quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Hazrat Inayat Khan - A Música das Esferas

Por este título: 'A Música das Esferas' não quero encorajar qualquer superstição, ou qualquer idéia que possa atrair as pessoas para os campos da curiosidade. Através deste assunto gostaria de dirigir a atenção das pessoas que buscam a verdade, para a lei da música, que está trabalhando por todo o universo e que, em outras palavras, pode ser chamada de lei da vida, o sentido de proporção, a lei da harmonia, a lei que traz equilíbrio, a lei que está escondida atrás de todos os aspectos da vida, que mantém este universo intacto e trabalha seu destino ao longo de todo o universo, cumprindo seu propósito.
Música, como conhecemos na nossa linguagem cotidiana, é apenas uma miniatura: aquilo que nossa inteligência tem apreendido desta música ou harmonia de todo o universo e que está trabalhando por trás de nós. A música do universo é o pano de fundo da pequena imagem daquilo que nós chamamos música. Nosso senso de música, a nossa atração por música mostra que a música está nas profundezas do nosso ser. Música está por trás do trabalho de todo o universo. Música não é só o maior objeto da vida, mas música é a própria vida.
Hafiz, nosso grande e maravilhoso poeta da Pérsia, diz: "Muitos dizem que a vida entrou no corpo humano através da ajuda da música, mas a verdade é que a própria vida é música'. Gostaria de lhe dizer o que o fez dizer isso. Existe uma lenda no Oriente, que relata que Deus fez uma estátua de argila à Sua própria imagem, e pediu à alma para entrar nela. Mas a alma se recusou a entrar naquela prisão, pois sua natureza é voar livremente e não ser limitada ou estar vinculada a qualquer espécie de cativeiro. A alma não desejava de forma nenhuma entrar naquela prisão. Então, Deus pediu aos anjos para que tocassem sua música e, conforme os anjos tocaram, a alma foi movida para o êxtase. Sob o efeito daquele êxtase, a fim de tornar mais clara aquela música para si própria, ela entrou neste corpo. É uma bela lenda, e muito mais belo é o seu mistério. A interpretação dessa lenda explica-nos duas grandes leis. Uma delas é que a liberdade é a natureza da alma, e para a alma todo o drama da vida é a ausência de liberdade, que é pertencente à sua natureza original. O próximo mistério que essa lenda nos revela, é que a única razão pela qual a alma entrou no corpo de argila ou na matéria, foi a de experimentar a música da vida e tornar esta música clara para si mesma. E quando somamos esses dois grandes mistérios, um terceiro mistério, que é o mistério de todos os mistérios, vem à nossa mente: que a ilimitada parte de nós mesmos se torna limitada e presa à terra com o objetivo de tornar esta vida, que é a vida exterior, mais inteligível. Portanto, há uma perda e um ganho. A perda é a perda da liberdade e o ganho, é a experiência da vida que é totalmente adquirida pela vinda a esta limitação da vida que chamamos a vida de um indivíduo.
O que nos faz sentir atraídos por música é que todo o nosso ser é música: a nossa mente, nosso corpo, a natureza em que vivemos, a natureza que nos fez, tudo o que está por baixo e em torno de nós, tudo é música. Sendo que estamos perto de toda esta música e vivemos, nos movemos e temos nosso ser na música, por isso ela nos interessa. Ela atrai a nossa atenção e nos dá prazer, pois corresponde ao ritmo e ao tom que estão mantendo o mecanismo de todo o nosso ser intacto. O que nos agrada em qualquer uma das nossas artes, seja desenho, pintura, arquitetura ou escultura, e o que nos interessa na poesia, é a harmonia que está por detrás deles, que é a música. É música que a poesia sugere para nós: o ritmo da poesia ou a harmonia de idéias e frases. Além disso, na pintura e no desenho é o nosso senso de proporção e nosso senso de harmonia o que nos dá todo o prazer que obtemos ao admirar arte. O que nos compele a estar perto da natureza é a música da natureza e a música da natureza é mais perfeita do que a da arte. Temos uma sensação de exaltação ao nos deslocarmos por um bosque, olhar para o verde, estar perto da água corrente que têm o seu ritmo, seu tom e harmonia. O movimento pendular dos ramos na floresta, o surgimento e a queda das ondas - tudo tem a sua música. Depois de contemplarmos e nos tornarmos um com a natureza, nossos corações abrem-se para sua música. Nós dizemos: 'Gosto da natureza', e o que é que desfrutamos na natureza? É a sua música. Algo em nós foi tocado pelo movimento rítmico, pela harmonia perfeita que é tão raramente encontrada nesta nossa vida artificial. Ela nos eleva e nos faz sentir que é este o verdadeiro templo, a verdadeira religião. Um momento passado no meio da natureza com o coração aberto é toda uma vida, se estamos em sintonia com a natureza.
Quando olhamos para o cosmos, os movimentos das estrelas e dos planetas, as leis da vibração e ritmo - tudo perfeito e imutável - isso nos mostra que o sistema cósmico está trabalhando pela lei da música, a lei da harmonia. Sempre que há falta de harmonia de qualquer tipo no sistema cósmico, de maneira proporcional, catástrofes acontecem no mundo e sua influência é vista em muitas forças destrutivas que manifestadas no mundo. Se há algum princípio sobre o qual toda a lei astrológica está baseada - e as ciências da magia e misticismo por trás dela - é o da música. Portanto, tanto no caso das almas mais iluminadas que já viveram neste mundo, como no dos maiores de todos os profetas da Índia - suas vidas foram música. A partir da miniatura de música que entendemos, eles se expandiram para todo o universo da música e dessa forma foram capazes de inspirar. Aquele que encontra a chave para a música de todo o trabalho da vida é aquele que passa a ser intuitivo, que tem inspiração; é ele a quem as revelações se manifestam, para, em seguida, sua linguagem tornar-se música.
Cada objeto que vemos é revelador. De que forma? Ele nos diz o seu caráter, sua natureza e seu segredo. Toda pessoa que vem até nós nos conta seu passado, presente e futuro. De que maneira? Cada presença explica-nos tudo o que contém. Como? Sob a forma de música - se apenas pudermos ouvi-la. Não existe nenhuma outra língua: é ritmo, é tom. Nós a escutamos, mas não com nossos ouvidos. Uma pessoa amigável mostra harmonia em sua voz, suas palavras, seus movimentos e forma. Uma pessoa não amigável, em todos os seus movimentos, no seu olhar e expressão, em sua caminhada, em tudo, vai mostrar desarmonia - apenas quando podemos ver. Eu costumava me divertir na Índia com um amigo que ficava contrariado muito facilmente. Às vezes, quando ele me visitava eu dizia: "Você está contrariado hoje?" Ele perguntava: "Agora, como você sabe que estou contrariado hoje?" Eu respondia: "Seu turbante me diz. A maneira que você prendeu seu turbante não mostra harmonia".
Cada ação nossa mostra uma atitude harmônica ou desarmônica. Há muitas coisas que você pode perceber na caligrafia, mas a principal coisa na leitura da escrita manual são as curvas harmoniosas e desarmoniosas. Elas quase falam com você, e dizem o humor em que a pessoa escreveu. A escrita à mão diz muitas coisas: o grau de evolução do escritor, a sua atitude perante a vida, o seu carácter. Você não precisa ler a carta, você só tem de ver a sua caligrafia, pois as linhas e curvas mostrarão se ele é harmonioso ou não - isso se você puder ver.
Mas em cada ser vivo você pode ver isso, e se você olhar com uma visão aberta para a natureza das coisas, irá ler até mesmo na árvore - a árvore que dá frutos ou flores - que música que ela expressa. Você pode ver a partir da atitude de uma pessoa se essa pessoa será seu amigo ou vai acabar sendo seu inimigo. Você não precisa esperar até o fim, você pode ver à primeira vista se ele está inclinado amigavelmente ou não, porque cada pessoa é música, música perpétua, continuamente tocando dia e noite. Sua faculdade intuitiva pode ouvir essa música e essa é a razão pela qual uma pessoa é repelente e a outra tão atraente: trata-se da música que elas exprimem. Suas atmosferas estão carregadas dela.
Existe uma história de Umar, o conhecido califa da Arábia. Alguém que queria prejudicar Umar estava procurando por ele, e ele soube que Umar não vivia em palácios - embora fosse um rei - mas que ele passava a maior parte do seu tempo com a natureza. Esse homem ficou muito feliz ao pensar que agora ele teria todas as oportunidades para realizar seu objetivo. Conforme ele se aproximou do local onde estava sentado Umar, quanto mais perto que ele chegava, mais sua atitude mudava, até que ao final ele deixou cair o punhal que estava em sua mão, e disse: "Eu não posso prejudicar-te. Diga-me, qual é o poder em você que me priva de conseguir o objetivo que vim levar a cabo?" Umar respondeu: "Meu 'em-um-mento' (at-one-ment -"união") com Deus". Sem dúvida este é um termo religioso, mas o que significa - "em-um-mento" (at-one-ment) com Deus? É estar em sintonia com o Infinito, em harmonia com todo o universo. Em palavras simples, Umar foi o receptáculo da música de todo o universo.
O grande encanto que a personalidade dos santos tem mostrado em todos os tempos foi sua resposta à música de todo o Ser. Esse tem sido o segredo de como eles se tornaram os amigos dos seus piores inimigos. Mas este não é unicamente um poder dos santos, ele é manifesto em toda pessoa em maior ou menor grau. Todos mostram harmonia ou desarmonia de acordo com o quanto estão abertos para a música do universo. Quanto mais estamos abertos a tudo o que é belo e harmonioso, mais nossa vida está sintonizada com essa harmonia universal, e quanto mais você mostrar uma atitude amigável para com todos que encontra, sua própria atmosfera criará música em torno de si.
A diferença entre o ponto de vista material e o espiritual é que o ponto de vista material vê a matéria como a primeira coisa, a partir da qual a inteligência, a beleza e tudo o mais evoluem posteriormente. Do ponto de vista espiritual, vemos a inteligência e a beleza em primeiro lugar e com elas vem tudo o que existe. De um ponto de vista espiritual, vemos que o que consideramos por último é o mesmo que o primeiro. Portanto, na essência de todo este Ser - como sua base - há música, da mesma forma que podemos ver que, na essência da semente da rosa existe a rosa, a sua fragrância, forma e beleza. Apesar da semente não estar manifesta, ao mesmo tempo isso está lá na sua essência. Aquele que se sintoniza não apenas com o Ser exterior, mas também com o interior e com a essência de todas as coisas, recebe um insight sobre a essência de todo o Ser, e, portanto, pode encontrar e apreciar o aroma e flor que ele vê na rosa, na mesma medida, mesmo sendo na semente.
O grande erro desta era é que a atividade tem aumentado tanto, que há pouca margem deixada para o descanso da vida cotidiana. Repouso é o segredo de toda a contemplação e meditação, o segredo de ficar em sintonia com esse aspecto da vida que é a essência de todas as coisas. Quando não se está acostumado a ter descanso, não se sabe o que está por detrás do seu ser. Essa condição é experimentada primeiro ao preparar o corpo e também a mente, por meio da purificação. E, tornando os sentidos mais refinados, tornamos-nos capazes de sintonizar nossa alma com todo o Ser. Parece complexo, e ainda é tão simples. Quando estamos abertos a um velho amigo na vida, sabemos muito sobre ele. É apenas a abertura do coração, é o 'em-um-mento' com nosso amigo; sabemos seus defeitos e os seus méritos. Sabemos como experimentar e desfrutar da amizade. Onde há ódio, preconceito e amargura, existe perda de compreensão. Quanto mais profunda é a pessoa, mais amigos ela tem. É pequenez, estreiteza, falta de desenvolvimento espiritual, o que torna uma pessoa exclusivista, distante e diferente dos outros. Ela sente-se superior, maior e melhor do que os outros; sua atitude amiga parece ter sido perdida. Dessa forma ele se aparta dos outros, e nisso reside a sua tragédia. Essa pessoa nunca é feliz. Aquele que é feliz é o que está pronto para ser amigo de todos. Sua visão sobre a vida é amigável. Ele não é amigável apenas com as pessoas, mas também com objetos e condições. É por essa atitude de amizade que o homem se expande e quebra aqueles muros que o mantém na prisão. E, é ao quebrar os muros que ele experimenta o 'em-um-mento' com o Absoluto. Este 'em-um-mento' com o Absoluto manifesta-se como a música das esferas, e isso ele experimenta de todos os lados: a belezas da natureza, a cor das flores, tudo o que vê, todos que encontra. Nas horas de contemplação e solidão e nas horas em que está no mundo, a música sempre está ali e ele está sempre desfrutando da harmonia.

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