com seu Ka; mas o Ka ao assimilá-lo gera um novo ser que é a alma individualizada, que permanece divina, incorruptível e, portanto, imortal e ainda é governada pela afinidade que ela agora tem com as características de seu Ka. Isso é o que chamamos de Ka superior.
O Ba individualizado é, portanto, o elemento mais espiritual no homem, pois através de sua natureza divina representa seu elo com o Criador. Por isso será sempre incompreensível para a faculdade pensante, cuja natureza relativa não pode estabelecer contato com o Espírito. Assim também é impossível definir esse Ba-alma, ou aprisioná-lo num corpo, pois ele é incomensurável e indivisível, livre e não afetado pelas vicissitudes do ser humano cujo único elo com ele é a consciência.
É difícil distinguir os diferentes aspectos de Ka, pois suas diferenças não residem na sua fonte ou causa, mas apenas em seus efeitos. Se a luz do sol é refletida por vários espelhos feitos de diferentes metais, ela assumirá diferentes cores e qualidades dos diferentes espelhos. Assim, embora cada entidade-Ka surja da mesma fonte Maat (consciência-verdade), cada uma é caracterizada no homem no qual está encarnada por assinaturas das forças vitais (Kas natural, orgânico e instintivo) que ele encontra em si e pela consciência inata do seu ser.
Portanto, o Ka é seu agente de consciência, A Testemunha Permanente das transformações do seu ser; é a personalidade gravada no fígado e assinada sobre a pele por Seshat; ele compartilha as reações emocionais que são sentidas pelo coração  e pelos Kas do corpo animal, é alimentado pelos Kas dos alimentos e enriquecido pelo duplo nefer, a corrente dupla de fogo na sua coluna vertebral.
O homem, ignorante do seu próprio mundo espiritual tem pouco ou nenhum contato com seu Ka divino. Seu Ka pessoal é trazido pelo conjunto dos seus Kas inferiores, dessa forma ele irá, após a morte, tornar-se sua própria sombra ou fantasma.  
Mas a busca pelas fontes de ação espiritual e pelo aumento da consciência podem modificar o caráter do seu Ka pessoal até que as faculdade espirituais são despertadas e ele estabelece contato com o Ka divino e isso proporcionalmente diminui a tirania do Ka inferior.
Esse relato dos aspectos de Ba e Ka é mais próximo da realidade que todas as explicações teóricas que teriam que ser construídas para tornar inteligíveis os vários aspectos do que é comumente chamado de “a alma”. Seria sábio pensar sobre isso frequente e profundamente até que sua realidade se torne aparente.
Nesse trabalho a palavra “alma” foi usada como o aspecto espiritual mais elevado de Ba. A alma individualizada, ou a Testemunha Espiritual, que também pode ser chamada de Testemunha do Ser Impessoal, foi chamado de “Ka divino”. A testemunha Permanente ou a Consciência Pessoal corresponde ao Ka intermediário.
O Ka inferior compreende a “consciência psicológica” do autômato (físico, emocional e mental). Os Kas animais correspondem à consciência orgânica, incluindo a consciência essencial funcional, que os Egípcios chamaram de “os quatro filhos de Horus”.

4 comentários:

Lucas disse...

Uau! Achei de bem difícil compreensão esse texto. Me pareceu que em certo ponto ela descreve que o Ka inferior é o conjunto dos centros descritos pelo Gurdjieff - o que pode significar que depois de percorrer o caminho da auto observação dos centros da "máquina" é possível partir pro caminho da observação da "origem", do que dá vida à máquina...

Ricardo Melito disse...

Isso mesmo, Lucas!!!
Muito bem observado!

Anônimo disse...

Não vai postar mais nada? A pagina terminou?
Obrigado.

Douglas Aguiar disse...

Morta