segunda-feira, 25 de maio de 2009

Nisargadatta Maharaj - Ninguém jamais falha no Yoga

Pergunta: O que significa falhar no Yoga? Quem é um fracasso no Yoga (yoga bhrashta)?

Maharaj: É apenas uma questão de estar incompleto. Daquele que não pôde concluir seu Yoga por alguma razão é dito que falhou no Yoga. Esse fracasso é apenas temporário, pois não pode haver derrota no Yoga. Esta batalha é sempre vencida, pois é uma batalha entre o verdadeiro e o falso. O falso não tem chance.

P: Quem falha? A pessoa (vyakti) ou o Ser (vyakta)?

M: A questão está mal colocada. Não se trata de um fracasso, nem a curto prazo nem a longo prazo. É como viajar numa longa e árdua estrada em um país desconhecido. De todos os incontáveis passos apenas o último traz você para o seu destino. Ainda assim, você não irá considerar todos os passos anteriores como fracassos. Cada um lhe trouxe mais perto de sua meta, mesmo quando você teve de voltar para passar por um obstáculo. Na realidade, cada passo traz você para o seu objetivo, pois estar sempre em movimento, aprendendo, descobrindo, revelando, é o seu destino eterno. Viver é a única finalidade da vida. O Ser não se identifica com o sucesso ou o fracasso - a própria idéia de se tornar isto ou aquilo é impensável. O Ser entende que o sucesso e o fracasso são relativos e estão ligados, que são a própria teia e trama da vida. Aprenda com ambos e vá além. Se você ainda não aprendeu, repita.

P: O que devo aprender?

M: A viver sem auto-importância (egocentrismo). Para isso, você deve conhecer o seu verdadeiro Ser (swarupa) como indomável, destemido, sempre vitorioso. Uma vez que você sabe com certeza absoluta que nada pode lhe causar problemas, além da sua própria imaginação, você começa a ignorar seus desejos e medos, conceitos e idéias e passa a viver pela verdade apenas.

P: Qual pode ser a razão de algumas pessoas terem sucesso e outras falharem no Yoga? É o destino, caráter ou simplesmente acidental?

M: Ninguém jamais falha no Yoga. É tudo uma questão de grau de progresso. Ele é lento no início e rápido no final. Quando a pessoa está totalmente amadurecida, a realização é explosiva. Acontece espontaneamente ou ao menor sinal. A rápida não é melhor do que a lenta. O amadurecimento lento e florescimento rápido se alternam. Ambos são naturais e corretos. No entanto, tudo isto é assim apenas na mente. A meu ver, não existe realmente alguma coisa do tipo. No grande espelho da consciência imagens surgem e desaparecem e somente a memória lhes dá continuidade. E memória é material - destrutível, perecível, transitória. Em tais bases frágeis construímos um sentimento pessoal de existência - vago, intermitente, sonhador. Esta vaga persuasão: "eu sou tal e tal" obscurece o estado imutável de pura consciência e nos faz acreditar que nascemos para sofrer e para morrer.


P: Assim como uma criança não pode evitar de crescer, também um homem, compelido por sua natureza não pode evitar fazer progressos. Por que esforçar-se? Onde está a necessidade do Yoga?

M: Há progresso o tempo todo. Tudo contribui para o progresso. Mas este é o progresso da ignorância. Os círculos da ignorância podem estar cada vez se alargando mais, ainda assim permanecem igualmente sendo uma escravidão. No devido tempo, aparece um guru para nos ensinar e nos inspirar a praticar Yoga, e um amadurecimento ocorre, como resultado desse amadurecimento a imemorial noite da ignorância dissolve-se diante do sol nascente da sabedoria. Mas, na realidade, nada aconteceu. O sol está sempre ali, não há noite para ele; a mente cega pela idéia 'eu sou o corpo' vagueia infinitamente em sua trilha de ilusão.

P: Se tudo é uma parte de um processo natural, onde está a necessidade de esforço?

M: Mesmo o esforço é uma parte disso. Quando a ignorância se torna obstinada e dura e o caráter fica pervertido, o esforço e a dor se tornam inevitáveis nesse caso. Em total obediência à natureza, não existe esforço. A semente da vida espiritual cresce em silêncio e no escuro até sua hora designada.

P: Nós encontramos algumas grandes pessoas, que, na sua velhice, tornam-se infantis, mesquinhas, conflituosas e vingativas. Como podem deteriorar-se tanto?

M: Eles não eram perfeitos Yogis, não tendo colocado seus corpos sob completo controle. Ou, eles podem não ter tido cuidado de proteger seus corpos da deterioração natural. Não devemos tirar conclusões sem compreender todos os fatores. Acima de tudo, não devemos fazer julgamentos de inferioridade ou superioridade. Juventude é mais uma questão de vitalidade (Prana) do que de sabedoria (Jnana).

P: Podemos ficar velhos, mas por que deveríamos perder toda atenção e discriminação?

M: A consciência e inconsciência, enquanto no corpo, dependem do estado do cérebro. Mas o Ser está além de ambos, além do cérebro, além da mente. A falha do instrumento não é reflexo do seu utilizador.

P: Foi-me dito que um homem realizado jamais faz algo indecoroso. Ele vai sempre agir de uma maneira exemplar.

M: Quem define o que é exemplar? Por que é que um homem liberado, necessariamente segue as convenções? No momento em que ele se torna previsível, não pode ser livre. Sua liberdade reside em estar livre para cumprir a necessidade do momento, a observar a necessidade da situação. Liberdade para fazer o que se gosta é escravidão na verdade, enquanto que estar livre para fazer o que se deve, o que é certo, é verdadeira liberdade.

P: Ainda assim, deve haver alguma forma de discernir quem realizou-se de quem não. Se um é indistinguível do outro, de que utilidade ele é?

M: Aquele que conhece a si mesmo não tem dúvidas sobre isso. Nem se preocupa se outros reconhecem seu estado ou não. É raro o homem realizado divulgar sua realização, e afortunados são aqueles que o encontraram, porque ele faz isso para o bem-estar duradouro deles.

sexta-feira, 22 de maio de 2009

Meher Baba - A Formação e a Função dos Sanskaras

Existem dois aspectos da experiência humana - o subjetivo e o objetivo. De um lado existem processos mentais que constituem os ingredientes essenciais da experiência humana, e do outro existem as coisas e os objetos aos quais eles se referem. Os processos mentais são parcialmente dependentes da situação objetiva dada, e parcialmente dependentes do funcionamento dos Sanskaras acumulados, ou impressões de experiências passadas. A mente humana encontra-se então, entre um mar de Sanskaras passados de um lado, e de outro lado, todo o extensivo mundo objetivo. As ações humanas estão baseadas nas operações das impressões armazenadas na mente através de experiências passadas. Cada pensamento, emoção e ato estão retidos em grupos de impressões que, quando considerados objetivamente, são vistos como sendo modificações da mente. Essas impressões são depósitos de experiências passadas e tornam-se os fatores mais importantes em determinar o curso das experiências presentes e futuras. A mente está constantemente criando e agrupando tais impressões no curso de suas experiências.

Quando ocupada com os objetos físicos deste mundo (tais como o corpo, a natureza e outras coisas), a mente é, assim por dizer, exteriorizada e cria impressões grosseiras. Quando ela está ocupada com seus próprios processos mentais subjetivos, que são as expressões dos Sanskaras já existentes, cria impressões sutis e mentais. A questão: se os Sanskaras vêm primeiro ou as experiências vêm primeiro é como a questão do ovo ou a galinha vir primeiro. Ambos são condições um do outro e se desenvolvem lado a lado. O problema de entender o significado da experiência humana, portanto, gira em torno do problema de entender a formação e a função dos Sanskaras.

Os Sanskaras são de dois tipos - naturais e não-naturais, de acordo com a maneira na qual eles vêm à existência. Os Sanskaras que a alma reúne durante o período da evolução orgânica, são naturais. Esses Sanskaras vêm à existência enquanto a alma sucessivamente adquire e abandona as várias formas sub-humanas, passando assim, gradualmente, dos estados aparentemente inanimados (tais como pedra e metal) ao estado humano, onde há o desenvolvimento completo da consciência. Todos os Sanskaras que se incrustam ao redor da alma antes dela atingir a forma humana são o produto da evolução natural e são referidos como Sanskaras naturais. Eles devem ser cuidadosamente distinguidos dos Sanskaras cultivados pela alma depois de atingir a forma humana.

Os Sanskaras que são anexados à alma durante o estágio humano são cultivados sob a liberdade moral da consciência com a responsabilidade que a acompanha de escolher entre o bem e o mal, a virtude e o vício. Eles são referidos como Sanskaras não-naturais. Embora esses Sanskaras pós-humanos sejam diretamente dependentes dos naturais, eles são criados sob condições fundamentalmente diferentes da vida e são, na sua origem, comparativamente mais recentes que os Sanskaras naturais.

Essa diferença na duração dos períodos formadores e nas condições da formação é responsável pela diferença no grau de firmeza do apego dos Sanskaras naturais e não-naturais à alma. Os Sanskaras não-naturais não são tão difíceis de erradicar quanto os naturais, que têm uma antiga herança e estão, portanto, mais firmemente arraigados. A obliteração dos Sanskaras naturais é praticamente impossível a não ser que o aspirante seja o recipiente da graça e da intervenção de um Sadguru, ou Mestre Perfeito.

Os Sanskaras não-naturais são dependentes dos naturais, e os Sanskaras naturais são um resultado da evolução. A próxima questão importante é: Por que a vida manifestada em diferentes estágios da evolução emerge da Realidade absoluta, que é infinita? A necessidade pela vida manifestada surge do ímpeto do Absoluto de tornar-se consciente de si mesmo. A manifestação progressiva da vida através da evolução é finalmente trazida pela vontade-de-ser-consciente, que é inerente ao Infinito.

Para entender a criação em termos de pensamento, é necessário colocar essa vontade-de-ser-consciente no Absoluto num estado latente precedente ao ato da manifestação. Embora para o propósito de uma explanação intelectual da criação, o ímpeto no Absoluto tenha que ser tomado como uma vontade-de-ser-consciente, pois descrevê-lo como um tipo de desejo inerente é falsificar sua verdadeira natureza. É melhor descrito como um lahar, ou um impulso, que é tão inexplicável, espontâneo e imediato que chamá-lo de isto ou aquilo é desfazer a sua realidade. Como todas as categorias intelectuais necessariamente mostram-se inadequadas para captar o mistério da criação, a abordagem mais próxima do entendimento da sua natureza não é através de conceitos intelectuais, mas sim através de analogias.

Assim como uma onda seguindo através da superfície de um calmo oceano produz uma agitação turbulenta de inumeráveis bolhas, o lahar cria miríades de almas individuais (Atmas) da infinita indivisibilidade da Sobre-Alma (Paramatma). Mas o todo abundante Absoluto permanece sendo o substrato de todas as almas individuais. As almas individuais são as criações de um repentino e espontâneo impulso, e assim, não têm quase nenhuma antecipação de sua continuidade da existência destinada através do período cíclico até a cessação final da agitação inicial. Dentro do indiferenciado ser do Absoluto nasce o ponto misterioso (o ponto Om) através do qual surge a multiplicidade variada da criação. E a profunda imensidão, que uma fração de um segundo antes era uma congelada imobilidade, é posta em movimento com a vida dos inumeráveis seres frívolos que asseguram sua separação em tamanho e forma definidos, através da auto-limitação dentro da superfície espumante do oceano.

Todo isso é apenas uma analogia. Seria um erro imaginar que alguma mudança real aconteça no Absoluto quando o lahar da latente vontade-de-ser-consciente torna-se efetiva ao trazer para a existência o mundo da manifestação. Não pode haver nenhum ato de involução ou evolução dentro do ser do Absoluto; e nada real pode nascer do Absoluto, sendo que qualquer mudança real é necessariamente uma negação do Absoluto. A mudança implícita na criação do mundo manifesto não é uma mudança ontológica – isto é, não uma mudança no ser da Realidade absoluta. É só uma mudança aparente.

Em um sentido, o ato da manifestação deve ser considerado como um tipo de expansão do ilimitável Ser do Absoluto, sendo que através desse ato o Infinito, que é sem consciência, busca atingir sua própria consciência. Sendo que essa expansão da Realidade é efetuada através de sua auto-limitação em várias formas de vida, o ato da manifestação deve, com aptidão igual, ser chamado o processo de contração atemporal.
Se o ato da manifestação é visto como um tipo de expansão da Realidade ou como sua contração atemporal, ele é precedido por um urgir ou um movimento, que pode (em termos de pensamento) ser considerado como um desejo inerente e latente de se tornar consciente. A multiplicidade da criação e a separação das almas individuais existem apenas na imaginação. A própria existência da criação ou do mundo da manifestação é baseada em bhas, ou ilusão; então, a despeito da manifestação das inumeráveis almas individuais, a Sobre-alma (Paramatma) permanece a mesma sem sofrer nenhuma expansão real ou contração, gradação ou degradação. Embora a Sobre-alma não passe por nenhuma modificação devido às bhas, ou ilusões da individualização, sua aparente diferenciação em muitas almas individuais vem à existência.
As bhas mais originais, ou ilusões, para as quais a Sobre-alma foi atraída sincronizam-se com a primeira impressão. Isso marca, portanto, o início da formação dos Sanskaras . A formação dos Sanskaras começa no centro mais finito, que se torna o primeiro foco para a manifestação da individualidade da alma. Na esfera grosseira um foco dessa manifestação é representado pela pedra tridimensional e inerte, que tem a consciência mais rudimentar e parcial. Esse estado vago e não desenvolvido de consciência é suficiente no máximo para iluminar sua própria forma e figura, e é inadequado para atender o propósito da criação, que seria o permitir a Sobre-alma conhecer a si mesma.

Qualquer que seja a pequena capacidade para iluminação da consciência existente na fase de pedra (fase mineral) é definitivamente derivada da Sobre-alma e não do corpo da pedra. Mas a consciência fica inapta a alargar sua esfera de ação independentemente do corpo da pedra, porque a Sobre-Alma primeiro fica identificada com a consciência e depois através dela com a forma de pedra.
Desde que todo desenvolvimento conseguinte da consciência esteja aprisionado pelo corpo da pedra e sua debilidade, a evolução de formas superiores, ou veículos de manifestação, torna-se indispensável. O desenvolvimento da consciência tem de proceder lado a lado com a evolução do corpo ao qual ela está condicionada. Portanto, a vontade-de-ser-consciente, que é inerente na vastidão da Sobre-alma, busca por determinação divina uma evolução progressiva dos veículos de expressão.

Assim a Sobre-alma forja para si mesma um novo veículo de expressão na forma de metal, na qual a consciência torna-se um pouco mais intensificada. Mesmo nesse estágio ela é muito rudimentar, e então tem que ser transferida para formas ainda superiores de vegetação e árvores, nas quais há um apreciável avanço no desenvolvimento da consciência através da manutenção do processo vital de crescimento, deterioração e reprodução. A emergência de uma forma ainda mais desenvolvida de consciência torna-se possível quando a Sobre-alma busca manifestação através da instintiva vida dos insetos, pássaros e animais, que são totalmente cientes de seus corpos e respectivo meio ambiente, um sentido de auto-proteção e um objetivo de estabelecer domínio sobre o meio ambiente.

Nos animais superiores, o intelecto ou o raciocínio também aparece numa certa extensão, mas seu trabalho é estritamente limitado pela ação de seus instintos, como o instinto de auto-proteção e o instinto pelo cuidado e preservação dos jovens. Então mesmo nos animais, a consciência não tinha tido seu desenvolvimento total, resultando que ela não está apta para servir ao propósito inicial da Sobre-Alma de ter auto-iluminação. Finalmente a Sobre-Alma toma a forma humana, na qual a consciência atinge o desenvolvimento mais completo com completa ciência de si e do meio ambiente. Nesse estágio a capacidade de raciocinar tem um alcance de atividade maior e é ilimitada no seu raio de ação. Porém, enquanto a Sobre-Alma ficar identificada através da consciência com o corpo grosseiro, a consciência não servirá ao propósito de iluminar a natureza da Sobre-Alma. Entretanto, como a consciência tem seu desenvolvimento completo na forma humana, há nela uma potencialidade latente para a auto-realização. E a vontade-de-ser-consciente com a qual a evolução começou torna-se frutificada no Sadguru, ou Homem-Deus, que é a mais linda flor da humanidade.
A Sobre-Alma não pode atingir o Auto-conhecimento através da consciência ordinária da humanidade pois essa está envolta numa multidão de Sanskaras , ou impressões. Enquanto a consciência passa do estado aparentemente inanimado de pedra ou metal, para a vida vegetativa das árvores, seguindo então para o estado instintivo dos insetos, pássaros e animais, e finalmente para a consciência do estado humano, ela está continuamente criando novos Sanskaras e tornando-se envolta neles. Esses Sanskaras naturais são aumentados mesmo após atingirem o estado humano pelas criações seguintes de Sanskaras não-naturais através de múltiplas experiências e múltiplas atividades.

Assim, a aquisição dos Sanskaras está acontecendo incessantemente durante o processo de evolução bem como durante o período posterior, período das atividades humanas. Essa aquisição dos Sanskaras pode ser comparada ao enrolar-se um pedaço de corda em volta de um bastão – a corda representando os Sanskaras e o bastão representando a mente da alma individual. O enrolamento começa no início da criação e persiste através de todos os estágios evolucionários e na forma humana; e a corda enrolada representa todos os Sanskaras, naturais bem como não-naturais.

Os novos Sanskaras que estão sendo constantemente criados na vida humana são devidos aos múltiplos objetos e idéias com os quais a consciência se confronta. Esses Sanskaras trazem importantes transformações nos vários estados de consciência. As impressões criadas por lindos objetos têm a potência de evocar na consciência a inata capacidade para apreciar e desfrutar a beleza.
Quando uma pessoa escuta uma bela música ou vê uma linda paisagem, as impressões absorvidas desses objetos dão à pessoa um sentimento de exaltação. Da mesma maneira, quando se contata a personalidade de um pensador, podemos adquirir interesse em novas avenidas de pensamento e inspirarmo-nos por um entusiasmo que anteriormente era completamente estranho à consciência. Não apenas impressões dos objetos ou pessoas, mas também impressões de idéias e superstições têm grande eficácia em determinar as condições da consciência. O poder das impressões das superstições pode ser ilustrado através de uma história de fantasmas.
Dos diferentes reinos do pensamento humano talvez não haja nenhum tão abundante em superstições quanto aqueles conectados com fantasmas, que de acordo com a crença popular existem para importunar e torturar suas vítimas de maneiras curiosas.
Era uma vez, durante o governo Mogul na India, um homem altamente educado que era muito cético a respeito de histórias sobre fantasmas decidiu verificá-las por experiência pessoal. Ele tinha sido avisado para não visitar certo cemitério na noite de amavasya (a noite mais escura do mês); porque era dito que lá era a habitação de um fantasma terrível que infalivelmente fazia aparições quando quer que um prego de ferro fosse martelado no chão dentro dos limites do cemitério.
Com um martelo numa mão e um prego na outra, ele andou direto para o cemitério na noite de amavasya e escolheu um local sem grama para colocar o prego. O chão estava escuro, e a capa comprida que vestia era igualmente escura. Quando ele sentou no chão e tentou martelar o prego, a ponta da sua capa ficou entre o prego e o chão, e foi pregada. Ele terminou de martelar e sentiu que tinha tido sucesso com o experimento sem encontrar o fantasma. Mas quando ele tentou levantar para sair daquele lugar, sentiu um forte puxão na direção do chão; e ele teve um ataque de pânico. Devido à operação das impressões anteriores, ele não podia pensar em nada exceto no fantasma, pelo qual pensou ter sido pego por fim. O choque do pensamento foi tão grande que o pobre homem morreu de um ataque do coração. Essa história ilustra o tremendo poder que às vezes reside nas impressões criadas por superstição.

O poder e efeito das impressões dificilmente podem ser subestimados. Uma impressão está solidificada com força e sua inércia a torna imóvel e durável. Ela pode tornar-se tão gravada sobre a mente de uma pessoa que apesar de seu sincero desejo e esforço para erradicá-la, ela toma seu próprio tempo e tem uma maneira de colocar-se em ação direta ou indiretamente. A mente contém muitos Sanskaras heterogêneos, que quando buscam expressão na consciência, frequentemente colidem uns com os outros. A colisão dos Sanskaras é experimentada na consciência como um conflito mental. A experiência está limitada a ser caótica e enigmática, cheia de oscilações, confusão e complexos emaranhamentos, até que a consciência seja libertada de todos os Sanskaras , bons e ruins. A experiência pode tornar-se verdadeiramente harmoniosa e integral apenas quando a consciência for emancipada das impressões.

Os Sanskaras podem ser classificados de acordo com as diferenças essenciais na natureza das esferas a que eles se referem. Referindo-se a essas diferentes esferas de existência, eles vêm a ser de três tipos: (1) Sanskaras grosseiros, que permitem a alma experimentar o mundo grosseiro através do meio grosseiro compelindo-a a identificar-se com o corpo grosseiro. (2) Sanskaras sutis, que permitem a alma experimentar o mundo sutil através de um meio sutil compelindo-a a identificar-se com o corpo sutil. (3) Sanskaras mentais, que permitem a alma experimentar o mundo mental através de um meio mental compelindo-a a identificar-se com o corpo mental.

As diferenças entre os estados das almas individuais devem-se inteiramente às diferenças existentes nos tipos de Sanskaras com os quais sua consciência estiver carregada. Assim, almas com consciência grosseira experimentam apenas o mundo grosseiro; almas com consciência sutil experimentam apenas o mundo sutil; e almas com consciência mental experimentam apenas o mundo mental. A diversidade qualitativa na experiência desses três tipos de alma é devido à diferença na natureza de seus Sanskaras.
As almas conscientes de si mesmas são radicalmente diferentes de todas as outras almas porque elas experimentam a Sobre-Alma usando como meio o Ser; enquanto que as outras almas experimentam apenas seus corpos e os mundos correspondentes. Essa diferença radical entre a consciência das almas conscientes de si mesmas e as outras almas é devido ao fato de que enquanto a consciência da maioria das almas estiver condicionada por alguns tipos de Sanskaras, a consciência das almas conscientes de si mesmas estará completamente livre de todos os Sanskaras. É apenas quando a consciência não estiver obscurecida e não condicionada por nenhum Sanskaras que a vontade-de-ser-consciente inicial chegará à sua fruição final e real, e a unidade infinita e indivisível do Absoluto será conscientemente realizada. O problema do descondicionamento da mente através da remoção dos Sanskaras é, portanto, extremamente importante.

segunda-feira, 18 de maio de 2009

G. I. Gurdjieff - Um livro muito interessante ...



França, 21 de outubro de 1943

Pergunta: Senhor, perguntei-lhe na última quinta-feira, se havia uma maneira de desenvolver atenção, você disse que a atenção era medida de acordo com o grau em que a pessoa lembra de si mesma. Você me disse para olhar especialmente em mim mesmo. Eu perguntei sobre isso porque eu não estava conseguindo colocar minha atenção na leitura dos “Relatos de Belzebu a seu neto”. Durante essa semana eu entendi que atenção era o que eu sou. De acordo com os 'eu's que ocorriam, haviam diferentes atenções. Eu gostaria de perguntar se para desenvolver atenção existe apenas o método do “eu sou” ou se há outros métodos especiais.

Gurdjieff: Uma coisa eu posso lhe falar. Métodos não existem. Eu não conheço nenhum. Mas posso explicar agora tudo de maneira simples. Por exemplo, no Belzebu, eu sei, há tudo o que uma pessoa deve saber. É um livro muito interessante. Todas as coisas estão lá. Tudo o que existe, tudo o que existiu, tudo o que pode existir. O começo, o fim, todos os segredos da criação do mundo, tudo está lá. Mas a pessoa deve entender, e entender depende da individualidade da pessoa. Quanto mais o homem for instruído de uma determinada maneira, mais ele poderá ver. Subjetivamente, todos estão aptos a entender de acordo com o estágio que ocupam, pois ele é um livro objetivo, e todos devem entender algo nele. Uma pessoa entende uma parte, outra entende mil vezes mais. Agora, encontre uma maneira de colocar sua atenção em entender tudo de Belzebu. Essa será sua tarefa, e é uma boa maneira de fixar atenção real. Se você puder colocar atenção real no Belzebu, você poderá ter uma atenção real na vida. Vocês não sabiam desse segredo. No Belzebu há tudo, eu disse isso - até mesmo como fazer uma omelete, dentre outras coisas, é explicado - e ao mesmo tempo não há uma palavra em Belzebu sobre culinária. Portanto, coloque sua atenção sobre Belzebu, outra atenção além dessa a que você está acostumado, e você ficará apto a ter a mesma atenção na vida.

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Philokalia - Teófanes o recluso (1815–1894) - Esforço e Graça


A completa serenidade da mente é um presente de Deus, mas essa serenidade não é dada sem nossos próprios e intensos esforços. Você não irá alcançar nada por seus próprios esforços apenas, ainda assim, Deus não lhe dará nada a menos que você trabalhe com toda sua força. Essa é uma lei inquebrantável.

Possa o Senhor dar-lhe a bênção de um intenso desejo de ficar internamente diante de Deus. Busque e encontrará. Busque a Deus: tal é a regra inalterável para o avanço espiritual. Nada vem sem esforço. A ajuda de Deus está sempre pronta e sempre perto, mas é dada apenas àqueles que buscam e trabalham, e apenas àqueles buscadores que, após colocarem todas as suas forças à prova, então clamam com todo seu coração: Senhor, ajude-nos. Enquanto você se apegar mesmo que a uma pequena esperança de atingir algo por suas próprias forças, o Senhor não interferirá. É como se ele dissesse: “Você espera suceder por si mesmo – Muito bem, continue tentando! Mas não importa quanto tempo você tentar, não irá alcançar nada.” Possa o Senhor dar-lhe um espírito contrito, um coração humilde e contrito.

Busque e encontrará. Mas o que é para ser buscado? Uma comunhão viva e consciente com o Senhor. Isso é dado pela graça de Deus, mas também é essencial que nós mesmos tenhamos que trabalhar, que nós mesmos devamos vir de encontro a Ele. Como? Ao lembrar sempre de Deus, o Qual está perto do coração e mesmo presente dentro dele. Para ter sucesso nessa lembrança é aconselhável acostumar a si mesmo à continua repetição da prece de Jesus: “Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tende piedade de mim”, mantendo na mente o pensamento da proximidade de Deus e Sua presença no coração. Mas também deve ser entendido que por si mesma a Oração de Jesus é apenas uma oração oral externa, a oração interna é ficar diante de Deus, continuamente clamando por Ele sem palavras.
Por esse meio, a lembrança de Deus será estabelecida na mente e o auxílio de Deus estará na sua alma como o sol. Se você coloca algo frio no sol, esse algo vai ficar cada vez mais quente, da mesma maneira sua alma será aquecida pela lembrança de Deus, que é o sol espiritual. O que segue-se disso irá providencialmente aparecer.
Sua primeira tarefa é adquirir o hábito de repetir a Oração de Jesus incessantemente. Portanto comece e continuamente repita e repita, mas o tempo todo mantenha diante de si o pensamento de Nosso Senhor. E nesse ponto reside tudo.

segunda-feira, 11 de maio de 2009

Hazrat Inayat Khan - A vida silenciosa

A vida absoluta da qual surgiu tudo o que é sentido, visto e percebido, e dentro da qual tudo submerge novamente no devido tempo, é uma vida silenciosa, sem movimento e eterna que dentre os Sufis é chamada de Dhat. Todo movimento que surge originário dessa vida silenciosa é uma vibração e um criador de vibrações. Dentro de uma vibração são criadas muitas vibrações.
Como movimento causa movimento, dessa forma a vida silenciosa se torna ativa numa certa parte, e cria a cada momento mais e mais atividade, perdendo dessa forma a paz da vida silenciosa original. É o grau de atividade dessas vibrações que contam para os vários planos de existência. Esses planos são imaginados como diferentes uns dos outros, mas na realidade eles não podem ser inteiramente separados e soltos uns dos outros. A atividade das vibrações torna-os mais grosseiros, e assim a terra é nascida dos céus.
Os reinos mineral, vegetal, animal e humano são mudanças graduais de vibrações, e as vibrações de cada plano diferem umas das outras em seu peso, largura, comprimento, cor, efeito, som e ritmo.
O homem não é apenas formado de vibrações, mas ele vive e move-se nelas: elas o circundam assim como o peixe é circundado pela água, e ele as contém dentro de si assim como um tanque contém água. Seus diferentes humores, inclinações, afazeres, sucessos e falhas, e todas as condições da vida dependem de uma certa atividade de vibrações, sejam elas pensamentos, emoções ou sentimentos. É a direção da atividade das vibrações que conta para a variedade de coisas e seres. Essa atividade vibratória é a base da sensação e a fonte de todo prazer e dor; seu sessar é o oposto da sensação. Todas as sensações são causadas por um certo grau de atividade de vibração.
Existem dois aspectos de vibrações: finas e grosseiras, ambas contendo vários níveis. Algumas são percebidas pela alma, outras pela mente e outras ainda pelo olho. O que a alma percebe são as vibrações dos sentimentos, o que a mente concebe são as vibrações dos pensamentos, o que os olhos vêem são as vibrações solidificadas de seu estado etéreo e transformadas em átomos que aparecem no mundo físico, constituindo os elementos éter, ar, fogo, água e terra. As vibrações mais finas são imperceptíveis mesmo para a alma. A própria alma é formada dessas vibrações; é a atividade delas que a torna consciente.
A criação começa com a atividade da consciência, que pode ser chamada de vibração, e cada vibração começando da sua fonte original é a mesma, diferindo apenas em seu tom e ritmo causados por um grau de força maior ou menor por trás dela. No plano do som a vibração causa diversidade de tom, e no mundo dos átomos diversidade de cor. É ao se ajuntarem que as vibrações se tornam audíveis, mas a cada passo na direção da superfície elas se multiplicam e, conforme avançam, elas se materializam.
O som dá à consciência uma evidência de sua existência, embora seja de fato a própria parte ativa da consciência que se transforma em som. O conhecedor, por assim dizer, torna-se conhecido para si mesmo; em outras palavras a consciência presta testemunho à sua própria voz. E, portanto, o som atrai o homem. Todas as coisas sendo derivadas e formadas de vibrações têm um som escondido dentro delas assim como o fogo está escondido dentro da pedra de produzir faíscas. E cada átomo do universo confessa pelo seu tom: “Minha única origem é o som”. Se qualquer corpo sólido ou sonoro for golpeado ele irá responder de volta: “Eu sou som”.
O som tem seu nascimento, morte, sexo, forma, planeta, Deus, cor, infância, juventude e idade. Mas aquele volume de som que está no abstrato – além da esfera do concreto – é a origem e a base de todo o som.

sexta-feira, 8 de maio de 2009

Siddharameshwar Maharaj - A raiz do nascimento

Quando a pessoa é iluminada pelo ensinamento dado pelo Sadguru, todos os quatro corpos (o físico, o sutil, o causal, e o Turya ou o grande corpo causal) são dissolvidos. Então, tudo se torna falso. De fato já é falso. Apenas “Um Estado” chama tudo de falso. Após deixar de lado todas as coisas, a mente se torna absorvida no “Um”. Então a pessoa torna-se aquilo que era o objetivo a ser alcançado. Torna-se aquela morada final da “liberdade total” (Sayujya Mukti). A pessoa torna-se a proprietária daquela “liberdade total”. Aquilo que permanece após abandonar o que é visível, é Brahman. Na ignorância, o observador e o observado são duas coisas. Quando aquilo que é observado for dissolvido, o observador ficará sozinho (sem nenhum objeto de observação). Aquilo é Brahman. No sono profundo, o ignorante desfruta daquele estado sem objetos inconscientemente, quando ele deixa para trás o mundo visível. Não se pode viver sem desfrutar desse contentamento. Aquele que não tem um sono apropriado, certamente irá abandonar o corpo, que é o “descanso final” da morte. O estado de sono profundo é uma necessidade tanto dos pobres como dos ricos. A felicidade do sono profundo é comum a todas as criaturas. Um homem pode possuir um milhão de rúpias ou pode estar esperando por um milhão de rúpias de alguém, mas ambos serão iguais no sono profundo. O maior pecador e o Yogi são iguais no sono profundo.
“Aquilo” que está além do visível, é o Ser (Self). Se discernirmos apropriadamente, o universo não é como ele parece ser. A ignorância é o que é falso, e tratá-la como Verdade também é ignorância. Conhecer o falso como falso, reconhecer o que é irreal é Conhecimento. Conhecer a realidade é Conhecimento Verdadeiro, mas considerar o irreal como sendo real é Ignorância. Os sábios vêem o falso como falso e experimentam adequadamente. Uma montanha é apenas uma acumulação de terra, não uma montanha. Quando você olha a cidade de Mumbai, a terra que é a essência, a realidade, não é vista. Se você a vê como terra, então Mumbai como uma cidade desaparece da sua vista. A liberação é reconhecer o que é verdadeiro e o que é falso. Tratar o falso como verdadeiro é aprisionamento. Aquele que abandona este mundo, conhecendo-o como falso, não retornará. Aquele que está convencido de que o mundo é falso, não tem desejo de retornar. Entretanto, o desejo não vai abandonar aquele que pensa que o mundo é verdadeiro. O desejo daqueles que não necessitam mais do mundo, morre. Ninguém mais os compele a tomar nascimento. A pessoa toma nascimento, ou nasce, de acordo com seu próprio desejo. A pessoa faz hoje as preparações para o seu próximo nascimento. Para aquele que é ignorante há a esperança de que ao menos ele terá felicidade no próximo nascimento. A pessoa ignorante diz: “O que mais eu farei se não tomar nascimento”. Há muitos que fazem doações para a caridade por causa de sua crença de que outro nascimento seja inevitável. Aqueles que são inteligentes sabem que esta aparência do mundo é falsa, tornando-se sem desejos e livres.
Medite no ensinamento dado pelo Sadguru e seguro-o bem perto do seu coração. Não se esqueça que você é o “Ser Um”. Ouça o Guru e medite sobre suas palavras com extremo respeito. Aquele que não fizer isso certamente mata-se a si mesmo. Aquele que tem que viver neste mundo não deveria extinguir “a lâmpada do conhecimento”. Aquele que mantém-se com a grande afirmação “eu sou Brahman”, é quem está intitulado para a liberação. Posteriormente, esse conceito, a observação de rituais e a própria grande afirmação, todos desaparecerão. Então, não há nem o visível nem o invisível. O “Estado Natural” é alcançado. A meditação, e o manter qualquer objeto na mente, ambos acabam. A imaginação é dissolvida. Ela submerge no não-conceitual. Então aquele que era chamado de “Sr. Tal e tal”, é Brahman, e apenas a consciência permanece. Isso é chamado de “Brahman sutil”. Esse é o Estado Natural. O sonho acaba e junto com ele todas as pessoas no sonho também desaparecem. Só Ele permanece. O prolongado sonho se vai e Brahman permanece sozinho. Então, somente Brahman sutil, que é pura Consciência, permanece. O aprisionamento do mundo, bem como o pecado e o mérito são todos terminados. As aparências terminam e apenas o observador permanece. Aquele que não tem nascimento é liberado. A ilusão manteve-o preso no triste ciclo de nascimentos e mortes, mas agora tudo isso é dissolvido. O Sadguru como a “brilhante luz do sol da liberdade” o encontrou, e a ele foi dada sua “própria natureza original”. Ele está convencido sobre Brahman sem ir e vir para nenhum lugar.

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Ramesh S. Balsekar - O ego

O que é a escravidão? A escravidão é – “eu” sou uma pessoa separada, com livre arbítrio e responsável por minhas ações, e portanto, “eu” devo fazer boas coisas. O que é a escravidão? O ego é a escravidão. “Quem” fica feliz ou “quem” fica infeliz? O ego, o sentido de que se pode fazer. O corpo não pode ficar feliz ou triste. Portanto, aquele que fica feliz ou infeliz é o ego. E o que é a liberação? Liberação é a liberdade do senso alternado de alegria e tristeza. Liberação é a compreensão total e final no coração de que não há um fazedor, nem um experimentador.
Toda religião lhe pede para que se livre do ego, mas “aquele” para quem as religiões falam para se livrar do ego, é o ego. É falado para o ego se livrar do ego! Mas o ego não vai cometer suicídio. Portanto, a questão realmente é: Quem criou o ego? Que temos que nos livrar do ego, de acordo. Mas quem criou o ego? Você não criou o ego. De onde poderia o ego ter vindo? De onde ele poderia ter vindo exceto da Fonte! Se você chama essa Fonte de Consciência ou Energia Primordial, de Deus ou de Ciência (awareness) não faz diferença, contanto que você entenda que é a Fonte – Uma sem uma segunda.

Portanto, o ego também veio da Fonte. É por isso que eu chamo o ego de Hipnose Divina. A hipnose é: “eu” considero a mim mesmo um ser separado com um sentido de que posso fazer. Por que a Fonte criou o sentido de separação? Porque sem a separação as relações inter-humanas não aconteceriam. É apenas por causa dessa separação que nós temos amizade e inimizade, amor e ódio. Tudo isso acontece apenas porque cada indivíduo considera a si mesmo um ser separado. E sem as relações inter-humanas a vida como a conhecemos não aconteceria.
Lembre-se, a Fonte tendo criado o ego, ou a Hipnose Divina, está no processo de remover a hipnose em alguns poucos casos, não em todos os casos. Então o ego – o sentido de separação, a Hipnose Divina, o sentido de fazedor individual – basicamente foi destruído no caso de poucos organismos corpo-mente chamados de sábios.

O que permanece no caso do organismo corpo-mente chamado de sábio? A programação permanece. É por isso que você pode ter dez sábios, e em cada caso o sentido de fazer pessoal foi demolido, mas eles tem vidas diferentes. Por que? Porque a programação é diferente. Em outras palavras, embora o ego tenha sido destruído, a Fonte continua a usar aqueles organismos corpo-mente dos sábios da mesma maneira que a Fonte usa os outros organismos corpo-mente – introduzindo um estímulo e trazendo uma resposta. Portanto, os organismos corpo-mente dos sábios continuam a funcionar exatamente como antes mas sem o sentido de autoria das ações e sem o sentido de separação.
Se o organismo corpo-mente do sábio tem a programação de ter o pavio curto, então aquele sábio antes da liberação costumava ficar bravo muito rápido. E depois da iluminação o sábio continua a ficar bravo muito rápido. A programação é para a braveza surgir. A única diferença é que antes o sábio costumava dizer, “eu não deveria ficar bravo com meus amigos. Meus amigos não gostam disso. Me disseram para não ficar bravo pois assim minha pressão arterial iria subir, então tenho que controlar minha braveza”. Tudo isso era o envolvimento do ego, que costumava aparecer antes do ego ser destruído. O que acontece depois do ego ser destruído? Quando a braveza surge o sábio não diz, “eu estou bravo, eu não deveria ficar bravo.” Ele não diz isso. A braveza que surgiu e o efeito dela são meramente testemunhados, incluindo-se as consequências. Por outro lado, se algo está acontecendo e a compaixão surge, anteriormente o ego diria, “eu sou um homem compassivo e as pessoas deveriam me respeitar”. Mas depois que o ego é destruído não há tal pensamento. O sábio não pensa assim. Tudo o que ele vê é a compaixão surgindo e tomando o seu curso.
A compaixão do sábio pode tomar qualquer forma. Ao encontrar alguém machucado ele pode fazer um curativo nessa pessoa, ou ao ver alguém passando necessidade ele pode dar-lhe algum dinheiro. Então a compaixão surge e toma seu próprio curso, mas o sábio nunca está envolvido naquela ação como sendo uma ação sua. Essa é a única diferença de acordo com o meu conceito. O sentido de autoria das ações foi apagado para sempre. Ele apenas testemunha as coisas acontecendo não como as “minhas” ações ou as ações de alguma pessoa. Se a ação de algum outro organismo corpo-mente machuca o sábio, o machucado estará lá. Mas sabendo que ninguém faz coisa alguma, que a Consciência é tudo o que existe, o sábio não pode odiar ninguém. A quem ele irá odiar? Todas as ações são ações de Deus ou se você quiser colocar de uma maneira diferente, todas as ações são o funcionamento impessoal da Consciência. Então “quem” o sábio irá odiar? A Consciência? Deus?
Com o ego tendo sido destruído o sábio não fica orgulhoso, o sábio não se sente culpado, não odeia nem inveja ninguém. Portanto, a ausência de culpa, orgulho, raiva, inveja, torna a vida pacífica. E é para esse fim que a busca toda tem sido – a paz no estado desperto que existe no estado de sono profundo. Meu conceito de toda a busca espiritual é: ter aquela paz que prevalece durante o sono profundo mesmo durante o estado desperto, durante nossa vida diária de trabalho. E esse tipo de paz prevalece em nossa vida diária se isto acontecer: se não houver ego para sentir culpa, orgulho, raiva ou inveja.
Cada evento, cada pensamento, cada sentimento que diz respeito a qualquer “indivíduo” é um movimento na consciência, trazido pela Consciência (Brahman).
Cada coisa ou objeto no universo manifesto é um produto da Consciência, tanto durante a ilusão, quando a manifestação parecia ser “real”, como depois da realização da verdade. Não somos nada além da Consciência e nunca fomos nenhuma outra coisa. Talvez seria mais fácil de “entender” a Verdade se fosse concebido que nunca houve nenhum “nós” em momento algum, e tudo o que existe – e tudo o que sempre existiu – é a Consciência. “Nós” pensamos sobre nós mesmos, consciente ou inconscientemente, como seres sencientes e, portanto, como separados da manifestação: nós somos o sujeito e o resto da manifestação é o objeto. A realidade é que “nós” como fenômeno manifestado, somos na verdade nada além de uma parte do universo manifestado. O que nos faz pensar de nós mesmos como separados é o fato que o aparente universo torna-se conhecido a nós, como seres sencientes, através da senciência operando através das faculdades cognitivas. Essa “senciência”, como um aspecto da própria Consciência, é uma manifestação direta da “mente total”. E é por isso que não conseguimos nos livrar do profundo sentimento de que “eu” sou diferente da aparência manifesta. E assim de fato somos, mas a ilusão (Maya) consiste no fato de que em vez de considerarmo-nos coletivamente como a senciência que nos capacita reconhecer a manifestação (incluindo os seres sencientes) que apareceu na Consciência, consideramos a nós mesmos como entidades individuais separadas. E aí reside nosso sofrimento e prisão. Tão logo haja a realização (o despertar para o fato) que nós não somos entidades separadas, mas sim a própria Consciência (com a senciência atuando como um meio para reconhecer a manifestação), a ilusão de separação – a causa de nosso sofrimento e aprisionamento – desaparecerá. Há então uma percepção clara de que não manifestos, somos Númenos (a realidade em sua essência), e enquanto manifestos, somos aparência – não mais separados do que substância e forma (o ouro e os ornamentos de ouro). A manifestação surge do não-manifesto e no devido tempo submerge de volta no não-manifesto. Os seres humanos como indivíduos são realmente muito irrelevantes, exceto, é claro, como personagens ilusórios de uma peça num sonho que é conhecido como vida.

segunda-feira, 4 de maio de 2009

Bhagavan Ramana Maharshi - A Realização é eterna e já existe aqui e agora


Bhagavan: O ser individual que identifica a sua existência com a da vida no corpo físico, na forma de 'Eu', é chamado de ego. O Ser (self), que é a pura consciência, não tem sentido de ego a esse respeito. Nem pode o corpo físico, que é inerte em si, ter esse sentido de ego. Entre os dois, ou seja, entre o Ser ou a pura consciência e o inerte corpo físico, surge misteriosamente o sentido de ego ou a noção de 'eu', o híbrido que não é nenhum dos dois, e isso floresce como um ser humano. Este ego ou ser humano está na raiz de tudo o que é inútil e indesejável na vida. Portanto, é para ser destruído por qualquer meio possível, então Aquilo que sempre está sozinho permanece resplandecente. Isso é a Libertação, a Iluminação ou a AutoRealização.
Devoto: Bhagavan frequentemente afirma: "O mundo não está fora de você", ou, "tudo depende de você"', ou, "o que existe fora de você?" Acho isso tudo enigmático. O mundo existia antes de eu nascer e continuará a existir depois da minha morte, do mesmo modo que ele sobreviveu à morte de tantos que já viveram como vivo agora.
B: Eu já disse que o mundo existe por causa de você? Eu apenas coloquei a pergunta "o que existe aparte do seu Ser?" Você deve compreender que por Ser, não quero dizer nem o corpo físico, nem o corpo sutil. O que lhe é dito é que se você uma vez conhecer o Ser dentro do qual existem todas as idéias (não excluindo a idéia de você mesmo, de outros como você, e do mundo), você pode realizar a verdade de que existe uma Realidade, uma Verdade Suprema, que é o Ser de todo o mundo que você vê agora, o Ser de todos os seres, o Um Real, o Supremo, o eterno Ser, como distinto do ego ou do ser individual, que é impermanente. Você não deve confundir o ego ou a idéia do corpo com o Ser.
D: Então Bhagavan quer dizer que o Ser é Deus?
B: Você vê a dificuldade. O auto-questionamento 'Quem sou eu?' é uma técnica diferente da meditação - 'Eu sou Shiva', ou 'Eu sou Ele'. Prefiro enfatizar o autoconhecimento, pois você está preocupado primeiro com você, antes de prosseguir conhecendo o mundo ou o Senhor dele. A meditação 'Eu sou Ele' ou 'Eu sou Brahman", é mais ou menos mental; mas a busca pelo Ser de que falo é um método direto e é superior a ela. Pois, no momento em que você começa a busca pelo Ser e vai mais fundo, o verdadeiro Ser está esperando lá para recebê-lo e então o que quer que tenha que ser feito, é feito por alguma outra coisa e você, como um indivíduo, não tem as mãos nisso. Nesse processo, todas as dúvidas e discussões são automaticamente abandonadas, assim como aquele que dorme esquece todos os seus cuidados para com o ser temporal.
D: Que certeza existe de que algo aguarda lá para me receber?
B: Como pode essa maturidade ser alcançada?
B: Várias formas são prescritas. Mas qualquer que seja o desenvolvimento anterior que possa haver, a auto-inquirição séria o acelera.
D: Isso é argumentar em círculos. Eu sou forte o suficiente para a busca se estou maduro e é a busca que me faz amadurecer.
B: A mente tem esse tipo de dificuldade. Ela quer uma teoria fixa para satisfazer-se. No entanto, nenhuma teoria é realmente necessária para o homem que se esforça seriamente para aproximar-se de Deus ou de seu verdadeiro Ser. Cada pessoa é o Ser e, na verdade, é infinita. Contudo, cada pessoa interpreta erroneamente o seu corpo como sendo o Ser. Para se conhecer alguma coisa, é necessário a iluminação. Ela só pode ser da natureza da luz, no entanto, Ela ilumina tanto a luz física quanto a escuridão física. Ou seja, Ela se situa além do aparente luz-e-trevas. Ela mesmo não é nenhuma delas, mas é dita como sendo a luz porque ilumina ambos. Ela é infinita e é Consciência. A Consciência é o Ser de que todas as pessoas estão conscientes. Ninguém jamais está longe do Ser e, portanto, todos são de fato autorealizados, porém - e esse é o grande mistério - as pessoas não sabem disso e querem realizar o Ser. A realização consiste apenas em acabar com a falsa idéia de que a pessoa não é realizada. Não é nada de novo a ser adquirido. Ela já deve existir, ou não seria eterna; e só é válido lutar pelo que é eterno.
Uma vez que a falsa noção "Eu sou o corpo” ou “eu não sou realizado" foi retirada, a Suprema Consciência ou o Ser apenas, permanece, e, em seu estado atual de conhecimento as pessoas chamam isso 'Realização'. Mas a verdade é que a Realização é eterna e já existe, aqui e agora. A consciência é puro conhecimento. A mente surge dela e é composta de pensamentos. A essência da mente é apenas ciência ou consciência. No entanto, quando o ego a obscurece, ela funciona como raciocínio, pensamento ou percepção. A mente universal, não sendo limitada pelo ego, não tem nada fora de si mesma e, portanto, está apenas ciente. Isso é o que a Bíblia entende por "Eu sou aquele 'eu sou'". A mente dominada pelo ego tem a sua força drenada e é demasiadamente fraca para resistir aos pensamentos angustiantes. A mente sem o ego é feliz, como vemos no sono profundo, sem sonhos. É evidente, portanto, que a felicidade e o sofrimento são apenas modos da mente.
D: Quando procuro o 'eu', não vejo nada.
B: Você diz isso porque você está acostumado a identificar-se com o corpo e ver com os olhos, mas o que há para ser visto? E por quem? E como? Há apenas uma consciência e esta, quando se identifica com o corpo, projeta-se através dos olhos e vê os objetos que a circundam. O indivíduo, limitado em relação ao estado desperto, espera ver algo diferente e aceita a autoridade de seus sentidos. Ele não vai admitir - aquele que vê, os objetos observados, e o ato de ver em si - como sendo todas manifestações da mesma Consciência – o 'eu-eu'. A meditação ajuda a superar a ilusão de que o Ser é algo a ser visto. Na verdade não há nada para ver. Como você reconhece a si mesmo agora? Você tem de segurar um espelho em frente de si para se reconhecer? A consciência é ela própria o 'eu'. Realize isso e essa é a verdade.
D: Quando eu questiono a origem dos pensamentos, há a percepção do 'eu', mas ela não me satisfaz.
B: É verdade. Porque essa percepção do 'eu' está associada a uma forma, talvez com o corpo físico. Nada deve ser associado ao puro Ser. O Ser é a pura realidade em cuja luz, o corpo, o ego e todas as coisas brilham. Quando todos os pensamentos são silenciados, a pura Consciência permanece remanescente.
D: Como o ego surgiu?
B: Não existe ego. Se existisse, você teria de admitir dois seres (Selves) em você. Portanto, não há ignorância. Se você inquirir dentro do Ser, a ignorância, que já é inexistente, será descoberta como não-existente e você dirá que ela se esvaiu. A ausência de pensamento não significa um branco. Deve haver alguém para estar ciente daquele branco. Conhecimento e ignorância pertencem apenas à mente e estão na dualidade, mas o Ser está além de ambos. É pura Luz. Não há necessidade de um Ser ver outro. Não existem dois Seres. O que não é o Ser é mero não-ser e não pode ver o Ser. O Ser não tem visão ou audição; Ele se situa além desses, totalmente sozinho, como pura Consciência.
D.: Não sei se o Ser é diferente do ego.
B.: Em que estado você estava no sono profundo?
D.: Eu não sei.
B.: Quem não sabe? O ser desperto? Mas você nega que você existia enquanto em sono profundo?
D.: Eu existia e existo, mas não sei quem estava em sono profundo.
B.: Exatamente. O homem desperto diz que ele não sabia de nada no estado de sono profundo. Agora ele vê objetos e sabe que ele existe, mas no sono profundo não haviam objetos e nem espectador. E ainda a mesma pessoa que está falando agora existia no sono profundo também. Qual é a diferença entre os dois estados? Há objetos e o jogo dos sentidos agora, enquanto em sono profundo não haviam. Uma nova entidade, o ego, surgiu. Ele atua através do sentidos, vê objetos, confunde-se com o corpo e pretende ser o Ser. Na realidade, o que estava no sono profundo continua a estar agora também. O Ser é imutável. É o ego que entrou no meio. Aquele que nasce e se põe é o ego. Aquilo que permanece imutável é o Ser.

B: Estado desperto, sonho e sono são meras fases da mente, e não do Ser. O Ser é a testemunha desses três estados. Sua verdadeira natureza existe no sono.
D: Mas somos aconselhados a não adormecer durante a meditação.
B: É contra o estupor que você deve se precaver. Esse sono que se alterna com o estado desperto não é o sono verdadeiro. Esse estado desperto que se alterna com o sono não é o verdadeiro estado desperto. Você está acordado agora? Não. O que você tem que fazer é despertar para o seu verdadeiro estado. Você não deve cair no falso sono e nem permanecer falsamente desperto.
B: Embora presente mesmo no sono, o Ser não é ali percebido. Ele não pode ser conhecido no sono imediatamente. Ele deve primeiro ser realizado no estado de vigília, pois Ele é nossa verdadeira natureza subjacente a todos os três estados. Esforço deve ser feito no estado desperto e o Ser realizado aqui e agora. Ele será, então, entendido como sendo o Ser contínuo ininterrompido pela alteração da vigília, sonho e sono profundo.

sábado, 2 de maio de 2009

Meher Baba - A Visão Real

As pessoas geralmente pensam que os cegos são desafortunados. Você também pode as vezes achar que sim. Mas são as pessoas com visão que são realmente desafortunadas. Elas pensam que todas as coisas que vêem são reais. Mas não vêem Deus, que apenas é real.
Todos aqueles que não vêem Deus são cegos. A única coisa que vale a pena ver é Deus. Assim, mesmo aqueles que têm a visão física podem ser mais cegos do que aqueles que são fisicamente cegos e amam a Deus internamente.
Hoje, abraço-os com o meu amor, para que algum dia vocês possam ter Visão Real e ver-Me em toda a parte.

sexta-feira, 1 de maio de 2009

Shri Samartha Ramdas - Narração sobre a Realização de Brahman



*Ouça os sinais do conselho devido ao qual uma pessoa alcança a libertação final, onde torna-se unida com Deus:

*Aqui, os diversos pareceres e discussões infrutíferas sobre o assunto não são de utilidade nenhuma.
*Não se deve chamar de importante aquele conselho que é desprovido do "Conhecimento de Brahman", pois ele é como joio desprovido de grãos, não é útil para comer.
*É como triturar os caules secos de diversas espécies de vegetais cuja colheita já foi feita. Ou, como bater o soro do leite cuja manteiga já foi extraída, ou como consumir a água onde os grãos foram lavados.
*É como comer a casca dos frutos, ou tentar sugar o suco de um bagaço seco, ou como comer as cascas duras dos cocos deixando de lado o miolo tenro.
*Da mesma maneira, sem o "Conhecimento de Brahman", muitos tipos de aconselhamento só irão cansar a pessoa. Que pessoa sã deixaria de lado o que é real e ficaria com o irreal?
*Agora, a narração de "Brahman", que é sem atributos, terá início. Os ouvintes devem deixar atentas as suas mentes mais íntimas e ouvir.

* Entenda que todo o universo é uma composição dos cinco elementos da "Manifestação", ou "Prakriti". Isso é transitório e não dura para sempre.

*"Brahman" sem atributos está antes da criação do universo, no início e durante a criação, e permanece após a dissolução do universo. "Brahman" apenas é o que é permanente. Todo o resto nascido dos cinco elementos de Prakriti - é perecível.
*Quando olhamos de perto para os elementos, como podem ser comparados a Deus?
*No caso do Supremo Ser, o criador do mundo, como pode alguém compará-Lo com os elementos? Sua grandeza não pode ser entendida nem mesmo pelo Senhor Brahma e pelos outros deuses.
*Se dizemos que o Senhor do Universo (Jagadeesha) é como os cinco elementos da natureza, isso só dá origem ao engano. Os Grandes Homens tendo autoconhecimento, compreendem todas as coisas e nunca cometem tal erro.
*Os cinco elementos da Manifestação, ou Prakriti: terra, água, fogo, ar e espaço, são permeados por dentro e por fora pelo criador do mundo. No entanto, os cinco elementos são destrutíveis enquanto que o Ser é indestrutível.
*Entenda tudo o que tem um nome e uma forma como sendo ilusão. É preciso ir além do nome e da forma para compreender a verdade escondida.
*Entenda que são os cinco elementos e os três gunas combinados que formam Prakriti de oito partes. O outro nome para Prakriti é o "Mundo Visível" (a manifestação).
*Os Vedas dizem que o mundo visível é destrutível. O sábio entende que somente Brahman sem atributos é permanente e eterno.
*Ele é Aquilo que não pode ser atingido por armas, que não pode ser queimado pelo fogo e Aquilo que quando se tenta misturar com água, não pode ser misturado.
*Ele é Aquilo que não é soprado pelo vento, que não cai de sua posição para a manifestação, nem desaparece. É Aquilo que não pode ser feito, nem escondido. "Aquilo" é Parabrahman (para significa "antes de" ou "além"), a Suprema Realidade.
*É Aquilo que é incolor e que é diferente de todos os outros, mas está sempre presente, em todos os momentos.
*Ele não pode ser visto, mesmo no meio de tudo o que acontece, ainda assim, permeia tudo. De uma forma sutil, está apinhado em todos os lugares.
*Nossos olhos têm o hábito de ver apenas o que é visível. É preciso compreender que o segredo reside no que está escondido.
*Entenda, aquilo que é manifesto, é irreal, e Aquilo que está escondido, é "real". Começamos a perceber isso através dos ensinamentos do "Verdadeiro Guru" (Sadguru).
*É preciso tentar compreender Aquilo que não pode ser compreendido, e tentar ver Aquilo que não pode ser visto. É preciso tentar entender Aquilo que não pode ser entendido com a força do nosso "poder de discriminação."
*Devemos tornar manifesto aquilo que está oculto, mesmo se isso é aparentemente impossível de se alcançar. Deveríamos estudar Aquilo que é difícil de compreender, ponderando gradualmente sobre Isso.
*Deve-se realizar Aquilo que os Vedas, o Senhor Brahma - o criador, e Shesha, o divino "Rei das Serpentes de Mil Cabeças*," ficaram completamente exaustos tentando descrever Aquela notável Suprema Realidade, "Parabrahman".
*Como pode "Parabrahman" ser alcançado? Agora a maneira mais fácil é contada. Deve-se atingir a Suprema Realidade, "Parabrahman", ao ouvir e refletir sobre os discursos espirituais.
*Ele não é terra, água, fogo, nem vento. Não é como alguma coisa que possa ser expressada por qualquer cor. É indescritível.
*É Aquilo que não é manifesto que deveria ser chamado de "Deus". Contudo as pessoas de natureza superficial adoram a Deus em muitas formas manifestas. Existem tantos Deuses como há aldeias para as massas.
*Quando é tomada uma decisão firme sobre o verdadeiro "Deus," Aquele Deus sem atributos é realmente experimentado. Devemos procurar o nosso próprio "Ser".
*Quando a pessoa diz: "Este é o meu corpo", isso significa que o verdadeiro "Eu" ou "mim" está separado do corpo. Quando entendemos que a mente é minha, isso significa que o "eu" real não pode ser a mente.
*Quando contemplamos o corpo, entendemos que ele é, em sua totalidade, uma extensão dos cinco elementos de "Prakriti". Na eliminação dos elementos pela dissolução de um dentro do outro, finalmente apenas a "Verdade", o Ser, permanece.
*Não há lugar onde o "eu" que está associado com o corpo possa ser encontrado. Aqui, não há nada que seja requerido para ser visto e os elementos se dispersam para seus respectivos lugares.
*Os cinco elementos estão amarrados juntos em um pacote. Aquele que ocupa seu pensamento em abrir o pacote ao olhar para ele, descobre que o pacote não é mais visto.
*O corpo é um conjunto de cinco elementos. Quando contemplamos este pensamento, percebemos que apenas o Ser é eterno e o falso "eu" associado com o corpo, não está lá.
*Quando não há nenhum lugar para o falso "eu" associado com o corpo - como pode haver e para quem haverá - nascimento e morte. Quando contemplamos corretamente, descobrimos que o Ser é intocado pelo pecado ou pelas ações meritórias.

*Pecado e mérito religioso ganho de ações virtuosas, bem como as torturas infligidas por Yama, o rei da morte, não existem no "Estado sem atributos." O verdadeiro "eu" não é nada senão o "Ser sem atributos". Onde então, está o lugar para o nascimento e a morte?

*A pessoa que estava limitada pelo apego ao corpo, torna-se livre pela prudente discriminação. Uma vez que a pessoa transcende o corpo, ela atinge a libertação.
*A vida torna-se digna de valor quando percebemos que o "Ser sem atributos" e o "eu", são um. Para obter essa experiência, deve-se contemplar continuamente e discriminar entre o "real" e o "irreal".
*Quando acordamos, o sonho desaparece. Do mesmo modo, quando vemos com clara discriminação, o mundo visível retrocede. A contínua concentração em nossa "verdadeira natureza" (Swaroopa), é a salvação.

*A pessoa deve renunciar seu próprio "ser". Com a ajuda da discriminação não se deve permanecer como um "eu" separado. Chamamos a isso de rendição do falso "eu."
*Primeiro, deve-se ouvir discursos sobre o Ser. Em seguida, deve-se servir aos pés do "Verdadeiro Guru" (Sadguru). Ao aceitarmos os ensinamentos (Prasad) do Sadguru, a renúncia do falso "eu" se realiza.
*Após a rendição do falso "eu" o que sobra é o puro Ser, que é eterno. Alvorece o entendimento interior de que "eu sou o Ser."

*Devido ao "conhecimento de Brahman," a pessoa torna-se "Brahman". Todas as tristezas da vida desaparecem. Colocando o corpo nas mãos do destino, permanecemos serenos.

*Devido ao que é chamado de "Autoconhecimento", a pessoa ganha contentamento e torna-se Um com "Parabrahman".

*Agora, o que quer que aconteça, deixe acontecer. E o que quer que esteja indo, deixe ir. O medo da mente relativo ao nascimento e à morte deve ser removido.

*Quando a pessoa escapa da turbulência da vida mundana, Deus e o devoto são unidos. O "Deus Supremo" é reconhecido através da virtude de manter-se na companhia dos Santos.

segunda-feira, 27 de abril de 2009

Nisargadatta Maharaj - 23 de agosto de 1979

Maharaj: Há quanto tempo você tem usado essa vestimenta (um roupão laranja)?
Pergunta: Vinte e cinco anos.
M: Você realizou o seu Ser (Self)?
P: Eu não sou realizado. Estou apenas perambulando por aí, como se diz, na floresta escura, indo aqui e ali.
M: Quem é esse que fala isso?
P: Provavelmente o Ser.
M: Lembre que o que quer que seja chamado Deus ou Ser está no corpo, e enquanto Ele estiver lá, este sentido de ser (beingness) também estará. Quando o sentido de ser (beingness) não estiver lá, não haverá Deus, nem o Ser. Quando uma pessoa morre não é o Ser que é transformado num cadáver, é o corpo.
P: É verdade. Você vê, eu entendo tudo teoricamente, conheço como uma filosofia, mas quanto a experimentar o vácuo, conhecer o Real, estou na medida do possível.
M: O que quer que seja chamado de Deus ou de Ser existe porque existe o sentido de ser, o sentimento de “eu sou”. Esse é o princípio fundamental, a base por trás de todo o seu conhecimento, mas você está identificado com o corpo.
P: Verdade.
M: Quando não há alma não há Deus, e quando você não está, seu sentido de ser não está, não há nada.
P: Entendo a teoria disso. Tenho lido tantos livros... Mas como realizar isso?
M: Quando você entender o significado das palavras, você deve procurar descobrir quem é esse que entende.
P: Você vê, essa é a lacuna, conhecer é muito difícil.
M: Você está chamando isso de “eu”, de “mim”, isso que vai se transformar num cadáver. Esse é o pecado que você está cometendo e o obstáculo entre você e o conhecimento.
P: Essa é a diferença, a lacuna precisa ser ultrapassada.
M: Todas essas palavras são absolutamente desnecessárias. Porque você é, existe a luz, a luz do conhecimento, e quando você se for, a luz do conhecimento será extinta. Seu Guru não lhe falou isso?
P: É exatamente como ao dizer que esta bala é doce, você sente o gosto dela?
M: Seu Guru não lhe falou isso que você está escutando agora?
P: Sim, sim.
M: Isso quer dizer que você não confia nele. Você ainda não confiou nele.
P: Eu concordo, eu confio, mas talvez esteja faltando esforço de minha parte.
M: Não está faltando nada de sua parte! Você tem entendido a si mesmo como sendo um cadáver, um corpo. Você é isso que pode ser extinto?
P: Sei que não sou.
M: Então que tipo de Sadhana (prática espiritual) você vai praticar? Se você não é isso que pode ser extinto, você não vai morrer.
P: Eu entendo essa posição – não é isso que eu não entendo.
M: Então por que você tem viajado por aí ?
P: Estou procurando por algo. Estou tentando encontrar algo que não tenho conseguido encontrar.
M: Você diz que entende e ao mesmo tempo diz que não consegue encontrar; você está contando uma mentira?
P: Eu não conheço a mim mesmo. Você vê, para mim, está tudo lá. Eu sei que você não tem que ficar andando por aí. Você senta em um lugar, na sua casa, por exemplo e descobre; mas eu ainda tenho que encontrar. Então vem o pensamento de andar por aí, aquela impaciência por descobrir é que leva a pessoa de lugar a lugar, até que encontre algo. Bem, eu ainda não encontrei. O dia que eu encontrar, então eu direi, “sim, está dentro de mim”.
M: Quando você fecha seus olhos, internamente você vê Ganesan (a escuridão) com o sentimento “eu sou”, e quando você abre seus olhos, o mesmo lhe mostra o que está no exterior. Você não precisa pensar para realizar essa ação. Tudo apareceu sem a sua contribuição ativa.
P: Essa é a filosofia disso, mas fazer isso é a parte difícil, muito difícil.
M: Por que você não está aceitando esse fato? Qual é a utilidade de ficar indo de um lugar a outro? Você está difamando o roupão laranja.
P: Verdade.
M: Você vê, sua alma é tão maravilhosa, tão grandiosa e tão importante que se você sentar numa terra estéril, ela será coberta por lindos jardins. Você não entende a sua própria grandeza, o conhecimento que você é, o seu sentido de ser (de existir).
P: Não, eu não sou grande. Sou muito humilde, muito pequeno.
M: O que é humilde e o que é pequeno? O que existe sem o seu sentido de ser? Mesmo se você fizesse grandes penitências, você poderia no máximo punir o seu corpo. Você pode punir o seu sentimento de ser?
P: Não
M: Quando mandam um homem para a forca, eles podem enforcar a alma dele, o sentido de ser dele? Este corpo é enforcado. É possível punir o sentido de ser?
P: Não.
M: Portanto, Ele não é humilde e nem pequeno. Ele aprecia todas as maravilhosas qualidades, mas Ele é totalmente desapegado, não é tingido por nenhuma delas. Você vê, sua vestimenta está mostrando que você tem isso. Nós não usamos tais vestimentas. Ninguém irá chamar-me de Mahatma.
P: Eu não sou um Mahatma.
M: Então por que está usando essas roupas? Você não se preocupa com o que você está dizendo aos outros ao usar tais roupas, mas você gosta de sentir “eu sou o grande Mahatma, sou o maior de todos”. Porque você sabe e ainda não desfruta desse conhecimento, isso é um pecado pelo qual você vai ter que sofrer. Se uma grande alma, um Mahatma, chama você de tolo, você tem que sofrer isso. Se o Mahatma chama qualquer um de tolo, ele tem que sofrer, e você está chamando o seu Ser de ainda não conhecido, não compreendido. Esse é o pecado que você comete. Você está insultando sua grande alma.
Eu não quero ensinar nada para ninguém, eu apenas seguro um espelho para aqueles que vêm aqui. Eu farei você ficar diante do espelho e olhar para si mesmo. Você tem que ter a visão de si mesmo na luz que está emanando do seu próprio Ser.
Nos bhajans (práticas devocionais) dizemos, “Feche os olhos e veja que em toda parte Ele está, em todo lugar – dentro, fora, acima, abaixo”, e isso você tem que experimentar. Se Deus não estiver residindo no seu corpo você não estará ali.
P: Verdade. Com essa visão clara Maharaj pode ver e dizer. Eu posso dizer, mas não ver.
M: Se você não O reconhece bem agora neste nascimento, vários milhares de nascimentos não lhe darão a oportunidade de conhecê-Lo. Pelo menos agora você tentaria agarrá-Lo com atenção concentrada?
P: Nós tentamos.
M: Quem é esse que está tentando? Por que você está preocupado com os outros? E você? Estou endereçando isso a você!
P: Isso para mim significa o mesmo que respondi. É endereçado ao Ser e o Ser está respondendo.
M: Não perguntei o que o Ser está fazendo. Estou lhe perguntando o que você está fazendo em relação a você mesmo?
P: Onde está a diferença? Eu e o Atma somos duas coisas diferentes?
M: Está vendo, quando você fala, você se refere à consciência que está limitada ao seu corpo. Se você se refere à consciência universal, essa é Atma ou Deus. Portanto, torne claro se você refere-se a si mesmo como limitado ou ilimitado.
P: Eu sou limitado. De acordo com o que me falaram, entendo que deveria dizer que sou ilimitado. Com o conhecimento que eu tenho, com o que os mestres me disseram, sou ilimitado, e ainda assim sei que sou limitado.
M: Porque você se identifica com o corpo, é por isso que você está condicionando a si mesmo. Pela sua identificação com o corpo manifesto você perdeu de vista sua natureza real. Você deve estar sempre consciente Dela. Esse estado de consciência é a coisa natural, apenas não se separe dele.
Você vê, eu não exponho as acrobacias dos Vedas para as massas aqui. Isso é para outras pessoas fazerem, os que se interessam no corpo-mente.
P: Há tanto conhecimento impresso e disseminado em toda parte, ainda assim eu diria que a maioria das pessoas vive na escuridão, mesmo com esse conhecimento.
M: Eu não peço a ninguém para seguir nenhum caminho particular. Apenas falo para as pessoas serem o que elas são, estarem no seu estado natural, estado espontâneo. Estabilize-se ali, no sentido de ser.
P: Essas são exatamente as mesmas palavras que Baba usa. Apenas seja.
M: Tendo o servido por vinte e cinco anos, por que você negou?
P: Eu não sei.

sábado, 25 de abril de 2009

Hazrat Inayat Khan - A Realização Espiritual com a ajuda da música


Antes de dar início a este assunto, eu gostaria de explicar primeiro o que significa a palavra espiritual. É a bondade que pode ser chamada de espiritual? Ou é um poder de produzir milagres ou um grande poder intelectual? A resposta é: Não. A totalidade da vida em todos os seus aspectos é uma música e afinar-se à harmonia desta música perfeita é a verdadeira realização espiritual. Você pode perguntar: "O que é isso que mantém o homem apartado da realização espiritual?” A resposta é, a densidade desta existência material, e o fato de que o homem está inconsciente do seu ser espiritual - dividido em limitações. Isso impede aquele livre fluir e o movimento livre, que são a natureza e o caráter da vida. O que quero dizer com essa densidade? Há uma pedra e você quer produzir som a partir dela. Ela não dá ressonância, não atende o seu desejo de produzir som, mas a corda ou o arame darão uma resposta para o tom que você quer. Você bate nela e ela responde. Existem objetos que dão ressonância para o som. Você deseja produzir um som neles e eles ressoam, tornam sua música completa.

Assim é com a natureza humana. Uma pessoa é pesada e aborrecida. Você lhe diz algo, ela não pode compreender, você fala com ela e ela não ouvirá. Ela não responderá para a música, à beleza ou à arte. O que é isso? É a densidade. Existe uma outra pessoa que está disposta a apreciar e compreender música e poesia, ou beleza em qualquer forma. No caráter, nas maneiras - em todas as formas - a beleza é apreciada por essa pessoa. É isso que é o despertar da alma, que é a condição de vida do coração, e é essa a verdadeira realização espiritual. A realização espiritual é fazer viver o espírito, é tornar-se consciente. Quando o homem não está consciente da alma e do espírito, e só está consciente do ser material, ele é denso, ele está longe do espírito.
Você pode perguntar: 'O que é espírito e o que é matéria? " A diferença entre espírito e matéria é como a diferença entre a água e a neve. Água congelada é neve e neve derretida é água. É o espírito em sua densidade que chamamos matéria; é a matéria em sua sutileza que pode ser chamada espírito. Uma vez um materialista disse-me: 'Eu não acredito em nenhuma alma ou espírito ou no além. Eu acredito na matéria eterna'. Eu disse a ele: "Sua crença não é muito diferente da minha. Apenas, o que você chama de matéria eterna, eu chamo de espírito. É uma diferença de termos. Isso não é uma coisa para se disputar, pois ambos acreditamos na eternidade. Contanto que nos reunamos na eternidade, que diferença faz se um chama isso de matéria e o outro chama de espírito? É Uma vida do começo ao fim ".
A beleza é nascida da harmonia. O que é harmonia? Harmonia é proporção correta, em outras palavras, ritmo correto. E o que é a vida? A vida é o resultado da harmonia. Por trás de toda a criação está a harmonia e todo o segredo da criação é a harmonia. A inteligência anseia por atingir a perfeição da harmonia. O que o homem chama de felicidade e conforto ou ganho e lucro - tudo aquilo que ele anseia e pretende atingir - é harmonia. Em menor ou maior proporção ele está desejando harmonia; mesmo na realização das coisas mais mundanas ele deseja sempre harmonia. Mas muitas vezes ele não adota métodos corretos. Muitas vezes, seus métodos são errados. O objeto alcançado por ambos, bons e maus métodos, é o mesmo mas a forma como se tenta atingir o objeto torna-o certo ou errado. Não é o objeto que está errado, é o meio adotado para alcançá-lo. Ninguém, seja qual for a sua estação na vida, deseja desarmonia, pois todo sofrimento, dor e problemas são desarmonia.
Atingir a espiritualidade é perceber que todo o universo é uma sinfonia na qual cada indivíduo é uma nota. Sua felicidade reside em tornar-se perfeitamente harmonioso com a sinfonia do universo. Não é seguir uma determinada religião o que torna alguém espiritual, ou ter uma certa crença, ou ser um fanático em relação a uma idéia, ou por se tornar demasiado bom para viver neste mundo. Muitas pessoas boas existem, que nem sequer compreendem o que significa espiritualidade. Elas são muito boas, mas ainda não sabem o que é o verdadeiro bem. O verdadeiro bem é a harmonia em si. Por exemplo, todos os princípios e crenças diferentes das religiões deste mundo, ensinados e proclamados pelos sacerdotes e professores - mas que os homens nem sempre são capazes de seguir e expressar - vêm naturalmente ao coração de um homem sintonizado com o ritmo do universo. Cada ação dele, cada palavra que ele fala, cada sentimento que ele tem, todos os sentimentos que ele exprime, é tudo harmonioso, é tudo virtude, é tudo religião. Não é seguir uma religião o que é necessário, é preciso viver uma religião, é tornar sua vida uma religião, o que é necessário.

A música é a miniatura de toda a harmonia do universo, pois a harmonia do universo é música em si, e o homem, sendo a miniatura do Universo, deve mostrar a mesma harmonia. Na sua pulsação, na batida do seu coração e em sua vibração ele mostra ritmo e tom, acordes harmoniosos ou desarmônicos. Sua saúde ou doença, sua alegria ou desconforto - todos mostram a música ou a falta de música na sua vida.
O que a música nos ensina? A música nos ajuda a nos treinarmos de uma forma ou de outra na harmonia, e é essa que é a mágica ou o segredo por trás da música. Quando escuta uma música que você gosta, ela lhe harmoniza e lhe coloca em harmonia com a vida. Por isso, o homem precisa de música, ele anseia por música. Muitos dizem que eles não ligam para música, mas eles não ouviram música! Se eles realmente tivessem ouvido música, ela tocaria suas almas e então certamente não poderiam evitar amá-la. Se não, apenas significa que eles não ouviram música suficientemente e não tornaram seu coração calmo e sossegado, a fim de ouvi-la, para curtir e apreciá-la. Além disso, a música desenvolve a faculdade pela qual se aprende a apreciar tudo o que é bom e belo. Sob a forma de arte e ciência, em forma de música e poesia, em cada aspecto da beleza pode-se então apreciá-la. O que priva o homem de toda a beleza em volta dele é o peso do seu corpo, ou o peso do coração. Ele é puxado para baixo pela terra, e por isso tudo torna-se limitado. Quando ele se livra desse peso e se sente feliz, ele se sente leve. Todas as boas tendências, tais como a gentileza e a tolerância, o perdão, o amor e o apreço - todas essas belas qualidades – vêm ao estarmos leves, leves na mente, na alma e no corpo.
De onde a música vem? De onde a dança vem? Isso tudo vem da vida espiritual natural que está dentro. Quando essa vida espiritual floresce, ela alivia todos os fardos que o homem tem. Torna sua vida suave, flutuando sobre o oceano da vida. A faculdade de apreciação torna uma pessoa leve. A vida é exatamente como o oceano. Quando não há apreço, não há receptividade, o homem afunda como um pedaço de ferro para o fundo do mar. Ele não pode flutuar como o barco que é oco, que é receptivo.
A dificuldade no caminho espiritual é sempre o que vem de nós mesmos. O homem não gosta de ser um aluno, ele gosta de ser um professor. Se o homem apenas soubesse que a grandeza e perfeição dos grandiosos, que vieram de tempos em tempos a este mundo, residia na sua disponibilidade de aprender, e não em ensinar! Quanto maior for o professor, melhor aluno ele foi. Ele aprendeu de todos, dos grandes e dos inferiores, dos sábios e dos tolos, dos velhos e dos jovens. Ele aprendeu de suas vidas e estudou a natureza humana em todos os seus aspectos. A pessoa que aprende a trilhar o caminho espiritual deve se tornar como um copo vazio, a fim de que o vinho da música e da harmonia possa ser derramado em seu coração. Você pode perguntar: 'Como é possível tornar-se um copo vazio?' Vou dizer-lhe como copos mostram-se cheios em vez de estarem vazios. Muitas vezes uma pessoa chega para mim e diz: "Aqui estou. Poderia ajudar-me espiritualmente?' E eu respondo: 'Sim'. Mas então ele diz: 'Eu quero saber antes de tudo o que você pensa sobre a vida e a morte ou sobre o início e o fim'. E então eu me pergunto qual será a sua atitude se a sua opinião previamente concebida não concordar com a minha. Ele quer aprender e ainda assim não deseja estar vazio. Isso significa ir para o riacho com um copo cheio, querendo água, mas o copo está fechado, cheio de idéias preconcebidas. De onde as idéias preconcebidas vêm? Nenhuma idéia pode ser chamada de uma idéia da própria pessoa! Todas as idéias foram aprendidas de uma fonte ou de outra, mas chega um momento em que a pessoa pensa que são dela mesma. Por essas idéias ela irá discutir e disputar, embora elas não a satisfaçam plenamente. Ao mesmo tempo elas são o campo de batalha da pessoa e todo o tempo ela vai manter a taça coberta.
Os místicos, portanto, têm adotado uma maneira diferente. Eles aprenderam um rumo diferente, e esse rumo é o auto-aniquilamento, ou, em outras palavras, desaprender o que aprenderam. Diz-se no Oriente que a primeira coisa aprendida é compreender o como tornar-se um aluno. Eles não aprendem primeiro o que é Deus ou o que é a vida. A primeira coisa a aprender é como se tornar um aluno. Pode-se pensar que, desta forma a pessoa perde sua individualidade. Mas o que é individualidade? Não é o que é coletado? O que são as idéias e opiniões da pessoa? São apenas conhecimento coletado. Isso deve ser desaprendido.
Como podemos desaprender? Você diria que a natureza da mente é tal que o que a pessoa aprende fica gravado nela, e então como ela pode desaprender isso? Desaprender é completar o conhecimento. Ver uma pessoa e dizer: “Essa pessoa é má"- é aprender. Ver mais longe, e reconhecer algo de bom naquela pessoa - é desaprender. Quando você vê a bondade em alguém que você chamava de mau, você desaprendeu. Você desamarrou aquele nó. Você disse uma vez: "Eu odeio aquela pessoa'- isso é aprender. E então você diz: 'Ah não, eu posso gostar dela ou eu posso ter pena dela”. Quando você diz isso, você viu com os dois olhos. Primeiro você aprende a ver com um olho e, depois, você aprende a ver com os dois olhos. Isso torna a visão completa. Tudo o que nós aprendemos neste mundo é conhecimento parcial e quando esse é arrancado por um outro ponto de vista, então temos conhecimento na sua forma completa. Isso é chamado de misticismo. Por que é chamado de misticismo? Porque não se pode colocar em palavras. Palavras irão nos mostrar um lado disso, mas o outro lado está além das palavras.
Toda a manifestação é dualidade, ela nos torna inteligentes, e por trás da dualidade está a unidade. Se não nos elevarmos além da dualidade e formos na direção da unidade, deixaremos de atingir a perfeição que é chamada de espiritualidade. Isso não significa que o nosso aprendizado não é de utilidade. É de grande utilidade. Ele nos dá o poder de discriminação e discernimento das diferenças. Isso torna a inteligência afiada e a visão apurada, para que compreendamos o valor das coisas e sua utilidade. É tudo parte da evolução humana, e é tudo útil. Portanto, temos de aprender primeiro e depois desaprender. Você não olha primeiro para o céu quando você está de pé na terra. Primeiro olha para a terra e vê o que ela lhe oferece para ser aprendido e observado, mas, ao mesmo tempo, não pense que o objetivo da sua vida é preenchido ao analisar apenas a terra. O cumprimento do propósito da vida está em olhar para o céu.
O que é maravilhoso sobre a música é que ela ajuda o homem a concentrar-se ou meditar independentemente do pensamento. Portanto a música parece ser a ponte sobre o abismo entre a forma e a não forma. Se existe alguma coisa inteligente, eficaz e ao mesmo tempo sem forma, é a música. A poesia sugere forma, linha e cor sugerem forma, mas a música não sugere nenhuma forma. A música também produz ressonância que vibra através de todo o ser. Ela eleva o pensamento acima da densidade da matéria, quase transforma a matéria em espírito, na sua condição original, através da harmonia das vibrações tocando cada átomo de todo o ser da pessoa. A beleza da linha e da cor podem ir até ai, não mais longe! A alegria da fragrância pode ir um pouco mais longe. A música toca nosso ser mais íntimo e dessa forma produz nova vida, uma vida que dá exaltação para todo o ser, elevando-o àquela perfeição na qual reside a plenitude da vida do homem.

quinta-feira, 23 de abril de 2009

G. I Gurdjieff - O sono desperto

A fim de compreender qual é a diferença entre os estados de consciência, vamos voltar para o primeiro estado de consciência que é o sono. Este é um estado de consciência totalmente subjetivo. Um homem está imerso em sonhos, se ele se lembra dos sonhos ou não, não importa. Mesmo que algumas impressões reais chegarem a ele, como sons, vozes, calor, frio, a sensação de seu próprio corpo, despertam nele apenas imagens subjetivas fantásticas. Então, um homem acorda. À primeira vista esse é um estado de consciência bem diferente. Ele pode mover-se, pode conversar com outras pessoas, pode fazer cálculos futuros, pode ver o perigo e evitá-lo e assim por diante. É óbvio que ele está em uma posição melhor do que quando ele estava dormindo. Mas se formos um pouco mais profundamente nas coisas, se dermos uma olhada para o seu mundo interior, em seus pensamentos, sobre as causas de suas ações, veremos que ele está quase no mesmo estado de quando ele está adormecido. E é ainda pior, porque no sono ele está passivo, isto é, ele não pode fazer nada. No estado desperto, porém, ele pode fazer alguma coisa o tempo todo e os resultados de todas as suas ações refletirão sobre ele ou sobre os que estão em torno dele. E no entanto ele não lembra de si mesmo. Ele é uma máquina, tudo acontece com ele. Ele não pode parar o fluxo de seus pensamentos, ele não consegue controlar sua imaginação, suas emoções, sua atenção. Ele vive em um mundo subjetivo de 'eu amo', 'eu não amo', 'eu gosto' ,'eu não gosto', 'eu quero', 'eu não quero', isto é, do que ele acha que ele gosta, do que ele pensa que não gosta, do que ele pensa que ele quer, do que ele acha que ele não quer. Ele não vê o mundo real. O mundo real está escondido dele pelo muro da imaginação. Ele vive no sono. Ele está adormecido. O que é chamado de "clara consciência" é um sono e um sono muito mais perigoso do que dormir à noite na cama.

Vamos tomar um evento na vida da humanidade. Por exemplo, a guerra. Há uma guerra em curso no momento. O que isso significa? Significa que vários milhões de pessoas adormecidas estão tentando destruir vários milhões de outras pessoas adormecidas. Eles não fariam isso, naturalmente, se viessem a acordar. Tudo o que ocorre é devido a esse sono. Ambos os estados de consciência, o sono e o estado de vigília, são igualmente subjetivos. Apenas ao começar a lembrar de si mesmo um homem realmente desperta. E então tudo que o cerca na vida adquire um aspecto diferente para ele e um significado diferente. Ele vê que é a vida de pessoas adormecidas, uma vida em sono. Tudo o que dizem os homens, tudo o que eles fazem, eles dizem e fazem no sono. Tudo isto não pode ter qualquer valor. Apenas o despertar e o que conduz ao despertar tem um valor na realidade. Quantas vezes tenho sido perguntado aqui se as guerras podem ser interrompidas? Claro que podem. Para isso é necessário apenas que as pessoas despertem. Parece uma coisa pequena. Isso no entanto, é a coisa mais difícil que pode haver, porque este sono é induzido e mantido por todo o entorno da vida, por todas as condições que nos cercam.

Como uma pessoa pode despertar? Como pode escapar deste sono? Essas questões são as mais importantes, as mais vitais com que jamais um homem possa se confrontar. Mas antes disso, é necessário estar convencido do próprio fato do sono. Mas só é possível ser convencido disso quando se tenta despertar. Quando um homem compreende que ele não lembra de si e que lembrar de si significa despertar em certa medida, e quando, ao mesmo tempo vê por experiência como é difícil lembrar de si mesmo, ele compreende que não pode despertar simplesmente por ter o desejo de fazê-lo. Podemos afirmar ainda mais precisamente, que um homem não pode despertar por si mesmo. Mas, digamos, se vinte pessoas fazem um acordo de que aquele que despertar primeiro deve acordar o resto, elas já têm alguma chance. Mesmo isso, porém, é insuficiente, porque todos os vinte podem adormecer ao mesmo tempo e sonharem que estão despertando. Por isso, ainda mais é necessário. Devem ser cuidados por um homem que não esteja dormindo ou que não dorme tão facilmente como eles, ou que dorme conscientemente quando é possível, quando isso não fizer mal nenhum, quer para si ou para outras pessoas. Eles devem encontrar tal homem, contratando-o para acordá-los e não permitindo que adormeçam novamente. Sem isso é impossível despertar. Isso é o que deve ser entendido.

É possível pensar por mil anos, é possível escrever bibliotecas inteiras de livros, criar teorias aos milhões, tudo isso no sono, sem qualquer possibilidade de despertar. Pelo contrário, esses livros e essas teorias, escritos e criados no sono, irão meramente colocar as outras pessoas para dormir e assim por diante. Não há nada de novo na idéia do sono. As pessoas têm sido avisadas praticamente desde a criação do mundo que elas estão dormindo e que devem acordar. Quantas vezes isso é dito nos Evangelhos, por exemplo? "Desperte", "Vigiai", "Não durmais". Os discípulos de Cristo, dormiram mesmo quando ele estava orando no Jardim do Getsêmani pela última vez. Está tudo lá. Mas os homens compreendem? Os homens tomam simplesmente como uma forma de linguagem, como uma expressão, como uma metáfora. Eles falham completamente em entender que isso deve ser interpretado literalmente. E mais uma vez, é fácil perceber por quê. Para entender isso literalmente é necessário despertar um pouco, ou pelo menos tentar despertar. Digo-lhes de verdade que me foram perguntadas várias vezes por que nada é dito sobre o sono nos Evangelhos. Embora isso seja falado ali quase em cada página. Isso mostra simplesmente que as pessoas lêem os Evangelhos no sono. Enquanto um homem dorme profundamente e está inteiramente imerso em sonhos, ele não pode sequer pensar sobre o fato de que ele está dormindo. Se ele pensasse que está dormindo, ele despertaria. Então, tudo continua. E os homens não têm a menor idéia do que estão perdendo por causa deste sono. Como já disse, da maneira que ele está organizado, isto é, sendo como a natureza o criou, o homem pode ser um ser autoconsciente. Assim foi criado e é assim ele nasceu. Mas ele é nascido entre pessoas adormecidas, e, claro, ele adormece entre elas no mesmo momento em que deveria ter começado a ser consciente de si mesmo. Tudo tem uma mão nesta história: a imitação involuntária dos mais velhos por parte da criança, sugestão voluntária e involuntária, e aquilo que é chamado de "educação". Cada tentativa de despertar por parte da criança é imediatamente interrompida. Isso é inevitável. E muitos esforços e uma grande quantidade de ajuda são necessários para despertar mais tarde, quando milhares de hábitos compelidores do sono foram acumulados. E isso acontece muito raramente. Na maioria dos casos, um homem, quando ainda criança já perde a possibilidade de despertar e vive no sono durante toda a sua vida e no sono ele morre. Além disso, muitas pessoas morrem bem antes de sua morte física.

terça-feira, 21 de abril de 2009

Jalaluddin Rumi - Um homem falando com a sua casa


Eu digo que ninguém nesta caravana está acordado
e que enquanto você dorme, um ladrão está roubando
os sinais e os símbolos que você pensava que
fossem a sua vida.

Agora você está bravo comigo por
lhe falar isso! Preste atenção naqueles que
ferem seus sentimentos lhe falando a verdade.
Dar e receber elogios é como
tentar pintar na água, é insubstancial.


Foi assim que um homem falou uma vez com a sua casa:
“Por favor, se algum dia você estiver para desabar,
me avise”. Uma noite sem dizer nenhuma palavra a
casa caiu. “O que aconteceu com nosso acordo?”
A casa respondeu: “Dia e noite estive falando
para você através de rachaduras e tábuas quebradas e
buracos aparecendo como bocas abertas. Mas você
continuou remendando e tampando os buracos com barro, tão
orgulhoso de seu trabalho de pedreiro. Você não escutou”.


Essa casa é o seu corpo sempre
dizendo: “estou partindo, estou indo logo.” Não
se esconda daquele que conhece o segredo. Beba
o vinho do voltar-se para Deus.

Não examine sua urina. Ao invés,
examine como você louva,
o que que você deseja, este anseio que nos foi dado.

O outono vira amarelo pálido querendo
a primavera e a primavera chega! As sementes florescem.

Venha para o pomar e veja o que vem a você,
uma conversa silenciosa com a sua alma.