Quando consideramos a relação dos
estados psíquicos e espirituais com as funções orgânicas, é importante ter em
mente também as condições gerais em níveis mais sutis do que o físico.
O sopro vital (em egípcio, o Ba
universal) é inalado pelos pulmões e individualizado pelo sangue na forma de
uma força vital animal (em egípcio, o Ba animal), essa é a alma inferior
ou sensível, o nefesh Hebreu. Ela corresponde ao pro chinês que é
a energia vital inconsciente das células, dos órgãos, do sexo e ela reside nos
pulmões.
O corpo astral ou etéreo, que
corresponde a noção popular de um fantasma (linga-sharira entre os
Hindus e em Egípcio a sombra, Khaibit) tem como lugar o baço. Está
relacionada ao Akasha, o mundo ou o estado que contém os registros de
todas a imagens e figuras no nosso universo e isso justifica a ideia de que o
baço é o assento da imaginação.
A força vital individual que grava
no fígado as características da personalidade e da hereditariedade paternal é o
Ka intermediário ou pessoal dos egípcios. Os chineses chamam-no roun e
situam-no no fígado e definem suas manifestações como “energia vital pessoal,
necessidades e tendências vitais pessoais e necessidades sexuais conscientes.” Na
realidade essa consciência pertence ao Ser automático, o ego mortal e em
relação à consciência-ego é uma forma de subconsciente, enquanto a última (que
também reage no fígado) não é despertada.
O estado mental (Manas em
sânscrito) tem dois aspectos. O cérebro é o órgão de um deles e em suas
diferentes localizações está conectado com todas as operações da mente
inferior. O outro pertence a consciência imortal do homem e sua inteligência
espiritual, e não possui um órgão físico, usando estações de transmissão adequadas
aos seus diferentes modos de expressão.
O estado intuitivo (que no
hinduísmo começa com buddhi) tem suas estações de transmissão na
glândula pineal e na região do coração; está relacionado com o Chen
chinês, traduzido como ‘consciência’ ou ‘centelha espiritual que relaciona o
homem com o universo’. Essa estação localiza-se no coração de acordo com os
Chineses e Egípcios.
As palavras ‘alma’ e ‘espírito’, da forma que são usadas em países cristãos são tão vagas que precisamos pedir para o leitor permitir a adoção de dois termos do antigo Egito: Ba e Ka, primeiro porque o significado metafísico dessas palavras é definido estritamente e segundo porque as noções filosóficas conectadas a elas tornará possível explicar seus diferentes aspectos melhor do que qualquer outra maneira. A seguinte descrição é uma citação dos comentários no Her-Bak (livro de Isha Swaller de lubicz – a face viva do antigo Egito).
Há uma boa razão para enfatizar a
forma Egípcia desse ensinamento, pois os textos antigos, hieróglifos e imagens,
permanecendo inalterados, são testemunhas de uma tradição imutável.
A alma no antigo Egito
Os diferentes constituintes da
natureza humana recebem diferentes nomes em cada tradição religiosa e seu
número e classificação podem variar de acordo com as escolas de uma única
tradição, mas isso de forma nenhuma impugna a realidade do nosso conhecimento
delas.
Os elementos ocultos da natureza
humana são estágios ou modalidades da consciência que existem, de fato,
independente da maneira que são classificados ou nomeados, e o conhecimento e
experiência desses diversos estados consiste nos vários graus de maestria,
independente de qualquer diferença de terminologia. Estudá-los em teoria,
entretanto, requer um conhecimento dos termos a serem empregados.
A palavra ‘alma’ é vaga e muito
inclusiva e cria ilusões quando a discriminação entre os diferentes estados de
consciência não é possível devido à ignorância. No outro extremo uma análise
muito detalhada torna-se intelectualmente irritante e também representa uma
obstrução no caminho do autoconhecimento.
Os principais estados metafísicos
do homem são mencionados pelos Egípcios, mas não são tão detalhadamente
analisados como pelos Hindus. Tal análise era desnecessária pois os símbolos
hieróglifos podem expressar os diferentes aspectos de um princípio singular de
acordo com como eles são usados, em grupos ou separadamente e em tal método há
menor risco de erro do que quando estudamos isoladamente constituintes que não
podem ser separados.
A complexidade, porém, não é maior
quando consideramos os diferentes significados ocultos de nossos constituintes
espirituais. Não é difícil para a imaginação compreender as duas condições
extremas da composição humana, a mais espiritual de um lado e do outro a mais
próxima ao corpo, a Sombra ou Fantasma, o ‘corpo emocional”, que conserva nossa
semelhança e carrega traços à nossa vida psíquica.
Mas é mais difícil definir os
fatores intermediários que tem tanto algo da nossa natureza inferior
quanto da nossa natureza mais elevada, tais como os diferentes aspectos do Ba
e Ka, que às vezes são falados separadamente e às vezes tomados juntos
sob um mesmo nome.
As definições desses dois devem
sempre ser relativas umas às outras, uma vez que podem apenas referirem-se a um
aspecto em suas relações ao outro.
Ba, em relação ao Ka, é o espírito vivificante. Ka, em
relação ao Ba, é a individualização da consciência em estados mais ou
menos grosseiros ou sutis de Ser e torna possível a estabilização do espírito vivificante.
Ba dá o sopro da vida, sua característica é não ser fixo por
natureza e sempre necessita de suporte.
Ka é um princípio de firmeza, de fixação e atração, é o poder que
pode atrair, estabilizar e transformar o princípio vital ou vivificante, Ba.
A palavra bka, significa a
impregnação ou fecundação de uma fêmea, mostra como esses dois fatores devem
ser trazidos juntos para que possa haver a concepção, que é a encarnação do Ka
essencial e específico, dado pela semente e animado pela respiração vital do Ba.
Não devemos esquecer que tudo vem
do Um e todos os fatores ou estados de ser são apenas manifestações do Um, a
despeito dos diferentes nomes que lhes são dados para expressar Seus diferentes
aspectos. Esses aspectos podem parecer intercambiáveis de acordo com seu modo
mútuo de ação e reação em todas as tríades da ‘Manifestação’, a qual surgiu da
trindade original. Assim, podem existir intercâmbio de nomes entre as diferentes
funções.
Dessa forma com Ba e Ka
há um contínuo intercâmbio cada um atuando ora como parte ativa ora como parte
passiva.
Estando avisados sobre o erro de
interpretá-los esquematicamente, podemos estudar as respectivas funções de Ba
e Ka.
Ba é o aspecto impessoal da alma, pois é o aspecto universal, mas é
condicionado pelas afinidades com Ka, e essas são determinadas pelas
circunstâncias do nascimento.
No que diz respeito ao nosso
surgimento, Ba e Ka são o segundo e o terceiro princípios ou
estados manifestando a Trindade, a qual é primeiro criativa e depois formativa
e regenerativa. O primeiro princípio não é akh, como a terminologia
comum costuma fazer-nos supor, mas a, que contém virtualmente os dois
aspectos (atividade, passividade, àa ou ia) da Fonte Original, a
Palavra Criativa. Akh é o poder original gerado na escuridão da matéria
e superando-a na sua qualidade de luz emergindo da escuridão.
O segundo fator, Ba, foi
considerado no Egíto sob dois aspectos, como a Alma Universal, a Alma Natural e
a Alma Humana, mas ele tem em si um caráter duplo.
Pois assim como na Trindade
original o Dois têm um caráter dual, uma vez que compartilha na essência divina do
Um do qual procede, mas também tem o caráter particular ou individual devido à
sua parte na Natureza, que ele vai “causar” através da sua dualidade, Da mesma
forma, Ba é tanto universal e particularizado no ser humano. Ainda assim,
sendo que sua natureza é espiritual, permanece indivisível, isto é, se para de
ser individualizada, retorna para a união com sua fonte.
Ba, assim como Ka, tem três aspectos:
1-
Ba, é a alma cósmica, o Espírito de Fogo, que dá vida ao mundo em
todas as suas partes. Originalmente existe Ba e entre o início e o fim Ba
está em todas as coisas, sendo o sopro que cria a vida. Portanto, o espírito de Ba
está em todas as partes do mundo e na sua perfeição final.
2-
Ba é a Alma natural estabilizada na forma corpórea e seu personagem é
Osiriano, ou seja, sujeito a renovações cíclicas. Esse aspecto é simbolizado pelo
carneiro com dois chifres horizontais.
3-
Ba também é representado por um pássaro com uma cabeça humana e esse
é o símbolo da alma humana, que vai e vem entre o céu e a terra, vagueando
perto do seu corpo até que a purificação de seu Ka-djet, ou corpo
glorioso indestrutível, que ela então pode assumir.
Os três aspectos de Ka
podem ser entendidos da seguinte maneira:
Em sua forma original, Ka,
é o elemento formal que dá forma para a Substância e assim cria a Matéria. É o
princípio da fixação que se torna a base para toda a Manifestação, a força
motivadora das funções universais. Os Egípcios também o chamavam de “Pai dos
pais dos Neters (princípios)”, pois Ka é o princípio que realiza (torna
real) a continua criação, sem ele o Pai não teria poder efetivo, e através dele
o Filho revela a face do seu Pai. Através dele todas as coisas recebem seus “nomes”.
Os Kas do sol, Ra, são
propriedades ativas, os Kas de qualquer tipo de comida são suas
qualidades vitalizantes. Pois Ka é a fonte de todos os apetites.
Todos os aspectos de Ka são
encontrados no homem, mas nem todos estão sob seu controle. As qualidades superiores
de Ka que se alimentam do fogo sutil do tutano, só se encorparam no homem quando
ele tem conhecimento disso e domina-os.
Os Kas animais residem nos
intestinos e os apetites dos quais eles são a encarnação permanecem por um
certo tempo após a morte. É para esses kas que a comida funerária era oferecida.
Mas o Ka superior de um homem é superior a esses Kas animais.
Podemos agora ver os três aspectos
de Ka:
Primeiro o Ka original,
criador de todos o outros, depois os kas da natureza, mineral, vegetal,
e animal, e então o Ka individualizado do homem, que inclui seu caráter
herdado e sua própria assinatura e que também determina seu destino.
No reino humano o Ka era
também considerado pelos Egípcios sob três aspectos: no nível universal como a
origem do homem, no rei como o microcosmo, tipo e símbolo do homem perfeito, e
no homem ordinário ainda não aperfeiçoado.
Podemos agora falar do Ba
humano da alma individual, que graças ao seu Ka torna-se uma Entidade.
Ba, como espírito puro e sem forma, deve sempre ter um suporte para
que possa se manifestar, e esse suporte é a afinidade seletiva da coisa a qual
ele deve animar, e essa afinidade é determinada e caracterizada pelo Ka.
São as características do Ka
que fazem as escolhas das circunstâncias para a encarnação, bem como da
nutrição e da atmosfera do entorno.
O Ka, que é o elemento
estável no homem se distingue dos Kas dos outros homens pelas qualidades
específicas da sua própria afinidade seletiva. O Ba universal está em
constante contato com o homem ao qual ele anima e com seu Ka; mas o Ka
ao assimilá-lo gera um novo ser que é a alma individualizada, que permanece
divina, incorruptível e, portanto, imortal e ainda é governada pela afinidade
que ela agora tem com as características de seu Ka. Isso é o que
chamamos de Ka superior.
O Ba individualizado é,
portanto, o elemento mais espiritual no homem, pois através de sua natureza divina
representa seu elo com o Criador. Por isso será sempre incompreensível para a
faculdade pensante, cuja natureza relativa não pode estabelecer contato com o
Espírito. Assim também é impossível definir esse Ba-alma, ou aprisioná-lo
num corpo, pois ele é incomensurável e indivisível, livre e não afetado pelas vicissitudes
do ser humano cujo único elo com ele é a consciência.
É difícil distinguir os diferentes
aspectos de Ka, pois suas diferenças não residem na sua fonte ou causa,
mas apenas em seus efeitos. Se a luz do sol é refletida por vários espelhos
feitos de diferentes metais, ela assumirá diferentes cores e qualidades dos
diferentes espelhos. Assim, embora cada entidade-Ka surja da mesma fonte
Maat (consciência-verdade), cada uma é caracterizada no homem no qual
está encarnada por assinaturas das forças vitais (Kas natural, orgânico
e instintivo) que ele encontra em si e pela consciência inata do seu ser.
Portanto, o Ka é seu agente
de consciência, A Testemunha Permanente das transformações do seu ser; é a
personalidade gravada no fígado e assinada sobre a pele por Seshat; ele
compartilha as reações emocionais que são sentidas pelo coração e pelos Kas do corpo animal, é
alimentado pelos Kas dos alimentos e enriquecido pelo duplo nefer, a
corrente dupla de fogo na sua coluna vertebral.
O homem, ignorante do seu próprio
mundo espiritual tem pouco ou nenhum contato com seu Ka divino. Seu Ka
pessoal é trazido pelo conjunto dos seus Kas inferiores, dessa forma ele
irá, após a morte, tornar-se sua própria sombra ou fantasma.
Mas a busca pelas fontes de ação
espiritual e pelo aumento da consciência podem modificar o caráter do seu Ka
pessoal até que as faculdade espirituais são despertadas e ele estabelece
contato com o Ka divino e isso proporcionalmente diminui a tirania do Ka
inferior.
Esse relato dos aspectos de Ba
e Ka é mais próximo da realidade que todas as explicações teóricas que
teriam que ser construídas para tornar inteligíveis os vários aspectos do que é
comumente chamado de “a alma”. Seria sábio pensar sobre isso frequente e
profundamente até que sua realidade se torne aparente.
Nesse trabalho a palavra “alma”
foi usada como o aspecto espiritual mais elevado de Ba. A alma
individualizada, ou a Testemunha Espiritual, que também pode ser chamada de
Testemunha do Ser Impessoal, foi chamado de “Ka divino”. A testemunha
Permanente ou a Consciência Pessoal corresponde ao Ka intermediário.
O Ka inferior compreende a “consciência
psicológica” do autômato (físico, emocional e mental). Os Kas animais correspondem
à consciência orgânica, incluindo a consciência essencial funcional, que os
Egípcios chamaram de “os quatro filhos de Horus”.
4 comentários:
Uau! Achei de bem difícil compreensão esse texto. Me pareceu que em certo ponto ela descreve que o Ka inferior é o conjunto dos centros descritos pelo Gurdjieff - o que pode significar que depois de percorrer o caminho da auto observação dos centros da "máquina" é possível partir pro caminho da observação da "origem", do que dá vida à máquina...
Isso mesmo, Lucas!!!
Muito bem observado!
Não vai postar mais nada? A pagina terminou?
Obrigado.
Morta
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