quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Jalaluddin Rumi - O despertar do verme / As visões de Daquqi


"É assim que um ser humano pode mudar:

Há um verme viciado em comer
folhas de uva.

De repente, ele acorda.
Chame isso de graça, o que quer que seja, algo
o desperta e ele já não é mais um verme.

Ele é a vinha inteira
e o pomar também, o fruto, os troncos,
uma sabedoria e felicidade crescentes
que não precisa mais
devorar."
___________________________________________________

Husam,
conta a história de Daquqi
que disse:

“Viajei o Oriente e o Ocidente sem saber
para que caminho eu estava indo, seguindo a lua,
perdido dentro de Deus.”
Alguém perguntou: “Por que você vai descalço
sobre as pedras e os espinhos?”
“O que?” - ele disse.
“O que?”
Um amante desnorteado não caminha com os pés.
Ele ou ela caminha com o amor. Não há viagens “longas”
ou “curtas” para tal pessoa. Nem tempo.
O corpo aprendeu do espírito como viajar.
O corpo de um santo move-se de maneira incondicionada,
embora pareça ser em condicionamento.

Daquqi disse:
“Um dia eu estava indo por aí
procurando ver nas pessoas o brilho do Amigo,
para assim reconhecer o oceano numa gota,
o sol numa fagulha brilhante.
Eu vim para a costa
no crepúsculo e vi sete velas. Corri
pela praia na direção delas. A luz de cada uma
elevou-se ao céu. Fiquei maravilhado. Minha admiração
ficou admirada. Ondas de aturdimento
quebraram sobre minha cabeça.

O que são essas velas que ninguém parece ver?
Na presença de tais luzes as pessoas estiveram procurando
por lâmpadas para comprar!
Então as sete tornaram-se uma,
no meio da orla do céu.
Então aquilo
se abriu em sete novamente. Haviam conexões
entre as velas que não podem ser ditas.
Eu vi mas não posso dizer.

Corri mais perto. Caí. Fiquei deitado ali um pouco.
Levantei-me e corri novamente. Eu não tinha cabeça nem pés.

Elas se tornaram sete homens, e então sete árvores,
tão densas com folhas e frutas
que nenhum galho era visível.
Flashes de luz
brotavam de cada fruto como suco!

E o mais maravilhoso de tudo era que centenas
de milhares de pessoas estavam passando ao lado das árvores,
arriscando suas vidas, sacrificando tudo,
para encontrar um pedacinho de sombra.
Faziam guarda-sóis peculiares
com pedaços de lã. Tentavam qualquer coisa.

E nenhum via as árvores com suas tremendas sombras!
As caravanas não tinham comida, e ainda comida caía
por toda volta delas. Se alguém tivese dito:
'Olha! Aqui!'
eles teriam o considerado louco, ou bêbado.

Como isso pode acontecer? Ou estou sonhando?
Eu andei até as árvores. Comi o fruto.
Eu tenho que acreditar, portanto.
Ainda assim vejo as pessoas
procurando tão desesperadamente por uvas não amadurecidas,
com estas vinhas em torno delas,
lotadas com cachos perfeitos.
Então as sete árvores tornaram-se uma, e então sete novamente.
A cada segundo elas eram tanto sete quanto uma.
Estavam fazendo o ritual da oração, ajoelhando e curvando-se,
sem joelhos e sem cintura!
Então elas eram sete homens
sentados em meditação em prol da realidade una.

Eu cheguei mais perto e acenei. Eles chamaram:
'Ó Daquqi,
a glória e a coroa!'
'Como eles sabem meu nome?'
Eu pensei, 'eles nunca me viram antes.'

Imediatamente eles souberam meu pensamento
e sorriram uns para os outros.
'Honrado,
isso ainda está oculto de ti? Como pode algo
ser escondido de alguém tão dissolvido em Deus?'

'Se este é o espírito da realidade,' disse a mim mesmo,
'como ele estava falando palavras e dizendo nomes?'

Um dos sete respondeu: 'Nomes, às vezes
os nomes escapam, mas isso não é esquecimento.
É nosso ser tão absorto.'

Então todos eles disseram para mim:
'Você nos conduziria na oração?'
'Sim. Mas espere um pouco.
Estou ainda numa confusão temporária
que será resolvida estando na companhia de vocês.

Através da companhia do solo a videira cresce.
Ela eclode de dentro da escuridão da terra
e voa. Ela perde o egoísmo
na presença de sua origem e aprende
o que ela realmente é.'
Eles consentiram, embora dizendo:
'a qualquer momento que estiver pronto'. Aquele consentimento
foi uma chama em meu coração.
Fui libertado do tempo com horários,
de sequência e relação.”

Todos têm um estábulo
e um treinador designado para si. Se você fugir,
o treinador vem e lhe pega. Você pensa
que está fazendo escolhas, mas na verdade o treinador
o está levando por aí.
Você gosta de negar
que você tem um proprietário. Você diz,
"São as demandas do meu poderoso animal.”

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Meher Baba - Os estágios do Caminho

Todas as pessoas têm de passar pelo estado de aprisionamento, mas este período de escravidão não deve ser encarado como um episódio sem sentido na evolução da vida. A pessoa tem de experimentar estar encarcerada para poder apreciar a liberdade. Se em todo o período de sua vida um peixe não saiu da água ao menos uma vez, ele não tem oportunidade de apreciar o valor da água. Desde o seu nascimento até sua morte, ele tem vivido apenas na água, e não está em posição de compreender o que a água realmente significa para a sua existência. Mas se ele é retirado da água, mesmo que por um momento, ele anseia por água e torna-se qualificado por meio dessa experiência a apreciar a importância da água. Da mesma forma, se a vida fosse constantemente livre e não manifestasse nenhuma limitação, o homem perderia o verdadeiro significado da liberdade. Experimentar o aprisionamento espiritual e conhecer o intenso desejo de ser livre dele são ambos uma preparação para a plena apreciação da liberdade que está por vir.

Assim como o peixe que é retirado da água anseia voltar para a água, o aspirante que percebeu o Objetivo final anseia ser unido com Deus. Na realidade, o anseio de voltar para a fonte está presente em cada ser, desde o momento em que ele é separado da fonte pelo véu da ignorância; mas o ser está inconsciente do anseio até que ele, como um aspirante, entra no caminho espiritual. A pessoa pode, num certo sentido, se acostumar à ignorância, assim como uma pessoa em um trem pode acostumar-se à escuridão de um túnel quando o trem estava passando por ele durante algum tempo. Mesmo assim, há um definido desconforto e um sentimento vago e indefinível de inquietação devido à sensação de que algo está faltando. Esse algo é percebido desde o início como sendo de enorme significado. Nos estágios de densa ignorância, esse algo é muitas vezes inadvertidamente identificado com sendo as variadas coisas deste mundo físico. Quando a experiência deste mundo está suficientemente madura, entretanto, as repetidas desilusões na vida colocam a pessoa no caminho certo para descobrir o que está faltando. A partir desse momento o indivíduo busca uma realidade que seja mais profunda do que as formas mutáveis. Esse momento pode ser descrito adequadamente como sendo a primeira iniciação do aspirante. A partir do momento de iniciação no caminho, o anseio de se unir com a fonte da qual ele foi separado torna-se articulado e intenso. Assim como a pessoa no túnel anseia pela luz muito mais intensamente depois que ela vê um vestígio de luz proveniente da outra extremidade, a pessoa que teve um vislumbre do Objetivo anseia para apressar-se na direção dele com toda velocidade que possa imprimir.

No caminho espiritual há seis estações, sendo a sétima a estação terminal, ou o Objetivo. Cada estação intermediária é, à sua maneira, uma espécie de antecipação imaginativa da meta. O véu que separa o homem de Deus é constituído de falsa imaginação e esse véu tem muitas camadas. Antes de entrar no caminho a pessoa está envolta nesse véu de múltipla imaginação, com o resultado de ela nem sequer poder cogitar o pensamento de ser diferente de um indivíduo separado, fechado e finito. A consciência-ego cristalizou-se devido ao trabalho da falsa imaginação múltipla e o anseio consciente pela união com Deus é o primeiro tremor de toda a estrutura do ego, o qual foi construído durante o período do falso trabalho da imaginação. Percorrer o caminho espiritual consiste em anular os resultados do falso trabalho da imaginação, ou deixar cair várias camadas do véu, que criou um sentimento intangível de separatividade e isolamento irremediável. Até agora, a pessoa tinha se apegado firmemente à idéia de sua existência separada, assegurando-a por trás dos formidáveis muros de espessa ignorância, mas a partir de agora, ela entra em algum tipo de comunicação com a Realidade maior. Quanto mais ela comunga com a Realidade, mais fino se torna o véu da ignorância. Com o progressivo desgaste da separatividade e do egoísmo, ela ganha um crescente sentimento de fusão com a Realidade maior.

A criação de um sentimento de separatividade é um resultado dos vôos da imaginação. Por conseguinte, a ruptura desse sentimento auto-criado de separatividade e ser unido com a Realidade são assegurados através da inversão do trabalho falso da imaginação. O ato de se livrar completamente da imaginação pode ser comparado com o ato de despertar do sono profundo. As diferentes fases no processo de libertar-se da falsa imaginação pode ser comparado com os sonhos que muitas vezes servem como uma ponte entre sono profundo e o estado totalmente desperto. O processo de se livrar do múltiplo trabalho da falsa imaginação é gradual e tem sete fases. O desprendimento de uma camada do véu da imaginação é decididamente um avanço em direção à Luz e à Verdade, mas isso não equivale a tornar-se um com a Realidade. Significa simplesmente renunciar a imaginação mais falsa em favor da imaginação menos falsa. Existem diferentes graus de falsidade da imaginação correspondentes ao grau do sentimento de separatividade constituído pela consciência-ego. Cada etapa do processo de libertar a si mesmo da falsa imaginação é um desgaste definido do ego. Mas todos os estágios intermédios no caminho, até a realização final do Objetivo, consistem em deixar um vôo de imaginação para tomar outro. Eles não conduzem à cessação da imaginação. Esses vôos da imaginação não trazem nenhuma mudança real no verdadeiro ser do 'Si mesmo real' (Self) como ele é. O que muda não é o 'Si mesmo real' (Self), mas a idéia do que ele é. Suponhamos, em um devaneio ou fantasia que você se imagine estar na China, enquanto na realidade o seu corpo está na Índia. Quando a fantasia chega ao fim, você percebe que seu corpo não está, de fato, na China, mas na Índia. Do ponto de vista subjetivo, isso é como regressar da China para a Índia. Da mesma forma, a gradual desidentificação com o corpo e a progressiva identificação com a Sobre-Alma é comparável ao real percorrer do caminho, embora, na realidade, os diferentes estágios intermédios no caminho são todos igualmente criações do jogo da imaginação.

Os seis estágios ascendentes estão todos, portanto, dentro do domínio da imaginação. No entanto, em cada fase, quebrar o sentido de separatividade e descobrir uma fusão na Realidade maior são ambos tão fortes e claros que muitas vezes a pessoa tem uma pseudo sensação de Realização. Assim como quando uma pessoa escalando uma montanha chega a um vale profundo e fica tão fascinada pela visão dele que se esquece do objetivo real e acredita por um momento que tenha chegado à sua meta, o aspirante também confunde as fases intermediárias pelo objetivo em si. Mas uma pessoa que esteja realmente séria e determinada sobre a escalada da montanha percebe depois de um tempo que o vale tem de ser atravessado, e mais cedo ou mais tarde o aspirante também percebe que a fase intermediária tem de ser transcendida. O pseudo sentimento de realização que vem com as fases intermediárias é como um indivíduo sonhando que despertou do sono, embora ele esteja realmente ainda dormindo. Após ficar desperto ele percebe que seu primeiro sentimento de despertar foi realmente um sonho.
Cada etapa definitiva de avanço representa um estado de consciência, e o avanço de um estado de consciência para outro prossegue lado a lado com atravessar os planos interiores. Assim, seis planos intermediários e os seus estados de consciência têm de ser experimentados antes de chegar ao sétimo plano, que é o fim da jornada e onde existe a realização final do estado de Deus.

Um plano é comparável a uma estação ferroviária onde o trem pára por algum tempo e o estado de consciência é comparável aos movimentos do passageiro após descer na estação. Depois de entrar em um novo plano de consciência, uma pessoa geralmente leva algum tempo antes que possa funcionar livremente naquele plano. Sendo que há uma mudança radical nas condições totais da vida mental, a pessoa experimenta uma espécie de paralisia da atividade mental conhecida como samadhi. Quando o peregrino entra em um novo plano, ele imerge dentro do plano antes que possa vivenciar o estado característico daquele plano. Assim como um peregrino que esteja cansado pelo desgaste de uma viagem as vezes vai dormir, a consciência - que fez o esforço de ascender para um novo plano, passa por um período de diminuída atividade mental comparável ao sono. No entanto, o samadhi é fundamentalmente diferente do sono.
Uma pessoa está totalmente inconsciente no sono, enquanto que em samadhi ela está consciente do êxtase ou da luz ou do poder, embora esteja inconsciente de seu corpo e do meio que a cerca. Após um período de comparativa quietude, a mente começa a funcionar no novo plano e experimenta um estado de consciência que é totalmente diferente do estado que deixou para trás. Quando o aspirante entra em um novo plano, ele fica fundido dentro dele e juntamente com a desaceleração da atividade mental, ele experimenta uma substancial diminuição na vida-ego. Esta redução da vida-ego é diferente da aniquilação final do ego, que ocorre no sétimo plano.
Mas como na aniquilação final no sétimo plano, as diferentes etapas da redução do ego nos seis planos intermediários, merecem menção especial devido à sua relativa importância. Na tradição espiritual Sufi, a aniquilação final do ego é descrita como Fana-Fillah. E o samadhi anterior dos seis planos da dualidade também foram reconhecidos como tipos de Fana, uma vez que também envolvem uma aniquilação parcial do ego.

Através de todos esses fanas de ordem ascendente, há uma continuidade de progressão em direção ao Fana-Fillah final, e cada um tem alguma característica especial. Quando o peregrino chega ao primeiro plano, ele experimenta seu primeiro fana, ou aniquilação menor do ego. O peregrino está temporariamente perdido para sua individualidade limitada e experimenta profunda bem-aventurança. Muitos peregrinos, assim imersos, acham que realizaram Deus e, portanto, ficam estagnados no primeiro plano. Se o peregrino mantiver-se livre de auto-engano ou vier a perceber que a sua realização é realmente uma fase transitória na sua jornada, ele avançará ainda mais no caminho espiritual chegando ao segundo plano.
A imersão no segundo plano é chamada fana-e-batili, ou a aniquilação do falso. O peregrino está agora absorvido em êxtase e luz infinita. Alguns pensam que atingiram o objetivo e ficam encalhados no segundo plano, mas outros que mantém-se livres de auto-ilusão marcham adiante e entram no terceiro plano.
A imersão no terceiro plano é chamada fana-e-zahiri, ou a aniquilação do aparente. Aqui o peregrino perde por dias toda consciência de seu corpo e seu mundo e experimenta poder infinito. Uma vez que ele não tem consciência do mundo, ele não tem oportunidade para a expressão desse poder. Esse é o videh samadhi, ou o estado de coma divino. A consciência está agora completamente afastada do mundo inteiro. Se o peregrino avança ainda mais, ele chega ao quarto plano.
A imersão no quarto plano é chamada fana-e-malakuti, ou a aniquilação que conduz em direção a liberdade. O peregrino experimenta um peculiar estado de consciência no quarto plano, já que ele agora não apenas sente poder infinito mas também tem muitas ocasiões para a expressão desse poder. Além disso, ele não só tem oportunidades para utilização dos seus poderes mas tem uma clara inclinação para expressá-los. Se ele cair presa dessa tentação, ele seguirá expressando esses poderes e ficará preso nas sedutoras possibilidades do quarto plano. Por esta razão, o quarto plano é um dos mais difíceis e perigosos de atravessar. O peregrino nunca está espiritualmente seguro, e sua queda sempre é possível até que ele tenha com sucesso atravessado o quarto plano e chegado ao quinto.
A imersão no quinto plano é chamada fan-e-jabruti, ou aniquilação de todos os desejos. Aqui, a incessante atividade do intelecto inferior chega a uma paralisação. O peregrino não pensa da maneira ordinária e ainda assim ele é indiretamente uma fonte de muitos pensamentos inspiradores. Ele vê mas não com os olhos físicos. A mente fala com a mente e não existe nem preocupação e nem dúvidas. Ele agora está espiritualmente seguro, além da possibilidade de uma queda; e ainda muitos peregrinos nesse exaltado plano tem dificuldade em resistir à ilusão de que ele tenha atingido Divindade (Godhood). Em sua auto-ilusão ele pensa e diz, "Eu sou Deus", e acredita ter ele próprio chegado ao final do caminho espiritual.
Mas se ele prossegue, ele percebe seu erro e avança para o sexto plano. A imersão no sexto plano é chamada de fana-emahabubi, ou a aniquilação do ser (amante) no Amado. Agora, o peregrino vê Deus tão direta e claramente como uma pessoa normal vê as diferentes coisas do mundo. Essa percepção e apreciação contínua de Deus não sofre interrupção nem mesmo por um instante. No entanto, o viajante não se torna um com Deus, o Infinito. Se o peregrino sobe para o sétimo plano, ele experimenta a última fusão, que é chamada Fana-Fillah, ou a aniquilação final do Ser (self) em Deus. Através dessa fusão o peregrino perde sua existência separada e se torna permanentemente unido com Deus. Ele é agora um com Deus e experimenta-se como sendo nada além de Deus. Esse sétimo plano Fana-Fillah é o término do caminho espiritual, o objetivo de toda busca e empenho. É o estado Nirvikalpa, que é característico da Divindade (Godhood) consciente. É o único despertar verdadeiro. O peregrino atingiu agora a costa oposta do vasto oceano da imaginação e percebe que esta última Verdade é a única Verdade e que todas as outras etapas no caminho são totalmente ilusórias. Ele chegou ao destino final.

Hazrat Inayat Khan - O poder da palavra

Abandonei a minha música porque havia recebido dela tudo o que tinha que receber. Para servir a Deus a pessoa deve sacrificar a coisa mais querida para ela, e eu sacrifiquei minha música, a coisa mais querida para mim.
Eu compus músicas, cantei, e toquei Vina. Praticando essa música alcancei um estágio onde pude tocar a música das esferas. Então cada alma se tornou para mim uma nota musical e toda a vida se tornou música. Inspirado por isso eu falei com as pessoas e aqueles que eram atraídos pelas minhas palavras escutavam-nas ao invés de escutar minhas músicas.
Agora, se faço algo, é afinar almas em vez de instrumentos, harmonizar pessoas em vez de notas. Se há algo na minha filosofia, é a lei da harmonia: que a pessoa deve colocar-se em harmonia consigo mesma e com os outros.
Descobri em cada palavra um certo valor musical, uma melodia em cada pensamento, harmonia em cada sentimento e tenho tentado interpretar a mesma coisa com palavras simples e claras para aqueles que costumavam escutar minha música.
Toquei Vina até que meu coração transformou-se nesse mesmo instrumento. Então ofereci esse instrumento ao Músico divino, o único Músico existente. Desde então tornei-me Sua flauta, e quando Ele escolhe Ele toca Sua música. As pessoas me dão crédito por essa música que, na realidade, não deve-se a mim, mas ao Músico que toca Seu próprio instrumento.
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Existe um poder da palavra que está de acordo com a iluminação da alma, pois com isso, aquela palavra não vem da mente humana, aquela palavra vem das profundezas, vem de trás; aquela palavra vem de alguma parte misteriosa que está escondida da mente humana. E é em conexão com essas palavras que lemos nas escrituras sobre 'espadas de fogo' ou 'línguas de fogo'. Tenha sido dita por um poeta, tenha vindo de um profeta, quando aquela palavra saiu de seu coração flamejante, ela então surgiu como uma chama. Em conformidade com o Espirito divino que está nela, aquela palavra tem vida, poder e inspiração. Pense nas palavras vivas dos tempos antigos, pense nas palavras vivas que lemos nas escrituras, nas palavras vivas dos santos, dos iluminados! Elas vivem e viverão para sempre. São como uma música que pode ser chamada de mágica, uma mágica para todos os tempos. Quando quer que aquelas palavras forem repetidas elas têm aquela mágica, aquele poder.
O que os sábios de todos os tempos disseram – aquelas palavras foram guardadas pelas pessoas, por seus pupilos. Em qualquer parte do mundo que tenham nascido ou vivido, o que eles deixaram cair como palavras foi apanhado como pérolas reais e guardado como escrituras.

As palavras intuitivas têm surgido como expressões repentinas das almas que realizaram Deus, almas que se sintonizaram com todo o universo. Qualquer palavra ou frase que saia da boca delas é algo que tem um poder muito maior do que as palavras que todo mundo utiliza. Mas aparte de uma pessoa espiritual, você já não viu na sua vida diária que talvez haja uma pessoa entre os seus amigos, entre seus conhecidos, cuja palavra tem peso, tem poder, enquanto que outra pessoa diz milhares de palavras que entram por um ouvido e saem pelo outro? Numa pessoa sua boca fala, na outra pessoa seu coração fala, na outra sua alma fala. Existe uma grande diferença.
Alguém pode perguntar: 'Como uma pessoa espiritual pode intuitivamente trazer uma palavra que tenha poder?' A resposta é que existe a possibilidade de uma alma tornar-se tão sintonizada com todo o universo, que ela escuta, por assim dizer, a voz das esferas. Portanto, o que ela diz vem como um eco do universo todo. A pessoa que está sintonizada com o universo torna-se como um instrumento sem cordas; o que vem dela é a voz do universo.
O mundo para um místico é como um domo, um domo que faz ecoar tudo o que é falado nele. Aquilo que é falado pelos lábios atinge os ouvidos, mas aquilo que é falado pelo coração atinge o coração. A palavra alcança tão longe quanto a origem da qual ela surgiu, depende de que fonte ela veio, de que profundidade ela surgiu. Os Sufis de todas as eras têm portanto dado a maior importância para a palavra, sabendo que a palavra é a chave para o mistério de toda a vida, o mistério de todos os planos de existência. Não há nada que não seja efetuado, não há nada que não seja alcançado ou conhecido através do poder da palavra. Portanto, no esoterismo ou misticismo a palavra é o tema central e principal.
O que é a palavra? A palavra é apenas o que falamos? Não, essa é a palavra da superfície. Nosso pensamento é uma palavra, nosso sentimento é uma palavra, nossa voz, nossa atmosfera é uma palavra. Existe um ditado: 'O que você é fala mais alto do que aquilo que você diz'. Isso mostra que o homem não fala sempre, mas sua alma fala sempre.

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Adi Shankaracharya (séc. IX) - Vivekachudamani

(seleção de alguns dos primeiros 50 versos)



*Uma firme convicção da mente no sentido de que Brahman é real e o universo irreal, é designado como discriminação (Viveka) entre o real e o irreal.
*Vairagya ou renúncia é o desejo de abandonar todos os prazeres transitórios do corpo (tendo conhecido os seus defeitos), para obter os prazeres de Brahman, através de observação, instrução e assim por diante.
*Fixar de maneira firme a mente em seu objetivo (ou seja, Brahman), após ter se desapegado dos múltiplos objetos dos sentidos, continuamente observando os seus defeitos, é chamado de Shama ou calma.
*Afastar ambos os tipos de órgãos-sensoriais dos objetos sensoriais e colocá-los em seus respectivos centros, é chamado Dama ou auto-controle.
*O melhor Uparati ou auto-reclusão consiste em cessar a função mental de ser afetado pelos objetos externos.
*Suportar todas as aflições sem se preocupar em aliviá-las, ser livre (ao mesmo tempo) de ansiedade ou lamentação sobre os débitos trazidos por elas, é chamado Titiksha ou abstenção.
*Aceitar como verdade o que as Escrituras e o Guru instruem, através de julgamento firme, é chamado pelos sábios de Shraddha ou fé, por meio da qual a Realidade é percebida.
*Não é a mera indulgência do pensamento (por curiosidade), mas a constante concentração do intelecto (ou a faculdade afirmadora), no sempre puro Brahman, que é chamado Samadhana ou auto-estabilização (estabilização de si).
*Mumukshuta ou o anseio pela Liberdade, é o desejo de libertar-se (ao realizar a verdadeira natureza de si), de todas as limitações, do egoísmo, do corpo - limitações sobrepostas pela ignorância.
*Entre as coisas que favorecem a Liberação, a devoção (Bhakti) detém o lugar supremo. A busca pela própria natureza real de si mesmo é designada como devoção.
*Outros alegam que a inquirição sobre a verdade do próprio Ser (si mesmo real) é devoção. O Inquiridor sobre a verdade da Atman (alma), que é possuidor dos meios de realização supra mencionados, deveria se aproximar de um mentor sábio, que confere a emancipação da escravidão.
*Para aquele que procurou a sua proteção, sedento pela Liberação, que obedece devidamente as injunções das Escrituras, que é de uma mente serena e dotado de calma - a tal pessoa, o sábio, prossegue a inculcar a verdade vinda da pura graça.
*Existe um meio soberano que põe um fim ao medo da existência relativa; através dele você atravessará o mar de Samsara e atingirá a felicidade e bênção supremas.
*Raciocinar sobre o significado do Vedanta conduz ao conhecimento eficiente, que é imediatamente seguido pelo total aniquilamento da miséria nascida da existência relativa.
*Fé (Shraddha), devoção e o Yoga da meditação - são mencionados pelo Shruti como os fatores imediatos da Liberação no caso de um buscador; quem se mantiver nesses, consegue a Liberação da escravidão do corpo, o qual é o promotor da Ignorância.
*É exatamente devido ao toque da ignorância, que você que é o Ser (self) Supremo encontra-se sob o aprisionamento do não-Ser, do qual, unicamente, provém o ciclo de nascimentos e mortes. O fogo do conhecimento, acendido pela discriminação entre o Ser e o não-Ser, queima os efeitos da Ignorância, juntamente com suas raízes.
*Abençoado é você! Alcançou o objetivo final de sua vida e assim santificou sua família ao escolher atingir Brahman se libertando da escravidão da ignorância!

domingo, 9 de agosto de 2009

G. I. Gurdjieff - Justiça

Gurdjieff: Saiba, “Justiça” é uma palavra muito grande – é uma grande coisa no mundo. Coisas objetivas não são como micróbios, elas seguem de acordo com a lei, como a lei as acostumou seguir. Lembre-se: você colhe o que você planta. Não apenas pessoas colhem, mas também famílias e nações. Acontece frequentemente que aquilo que ocorre na Terra vem de algo que foi feito pelo pai ou por um avô. Os resultados convergem em você, o filho ou o neto, é você que tem de regulá-los. Isso não é uma injustiça, é uma honra muito grande para você, será um meio que lhe permitirá regular o passado do seu pai, avô e bisavô. Se infortúnios surgiram para você na sua juventude, isso significa que alguém os trouxe – por isso você deve colher. Ele está morto, é outro na Terra que colhe. Você não deve olhar para si egoisticamente. Você é um elo da corrente do seu sangue. Seja orgulhoso disso, é uma honra ser esse elo. Quanto mais você está obrigado a reparar o passado, mais você terá remorso de consciência. Você terá sucesso em lembrar tudo que você não fez como deveria no passado. Essas coisas que você fez contrárias à JUSTIÇA têm mortificado o seu avô. Assim você pode ter dez vezes mais remorso de consciência e o seu valor aumentará em proporção. Você não é o rabo de um burro. Você tem responsabilidades, uma família. Toda a sua família, passada e futura, depende de você. Sua família toda depende da maneira como você reparar o seu passado. Se você reparar por todos, isso é bom. Se você não reparar por todos, é ruim. Você vê sua situação. Logicamente, você vê o que é a Justiça? A Justiça não está ocupada com seus pequenos assuntos, promessas não cumpridas, ela está ocupada com coisas grandes. É idiotice acreditar que Deus pensa em coisas pequenas. É o mesmo com a Justiça. A Justiça não toca tudo isso e ao mesmo tempo nada é feito na Terra sem ela. Procure pelas razões. Você está obrigado a ter uma posição de responsabilidade na linha do seu sangue, você deve trabalhar mais para reparar o passado. É difícil entender tudo de uma vez.

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Ashtavakra (mestre da India antiga) - Ashtavakra Gita

Janaka: 1. Como é que se adquire o conhecimento? Como se atinge a liberação? E como é chegar à ausência de paixões? Diga-me isso, Senhor.
Ashtavakra: 2. Se você está buscando a liberação, meu filho, evite os objetos dos sentidos como se fossem veneno e cultive tolerância, sinceridade, compaixão, contentamento e veracidade como o antídoto.
3. Você não é nenhum dos elementos - terra, água, fogo, ar, ou mesmo o éter. Para ser liberado, conheça-se como sendo a consciência, a testemunha desses elementos.
4. Se você permanecer repousado na consciência, vendo-se como distinto do corpo, então, agora mesmo você se tornará feliz, em paz e livre de limitações.
5. Você não pertence à casta brâmane ou qualquer outra, você não está em qualquer estágio e nem é qualquer coisa que os olhos possam ver. Você é desapegado, independente e sem forma, a testemunha de tudo – então seja feliz.
6. Justiça e injustiça, prazer e dor são puramente da mente e não preocupações suas. Você não é o fazedor e nem quem colhe as consequências, portanto esteja sempre livre.
7. Você é a testemunha una de tudo e está completamente livre sempre. A causa de sua escravidão é que você vê a testemunha como sendo algo diferente disso.
8. Desde que você foi mordido pela serpente negra, sua opinião sobre si mesmo é: "Eu sou o fazedor", tome o antídoto da fé no fato de que "eu não sou o fazedor", e seja feliz.
9. Queime a floresta da ignorância com o fogo da compreensão de que "eu sou a pura consciência una", e seja feliz e livre de aflição.
10. Aquilo onde tudo isso aparece é imaginado, assim como a cobra em uma corda; aquela alegria suprema e a consciência são o que você é, assim, seja feliz.
11. Se você pensa em si mesmo como estando livre, você está livre, e se pensa de si mesmo como estando aprisionado, você está aprisionado. Aqui este ditado é verdadeiro: "No que pensamos nos tornamos".
12. Sua verdadeira natureza é consciência perfeita, una, livre e sem ação, a testemunha que permeia tudo - independente de qualquer coisa, sem desejos e em paz. É do ponto de vista da ilusão que parece que você está envolvido em Samsara.
13. Medite sobre si mesmo como sendo a consciência sem movimento, livre de qualquer dualismo, abandone a idéia errônea de que você é apenas uma consciência derivada ou algo externo ou interno.
14. Por muito tempo você tem estado preso na armadilha da identificação com o corpo. Corte-a com a faca do conhecimento "eu sou a consciência", e seja feliz, meu filho.
15. Você realmente já é ilimitado e imóvel, auto-iluminado e imaculado. A causa do seu aprisionamento é que você ainda abre mão de aquietar a mente.
16. Tudo isto é realmente preenchido por você e dependente em você, pois do que você consiste é da pura consciência - portanto, não tenha uma visão estreita.
17. Você é incondicionado e imutável, sem forma e sem movimento, consciência imensurável, imperturbável: assim, não se mantenha em nada além da consciência.
18. Reconheça que o aparente é irreal, enquanto que o não manifesto é permanente. Através desta iniciação na verdade você vai escapar de cair na ilusão novamente.
19. Assim como um espelho existe em toda parte, tanto dentro quanto fora da sua imagem refletida, também o Senhor Supremo existe em toda parte, dentro e fora deste corpo.
20. Assim como o mesmo espaço único que permeia tudo existe dentro e fora de um jarro, do mesmo modo, o eterno Deus infinito existe na totalidade das coisas.

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Philokalia - Nikitas Stithatos (séc-XI) - Sobre o Conhecimento Espiritual

1. Deus é o Intelecto sem paixões, além de todo intelecto e além de toda forma de ausência de paixão. Ele é a luz e a fonte da luz abençoada. Ele é Sabedoria, Inteligência e Conhecimento Espiritual, e é quem dá Sabedoria, inteligência e Conhecimento Espiritual. Se por conta de sua pureza essas qualidades forem outorgadas sobre você e estiverem ricamente presentes em você, então aquilo dentro de você que está em concordância com a imagem de Deus foi seguramente preservado e você é agora um filho de Deus guiado pelo Espirito Santo: 'pois todos os que são guiados pelo Espirito de Deus são filhos de Deus'. (Rom. 8:4)
2. Aqueles que através de práticas ascéticas purificam a si mesmos 'de toda poluição da carne e do espirito' (Cor. 7:1) recebem os dons do Espirito Santo e assim se tornam receptáculos da realidade imortal. Tendo atingido esse nível são preenchidos com a luz da glória. Com seus corações agora serenos e em paz, eles proferem palavras sagradas e a sabedoria de Deus – conhecimento das coisas divinas e humanas – flui de seus lábios, enquanto que sua imperturbável inteligência interpreta as profundezas do Espirito Santo. Uma vez que foram unidos com Deus e experimentaram uma transformação abençoada, a lei não é mais limitadora em tais pessoas.
3. Aquele que sincera e assiduamente dirige a si mesmo até Deus atinge tal virtude da alma e do corpo que torna-se um espelho da imagem divina. Ele está tão misturado com Deus e Deus com ele, que um repousa no outro. Por causa das riquezas dos dons do Espirito que ele recebeu, assim ele é e parece ser uma imagem da bênção divina e deus por adoção, sendo Deus o que torna perfeita a sua perfeição.
4. O homem é criado na imagem de Deus pela virtude da natureza espiritual de seu intelecto, o qual não está circunscrito pelo peso morto do corpo. Sendo que a natureza divina está fora de todo ser criado e de todo caráter grosseiro da matéria, não está circunscrita, mas é ilimitada e incorpórea, além de substância e de toda condição, sem qualidades, impalpável, inqualificável, invisível, imortal, incompreensível e totalmente além do nosso alcance. Similarmente, a natureza espiritual que nos foi dada por Deus é incircunscrita e fora do caráter grosseiro deste mundo, e também é incorpórea, invisível, impalpável, incompreensível e uma imagem da glória imortal e eterna Dele.
5. Sendo que Deus, como Rei soberano de tudo, é o Intelecto primordial, Ele possui dentro de Si Seu Logos e Seu Espírito, co-essenciais e co-eternos com Ele. Ele nunca está sem o Logos e o Espirito porque a natureza divina é uma e indivisível; nem é para Ele ser confundido com Eles, pois as três hipóstases em Deus são distintas e inconfundíveis. Portanto, ao gerar naturalmente o Logos de Sua essência, o Pai não é separado Dele, sendo que Ele próprio é indivisível. O co-eterno Logos, não separado do Seu Criador, possui o Espírito, o qual procede eternamente do Pai e compartilha com o Logos a mesma natureza não originada. Pois a natureza tanto do Logos quanto do Espirito é uma e indivisível, mesmo que, embora a título de distinção das hipóstases o Deus uno seja divido em pessoas e glorificado como a Trindade do Pai, Filho e Espirito Santo. Ainda assim, as pessoas não estão nunca separadas da essência e natureza co-eternas, sendo que Elas constituem uma natureza e um Deus. Observe, então, uma imagem dessa singular e tri-hipostática natureza divina no homem, o qual é criado por essa natureza e é a imagem dela, não de acordo com o seu ser visível mas de acordo com o seu ser espiritual, não de acordo com o que é mortal e perecível nele mas de acordo com o que é imortal e sempre o mesmo.
6. Deus é Intelecto e transcende as criaturas que em Sua Sabedoria Ele criou; ainda, Ele também gera imutavelmente o Logos como sendo o local para elas habitarem, e, como diz a escritura (João 14:26), envia o Espirito Santo para dotá-los com poder. Ele, portanto, está tanto de fora de tudo quanto dentro de tudo. Similarmente, o homem participa na natureza divina e de acordo com seu ser espiritual – isto é, como uma alma espiritual, incorpórea e imortal – é uma imagem de Deus e possui um intelecto que naturalmente gera consciência de sua essência; por isso tudo ele mantém o poder do corpo. Ele está, portanto, tanto fora da matéria e das coisas visíveis quanto dentro delas. E assim como o Pai que criou o homem é inseparável das outras duas hipóstases – isto é, do Logos e do Espírito – também a alma do homem é indivisível do seu intelecto e de sua consciência, pois eles são da mesma natureza e essência – uma essência não circunscrita pelo corpo.

terça-feira, 4 de agosto de 2009

São Teófanes o Recluso - A Lembrança de Deus


Todo trabalho espiritual será em vão sem esta atividade, sem a lembrança de Deus, esse é o começo do silêncio pelo amor de Deus, e é também o fim. Esse Nome mais desejável é a alma da quietude e do silêncio. Ao chamá-lo na mente ganhamos alegria e contentamento, perdão dos pecados e fartura de virtudes. Poucos estiveram aptos a descobrir esse Nome mais glorioso, salvo apenas em quietude e silêncio. O homem não pode alcançá-lo de outra maneira, mesmo que com grande esforço. Portanto, conhecendo o poder desse conselho, eu suplico-lhe pelo amor de Cristo a sempre estar em quietude e silêncio, sendo que essas virtudes enriquecem a lembrança de Deus dentro de nós.

Em toda a parte e sempre, Deus está conosco, perto de nós e dentro de nós. Mas nós não estamos sempre com Ele, sendo que não lembramos Dele; e porque não lembramos Dele permitimo-nos muitas coisas as quais não permitiríamos se lembrássemos. Assuma para si esta tarefa – tornar um hábito tal recordação.
Faça uma regra para si mesmo - sempre estar com o Senhor, mantendo a sua mente no seu coração e não deixe seus pensamentos divagarem tão frequentemente quanto devaneiam; traga-os de volta novamente e mantenha-os em casa no armário do seu coração, deleitando-se na conversa com o Senhor.

Quanto mais firme você estiver estabelecido na lembrança de Deus – ao ficar mentalmente diante de Deus em seu coração – mais quietos seus pensamentos se tornarão e menos eles divagarão. A ordem interior e o sucesso na oração caminham juntos.
Dessa maneira nosso espírito é restaurado a seus direitos justos. Quando estiver assim restabelecido, ele iniciará uma transformação ativa e vital da alma e do corpo e dos relacionamentos externos, até que eles finalmente sejam purificados. E você se tornará um homem real.

Quando você se estabiliza no homem interior através da lembrança de Deus, então Cristo, o Senhor, entrará e habitará dentro de você. As duas coisas vão juntas.
E aqui há um sinal para você, através do qual, esteja certo, este trabalho glorioso se iniciou dentro de você: você experimentará um sentimento de entusiasmo para com Deus. Se você cumprir todo o prescrito, então esse sentimento logo vai começar a aparecer, cada vez com mais frequência e com o tempo se tonará contínuo. Esse sentimento é doce e beatífico e com seu primeiro aparecimento ele nos estimula a desejá-lo e a buscá-lo, a fim de que não deixe o coração: pois nele está o Paraíso.
Você deseja entrar nesse Paraíso o mais rápido possível? Aqui, então, está o que você deve fazer. Quando você rezar, não termine sua oração sem ter despertado no seu coração algum sentimento para com Deus, seja ele reverência ou devoção, ou gratidão, ou glorificação, ou humildade e contrição, ou esperança e confiança. Também quando depois da oração você começar a ler, não termine a leitura sem ter sentido no seu coração a verdade daquilo que você leu. Esses dois sentimentos – aquele inspirado pela oração e o outro pela leitura – aquecem mutuamente um ao outro; e se você prestar atenção a si mesmo, eles irão manter você sob sua influência durante o dia todo. Cuide de praticar esses dois métodos exatamente e você verá por si mesmo o que acontecerá.

Bhagavan Ramana Maharshi - O Caminho Direto


Pergunta: Qual é o melhor caminho para matar o Ego?

Bhagavan: Para cada pessoa o melhor caminho é aquele que parece mais fácil ou que atraia mais. Todos os caminhos são igualmente bons, pois levam ao mesmo objetivo, que é a fusão do Ego no Ser (Self). O que o devoto (bhakta) chama de rendição, aquele que faz vichara (investigação de si) chama de Jnana (conhecimento). Ambos estão apenas tentando levar o Ego de volta para a fonte da qual ele surgiu e fazê-lo fundir-se ali.

Pergunta: A graça não pode acelerar tal competência num buscador?

Bhagavan: Deixe isso para Deus. Renda-se sem reservas. Uma das duas coisas precisa ser feita. Ou se renda porque você admite a sua nulidade e inabilidade e requeira que uma força superior lhe ajude, ou investigue a causa da miséria indo para a fonte e se funda dentro do Ser.



Pergunta: É bom amar a Deus, não é? Então por que não seguir o caminho do amor?

Bhagavan: Quem disse que você não poderia segui-lo? Você pode fazer isso. Mas quando você fala de amor, há dualidade. Não existe a pessoa que ama e a entidade chamada Deus que é amada? O indivíduo não está aparte de Deus. Assim, amor significa que a pessoa tem amor pelo próprio Ser (Self) dela.

Pergunta: É por isso que estou lhe perguntando se Deus poderia ser adorado através do caminho do amor.

Bhagavam: Isso é exatamente o que eu tenho falado. O próprio amor é a forma verdadeira de Deus. Se ao dizer: 'eu não amo isso, eu não amo aquilo', você rejeita todas as coisas, aquilo que sobra é swarupa (Ser real), essa é a real forma do Ser. Ela é contentamento puro. Chame-o de bênção pura, Deus, Atma, ou do que você quiser. Isso é devoção, isso é realização e é tudo.
Portanto, se você rejeita tudo, o que permanece é o Ser apenas. Esse é o amor real. Aquele que conhece o segredo desse amor descobre o próprio mundo cheio de amor-universal.
Apenas a experiência de não esquecer a consciência é o estado de devoção (bhakti), experiência que consiste no relacionamento do amor real imperecível, pois o conhecimento real do Ser, que brilha como a própria bênção suprema indivisível, revela-se como sendo a natureza do amor.
Apenas quando a pessoa conhecer a verdade do amor, o qual é a verdadeira natureza do Ser, o nó emaranhado da vida será desatado. Apenas se a pessoa atingir as alturas do amor a liberação será atingida. Tal é o coração de todas as religiões. A experiência do Ser (o si mesmo real) é só amor, que está vendo apenas amor, escutando apenas amor, sentindo apenas amor, saboreando apenas amor, cheirando apenas amor, o qual é bênção.
O estado puro de estar apegado à graça (ao Ser), que é desprovida de qualquer apego, é o próprio estado de silêncio da pessoa, que é sem qualquer outra coisa. Saiba que o silencio - aquele desempenho da incessante adoração verdadeira e natural, na qual a mente é estabelecida submissivamente como o Ser uno, tendo instalado o Senhor no trono do coração - é a melhor de todas as formas de adoração. O maligno esquecimento do Ser, que nos faz cair daquele silêncio, é a não-devoção (vibhakti). Saiba que permanecer como aquele silêncio onde a mente retrocede ficando não-diferente do Ser, é a verdade de Shiva Bhakti (devoção a Deus).
Quando a pessoa rendeu-se completamente aos pés de Shiva, assim tornando-se da natureza do Ser, a paz abundante que resulta - na qual não há nem mesmo o menor espaço no Coração para a pessoa fazer nenhuma reclamação sobre seus defeitos e deficiências - é somente a natureza da devoção suprema. Dessa forma, a pessoa torna-se escrava de seu Senhor, e ficar quieta e silenciosa, sem nem mesmo o pensamento egoísta 'eu sou Seu escravo', significa permanecer no Ser, e esse é o conhecimento supremo.

Pergunta: Sri Bhagavatan delineia um caminho para encontrar Krishna no coração, ao nos prostrarmos perante todos e olharmos todos como sendo o próprio Senhor. Esse é um caminho que conduz à Realização? Não é mais fácil adorar Bhagavan não importando o que surgir na mente, do que buscar o que está além da mente através da inquirição mental 'quem sou eu'?

Bhagavan: Sim, quando você vê Deus em tudo, você pensa em Deus ou não? Certamente você tem de pensar em Deus se você quer ver Deus por toda sua volta. Manter Deus na sua mente dessa maneira se torna meditação (dhyana) e meditação é o estágio antes da Realização. A Realização só pode ser do Ser e no Ser (Self-o si mesmo real). Ela nunca pode ser aparte do Ser. Meditação deve preceder a Realização, mas se você faz meditação em Deus ou no Ser não faz diferença, pois o objetivo é o mesmo. De qualquer maneira, você não pode escapar do Ser. Você quer ver Deus em tudo, mas não em si mesmo? Se tudo é Deus, você não está incluído nesse tudo? Sendo Deus você mesmo, é uma admiração que tudo seja Deus? Esse é o método que foi aconselhado no Sri Bhagavatan, e em outros lugares por outros. Mas mesmo para essa prática, tem de haver o sujeito que vê e o que pensa. Quem é ele?

Pergunta: Como ver Deus que está permeando tudo?

Bhagavan: Ver Deus é ser Deus. Não existe o 'tudo' aparte de Deus para ele permear. Apenas Ele existe.

Pergunta: O devoto (bhakta) requer um Deus para o qual ele possa fazer a devoção (bhakti). Ele deve ser ensinado que só existe o Ser, e não um adorador e o Adorado?

Bhagavan: É claro, Deus é necessário para a prática espiritual (sadhana). Mas mesmo no caminho da devoção, o fim do Sadhana é atingido apenas após a completa rendição. O que isso significa, exceto que o apagamento do ego resulta no Ser ficando como ele sempre foi? Em qualquer caminho que for escolhido, o 'eu' é inescapável, o 'eu' que realiza ações altruístas (nishkama karma), o 'eu' que anseia por se unir com o Senhor do qual ele sente estar separado, o 'eu' que sente que afastou-se da sua natureza real, e assim por diante. A fonte desse 'eu' precisa ser descoberta. Então todas as questões serão resolvidas.

Este caminho (atenção ao 'eu'/investigação de si) é o caminho direto; todos os outros são caminhos indiretos. O primeiro conduz ao Ser, os outros para outros lugares. E mesmo se os outros chegarem ao Ser é apenas porque no fim levaram ao primeiro caminho, o qual finalmente conduz todos os outros ao objetivo. Portanto, no fim, o aspirante deve adotar o primeiro caminho. Por que não fazer isso agora? Por que perder tempo?

sexta-feira, 31 de julho de 2009

Jalaluddin Rumi - Palavras o bastante?


  • Como pode uma parte do mundo abandonar o mundo?
    Como pode a umidade abandonar a água?
  • Não tente apagar o fogo
    colocando mais fogo nele!
    Não lave uma ferida com sangue!
  • Não importa o quão rápido você correr,
    sua sombra, mais do que acompanhá-lo.
    Algumas vezes, vai estar na frente!
  • Apenas o sol totalmente a pino
    diminui a sua sombra.
  • Mas aquela sombra tem servido você!
    O que lhe machuca, lhe abençoa.
    A escuridão é a sua vela.
    Seus limites são sua busca.
  • Eu poderia explicar, mas isso quebraria
    a casca de vidro do seu coração
    e para isso não há conserto.
  • Você deve ter a fonte de ambas, luz e escuridão.
    Escute e recoste sua cabeça sob a árvore do temor.
    Quando dessa árvore, penas e asas brotarem
    em você, fique mais quieto que um pombo.
    Não abra sua boca nem mesmo para um coooooooo.
  • Quando um sapo desliza para a água, a cobra
    não pode pegá-lo. Então o sapo sobe novamente
    e coaxa e a cobra vai atrás dele de novo.
  • Mesmo se o sapo aprendesse a sibilar, ainda assim a cobra
    escutaria através do sibilo a informação
    que precisava: a voz do sapo por trás.
  • Mas o sapo poderia ficar completamente em silêncio,
    assim a cobra voltaria a dormir
    e o sapo poderia alcançar a cevada.
  • A alma vive ali na respiração silenciosa.
  • E o grão da cevada é tal que,
    quando você o coloca no chão,
    ele germina.
  • Estas palavras são o bastante
    ou devo espremer mais suco delas?
    Quem sou eu, meu amigo?

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Siddharameshwar Maharaj - Trate de fazer um bom uso deste nascimento humano

Chegamos a descobrir quem somos apenas ao pensar sobre isso. Qual é nosso dever quando ganhamos o nascimento como seres humanos? Este nascimento humano não é só para fazer os deveres de casa e as tarefas mundanas, como o touro que trabalha fazendo girar a prensa de azeite (sempre envolvidos mecanicamente em atividades repetitivas). Cumpra suas funções de tal maneira que você se torne imortal. Não viva só para fazer os deveres mundanos, apenas para morrer. "Os ossos serão queimados como um feixe de madeira seca." Não viva assim. Viva para atingir o estado de imortalidade. Um dia você certamente morrerá. O que restará então? Será como Shimga*, uma vida perdida ou nascimentos sem fim?

Se um homem trabalha verdadeiramente, pode tornar-se Narayana, Deus. Um Jiva está condenado a nascimentos em oitenta e quatro espécies diferentes. Ninguém virá para salvá-lo se você optar por permanecer um Jiva (ego). "Quando o anzol com a isca é engolido, tem sabor doce, mas quando a morte chega, a garganta é rasgada". Você verá como é tudo fútil à medida que os dias passarem.
Portanto, trate de fazer um bom uso deste nascimento humano. Não o desperdice. A pele de um animal pode ser utilizada para fazer sapatos, mas a pele humana não tem nenhuma utilidade após a morte. No entanto, se um homem fizer esforços para compreender a realidade, ele se tornará Deus. Este corpo não tem absolutamente nenhuma utilidade após a morte. "Eu vivi só para morrer." Não leve uma vida assim; viva para ser imortal. Seu nascimento será em vão se você não usá-lo para compreender a Realidade. "Deve-se ter um filho cuja bandeira flamule no topo dos três mundos". Você deve pensar sobre o por quê você nasceu. "Ele saiu do útero e entrou no túmulo - desperdiçando desnecessariamente seu nascimento." Que não seja essa a nossa situação!

Os homens comem, excretam e finalmente morrem. Então têm de passar por nascimentos em oitenta e quatro espécies, tornando-se assim muito miseráveis. O propósito do nascimento humano é obter a felicidade última realizando Narayana, Deus. Em vez disso, as pessoas se envolvem em muitas coisas, desperdiçando assim este precioso corpo humano. É preciso compreender que somos Brahman para a obtenção de uma paz final. Isso é chamado Purushartha - o objetivo final do homem.
Somente a bandeira de tais pessoas flamula no topo dos três mundos. Se somos Deus, temos de agir em conformidade. Somos todos onipenetrantes, sem qualidade, sem forma. Como pode então Brahman estar enredado em uma vida mundana? Se o devoto busca Deus, ele O encontra. Na verdade, o próprio devoto é Deus. Quando está buscando Deus, ele descobre que ele mesmo é Deus. Você deve adorar Shiva para tornar-se Shiva e em seguida, você também deve permanecer estável no estado de Shiva. Adquirira o estado de Shiva. O santo Ramdas disse, "Deus está muito perto, no coração, mas o encontro não acontesse por toda uma vida. "

Você deve entender Deus primeiro, isso implica que você deveria tornar sua visão totalmente penetrante. Assim como o céu permeia tudo, assim também Deus permeia tudo. Tenha em mente que Deus está em tudo. A luz do sol e a luz da lua são a luz do Ser. O Deus que permeia o mundo também reside dentro de nós. Assim como o céu (o espaço) invade um frasco, o Ser invadiu-nos. Quando o frasco (o corpo) se quebra, aquela porção de céu se funde com todo o céu, assim também a luz do Ser se funde em Brahman.

*Um festival indiano onde as pessoas vestem-se como diferentes animais e se divertem. Da mesma forma, segundo a mitologia hindu, quando a pessoa morre, tem de sofrer nascimentos como 8.4 milhões de espécies diferentes

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Nisargadatta Maharaj - 5 de julho de 1980

Maharaj: O conhecimento “eu sou” é o mesmo em todas as criaturas sencientes, seja num inseto, num verme ou num ser humano, ou mesmo num Avatar - o tipo mais elevado de ser. Eu não considero essa consciência básica em uma forma, como sendo diferente, de maneira alguma, da consciência em outra forma. Mas a fim de manisfestar a si mesma, a consciência precisa de uma base, uma construção particular na qual ela possa aparecer. Essa base pode ser qualquer coisa, pode ser qualquer forma, mas a manifestação pode durar apenas enquanto aquela forma particular durar. E até que aquela consciência apareça, não poderá haver conhecimento de nenhum tipo, Em suma, o conhecimento (a faculdade de conhecer) depende da consciência e a consciência precisa de uma matriz ou uma forma física.


Existem muitos Hatha Yogis que têm muitos poderes. De todos eles eu sou o maior. Mas eu distinguo entre Hatha-yoga e Hatha. Hatha significa “insistência” ou “persistência”. Você vê, eu persisto. E essa persistência é sobre o que? Eu não sabia que eu ia nascer. Como é que eu recebi esse nascimento? Esse é o ponto em que persisto numa resposta. Eu tenho que saber isso. Quando me falaram sobre “Sattva”, então quis saber o que é Satvva? Satvva é a essência dos cinco elementos. Naquela essência, naquele suco, reside o conhecimento “eu sou”. Mas tudo isso ainda é dos cinco elementos. Então como isso veio a surgir? Meu Guru me contou a história toda. E então eu vim a saber que isso é ignorância, e eu sei por experiência que todos estão começando a partir dali. Portanto o que quer que tenha surgido é completa ignorância. E nós não somos nada mais do que isso, isso foi o que meu Guru me falou.
Meu Guru posteriormente apontou para mim que a única coisa que você tem e que você pode utilizar para desvelar o mistério da vida, é o conhecimento “eu sou”. Sem isso, não há absolutamente nada. Portanto eu me apeguei a isso, assim como meu Guru me advertiu, e então eu quis descobrir como o aspecto espiritual de “mim” apareceu sem que eu tivesse conhecimento disso. Isso é novamente o resultado dos cinco elementos. Portanto, eu repito, eu sei por experiência pessoal que se alguém pensa que tem ou que é uma coisa especial, significa completa ignorância.

Mesmo se este corpo durasse mil anos, qualquer experiência com ele que acontecesse durante aquele período estaria necessariamente baseada nesse “sentido de que eu existo” (I-am-ness), o qual está baseado no tempo, o qual é produto dos cinco elementos, dos quais não tenho necessidade nenhuma. Em minha pura “absolutidão”(absolutness), sem lugar, configuração ou forma, esse conhecimento “eu sou” surgiu, o qual não tem configuração ou forma. Dessa maneira, esse conhecimento aparece e é apenas uma ilusão.
Pessoas inteligentes, extremamente inteligentes, vêm aqui e me colocam questões. E eu respondo. E o que acontece? Elas não aceitam minhas respostas. Por que? Porque elas me perguntam do ponto de vista da identificação “corpo-mente”. E eu respondo para elas do ponto de vista sem tais identificações. Então como essas pessoas me entendem? Como podem as respostas se adequarem às perguntas? Quem está fazendo as perguntas? São as pessoas que se vêem existindo no tempo, com o nascimento do corpo físico como seu ponto base, portanto, fazem perguntas daquele ponto de vista. Mas esse ponto de vista é falso, é produto da imaginação deles – puramente um feixe de memórias, hábitos e imaginação. Eles consideram isso como sendo a verdade, embora seja ignorância absoluta, sem base na realidade. O dia ao qual você atribui tanta importância, encontrou você quando o corpo nasceu e daquele dia em diante você tem se considerado como sendo esse corpo.
O que havia antes do corpo vir a existir, apenas aquilo deve permanecer após o desaparecimento do corpo e dos elementos. E antes que o corpo desapareça, naquele dia final, mesmo a memória da existência do período que passou desaparecerá. Portanto, o que quer que apareça entre o aparecimento e o desaparecimento do corpo é apenas um punhado de memórias, o que quer que você tenha acumulado é meramente entretenimento. Tudo isso está na memória e vai desaparecer. Agora, se você tivesse realmente aceitado isso com apropriada compreensão, você não se importaria se este corpo permanecesse ou não.
Quando o princípio mais elevado, esse “sentindo de existir”(beingness) desaparecer no corpo, como é que você poderá falar? Quando esse princípio primal se for, sobrará algum valor? Primeiro “o sentido de eu existo” (beingness) desaparecerá. Então o corpo desaparecerá. Mas “o sentido de eu existo” (beingness) nunca saberá que o corpo está desaparecendo, pois a própria consciência (beingness) terá desaparecido.

O Maharishi Mahesh Yogi tem mais de oito mil discípulos. Mas ele fala desse conhecimento? Eles dependem desse “sentido de existir” (beingness) para almejar a verdade, eles consideram isso como sendo a realidade. E toda consideração está sendo direcionada para esse “beingness”; todas as atividades espirituais estão baseadas no sentimento de que esse “sentido de existência” (beingness) é a verdade. Mas ele também não é produto da essência da comida?
Você não compreende a “capacidade de cognição” (knowingness) naturalmente, sem esforço? Uma vez que você compreender espontaneamente, você perceberá que isso também é uma fase temporária: esse “sentido de que eu existo” (beingness) irá desaparecer. E ao entender isso, você chegará à conclusão de que é irreal. E aquele que entende a irrealidade disso é o eterno.
Agora, continuando a explorar essa veia: você pode se apegar a alguma identidade que seja exclusivamente sua, que não desaparecerá? Sem a ajuda da essência-comida, como pode alguém falar? E pode alguém se encarnar sem a ajuda de um corpo?
Então o próximo ponto é, o que exatamente nasce? O que nasce são os três estados: o estado desperto, o estado de sono e o conhecimento “eu sou”, esta consciência. O corpo e a respiração vital não estariam aptos a funcionar se essa consciência não estivesse presente. Portanto, são esses três estados que nasceram. E esses três estados operam através dos três atributos (gunas). Assim, esse três estados e os três consequentes atributos, esse pacote, nasceu, e o que quer que aconteça, acontece a esse pacote apenas. Eu não estou interessado em nada disso.
Vejo claramente isso que nasceu. E sei também que eu não sou isso que nasceu. E é por isso que sou totalmente desprovido de medo. Estou totalmente sem nenhuma reação em relação a uma doença (câncer) que de outra maneira seria traumática.
Esta consciência que é o que realmente nasce, erroneamente identifica-se com este corpo e pensa que ela é o corpo e trabalha através dos três Gunas, essa é a associação. E é isso o que nasce. Mas eu não tenho nada a ver com isso.
No Gita, o senhor Krishna fala para Arjuna que ele não está matando ninguém e ninguém está sendo morto. A coisa toda é uma ilusão.
A doçura é a qualidade ou a natureza do açúcar, mas essa doçura está lá apenas enquanto o açúcar estiver presente. Uma vez que o açúcar for consumido ou jogado fora, não haverá mais doçura. Assim, esse conhecimento 'eu sou', essa consciência, esse sentimento ou sentido de Ser, é a quintessencia do corpo. E se esse corpo essência se vai, esse sentimento, o sentido de Ser, também irá. Esse sentido de Ser não pode permanecer sem o corpo, assim como a doçura não pode permanecer sem o material, que é o açúcar.
Visitante: O que permanece então?
Maharaj: O que permanece é o Original, que é incondicionado, sem atributos, e sem identidade: aquilo sobre o qual este estado temporário de consciência e os três estados e os três gunas têm ido e vindo. Ele é chamado de Parabrahman, o Absoluto.
Esse é meu ensinamento básico. Vocês têm alguma pergunta sobre isso?
Se alguém perguntar “como é Parabrahman?” a resposta é que Ele é como Mumbai. Não me dê a geografia de Mumbai, não me fale da atmosfera de Mumbai, mas me fale: o que é Mumbai? É possível isso? Você não pode falar. Portanto, não há nada que você possa dizer, isto é Mumbai, ou isto é Parabrahman. Se eu lhe pedir: Dê-me um punhado de Mumbai! Você não poderá fazê-lo. Similarmente não há dar ou receber em Parabrahman: você apenas pode Ser isso. De fato, o próprio conceito ou pensamento 'eu sou' não está lá. A pergunta foi: “É como o sono? Não. O sono como eu disse, é um atributo daquilo que nasceu. Então, descubra o que é isto que nasceu. Antes do nascimento, mesmo o pensamento que eu existo não está lá. Vá para casa, pondere sobre isso. Pois isso é algo que precisa revelar a si mesmo. Vocês não podem usar os seus cérebros ou pensamentos nisso. O absoluto não é fácil de conseguir. Toda a manifestação surge apenas dessa partícula de consciência. Você vai se lembrar do que eu falei?
Visitante: Vou me esforçar.

Maharaj: Lembrar-se de algo, seja o que for, é em si um aspecto dessa consciência que é você. Se você não tem essa consciência, a questão de lembrar ou mesmo pensar não surge. Portanto, o lugar para se começar é essa consciência. E essa consciência não pode estar aí sem o corpo. Esse é o mistério que é para ser revelado.
Esta consciência está enquanto os cinco elementos estão presentes. Agora quando acontece o que é chamado de a grande dissolução do universo, de todos os elementos, a consciência também é terminada. Mas o conhecedor dessa consciência, o estado Absoluto, não é afetado. Portanto, eu estou sempre nesse estado e é por isso que não há medo de nada. Mesmo quando tudo estava queimando totalmente e quando houve a destruição total, eu estava meramente assistindo. Estando apenas num estado de testemunha, não fui tocado por nada. Portando, sendo isso, o que poderia me afetar?
Em segundo lugar, o que quer que apareça, realmente não tem substância. Tem apenas uma existência temporária. E enquanto a aparência estiver lá, a dor também estará presente. E então quando as coisas desaparecerem, a dor novamente estará ausente. Assim, apenas quando a forma está presente e a consciência está lá, você sente a dor ou a miséria. E quando não há forma, não há consciência, nenhum sentimento de dor ou qualquer outra coisa.

Vistante: Existem momentos na sua ciência (awareness), onde você não sinta a dor que está ocorrendo na sua forma física?
Maharaj: Enquanto a consciência estiver aí, a dor é sentida. Mas a consciência é produto do corpo-comida, assim como na lâmpada a óleo, quando o óleo está presente existe a chama. Similarmente, este corpo é como o óleo, e essa chama é o conhecimento 'eu sou'. O que quer que você veja, antes de qualquer coisa que você veja, o conhecimento 'eu sou' tem que estar lá. E ele em si contém a coisa toda, todo o seu mundo de experiência. Então, o maior cenário é o próprio conhecimento 'eu sou'; essa própria consciência é o filme todo no qual tudo está contido.
Portanto, a consciência está lá, a dor é sentida, mas eu a nego como sendo minha identidade real. A maneira como consegui a identidade real foi através do Guru, das palavras do Guru, fé total nas palavras dele e meditando sobre a consciência, esse conhecimento; a seguir, eu vim a saber que esse dito comum, que a pessoa nasce no mundo, está errado. O fato é que minha existência é para sempre. Sempre aí. Eu não sou alguém do mundo, mas sim o mundo está na minha consciência. É suposto que o corpo tenha aparecido, tenha se formado neste mundo. Mas quando a verdade apareceu, foi descoberto que em um certo átomo, o Universo inteiro está contido. E o que é esse átomo? É o 'sentido de existência' (beingness), o conhecimento 'eu sou'. Ele contém o universo todo.
Por causa da sua existência, por que você sabe que você é, você sabe que o mundo é. Portanto, essa consciência, devido à qual você experimenta o mundo, não é sem importância; de fato, ela é muito importante. Assim, por que não se estabilizar ali? Medite nessa própria consciência e descubra como esse 'sentido de eu sou' (I-am-ness) apareceu. Qual é a causa dele? A partir do que essa consciência se desenvolveu? Tente descobrir, vá direto na fonte!

sexta-feira, 24 de julho de 2009

Meher Baba - God Speaks parte II

Para ter consciência do Ser (Self) e ter a experiência da Sobre-Alma (Paramatma), a alma deve perder a consciência dos corpos grosseiro, sutil e mental. Mas enquanto a alma estiver impressionada por impressões grosseiras, sutis ou mentais, a alma, consistente e respectivamente tem consciência do corpo grosseiro, do corpo sutil ou do corpo mental e persistente e necessariamente passa por experiências grosseiras, sutis e mentais. A razão óbvia para isso é que, enquanto a consciência da alma estiver impressionada pelas impressões grosseiras, não há saída, exceto enfrentar essas impressões grosseiras através do corpo grosseiro. Do mesmo modo, enquanto a consciência da alma estiver impressionada com impressões sutis, não há saída, exceto a experiência dessas impressões sutis através do corpo sutil. Do mesmo modo, enquanto a consciência da alma estiver impressionada com impressões mentais, não há saída, senão experimentar essas impressões mentais através do corpo mental. Conforme as impressões grosseiras, sutis e mentais se esvaem ou desaparecem completamente, a consciência da alma é automática e obviamente direcionada e focada para si mesma, e essa alma, então, não tem outra alternativa senão absorver a experiência da Sobre-Alma.

Agora, os corpos grosseiro, sutil e mental não são nada além de sombras da alma. As esferas (mundos) grosseiro, sutil e mental não são nada além de sombras da Sobre-Alma. Os corpos grosseiro, sutil e mental são finitos, têm formas e são mutáveis e destrutíveis. Os mundos grosseiro, sutil e mental são falsos, são zero, imaginação e sonhos vagos. A única realidade é a Sobre-Alma (Paramatma). Portanto, quando a alma com seus corpos grosseiro, sutil e mental experimenta os mundos grosseiro, sutil e mental, a alma experimenta, na realidade, as sombras da Sobre-Alma com a ajuda das suas próprias sombras. Em outras palavras, a alma com suas formas finitas e destrutíveis experimenta falsidade, zero, imaginação e um sonho vago. Apenas quando a alma experimenta a Sobre-Alma com o seu Ser é que experimenta o Real com a realidade. Quando a alma é consciente do seu corpo grosseiro, então essa alma se identifica com o corpo grosseiro e considera-se como sendo o corpo grosseiro. Isso significa que a alma infinita, eterna, sem forma, encontra-se como finita, mortal e com forma. As impressões (sanskaras) são a causa dessa ignorância. No início a alma, que está eternamente na Sobre-Alma, primeiro adquire ignorância através de impressões, em vez de adquirir conhecimento. Quando a alma adquire uma forma particular (um corpo ou sharir), de acordo com impressões particulares, ela sente-se e experimenta-se como sendo aquela forma particular.

A alma na sua forma de pedra experimenta-se como pedra. Assim, no devido tempo, a alma experimenta e considera-se como sendo metal, vegetal, verme, peixe, ave, animal, homem ou mulher. Qualquer que seja o tipo de forma grosseira e qualquer que seja a configuração da forma, a alma espontaneamente associa-se com essa forma, figura e configuração, e experimenta que ela própria é aquela forma, figura e configuração. Quando a alma está consciente do corpo sutil, então essa alma experimenta que ela é o corpo sutil. Quando a alma se torna consciente do corpo mental, então essa alma experimenta que ela é o corpo mental. É apenas por causa das impressões (nuqush-e-Amal ou sanskaras) que a alma, sem forma, a Alma Infinita, experimenta que é genuinamente um corpo grosseiro (sthul sharir), ou um corpo sutil (pran) ou um corpo mental ( mana ou mente). A alma, enquanto experimenta o mundo grosseiro através das formas grosseiras, associa-se e desassocia-se de inumeráveis formas grosseiras. A associação e a dissociação com formas grosseiras denomina-se nascimento e morte, respectivamente.

É só por causa das impressões que a alma eterna, imortal, existindo na realidade, sem nascimentos e sem mortes, tem que experimentar nascimentos e mortes incontáveis vezes. Enquanto a alma tem de se submeter a essa experiência de inúmeros nascimentos e mortes por causa das impressões, ela não só tem de experimentar o mundo grosseiro, que é uma sombra da Sobre-Alma e que é falso, mas juntamente com isso, a alma também tem de experimentar felicidade e miséria, virtude e vício do mundo grosseiro.
É só por causa das impressões que a alma, que está além e é livre da felicidade e miséria, virtude e vício, tem necessariamente de se submeter a experiências de miséria e de felicidade, de vício e de virtude. Portanto, é estabelecido que as experiências de nascimentos e mortes, felicidade e miséria, virtude e vício são sentidos somente pela forma grosseira da alma, enquanto experimenta o mundo grosseiro; mas a forma grosseira da alma é uma sombra da alma e o mundo grosseiro é uma sombra da Sobre-Alma. Assim, todas as experiências de nascimentos e mortes, virtude e vício, felicidade e sofrimento vividas pela alma não são nada além de experiências da sombra. Por isso, tudo o que é assim experimentado é falso.

A fim de clarificar essa relação "atma-Paramatma" (alma com a Sobre-Alma) nós comparamos Paramatma com um infinito oceano, um oceano sem limites, e a atma como uma gota nesse oceano. A atma nunca está fora desse oceano ilimitado (Paramatma). A atma não pode nunca estar fora de Paramatma porque Paramatma é infinita e ilimitada. Como pode a atma sair ou ter um lugar além da ilimitação sem limites? Portanto a atma está em Paramatma.
Após estabelecer o fato principal de que a atma está em Paramatma vamos um passo adiante e dizer que a atma é Paramatma. Como? Por exemplo, vamos imaginar um oceano sem limites. Vamos também imaginar que separamos ou que retiramos uma parcela mínima de oceano da vastidão ilimitada desse oceano. Segue-se então que, essa porção mínima de oceano, enquanto estava dentro do oceano sem limites, antes da separação, é o próprio oceano e não está lá no oceano como uma parcela mínima do oceano, porque cada parcela do oceano, quando não está limitada pelas limitações da gota, é o oceano ilimitado.
É somente quando uma parcela mínima do oceano for separada do oceano ilimitado, ou retirada do oceano ilimitado como uma gota, que essa porção do oceano obterá sua existência separada como uma gota do oceano sem limites, e que essa parcela mínima de oceano começará a ser olhada como uma gota do oceano ilimitado. Em outras palavras, o próprio oceano infinito, ilimitado e sem fronteiras é agora encarado meramente como uma gota daquele oceano infinito, ilimitado e sem fronteiras. E, em comparação com aquele oceano infinito, ilimitado e sem fronteiras essa porção de oceano, ou essa gota de uma parcela mínima de oceano, é muito mais limitada e mais finita com infinitas limitações. Isto é, aquela porção infinitamente livre se encontra infinitamente aprisionada.

Similarmente, a atma, que temos comparado com uma gota do infinito oceano, obtém uma aparente existência separada, embora, na realidade, ela não pode nunca estar fora da ilimitação do ilimitado, infinito Paramatma, o qual temos comparado com o oceano infinito, ilimitado e sem fronteiras. Mas tal como a parcela mínima de oceano adquire sua limitação como uma gota através de estar sob a forma de uma bolha na superfície do oceano, e a bolha confere à parcela mínima de oceano uma existência aparentemente separada do infinito oceano, do mesmo modo, a atma, que está em Paramatma e é Paramatma, aparentemente experimenta existência separada da infinita Paramatma através das limitações de uma bolha (de ignorância), com o qual a atma se encobre. Assim que a bolha da ignorância estoura, a atma não só descobre-se em Paramatma mas experimenta a si mesma como Paramatma. Através dessa limitação formada pela bolha da ignorância auto-criada pela atma, a atma aparentemente herda uma existência separada de Paramatma. E por causa desta separação auto-criada da infinita Paramatma, a atma, que é em si infinita, ilimitada e sem fronteiras, aparentemente experimenta a si mesma como muito finita e com infinitas limitações.

Hafiz - Sem mais partidas

Em

algum momento,

seu relacionamento

com Deus

irá

tornar-se assim:
.

Da próxima vez em que você encontrá-Lo na floresta

ou em uma rua lotada da cidade,

não haverá mais

partida.
.
Isto é,

Deus vai subir em seu bolso.
.
Você simplesmente irá levar
.
a si mesmo
.
junto!

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Ramesh S. Balsekar - Estágios de compreensão

Pergunta: Existe uma progressão que é comum a todos os aspirantes? Quero dizer, todos passam pelos mesmos estágios?
Ramesh: Os Budistas têm um excelente sumário não apenas de como o iluminado vê o mundo, mas também de como o iluminado veio a ver da maneira como vê. O sumário constitui-se de três estágios de compreensão. O primeiro grau de compreensão é a visão através de um individuo identificado. O segundo grau é quando há uma certa quantidade de compreensão. E finalmente, há a compreensão total.
Primeiro, as montanhas e os rios são vistos como montanhas e rios. O sujeito individual identificado está vendo um objeto. Esse é o envolvimento total. Isso é o que a pessoa ordinária faz.
Segundo, as montanhas e os rios não são mais vistos como montanhas e rios. Os objetos são vistos como sendo a objetivação refletida do sujeito. Eles são percebidos como objetos ilusórios na consciência e, portanto, irreais.
Finalmente, as montanhas e os rios são mais uma vez vistos como montanhas e rios. Isto é, ao ser despertado, eles são conhecidos como sendo a própria consciência manifestando-se como montanhas e como rios. O sujeito e os objetos não são vistos como separados.
Nesse sumário, as montanhas e os rios referem-se ao mundo em geral, incluindo-se a totalidade da população humana. O indivíduo identificado verá os objetos como um sujeito individual vendo objetos. Ele se considera uma entidade separada vendo outros objetos. Ver outros objetos ou eventos cria reações nele, como um individuo. Assim, o organismo individual reage ao que é visto.
No segundo estágio, quando há o entendimento de que tudo isso é um sonho e irreal, a visão muda e ele começa a ver que nenhum evento realmente importa, ele os vê como irreais, pois como o sujeito, ele transcende a aparência. Uma aparência é algo que aparece na consciência.
Quando a compreensão surge nesse nível, há tanta apreciação dessa compreensão que o individuo frequentemente tem grande dificuldade em guardá-la para si. Ele sai por aí falando para o mundo: “tudo isso é irreal!”. Ao tentar falar para os outros que o mundo é irreal, ele quer mudar o mundo, ele vai por aí criando problemas para si mesmo. Esses problemas que esse segundo estágio traz só se resolvem no terceiro estágio.
No terceiro estágio, os objetos são vistos não por um indivíduo, nem por um objeto vendo um objeto, nem um sujeito vendo um objeto. E o percebedor real é realizado como aquilo que criou a aparência e como aquilo que reconhece a aparência. Eles são ambos o mesmo. Nesse estágio, a realização última não é apenas que o mundo é irreal, mas que ao mesmo tempo o mundo é real! O mundo é irreal no sentido de que ele é dependente da Consciência para poder existir. Ele não tem existência dele próprio. O mundo deve sua existência ao fato de ser reconhecido na Consciência. Se todos os seres humanos e todos os animais de repente se tornassem inconscientes, quem diria que existe um mundo? O mundo não só não apareceria como também não existiria.

Pergunta: Você poderia explicar melhor essa idéia de realidade e irrealidade?
Ramesh: A analogia da sombra é frequentemente usada para explicar o “real” e o “irreal”. Uma sombra é irreal no sentido de que ela é dependente do sol para existir. Não obstante, como uma sombra, ela é real o bastante. Então é tanto real quanto irreal ao mesmo tempo. Toda a manifestação é dependente da Consciência para sua existência. A Consciência é inerente em todos os objetos, em toda a manifestação. A Consciência transcende a manifestação e ainda assim é imanente nela. A manifestação está contida dentro da Consciência.
No segundo estágio, antes que a compreensão final surja, todos os tipos de conceitos vêm a tona. É assumido que cabe ao indivíduo fazer esforços para unir-se com Deus. Naquele estágio do sujeito e do objeto, nirvana e samsara são tratados como sendo dois. Portanto, eles falam em termos do oceano de samsara, miséria, que tem que ser atravessado. O jiva tem que cruzar aquele oceano e isso só pode ser feito ao fazer sadhana de um tipo ou de outro. Então, o buscador segue através do sadhana, toda uma série. Por anos ele pratica, por anos ele observa o que está acontecendo e encontra-se num estado de orgulho e auto-engano. Finalmente, quando ele se estabelece em contemplação, ele abandona tudo. Como os Sufis dizem, há uma espécie de cerimonia, uma queima de tudo o que ele aprendeu e tudo o que ele pensa que atingiu.
Então no terceiro estágio, é percebido que o mundo é tanto real quanto irreal. Quando essa compreensão chega, o conhecimento se estabelece e naquele organismo no qual a iluminação aconteceu não há mais nenhum desejo ativo de contar para o mundo sobre isso, de mudar o mundo. No terceiro estágio há uma aceitação do que É, tanto a imanência quanto a transcendência. Nirvana e Samsara não são dois. Samsara é a expressão objetiva do Nirvana.
Na compreensão final, o estado do 'sentido de existência' (beingness) acontece. Não é questão de ver algo. Tudo é aparência e essa aparência está sendo vista através do instrumento do organismo, através dos sentidos. Mas nenhum individuo jamais vê. Embora o individuo diga: 'eu posso ver as montanhas' é apenas porque a consciência está presente que isso pode ser dito. As montanhas realmente estão sendo vistas pela consciência, a qual também é a aparência! A totalidade da manifestação é meramente uma aparência criada na Consciência pela Consciência. A consciência atua e dirige todos os papéis dos bilhões de seres humanos. Cada personagem é atuado pela Consciência.
A questão: 'Por que este lila (jogo de Deus) existe?” é compreendida no estágio final. Portanto, naquele estágio, nenhum problema surge. O buscador não tem um desejo ardente de ensinar o mundo sobre aquilo que ele aprendeu porque a compreensão básica é que ele não aprendeu nada. A compreensão veio por si mesma como um presente de Deus, um presente da Totalidade, da Graça. Todas as palavras vêm depois. Quando a iluminação é aceita, não há a questão de uma “pessoa” considerando a si mesma sortuda. O indivíduo considera-se sortudo por ser iluminado apenas quando a iluminação não aconteceu realmente.

terça-feira, 21 de julho de 2009

Bhagavan Sri Ramana Maharshi - Você é o Ser

Pergunta: Como posso atingir o Ser (Self)?
Bhagavan: Não existe atingir o Ser. Se o Ser fosse para ser alcançado, significaria que o Ser não está aqui e agora e que ainda está para ser obtido. O que é conseguido de novo também será perdido. Portanto será impermanente. Não vale a pena lutar para obter o que não é permanente. Então, digo que o Ser não é alcançado. Você é o Ser, você já é isso.
O fato é que você é ignorante do seu estado bem-aventurado. A ignorância sobrevém e lança um véu sobre o puro Ser, o qual é bem-aventurança. As tentativas são direcionadas apenas para remover esse véu da ignorância que é meramente conhecimento errôneo. O conhecimento errôneo é a falsa identificação do Ser com o corpo e a mente. Essa falsa identificação tem que ir, e então apenas o Ser permanece.
Portanto, a realização é para todos, a realização não faz diferença entre os aspirantes. Essa própria dúvida, se você pode Realizar, e a noção 'eu-não-Realizei' são os obstáculos em si. Livre-se desses obstáculos também.
P: Quanto tempo leva para atingir a liberação (mukti)?
B: Mukti não é para ser ganhada no futuro. Ela existe para sempre, aqui e agora.
P: Eu concordo, mas não experimento isso.
B: A experiência está aqui e agora. Não se pode negar seu próprio Ser.
P: Isso significa existência e não felicidade.
B: Existência é o mesmo que felicidade e felicidade é o mesmo que Ser. A palavra mukti é muito provocante. Por que deveríamos buscá-la? Acreditamos que há aprisionamento e portanto buscamos isso. Mas o fato é que não há aprisionamento, apenas liberação. Por que chamá-la por um nome e então buscá-la?
P: Verdade, mas nós somos ignorantes.
B: Apenas remova a ignorância. Isso é tudo o que precisa ser feito. Todas as questões relacionadas com mukti são inadmissíveis. Mukti significa livrar-se do aprisionamento, o que implica a presente existência do aprisionamento. Não há aprisionamento e portanto não há liberação também.
P: De que natureza é a realização dos ocidentais que relatam que tiveram flashes de consciência cósmica?
B: Ela veio como um flash e desapareceu da mesma maneira. Aquilo que tem um começo deve também ter um fim. Apenas quando a consciência sempre-presente for realizada ela será permanente. A consciência de fato está sempre conosco. Todos conhecem 'eu sou'. Ninguém pode negar seu próprio Ser. O homem em sono profundo não está ciente, enquanto está acordado ele parece estar ciente. Mas é a mesma pessoa. Não há mudança naquele que dormiu e naquele que está acordado agora. No sono profundo ele não estava ciente de seu corpo, e, portanto, não havia consciência-corpo (ego). No estado desperto ele está ciente de seu corpo e, portanto, há consciência-corpo. Portanto, a diferença está no emergir da consciência-corpo e não em nenhuma mudança na consciência real.
O corpo e a consciência-corpo emergem juntos e submergem juntos. Tudo isso corresponde a dizer que não há limitações no sono profundo, enquanto que há limitações no estado desperto. Essas limitações são o aprisionamento. O sentimento 'o corpo sou eu' é o erro. Esse falso sentido de 'eu' tem que ir embora. O 'Eu' real está sempre aí. Ele está aqui e agora. Ele nunca aparece como algo novo e depois desaparece novamente. Aquilo que É deve persistir para sempre também. Aquilo de novo que aparece também será perdido. Compare o estado desperto com o sono profundo. O corpo aparece em um estado mas no outro não. Portanto o corpo será perdido. A consciência era pré-existente e irá sobreviver ao corpo.
Não há ninguém que não diga 'eu sou'. O conhecimento errôneo 'eu sou o corpo' é a causa de todo prejuízo. Esse conhecimento errôneo deve ir embora. Isso é a realização. A realização não é a aquisição de nada novo nem é uma nova faculdade. É apenas a remoção de toda camuflagem.
A verdade última é tão simples! Não é nada mais do que estar no estado original. Isso é tudo o que precisa ser dito.