1 De Maio de 1949
Há muito a dizer sobre os últimos meses de Ouspensky na Terra. Ele retornou à Inglaterra em Janeiro de 1947, um homem muito doente, mas longe de estar derrotado, um homem livre por fim. Eu o segui em Abril, fiquei em Lyne, onde encontrava-se sua casa no campo e tive sorte o bastante para estar com ele durante todo aquele verão. Ele realizou três ou quatro grandes reuniões em Londres em março, abril e maio, nas quais ele falou de uma maneira nova. Ele disse: 'Abandonei o sistema*', e se recusou a ouvir qualquer coisa referente às palavras ou à teoria dele, forçando as pessoas a penetrar no que elas realmente entendiam e queriam em seus corações. Essas reuniões confundiram algumas pessoas, mas causaram uma impressão muito extraordinária.
Então, silenciosamente retirou-se para o campo pelo resto do verão. Ele praticamente quase não falou mesmo com as pessoas que comiam e sentavam-se com ele. Ainda assim tínhamos a sensação de que tudo o que era feito era uma espécie de demonstração, e gradualmente, desenvolveu-se uma atmosfera que dificilmente pode ser descrita. Olhando para trás, esse parece ter sido o período mais feliz e mais vívido de minha vida. Ele mostrou para os poucos que estavam com ele, sem explicação, o que significa para um homem passar conscientemente para o Reino do Espírito. Ele disse que iria voltar para a América em 4 de setembro e que deveríamos fazer todos os preparativos. Fizemos o que ele pediu. Naquele dia fomos para Southampton, colocamos nossa bagagem a bordo e estávamos prontos para sair. Poucas horas antes do barco partir, ele chegou no porto e de repente disse calmamente, 'Eu não vou para a América neste momento.' Foi como o exercício do 'stop' na escala de todo o Trabalho**. Uma parada foi feita em muitas vidas, os planos pessoais de todos foram virados de cabeça para baixo e um espaço foi criado no momentum do tempo onde algo muito novo podia ser feito.
Então o período mais extraordinário e indescritível teve início. No último mês de sua vida, terrivelmente fraco e doente, ele viajou por todo o sul da Inglaterra a lugares que ele tinha conhecido, permaneceu acordado dia e noite, exigiu tarefas cada vez mais impossíveis de si mesmo e parecia subir em uma crescente de esforços para encontrar o momento da morte. Durante esse período, muitas coisas que chamamos de milagrosas ocorreram. Naquele mês ele criou um novo caminho para o seu pessoal e pagou suas dívidas para eles. Então, no final, ele disse numa estranha manhã, 'agora vocês devem reconstruir tudo, desde o princípio." Ele faleceu em 2 de outubro de 1947. No momento antes e após a sua morte, para mim mesmo e para muitos outros, a ideia e a finalidade do nosso trabalho revelou-se de forma diferente. Ficou claro que antes tínhamos tomado tudo de uma forma extraordinariamente simples e incompleta. Ao demonstrar uma morte consciente, Ouspensky pareceu mostrar que nisso reside todas as possibilidades.
Os significados de reconstruir tudo são ilimitados. Mas em um sentido, parecia que o complemento exato de seu 'abandono do sistema' de seis meses antes. Tudo deve abandonado e, depois, refeito — para cada pessoa e para o sistema como um todo.
1 De novembro de 1949
Vou tentar dizer como estou. Tenho que ir para trás para o recomeço de tudo para mim — a morte do senhor Ouspensky. Para mim não há nenhum outro lugar para começar. Pois ele mostrou tais coisas sobre a morte que fez com que jamais pudéssemos ter medo dela e ainda menos de tudo o que pode vir na vida. Ele mostrou-a simplesmente como o anverso da vida, a colheita do que sentimos e desejamos na vida. Ao mesmo tempo, ele mostrou a morte como o maior dos mistérios, onde tudo se torna possível e nada é impossível. E por ele ter dominado a morte, extraído todas as possibilidades dela, como pudemos ver, ele criou um caminho aberto para outras pessoas, fez com que não fosse impossível para nós trilhá-lo. De modo que, de uma certa maneira toda a nossa vida e a vida de todas as pessoas foi mostrada como sendo uma preparação para encontrar todas as possibilidades na morte. Eu sei que interpretado de uma certa forma isso soa estranho, até mesmo mórbido. Mas quando nossa relação com a morte é clara, então, a vida e todos os detalhes da vida são preenchidos de interesse e doçura de uma maneira que era impossível anteriormente. E, por vezes, parece que nós vivemos realmente apenas quando temos em uma correta relação com a morte.
10 De agosto de 1948
É claro que a conquista de algum nível superior pelo senhor Ouspensky no momento da sua morte liberou uma energia muito grande que podia tocar e afetar a todos os que estavam intimamente ligados a ele, e que era independente do espaço e do tempo. Se for possível abandonar nossa visão fraca e distorcida do tempo, podemos compreender que aqueles que foram afetados por essa energia e por esse nível de homem podem continuar a tirar compreensão e direção daquela conexão, mesmo que as circunstâncias pareçam separá-los e isolá-los.
22 De Março de 1951
Sei que há uma parte em nós que, se pudermos encontra-la e recorrer a ela, pode saber e fazer o impossível. A mente lógica não conhece esses segredos e não pode conhecê-los. Mas há um lugar escondido no coração que sabe e pode nos dizer. Apenas temos de ouvir muito profundamente para ouvi-la e depois que ela tiver falado não devemos deixar a mente lógica explicar para afastar aquilo ou dizer-nos que é impraticável ou que é imaginação. Tenho conhecido pessoas que perdem um entendimento muito grande que lhes foi dado ao explicá-lo, afastando-o posteriormente como imaginação.
Mais tarde, a pessoa vai descobrir que todas as coisas que ela compreende ou que são requeridas dela dessa forma estão de acordo com as leis e os conhecimentos que foram dados a nós. Apenas não devemos esperar que elas concordem com a nossa interpretação dessas leis. Pelo contrário, essa nova compreensão revelará leis sob uma luz completamente nova e insuspeita. Por exemplo, todas as coisas literalmente milagrosas que aconteceram na morte de Ouspensky e tudo o que tem se desenvolvido desde então — tanto para mim pessoalmente e em relação ao seu trabalho como um todo — convence-me que ele não morreu como morrem os homens comuns, mas que ele atingiu um nível onde um homem se torna imortal*, ou de outra maneira, onde ele não está limitado ao tempo como nós o conhecemos, mas pode agir e fazer ligações através do tempo. Eu poderia ter chegado a esta conclusão através de minha experiência pessoal.
Mas percebo que de tudo de extraordinário, miraculoso e até mesmo fantástico que aconteceu e continua a acontecer, não há uma única coisa cuja possibilidade ele não tenha nos explicado em detalhes enquanto ele estava vivo. Além disso, se ele de fato tornou-se independente do tempo, ou se adquiriu o quarto corpo * (se você gosta de ser técnico), então ele está agora acessível a qualquer pessoa que deseje a sua ajuda com crença e urgência suficientes.
As palestras, todo o sistema conforme ele explicou, era de fato a explicação de como fazer o impossível, de como os milagres são alcançados. Como, então, podemos nos surpreender que o próprio Ouspensky realmente tenha colocado este conhecimento em prática, usando-o para o fim que foi destinado e que, evidentemente, é esperado daqueles que o seguiram levem-no da mesma forma? Olhando para trás, fico chocado em lembrar como nós considerávamos tudo como um método de fazer pequenos ajustes à nossa psicologia pessoal e até mesmo julgávamos as possibilidades finais e ele mesmo também nesse nível.
As ideias que ele explicou referem-se ao mundo objetivo e se pensarmos sobre elas e trabalharmos com elas, nós de fato nos prepararemos para orientar a nós mesmo nesse mundo objetivo quando chegarmos lá. Elas são um mapa muito exato daquele lugar. Mas para chegar lá temos de passar por nós mesmos e sair do outro lado. 'Acredite no impossível, pois então você vai acha-lo possível. 'Aquiete-se, pergunte ao seu coração o que você deve crer e creia, então agarre-se a isso e faça-o com toda a força que você pode reunir. E nunca deixe a voz da lógica e a probabilidade impedi-lo.
1 De fevereiro de 1949
Há algo muito interessante sobre a lei de causa e efeito. Parece claro que todas as causas que nós criamos em nossas vidas e cujos efeitos não conhecemos, devem estar dormentes até o dia inesperado quando — tomados de surpresa, chamamos o resultado inevitável de acidente. Mais cedo ou mais tarde todos os negócios inacabados devem ser terminados e todos os livros equilibrados. O homem sábio tenta pagar suas dívidas antes que as contas sejam apresentadas; tenta atar as pontas soltas de sua vida, pelo menos em sua mente, se não é possível fazê-lo de fato. E a cada pagamento requerido dele na vida, ele atende prontamente, feliz em pagar outra parcela. De alguma forma esse entendimento parece produzir o desejo de aceitar tudo que vem, de não lutar contra isso. Assim como Ouspensky aceitou e até mesmo intensificou, a doença, a idade, a dor, a solidão. Uma pessoa se torna livre ao engolir — uma respiração profunda, um gole, e ele tudo vai.
Em seguida, juntamente com a questão de nos tornarmos livre de nossa própria cadeia de causa e efeito, vem a questão de como tornar-se ligado à uma causa e efeito de uma natureza diferente. Isto parece ligado com a possibilidade de aceitar como seus próprios os efeitos de causas criadas pelo seu professor. Durante todos aqueles anos, Ouspensky ofereceu inúmeras sugestões sobre diferentes linhas de trabalho e de experiência; ao pegá-las agora, tornamo-nos parte das causas e efeitos da vida dele. Ele ou seus livros tocaram inúmeras pessoas e despertaram uma certa curiosidade, o que, por força das circunstâncias, jamais poderia ser realizado diretamente por ele. Ao instigarmos essa curiosidade nas pessoas que encontramos e ao alimentá-la da melhor que pudermos, nós novamente tornamo-nos de alguma forma conectados com sua cadeia de causa e efeito, que pouco a pouco pode tender a superar a nossa própria.
O que significa se tornar livre? Livre de que? Livre para quê? E como isso é feito? Essa é a questão. Naquela última vez, Ouspensky parecia mostrar tão claramente como. Ao aceitar tudo o que a vida e a morte podiam trazer, ao não resistir, ele tornou-se livre. Nós lutamos e debatemos porque não vemos o futuro. Se visse o futuro, como ele evidentemente o via, você aceitaria — não haveria mais nada a fazer. E ao aceitar, você mesmo se torna livre. Agora eu começo a ver o significado de querer saber o futuro. O homem que sabe o futuro não matar a si mesmo tentando alterar aquilo que necessariamente deve acontecer. Ele aceita o que deve ser, engole aquilo e desse modo eleva-se acima daquilo. Em seguida, tudo se torna possível para ele.
23 De setembro de 1950
É minha convicção que o senhor Ouspensky alcançou um estado no qual ele não estava e não está confinado ao tempo como nós estamos. Algumas das implicações disso eu tentei desenvolver na ‘Teoria da Vida Eterna’. Outras atingirão cada pessoa individualmente. Mas, entre outras, isso deve significar que um homem assim, dirigindo de fora do tempo, por assim dizer, pode desenvolver um plano de trabalho envolvendo pessoas em todo o mundo e cobrindo dezenas ou até centenas de anos. Tudo o que aconteceu desde a morte de Ouspensky confirma a minha certeza de que esse grande plano está de fato sendo aplicado. E que qualquer um que deseje sinceramente tem um lugar nele.
Eu nunca gostei e ainda não gosto da ideia de 'comunicações'. Pois embora essas coisas certamente sejam possíveis para o homem superior elas são inevitavelmente entendidas erradamente e logo que se fala sobre isso dá-se margem para a superstição em alguns e a incredulidade em outros. E em breve o supersticioso e o incrédulo inevitavelmente discutem.
Mas eu tenho que contar uma história. Não muito tempo depois da morte de Ouspensky, entrei no seu quarto e sentei lá em um humor muito curioso, supersticioso. Depois de um minuto ou dois uma voz em mim — poderia ter sido uma memória da voz de Ouspensky — disse com uma risada que eu também me lembro muito bem: 'você quer uma comunicação dos mortos. Bem, você não vai obter nenhuma!' Ao mesmo tempo, sempre ouvi cuidadosamente essas vozes, pois quase sempre elas têm algo interessante a dizer.
19 de novembro de 1948
Do meu próprio professor só posso dizer que ele também produziu entre seus amigos uma peça, da qual eles inconscientemente, mas perfeitamente, atuaram seus papeis, e cujo enredo foi sua própria morte. Silenciosamente, ele instruiu-nos em nossos corações, alguns reconhecendo isso e outros não. “Eu estarei sempre com vocês”, ele também poderia dizer — mas de maneira leve e fumando um cigarro, para que ninguém notasse. Deitado na cama em Surrey, ele possuiu com sua própria mente um jovem que voava sobre o Atlântico, o qual ele já havia livrado de uma ilusão. Naquela manhã, morto, ele andou com um viajante — atravessando a ponte de Londres; e a um outro ao volante de um carro ele mostrou a natureza do universo. No entanto, essas histórias são difíceis de acreditar. Que este presente livro seja a testemunha daquilo que ele alcançou depois, livro escrito este ano após sua morte, tratando de um conhecimento imerecido por mim. Que os que podem compreender entendam. Pois assim é.
2 comentários:
Incrivel o que esses dois nos ensinaram e continuam ensinando. A cada leitura tenho mais certeza do que buscar. Obrigada Ricardo!
Uma pena
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