terça-feira, 20 de julho de 2010

Philokalia - São Gregório do Sinai - Instruções aos Aspirantes

Como guardar a mente


Você deveria saber que nenhuma pessoa pode guardar a mente por si mesma, se não for guardada pelo Espírito. A mente não pode ser guardada, não por causa de sua natureza móvel, mas porque através da negligência ela adquiriu o hábito de vagar e dar voltas aqui e ali. Quando através da transgressão dos mandamentos Daquele que nos regenerou nos tornamos separados de Deus, perdemos nossa união com Ele e destruímos em nosso sentimento um sentimento mental Dele. Uma mente assim inclinada e afastada de Deus é levada prisioneira para toda parte. E não há meios de reconquistar sua estabilidade exceto ao arrepender-se a Deus e unir-se com Ele através de frequentes e pacientes orações e ao mentalmente confessarmos nossos pecados para Ele a cada dia. Deus imediatamente perdoa aqueles que pedem perdão com humildade e contrição e que incessantemente invocam Seu nome sagrado. Quando através desse trabalho na oração a ação da oração torna-se estabilizada no coração, então a oração começa a manter a mente próxima, preenche-na com alegria e não deixa que ela se torne prisioneira. Entretanto, os devaneios dos pensamentos ocorrem mesmo após isso, pois os pensamentos se submetem completamente apenas àqueles que são perfeitos no Espírito Santo e que, através de Jesus Cristo, atingiram o estado livre de devaneios.


Como afastar os pensamentos


Nenhum iniciante jamais pode mandar embora um pensamento se Deus não mandá-lo embora. Apenas os fortes são capazes de lutar contra eles e bani-los. Mas nem mesmo eles alcançam isso por si mesmos, mas com a ajuda de Deus erguem-se para gladiar com eles, armados com Suas armas. Desse modo, quando os pensamentos vêm, chame nosso Senhor Jesus Cristo, frequente e pacientemente e eles irão se retirar, pois não podem suportar o aquecimento do coração produzido pela oração e fogem como se espantados pelo fogo. São João da Escada nos diz para açoitar nossos inimigos com o nome de Jesus; pois nosso Deus é fogo que devora o mal. O senhor é rápido em ajudar e rapidamente irá vingar aqueles que sinceramente chamarem-No dia e noite. Mas aquele que não possui a ação da oração pode conquistar os pensamentos de outra maneira, imitando Moisés. Pois se ele levanta e eleva seus olhos e mãos para o céu (Exod.xvii II) Deus manda embora os pensamentos. Após isso ele deveria novamente se sentar e pacientemente retornar a sua oração. Esse método é para o homem que ainda não atingiu a ação da oração. Mas até mesmo o homem que atingiu o método da oração, quando as paixões corpóreas como a preguiça e a luxúria, paixões graves e violentas, se agitam nele, ele frequentemente deve levantar-se e levantar suas mão para o céu para buscar ajuda contra elas. Ainda assim, para evitar a ilusão ele não deve fazer isso por muito tempo, mas um pouco depois deve sentar-se novamente, para impedir o inimigo de seduzir sua mente ao mostrar algum fantasma para ele. Pois apenas os puros e perfeitos podem ter uma mente a salvo de perigos.


A necessidade da auto-observação e da lembrança de Deus


Isaías o Eremita disse: 'Restrinja a mente irrestringível que se encontra espalhada e dispersa pelo poder do inimigo, o qual, através de nossa negligência, retornou mais uma vez após o Batismo à nossa alma indolente, juntamente com mais outros espíritos maus, de modo que, como disse o Senhor: “o último estado do homem se tornasse pior do que antes” (Mat. Xii 45) Em outro lugar é dito: “Um monge deveria ter a memória de Deus no lugar da respiração” ou como ainda em outro: “O amor da pessoa por Deus deveria vir primeiro do que a respiração”. São João da Escada nos aconselha: “Faça com que a lembrança de Jesus se combine com suas respirações – e então você conhecerá os benefícios do silêncio.” O Apóstolo afirma: “eu vivo, no entanto já não sou eu, mas é Cristo que vive em mim”, agindo e respirando a vida Divina (Gal. ii 20). O Senhor também diz: “o vento sopra onde ele é desejado” (João iii 8) tomando seu exemplo do sopro do vento físico. Purificados pelo batismo recebemos o noivado do Espírito, que deifica aqueles que compartilham nele e aumenta suas estaturas. Mas uma vez que negligenciamos os mandamentos - os guardiões da graça, mais uma vez caímos nas paixões e ao invés do sopro do Espírito Santo, nos tornamos preenchidos com o alento dos maus espíritos, a causa de toda a nossa desordem. Mas aquele que preservou o Espírito e foi purificado por Ele, é aquecido por Ele, inspirado pela vida Divina e então fala através Dele, pensa através Dele e se move através Dele, de acordo com as palavras do Senhor: “Pois não sereis vós que falareis, mas o Espírito do vosso Pai que falará em vós” (Mat. x.20). Da mesma maneira aquele que tem em si um espírito oposto ao Senhor e é possuído por ele, fala e age contra o Senhor.





Nós afirmamos que existem oito principais objetos da contemplação: o primeiro é Deus, invisível e sem forma, não-criado e sem começo, a causa de tudo o que existe, uma Deidade transubstancial em três pessoas; o segundo é a hierarquia e a ordem dos poderes imateriais; o terceiro – a composição das coisas visíveis; o quarto – o subsídio e a provisão Divina para o ordenamento de cada detalhe dos processos do Universo Criado, através do advento da Palavra; o quinto - a ressurreição geral; o sexto – a terrível segunda vinda de Cristo; o sétimo – o tormento eterno; o oitavo – o reino dos céus. Os quatro primeiros já se passaram e aconteceram, os quatro últimos estão ainda por vir e ainda não se manisfestaram, mas são claramente contemplados e reconhecidos por aqueles que alcançaram completa pureza da mente através da graça. Que aquele que aborda isso sem a luz da graça fique sabendo que apenas constrói fantasias e não contempla; uma vez que, enredado pelo espírito dos sonhos e das fantasias ele é apenas um sonhador.


É impossível para qualquer um aprender por si mesmo a arte da virtude, embora alguns tem usado sua própria experiência como um professor. Pois agir por suas próprias inclinações em vez de seguir os conselhos daqueles que já tiveram êxito, leva à uma opinião elevada sobre si mesmo. Pois se “O Filho não pode fazer nada por si mesmo, mas só o que Ele vê o Pai fazer; pois tudo o que Ele faz, o Filho faz igualmente' (João v 19), e o Espírito 'não falará de si mesmo' (João xvi 13), quem pode pensar que alcançou tais alturas da virtude que não necessita da orientação de alguém no meio dos mistérios? Em sua presunção tal homem parece mais louco do que virtuoso. Portanto, a pessoa deve escutar aqueles que experimentaram por si mesmos as dores e os labores da virtude ativa e praticá-la sob sua orientação, isto é, jejuns famintos, abstinências amargas, vigílias pacientes.

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A razão verdadeira, tal como a que possuía o homem no início, não pode ser possuída ou adquirida por homem nenhum, que primeiro não tenha se purificado e se tornado desprovido de paixões. Somos privados da pureza pelas tendências irracionais dos sentidos, e do estado sem paixões – pelo estado corrompido da carne.

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A razão verdadeira pertence apenas àqueles que se tornaram santos por adquirirem pureza. Ninguém que é sábio nas palavras jamais teve razão pura, porque desde o nascimento, deixaram seus poderes racionais serem corrompidos por pensamentos impróprios. O espírito sensorial e prolixo da sabedoria desta era, tão rico em palavras, que cria a ilusão de um grande conhecimento mas na verdade enche a pessoa dos pensamentos mais indomados, tem seu reduto nessa prolixidade, que priva o homem da sabedoria essencial, da verdadeira contemplação e do conhecimento do um e indivisível.

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Por conhecimento da verdade, entenda a apreensão direta da verdade através da graça. Todos os outros pensamentos deveriam ser chamados de manifestações dos significados da verdade e demonstrações de suas aplicações.

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Aqueles que perdem a graça, sofrem essa perda através de sua falta de fé e negligência, e aqueles que a adquirem novamente, o fazem através da fé e do zelo. Esses últimos movem-se adiante passo a passo, mas as anteriores voltam direto para trás.

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Cair numa insensibilidade como de uma pedra é o mesmo que morrer; da mesma forma também estar cego na mente é o mesmo que perder a visão dos olhos físicos. Pois aquele que caiu na insensibilidade é privado da força doadora da vida e aquele cuja mente está cega é privado da luz Divina através da qual um homem pode ver e pode ser visto.

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Apenas uns poucos recebem poder e sabedoria de Deus. Pois sabedoria significa compartilhar nas bênção Divinas e poder é mostrá-las. Mas esse compartilhar e passar para os outros é uma atividade realmente Divina, além dos poderes do homem.

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Um verdadeiro santuário, mesmo antes da vida por vir, é um coração livre de pensamentos, tornado ativo pelo Espírito. Pois ali tudo é dito e feito espiritualmente. Aquele que não atingiu certo estado, embora por causa de algumas virtudes ele possa ser uma pedra apropriada para ser usada para construir um templo para Deus, não é ele mesmo um templo nem um celebrante do Espírito.

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O homem é criado incorruptível e como tal ele será erguido dos mortos; mas nem imutável nem ainda mutável, mas possuindo poder de acordo com a inclinação de seu desejo de mudar ou de não mudar. O desejo não tem poder de dar à natureza o caráter de completa imutabilidade, essa última é a marca da futura deificação imutável.

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A corrupção é nascida da carne. Alimentar, excretar matérias supérfluas e manter sua cabeça orgulhosamente mesmo quando deitado para dormir são características dos animais e das bestas selvagens das quais co-participamos; pois, através da transgressão nos tornamos semelhantes às bestas e perdemos as bênção naturais dadas a nós por Deus, nos tornando como bestas em vez de seres racionais, e animais em vez de divinos.

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Aqueles que recebem a graça são pessoas que conceberam o Espírito e são ativos com Ele. Mas acontece deles jogarem longe a semente Divina seja pelas quedas ou por estarem viúvos de Deus através da comunhão com o inimigo escondido dentro deles. O abandono da graça é trazido pela ação das paixões (se a pessoa tira prazer da ação das paixões), e a graça é finalmente perdida através do cometimento dos pecados. Pois uma alma amante das paixões e dos pecados é privada da graça, varre-a para longe e se torna viúva; a partir daí ela se transforma em morada das paixões, se não dos demônios, tanto neste mundo quanto no próximo.


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É ordenado que o homem deve colocar antes de todas as coisas o mandamento – lembrar de Deus – do qual é dito: “lembra-te do Senhor teu Deus” (Deut. Viii 18). Pois, pelo reverso daquilo que pode nos destruir, ficaremos seguros. O que nos destrói é o esquecimento de Deus, que encobre os mandamentos na escuridão e nos despoja de todo o bem.

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Aquele que busca entender os mandamentos sem cumprir os mandamentos, e adquirir tal entendimento através de aprendizado e leitura, é como um homem que toma uma sombra como verdade. Pois a compreensão da verdade é dada àqueles que se tornaram participantes na verdade (que experimentaram-na ao vivê-la). Aqueles que não são participantes na verdade, que não são iniciados nela, quando buscam esta compreensão, traçam-na de uma sabedoria distorcida.

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Assim como os olhos físicos olham para letras escritas e recebem conhecimento delas através dos sentidos, também a mente, quando se torna purificada e retorna a seu estado original, olha para Deus e recebe conhecimento Divino Dele. Em vez de um livro ela tem o Espírito, em vez de uma caneta, pensamento e língua (“minha língua é a caneta' diz o salmo xlv I); em vez de tinta – luz. Mergulhando o pensamento na luz, de modo que o próprio pensamento se torna luz, a mente, guiada pelo Espírito, traça palavras nos corações puros daqueles que escutam. Então ele entende as palavras: “E eles serão ensinados de Deus” (João vi 45), e “ele que ensina ao homem o conhecimento” (Salmo xciv 10)

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Entenda que a lei dos mandamentos significa fé direta agindo no coração. Pois a fé dá a luz a todo mandamento e traz a iluminação às almas, que desse ponto em diante produzem frutos da verdade e da fé ativa: abstinência, amor, como o fim da perfeição, e humildade como um dom especial de Deus, segurando-os firmemente unidos.

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Ortodoxia real é o verdadeiro conhecimento das coisas visíveis e invisíveis: visíveis, isto é, sensoriais; invisíveis, isto é, do pensamento, intelecto, espírito e Deus.

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O objetivo final da Ortodoxia é o conhecimento puro dos dois dogmas da fé – A Trindade e a Dualidade; contemplar e conhecer a Trindade como indivisível e ainda assim não fundida; conhecer a Dualidade como as duas naturezas de Cristo unidas em uma pessoa – ou seja, conhecer e professar nossa fé no Filho de Deus tanto antes da incarnação, como depois da incarnação, louvá-Lo em Suas duas naturezas e dois testamentos não-fusionados, uma Divina e a outra humana.

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As três propriedades imutáveis e invariáveis das três Pessoas da Santíssima Trindade deveriam ser corretamente professadas: o caráter não-gerado, o gerado e a procissão: o Pai não-gerado e sem começo, O Filho, gerado e também sem começo, e o Espírito Santo, eternamente coexistindo, que procedeu do Pai e é concedido pelo Filho.

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A Trindade é simples unidade; ela não está fusionada – é três em um. O Deus Um tri-hipostático tem três hipóstases perfeitamente distintas em Si mesmo.

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Deus é conhecido e entendido em tudo em três hipóstases. Ele mantém todas as coisas e fornece para todas as coisas através de Seu Filho no Espírito Santo, e nenhum Deles, onde quer que seja invocado, é citado ou pensado como existindo aparte ou separadamente dos outros dois.

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Da mesma forma, o homem tem mente, palavra e espírito; e a mente não pode existir sem a palavra, nem a palavra sem o espírito, mas os três estão sempre um no outro, e ainda assim existem em si mesmos. A mente fala por meio das palavras e as palavras são manifestadas através do espírito. Esse exemplo mostra que o homem carrega em si mesmo uma frágil imagem do protótipo inefável, a Trindade, assim demonstrando que ele foi feito à imagem de Deus.

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A mente é o Pai, a palavra o Filho, o espírito é o Espírito Santo, como os divinos padres ensinam nesse exemplo, expondo o ensinamento dogmático da Trindade consubstancial e pré-existente, do Deus uno em três Pessoas, desse modo transmitindo a nós a verdadeira fé como uma âncora para a esperança. De acordo com as Escrituras, conhecer o Deus uno é a raiz da imortalidade e conhecer o domínio do três-em-um é a verdade total e completa.

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